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8 Artigos de André Goffeau, Francisco Mauro Salzano e Marco Antônio Zaga avaliam a importância estratégica da conclusão do seqüenciamento do genoma humano
14 FAPESP inicia o Projeto Genoma Estrutural, para análise da estrutura tridimensional de proteínas expressas pelos genes
Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de Fabio Colombini
EDITORIAL
MEMORIAS
OPINIÃO
POLíTICA CIENTÍFICA E TECNOL0GICA
CIÊNCIA
TECNOLOGIA
HUMANIDADES
LIVRO
LANÇAMENTOS
ARTE FINAL
5 6 7 8
20 38 50 56 57 58
28 Pesquisador brasileiro ajuda a decifrar o enigma de Eta Carinae, uma estrela supergigante que às vezes deixa de brilhar
38 Um ano depois de criado, o Projeto de Unidades Móveis (Prumo) atinge a marca de 150 empresas atendidas
50 As telenovelas, analisadas do ponto de vista estético e sociológico, mostram-se como um material rico para compreender o país
PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 2000 • 3
PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE
PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO
FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO
MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR
PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI
VAHAN AGOPYAN
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI
DIRETOR PRESIDENTE
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EQUIPE RESPONSÁVEL
CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ
EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA
EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA
EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA)
MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)
DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA T ÃNIA MARIA DOS SANTOS
COLABORADORES ANAWEISS
BEATRIZ VELLOSO CLAUDIA IZIQUE
CLÁUDIO EUG~NIO LUCAS ECHIMENCO
MARIA APARECIDA MEDEIROS MYRIAN CLARK
THEREZA L O. DE ALMEIDA ULISSES CAPOZOLI
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ENCARTE ESPECIAL PENSANDO EM SÃO PAULO:
DESENVOLVIMENTO E EMPREGO
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TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES
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ECONÔMICO
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4 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Correção
A lobeira, alimento do logo-guará
Recebi um exemplar da revista Pesquisa FAPESP no 52, que traz a reportagem sobre o lobo-guará, e gostei muito. Lamentavelmente, no entanto, uma das fotos publicadas naquela reportagem está com a legenda incorreta: a foto do fruto refere-se a uma planta arbustiva cujos frutos eram muito consumidos pelos lobos na Serra da Canastra, com nome científico de Parinari obtusifolia. Na revista, ela foi identificada como lobeira (Solanum lycocarpum).
JOSt CARLOS MOTTA JúNIOR
São Paulo, SP
SOO Anos de C&T
Foi com grande alegria que recebi o n° 52 da revista Pesquisa FAPESP, principalmente o suplemento especial. Devorei avidamente o trabalho, que tem o mérito de resgatar com muita propriedade nosso desenvolvimento científico e tecnológico. Sou um livreiro importador de publicações científicas há quase 40 anos e tive a honra e o prazer de atender e conviver com muitas das personalidades citadas, ao longo desses difíceis anos, inclusive um dos autores desse trabalho, J. Jeremias de Oliveira Filho.
JONNY WOLFF
São Paulo, SP
Entre minhas atividades de ensino e pesquisa, destaca-se meu interesse pela história da ciência e da tecnologia. Fiquei muito contente quando soube da publicação do suplemento especial da revista Pesquisa FAPESP, tratando do tema "SOO anos de C&T no Brasil".
Revista
PROF. CARLOS ALBERTO DOS SANTOS
Instituto de Física, UFRGS, Porto Alegre, RS
Em reunião da diretoria, a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) deliberou um voto de júbilo e congratulações com a revista Pesquisa FAPESP, por sua vitória no Prêmio José Reis de Jornalismo Científico. Merecido. Agora ficamos aguardando que a revista cresça ainda mais: há bastante a percorrer.
Joslô HAMILTON RIBEIRO
Presidente da ABJC São Paulo, SP
Cumprimentos pela alta qualidade da nova Pesquisa FAPESP.
JÃNIO DE FREITAS
Rio de Janeiro, RJ
Meus parabéns à FAPESP pela qualidade da revista que vem sendo editada, destacando, de maneira jornalística, informações sobre pesquisas nas diversas áreas do conhecimento. A informação científica no Brasil ainda é incipiente e a iniciativa desta instituição na edição mensal de uma revista científica de qualidade é muito gratificante para nós, pesquisadores. Convém ressaltar também os encartes sobre patentes e sobre os SOO anos de ciência e tecnologia no Brasil.
PROFA. VANDERLAN DA SILVA BOLZANI
Instituto de Química - UNESP Araraquara, SP
EDITORIAL
O retorno econômico e social do conhecimento
A digestão dos insetos tem tudo a ver com a agricultura e a economia
Oconhecimento abre portas às vezes insuspeitas. Mesmo quando ele está voltado para aspectos básicos da ciência, aparen
temente sem qualquer vínculo com uma aplicação prática. Mas só aparentemente. É o caso de um amplo estudo sobre a digestão dos insetos, tema da reportagem de capa desta edição. Um tema que, de início, poder-se-ia supor ser de interesse basicamente de alguns especialistas em Fisiologia, Entomologia, Química ou áreas correlatas, que passam anos debruçados sobre esses pequenos
alimento. Assim, a pesquisa, que não previa aplicações práticas, além das repercussões econômicas, tem um significativo impacto ambiental. As conclusões a se tirar disso são óbvias. Primeiro, já não há limites entre a pesquisa básica e a aplicada. Segundo, o conhecimento científico está por trás das grandes descobertas e desenvolvimentos.
A edição traz, também, três artigos de especialistas sobre o significado e os desdobramentos do
seqüenciamento do genoma hu-mano e, entre outras, uma reportagem sobre a Eta Carinae, uma enig
animais, aprendendo, à primeira vista apenas por puro deleite, como funciona o seu organismo e as enzimas que realizam sua digestão. Ledo engano. O conhecimento sobre esses mecanismos bioquímicos dos insetos - uma classe que abriga cerca de 70% de todas as espécies animais e da qual fazem par-
"o conhecimento científico está
mática estrela da constelação de Carina que, em intervalos aproximados de cinco anos e meio, perde luminosidade, numa proporção equivalente ao brilho de 60 sóis num único dia. Seus mecanismos foram melhor compreendidos nos últimos anos, devido à persistência
por trás de toda grande descoberta e desenvolvimento,
te as mais vorazes e insaciáveis pra-gas agrícolas - foi a porta para o desenvolvimento de mecanismos capazes de interferir naquele pro-cesso: bloqueando-lhes a digestão, os insetos morrem de inanição.
Não é pouca coisa nem são re-sultados restritos a perpetuar trabalhos puramente acadêmicos. Ao contrário, têm repercussões amplas. No Brasil, a cada ano os insetos devoram aproximadamente, em média, 11 milhões de toneladas da produção agrícola nacional, incluindo arroz, feijão, soja, milho, café, algodão, cana-deaçúcar, hortaliças e frutas. No caso específico do arroz, de cada dez quilogramas produzidos no campo, as pragas comem quase três. Para um país com necessidade de aumentar a sua produção agrícola, tanto para baratear a oferta de alimentos no mercado interno quanto para gerar excedentes para exportação, são perdas econômicas consideráveis. Mas há, ainda, um outro aspecto da questão. Para combater essas pragas, os agricultores aplicam anualmente, sobre suas plantações, cerca de 20 mil toneladas de inseticidas, com graves conseqüências para o ambiente e para o próprio
de um pesquisador brasileiro que, por diversas vezes, teve que convencer colegas de institutos internacionais a apontarem seus telescópios mais potentes para a estrela, até
·comprovaram suas idéias, que ganham crescente respeito no mundo científico.
Pesquisa FAPESP destaca, ainda, em três reportagens, soluções tecnológicas simples mas de impacto para as empresas e a economia. Uma delas mostra os bons resultados obtidos por um projeto de inovação tecnológica em parceria, que levou a 150 micro e pequenas empresas do setor de plástico um laboratório móvel com instrumentos para teste e processamento de experimentos úteis às indústrias, com enormes benefícios na qualidade dos produtos. Uma outra pesquisa trouxe uma surpreendente solução para o problema do canibalismo, estresse e baixa reprodução em cativeiro do peixe matrinxã, viabilizando a sua criação. Para completar, a revista publica o primeiro de uma série de três encartes especiais sobre os seminários sobre Ciência e Tecnologia realizados no âmbito do Fórum São Paulo Século 21, promovidos pela Assembléia Legislativa do Estado.
PESQUISA FAPESP • JUNHO OE 1000 • 5
Educador com visão ampla Anísio Teixeira lutou durante 40 anos por uma escola pública de qualidade
"Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância. Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola." Começa assim um manifesto publicado pela imprensa nacional no dia 15 de abril de 1958, assinado pelo educador Anísio Teixeira, internacionalmente reconhecido, cujo centenário de nascimento se completa este ano.Seminários e debates programados na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul retomam até o final do ano as idéias e os ideais deste baiano de Caetité, formado em Direito na Universidade do Rio de Janeiro, que se tornou uma presença marcante em Educação e Ciência no Brasil durante quatro décadas. Nos anos 30, assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que divulgava as diretrizes de um programa de reconstrução educacional do País, e criou no então Distrito Federal uma rede municipal de ensino da escola primária à universidade. Ampliou as matrículas, fortaleceu a formação dos educadores e enriqueceu o dia-a-dia
6 · JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Anísio Teixeira e uma de suas obras, a Escola Parque, de Salvador: educação como base da democracia
dos estudantes com atividades como o canto-coral e a radioescola. Durante o Estado Novo, afastou-se da vida pública e, refugiado no sertão da Bahia, dedicou-se ao comércio de minérios. Em Salvador, como secretário de Educação e Saúde, criou em 1950 a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, para desenvolver pesquisas, sobretudo as sociais, a longo prazo. Outra de suas obras começa a funcionar também em 1950: o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro ou Escola Parque, em Salvador, com educação integral para as crianças, incluindo aulas de ofícios (marcenaria e sapataria, por exemplo) e de artes, orientadas por artistas como Carybé e Mário Cravo.
Ao lado do antropólogo mineiro Darcy Ribeiro, criou e dirigiu, nos primeiros tempos, a Universidade de Brasília (UnB), sempre preocupado com o ensino público em todos os níveis. "Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública", dizia.Anísio Teixeira transferiu-se para os Estados Unidos nos anos 60, retirado pelo regime militar do cargo de reitor da UnB. Faleceu a 11 de março de 1971 em condições nunca esclarecidas. Foi encontrado morto, com um hematoma no rosto, no poço de um elevador de um edifício do bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.
OPINIÃO
CARLOS ALFREDO ]OLY
CURUPIRA x BIOPIRATARIA O Acordo de Cooperação Técnica entre a BioAmazônia e a Novartis
Em 29 de maio a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (BioAmazônia), braço operacional do
Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem) do Ministério da Ciência e Tecnologia, assinou um Acordo de Cooperação Técnica com a multinacional Novartis Pharma AG, sediada na Suíça.
O acordo prevê que a Novartis terá, nos próximos dez anos, a exclusividade na pros-pecção e comercialização de drogas e produtos farmacêuticos oriundos
naturais com a melhoria da qualidade de vida da humanidade. A questão, portanto, não é se devemos ou não estimular a bioprospecção, mas sim em que condições devemos fazê-lo.
Até a assinatura da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), em 1992, o acesso aos recursos genéticos era livre, pois a biodiversidade era considerada um patrirnônio da humanidade. Com a CDB, os países signatários passaram a ter direi-
tos sobre seus recursos biológicos e o dever de zelar pela sua conservação e utilização sustentável. Passa-
de microrganismos e plantas da Amazônia Legal. A sua assinatura gerou mais protestos do que a assinatura, em 1999, de um acordo semelhante entre a Extracta (instituição ligada ao grupo estrangeiro Xenova Discovery, que atua na prospecção de novas drogas) e a multinacional britânica Glaxo Wellcome.
"A questão ram a ter a obrigação de regulamentar o acesso à sua biodiversidade, garantindo a repartição justa e eqüitativa dos benefícios oriundos do uso desses recursos e/ou de produtos derivados destes. Os signatários se comprometeram também a respeitar o conhecimento das comunidades tradicionais e/ ou indígenas, garantindo-lhes o retorno derivado
não é se devemos ou não estimular
Na comunidade científica as opiniões são díspares. Alguns pesquisa-
a bioprospecção, mas em que condições devemos fazê-lo,
dores consideraram a oportunidade "imperdível", pois finalmente esta-ríamos transformando o jargão "a biodiversidade é a maior riqueza do nosso país" em dólares. Outros con-sideraram o valor do acordo, cerca de US$ 3 milhões em três anos fora o 1 o/o dos eventuais royalties, tão baixo que a iniciativa só teria sentido se tivesse como objetivo estimular a aprovação da lei que regulamenta o Acesso aos Recursos Genéticos. Um terceiro grupo se alinhou com as ONGs, parte do Conselho Técnico-Científico da própria BioAmazônia e o Ministério do Meio Ambiente, no repúdio ao acordo.
Na minha opinião é imprescindível que se inicie a bioprospecção da biota brasileira, pois é através dos benefícios advindos de sua exploração sustentável que mudaremos nosso modelo econômico. A conservação da natureza deixará de ser vista como um obstáculo para o desenvolvimento e passará a ser o sustentáculo de um novo paradigma, que associa o uso sustentável dos recursos
da sua exploração comercial. O acordo entre a Bio-Amazônia
e a Novartis é ilegal porque fere uma convenção internacional da qual o Brasil é signatário. Desrespeitando a CDB e sem uma legislação nacio-
nal, não temos nenhuma garantia de que o acordo resguarde os interesses do povo brasileiro.
A urgência da questão contrasta com a morosidade de sua tramitação no Congresso, onde desde 1995 se discute o projeto de lei da senadora Marina Silva. Neste cenário, não seria nenhuma surpresa a arbitrária edição de uma medida provisória para dar respaldo legal ao referido acordo e tirar dos brasileiros a possibilidade de ver esta questão discutida e equacionada no seu parlamento.
CARLOS ALFREDO ]OLY é biólogo, professor da Unicamp e coordenador do Programa Biota-FAPESP
Obs.: Artigo escrito antes da edição da Medida Provisór ia 2.052, de 29 de junho de 2000.
PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 1000 • 7
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
GENOMA HUMANO
N o dia 26 de junho, simultaneamente em Washington e Londres, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, anunciaram a finalização do mapeamento do ge
noma humano pelos dois grupos rivais empenhados na tarefa: o consórcio público internacional Projeto Genoma Humano, coordenado por Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, e a empresa privada norte-americana Celera Genomics, de Craig Venter. O feito foi notícia no mundo inteiro e comparado por Clinton, do ponto de vista do seu impacto no conhecimento, à descoberta da América e à chegada do ser humano à Lua. Para os cientistas, algo que deverá revolucionar a Medicina no futuro, mas que, por enquanto, é só o começo de uma longa jornada na tentativa de aprender a ler um livro, do qual se tem apenas as letras e palavras.
De qualquer forma, o anúncio do mapeamento já deflagrou o acirramento do debate sobre se os genes devem ser patenteados ou ser públicos, isto é, colocados à disposição de cientistas de todo o mundo. Outras questões complexas e relevantes na área da bioética também deverão dominar a cena, nos próximos anos.
Pesquisa FAPESP pediu a três especialistas que escrevessem sobre o mapeamento do genoma humano e seus desdobramentos, de diferentes ângulos: André Goffeau, pesquisador do Instituto Curie, de Paris, coordenador do primeiro projeto de seqüenciamento de um organismo complexo, a levedura, realizado por uma rede de laboratórios europeus, e supervisor internacional do Projeto Genoma Xylella, destacou a necessidade do domínio público da informação genética; Marco Antônio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e coordenador de um dos centros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer, escreveu sobre a era pós-genômica e oBrasil; enquanto o geneticista Francisco Mauro Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tratou da evolução da genética e da genômica e seus novos desafios como Ciência.
8 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Três especialistas avaliam a importância do seqüenciamento do genoma humano
E hora de . , . rever pr1nc1p1os • mora1s
e políticos A sociedade civil foi a vencedora na disputa entre empresa privada e governos
ANDRÉ GOFFEAU
O anúncio do seqüenciamento do genoma humano, no dia 26 de junho, não trouxe nenhuma novidade do ponto de vista científico. Os administradores dos dois projetas de seqüenciamento do genoma huma
no - o da Celera e o Projeto Genoma Humano - fizeram, sem muita convicção, um acordo de publicação simultânea de seus resultados. A questão de saber se os resultados dos dois grupos serão totalmente públicos e gratuitos não foi levantada, pelo menos publicamente.
Não há dúvidas de que aCelera, uma empresa privada, leva vantagem sobre o Projeto Genoma Humano, financiado pelo governo dos Estados Unidos e instituições internacionais. Há duas razões para isso. A Celera está de posse dos resultados do Projeto Genoma Humano enquanto o inverso não é verdadeiro. Além do mais, a Celera tem uma infra-estrutura de informática mais poderosa para o agrupamento das seqüências. E, por fim, foi a Celera que impôs ao governo norte-americano e às instituições internacionais sua estratégia de acelerar o seqüenciamento do genoma humano.
Mas, nesta disputa entre empresa privada, governo e instituições envolvidas, o verdadeiro vencedor é a sociedade civil, formada pela comunidade de cientistas "públicos" que fizeram pressão do ponto de vista moral, políti-
co e econômico- via manipulação do stock exchange rate- para impedir que mais de 3 bilhões de anos de evolução humana fossem monopolizados por al-guma companhia de biotecnologia, produto típico da cultura dominante contemporânea, governada apenas pelo lucro a curto prazo.
Um dos fatores que criaram essa situação, na qual por pouco não se chegou a monopolizar conhecimentos cruciais para o progresso das ciências biológicas, foi a legislação das patentes que, tanto nos Estados Unidos como na Europa, autoriza o patenteamento não apenas de espécies vivas modificadas geneticamente, como também de genes isolados.
Mas, e agora, depois que foi anunciado o seqüenciamento do genoma humano? Ainda falta terminar muitas outras tarefas importantes, entre elas o estudo do genoma dos grandes parasitas que se multiplicam nas populações pobres e que não interessam às empresas farmacêuticas; a análise do genoma dos camundongos e o estudo de seus mutantes; as variações individuais do genoma humano; e o genoma das plantas cultivadas e de seus patógenos, área onde, aliás, a FAPESP criou um nicho que deve explorar energicamente.
O fundamental é que não se pode iludir o público. Há dez anos que se busca o seqüenciamento do genoma humano. A fase atual, de deciframento do código genético, levou dois anos. Serão necessários mais dez anos até que esses novos conhecimentos se traduzam em novos medicamentos ou curas que, certamente, serão caros e privilégio dos ricos. Os demais continuarão a sofrer de desnutrição e de infecções diversas ainda por várias décadas.
Somente uma revisão dos princípios morais e políticos que conduziram a que o conhecimento científico fosse adquirido e utilizado em algumas regiões do planeta, para benefícios de poucos, poderá acelerar o aparecimento de uma sociedade igualitária, solidária e fraterna. De resto, nos cabe esperar que o conhecimento do genoma humano e de suas fracas variações entre etnias dê um golpe mortal em certos argumentos racistas.
ANDRÉ GOFFEAU é pesquisador do Instituto Curie, de Paris, coordenador do projeto de seqüenciamento da levedura e membro do Steering Committe do Projeto Genoma Xylella
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 9
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Genoma humano e a era
T A e
pos-genom1ca no Brasil Temos de ver como o seqüenciamento afeta o planejamento científico no Brasil
MARCO ANTONIO ZAGO
O anúncio de que o projeto de seqüenciamento do genoma humano entra em fase de finalização foi saudado como um marco da história da humanidade, comparado à invenção da escrita e da imprensa e
à chegada do homem à Lua (http://www.sanger.ac.uk!). De fato, nada tão excepcional ocorreu naquele dia, mas sim na década que o antecedeu. A verdadeira revolução da biologia e da medicina consolidou-se quando os doentes de diabete ou com anemia da insuficiência renal começaram a ser tratados com insulina ou eritropoetina humana recombinante, e quando substâncias como fatores de crescimento, cuja existência presumível era demonstrada indiretamente, passaram a fazer parte do arsenal terapêutico cotidiano.
Nem por isso aquela será uma data sem conseqüências. O conhecimento completo da estrutura do genoma humano não levará por si só a resultados práticos imediatos, pois um número considerável de interações possíveis entre as diferentes proteínas e genes terá que ser explorados antes que a atividade biológica possa ser compreendida a partir das relações do genoma com o ambiente. A enorme plasticidade dos sistemas biológicos mais simples garante que esta não será uma tarefa trivial no ser humano. No entanto, o conhecimento,
ainda que incompleto, do genoma humano tem o importante papel de fixar o limite e, com considerável precisão, o formato da informação, e passamos a trabalhar com o quadro completo e não apenas com uma parcela dele. Mas a conseqüência mais importante é que isto torna possível e necessário o planejamento e a concretização das próximas etapas.
E quais são as próximas etapas? Não é difícil especular quanto ao futuro imediato, porque a era pósgenômica começou de fato há algum tempo e já está produzindo resultados. O estudo da expressão do genoma completo do S. cerevisae, a análise da expressão de 8.600 genes em células humanas e de 6.800 genes em neoplasias humanas oferece-nos uma visão completamente nova da vida da célula (Science 283:83, 1999; PNAS97: 3364, 2000; Science286:531, 1999).Alguns enfoques mais significativos com relação à era pós-genômica humana são indicados no quadro anexo.
MARco ANTONTO Z AGO é professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, diretor técnico-científico do Hemocentro de Ribeirão Preto e coordenador de um dos centros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer
I O • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Uma questão mais relevante no momento é procurar responder de que forma isto afeta o planejamento científico no Brasil? Quais devem ser nossas preocupações e responsabilidades específicas como pesquisadores, além daquelas que são comuns a todos os cidadãos? Devemos responder partindo do recente sucesso da iniciativa da FAPESP no seqüenciamento de genomas, iniciando pela Xylella, que implantou um modelo bem-sucedido (trabalho descentralizado e em rede, objetivo simples e bem definido, colaboração interna e não competitiva dentro do grupo, supervisão por steering committee externo).
O sucesso do esforço inicial, centrado em um genoma simples, permitiu uma rápida escalada dos organismos a serem estudadas ou considerados para estudo (X. citri, cana-de-açúcar, parasitas, vírus, entre outros). No entanto, apenas o Projeto Genoma Humano do Câncer (PGHC) envolveu-se até o momento, e de uma maneira indireta, na área mais complexa e competitiva do genoma humano, na verdade uma forma de abordagem pós-genômica, pois focaliza seqüências expressas (derivadas do mRNA) e não o DNA. O desenvolvimento desse projeto tornou evidentes as vantagens dessa estratégia, que levou, por exemplo, à identificação de quase meio milhão de seqüências de ESTs em um ano (comparado com 760 mil no projeto CGAP do National Cancer Institute dos Estados Unidos em três anos) e permitiu a descoberta de mais de uma centena de genes ao longo da seqüência publicada do cromossoma 22. O Projeto Genoma Humano do Câncer deve, pois, servir de base para ampliar a iniciativa dos pesquisadores paulistas em relação ao genoma humano, objetivando a identificação de genes e
capara fins médicos. Uma forma limitada dessa abordagem seria a constituição de redes de colaboradores constituídas por grupos clínicos e cirúrgicos para selecionar, seguir e tratar pacientes com doenças definidas e segundo protocolos padronizados, correlacionando os resultados com variações da expressão de genes, no sentido de identificar genes que são relevantes para o diagnóstico, prognóstico ou resposta terapêutica. Formatos mais ambiciosos de projetos de epidemiologia genética já estão em andamento na Islândia e Inglaterra ( Science 287:1184, 2000) .
Antagem da rede ONSA e os diferentes proos genomas da FAPESP mudaram as caracerísticas de uma grande parcela da comunidade científica de São Paulo, provocando um enorme salto de competência, além
dos efeitos diretos em termos de resultados concretos e visibilidade internacional para os cientistas envolvidos. Os recursos empregados podem, no entanto, ser considerados m odestos, da ordem de US$ 30 milhões em três anos, e, desses, apenas cerca de US$ 5 milhões foram despendidos no único componente do projeto que enfoca o homem, o Projeto Genoma Humano do Câncer (juntam ente com cerca de US$ 5 milhões do Ludwig Institute for Cancer Research) .
Para fins comparativos, o Brasil gastou em apenas um ano (em 1999) cerca deUS$ 120 milhões para a importação de fatores de coagulação, albumina, e imunoglobulinas, substâncias biológicas necessárias para o tratamento de um pequeno grupo de pacientes com
hemofilia e outras doenestudo das proteínas codificadas, análise de expressão em diferentes situações e estudo da diversidade do genoma humano (começando pela descoberta dos single nucleotide polymorphisms nas seqüências identificadas).
Enfoques da Era Pós-Genômica Humana ças hematológicas. Em grande parte obtidos por processamento de plasma humano excedente, alguns desses agentes biológicos podem ser produzidos por tecnologia de DNA recombinante, e este é apenas um exemplo das aplicações que os pesquisadores paulistas poderiam ajudar a resolver. A comunidade científica do Estado de São Paulo mostrou que tem condições de alcançar metas ambiciosas e competitivas: basta organizar-se em torno de projetos com limites claramente definidos e com financiamento adequado.
Um desafio necessário a ser vencido agora é a transposição desse modelo e a extensão do projeto para as áreas médicas aplicadas. Genoma clínico poderia ser definido como o uso de informações do seqüenciamento do DNA e sua variabilidade, descoberta de genes ou padrões de expressão gêni-
• Descoberta de genes, identificação de proteínas e análise de expressão
• Análise de expressão em diferentes estágios de desenvolvimento ontogenético, variações específicas de cada tecido e em diferentes estágios de doenças, como as neoplasias
• Identificação das bases da diversidade genética humana
• Correlação das variações gênicas com suscetibilidade a doenças "adquiridas" (como trombose, enfarte, doenças auto-imunes)
• Organização de grupos clínicos e cirúrgicos para estudos de correlação
• Aplicações de técnicas de engenharia genética para produção de substâncias biológicas de interesse médico
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • li
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Genética e Genômica: 135 anos de investigação científica O que o futuro nos reserva são amplos horizontes e não becos sem saída
FRAN C IS CO M. SALZANO
Tudo começou na parte final do século 19, com um padre austríaco que tinha grande interesse pela história natural, e as ervilhas, que ele cultivava no jar
dim de seu mosteiro. Daí surgiram as chamadas "leis de Mendel", que forneceram as bases para todo o edifício da Genética e da Biologia Molecular. Infelizmente, esses princípios permaneceram ignorados até 1900, quando então seu significado foi finalmente compreendido. Ao longo dos 35 anos seguintes estabeleceu-se, então, um sólido corpo de doutrina que lançava luz sobre os enigmas da herança biológica.
Independentemente do que ocorria nos laboratórios de genética, um médico londrino, Frederick Griffith, observou em 1927 um fenômeno curioso, a transformação de pneumococos que possuíam uma determinada cápsula de proteção contra o sistema imunológico de seu hospedeiro (neste caso camundongos) em outra. Novamente, a importância da descoberta passou despercebida (inclusive ao próprio Griffith), e foi apenas 17 anos depois que Oswald T. Avery e colaboradores verifi-
caram, nos Estados Unidos, que o "princípio transformante" era uma substância denominada ácido de
soxirribonucléico, cuja sigla, DNA, está agora na boca de todo o mundo.
Não se pense, no entanto, que a aceitação de que o DNA seria o material genético foi pacífica. Houve muita discussão (a alternativa é que ele seria a proteína). Um dos experimentos considerados importantes para a aceitação foi desenvolvido, em 1952, pelos norte-ameri-
canos Alfred Hershey e Martha Chase, que utilizaram, para isso, um instru
mento tão simples quanto um liquidificador!
E então, no ano seguinte, foi publicado o trabalho seminal
de James D. Watson e Francis M. Crick sobre a estrutura helicoidal dupla do DNA,
seguida, em 1961, pela elu-
cidação do código genético. O
resto é história recente. Mais detalhes são apresentados na tabela.
Cabe, agora, uma breve reflexão sobre o progresso da ciên
cia. Thomas S. Kuhn, em 1962, estabele
ceu convincentemente que o desenvolvimento científico se faz por rríeio de revoluções, que causam a destruição de paradigmas anteriores, seguida de períodos de "ciência normal". O não-reconhecimento imediato de descobertas fundamentais como as de G. Mendel e F. Griffith é explicado por uma frase do físico Max Planck, Prêmio Nobel em 1918: "Uma nova verdade científica não triunfa pelo convencimento de seus oponentes, e porque eles viram a luz, mas, ao invés disso, porque esses oponentes eventualmente morrem e surge uma nova geração que se desenvolve familiarizada com ela".
Na primeira metade do século 20, a nossa espécie era considerada como de pouco valor para a compreensão dos mecanismos da herança biológica. Geração longa, tamanho reduzido da prole e impossibilidade de cruzamentos dirigidos eram indicados como obstáculos a trabalhos de ponta. Foi somente devido ao desenvolvimento espetacular dos métodos celulares e moleculares
FRANCISCO M. SALZANO é professor do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
12 • JUNHO OE 1000 • PESQUISA FAPESP
que a elite intelectual voltou-se para si própria, e o estudo do Homo sapiens ganhou novo ímpeto.
No meu caso específico, obtive meu doutoramento em 1955, na Universidade de São Paulo, trabalhando com a mosca-das-frutas, Drosophila; e foi graças a conversas mantidas com Antonio R. Cordeiro que decidi me voltar para a genética humana. Desloquei-me, em 1956, para um pós-doutoramento no Departamento de Genética Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, localizado em Ann Arbor, Estados Unidos, onde já estagiava outro colega brasileiro, Newton Freire-Maia. E para se ter uma idéia do progresso notável alcançado pelo conhecimento genético de nossa espécie, menciono que o Newton, após regressar do 1 o
Congresso Internacional de Genética Humana, realizado em Copenhague, Dinamarca, naquele ano, comentou "Imagina que Fisher (Sir Ronald A. Fisher, uma das principais figuras na formulação de conceitos básicos de genética e evolução) iniciou sua conferência dizendo -o homem, com seus 46 cromossomas ... - não pode, não está ainda provado!" E eu, em 1957, quando realizei
uma série de visitas a centros de genética humana nos Estados Unidos e Canadá, fiz questão de, em Baltimore, contar pessoalmente sob o microscópio o número cromossômico de um indivíduo de nossa espécie.
F oi publicado recentemente nos Estados Unidos um livro de um divulgador de ciência inglês, Matt Ridley, no qual cada capítulo corresponde a um cromossoma (complexo DNA-proteína responsável pela transmissão,
na divisão celular, dos genes). Em cada capítulo (com exceção do último) foi escolhido um gene para a discussão de assuntos tão complexos quanto vida, espécie, destino, inteligência, instinto, saúde-doença, sexo, imortalidade e política. Ao longo de todo o livro, a questão dialética básica da determinação biológica versus história de vida está presente. Somos um produto de nossos genes ou do ambiente em que vivemos? A resposta, em termos quantitativos, será diferente dependendo da característica a ser considerada. O que deve ser salientado, no entanto, é a importância da interação entre esses dois
conjuntos de fatores.
Eventos decisivos na história da Genética (especialmente Genética Humana) e da Biologia Molecular
Em 1989 o Gustavus Adolphus College de Minnesota, Estados Unidos, organizou um simpósio com um título provocador "O fim da ciência?". E o tema foi retomado por John Horgan (conferir O Fim da Ciência. Uma Discussão Sobre os Limites do Conhecimento Científico, Companhia das Letras, São Paulo, 1998) . Após a finalização do Projeto do Genoma Humano, resta ainda algo realmente importante para investigar? Na verdade, estamos apenas no início da era da genômica, na qual a totalidade do material genético de diferentes espécies será identificado e comparado. Para o alívio de geneticistas e biólogos moleculares, o que o futuro nos reserva são amplos horizontes, e não becos sem saída.
ANO EVENTO PERSONAGENS
1865 Descoberta das leis da hereditariedade G. Mendel
1900 Redescoberta das leis de Mendel H. de Vries, K. Correns, E. von Tschermak
1902 Conceito de erros inatos do metabolismo A. E. Garrod
1906 Criação do termo W Bateson
1901-1908 Controvérsia entre mendelistas e biometristas W Bateson, F. Galton, C. Pearson, W.F.R. Weldon
1908 "Hipótese do gene múltiplo" H. Nilsson-Ehle Comportamento populacional G.H. Hardy,W.Weinberg
de traços mendelianos
1910-1935 Estabelecimento das bases da Genética, T.H. Morgan,A.H. Sturtevant, C.B. Bridge
especialmente em Drosophilas
1927 Transformação em bactérias F. Griffith
1944 O DNA seria o material transformante O.T.Avery, M. Macleod, M. MacCarty
1949 Conceito de doença molecular L. Pauling
1952 O experimento do liquidificador -confirmação A Hershey, M. Chase
da importância do DNA na duplicação
do material genético
1953 Estabelecimento da estrutura helicoidal J.D. Watson, F.H.C. Crick dupla do DNA
1956 Início da era da Citogenética Humana H.J.Tjio,A. Levan
1961 Elucidação da natureza do código genético F.H.C. Crick, L. Barnett, S. Brenner, R.J. Watts-Tobin
1970-atual Aplicação de métodos moleculares ao estudo Diversos
da variabilidade humana
1988-atual Projeto do Genoma Humano Diversos
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 13
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
GENOMA ESTRUTURAL
Decifrando organismos vivos A estrutura das proteínas dos genes será analisada por 15 laboratórios
Os pesquisadores brasileiros já dominam as técnicas de se
qüenciamento de genes e os diferentes projetos genoma da FAPESP geraram um grande volume de informações. Agora, a análise da estrutura tridimensional das proteínas expressas pelos genes é próximo passo na compreensão do funcionamento dos organismos vivos e a FAPESP acaba de lançar o Projeto Genoma Estrutural em parceria com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer.
O projeto prevê o investimento de US$ 3,5 milhões, durante quatro anos. Os recursos serão distribuídos por uma rede de 15 laboratórios do Estado de São Paulo para o financiamento de insumos e equipamentos. O bioquímico Rogério Meneghini, diretor do Centro de Biologia Molecular Estrutural do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, será o coordenador do projeto. "Cada vez mais se faz biologia em laboratórios de luz síncrotron. É uma tendência no mundo todo", disse Meneghini.
O Projeto Genoma Estrutural prevê o estudo das proteínas cujas seqüências foram geradas num determinado projeto genoma. "A princípio, pensamos em utilizar apenas genes expressos no projeto Genoma Humano do Câncer por serem extremamente relevantes", disse Meneghini, que também é um dos idealizadores do projeto. "Agora estamos pensando em estudar o genoma estrutural da Xylella fastidiosa. Além de interessante, permite que se chegue à etapa de cristalização de
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Proteína cristalizada: a análise de sua estrutu ra tridimensional é o próximo desafio
maneira mais rápida do que no caso das proteínas humanas", completa. O Instituto Ludwig fornecerá as seqüências geradas no Genoma Câncer e já armazenadas em seu banco de genes ou outras a serem geradas no futuro. A idéia é escolher 50 ou 100 genes e fazer o chamado High Throughput Protein Structure Determination: expressão, síntese in vitro, purificação, cristalização e resolução da estrutura da proteína em escala relativamente alta. Esse processo, partindo do genoma e chegando à estrutura, tem sido chamado de genoma estrutural.
Análise minuciosa - Ao contrário dos outros projetos genoma, em que as primeiras seqüências começaram a ser geradas logo na primeira semana, o genoma estrutural é mais minucioso. "Se chegarmos a dez estruturas tridimensionais relevantes, estaremos fazendo uma contribuição significativa para a área de estrutura de proteínas': diz Meneghini. Ele explica que chegar a uma estrutura é um processo extremamente elaborado, exigindo atravessar todos os gargalos
do percurso que vai da expressão até a resolução da estrutura.
O conhecimento da estrutura das proteínas propicia a compreensão da sua função nas células. Com base nisso, o genoma estrutural também possibilita que sejam desenhadas moléculas que venham a inibir a atividade da proteína, quando desejado. As doenças, principalmente aquelas causadas por vírus, bactérias e protozoários, estão relacionadas com a ação das proteínas. Daí o interesse dos laboratórios e da indústria farmacêutica pelo conhecimento da estrutura dessas proteínas, o que permitirá desenhar drogas mais específicas para o tratamento dessas doenças. Um dos componentes do coquetel usado por pacientes portadores do HIV, por exemplo, é uma molécula desenhada a partir da estrutura tridimensional da protease do HIV. Essa molécula se liga à protease, inibindo-a. Chama-se isso de drug design.
Workshop com especialistas - Pesquisadores interessados em participar do projeto e cientistas que já tra-
balham na área em centros de pesquisa do Brasil e do exterior se reuniram, no dia 13 de junho, no workshop de apresentação do projeto no auditório da Fundação. Os cientistas Roberto Poljak, do Centro de Pesquisas Avançadas em Biotecnologia da Universidade de Maryland, EUA, Christina Redfield, do Centro para Ciências Moleculares de Oxford, Inglaterra, e William Studier, do Departamento de Biologia do Laboratório Nacional Brookhaven, EUA, que participaram do encontro, farão parte do comitê de acompanhamento do projeto. "Viemos conhecer o projeto brasileiro, trocar informações, sugerir e avaliar", disse Poljak.
Meneghini: em busca de I O estruturas
Poljak: Pesquisando a função
tridimensionais relevantes dos genes órfãos
Christina Redfield lidera um grupo de cinco pesquisadores num dos maiores centros de NMR (Ressonância Nuclear Magnética) do mundo. Lá, a análise se concentra Christina: aposta Studier: recursos na dinâmica da estrutura em na união para o solução e na forma como ela progresso do trabalho
do instituto nacional de saúde
interage com as moléculas em seu meio natural. "O que gostei na idéia deste workshop foi a diversidade de áreas. Apesar de trabalharem de maneira diferente no mesmo problema, cristalógrafos e cientistas envolvidos com NMR acabam competindo. Não trocam colaborações. Parece-me que aqui a idéia é uma união para o progresso do trabalho", disse Redfield.
O cristalógrafo argentino Roberto Poljak começou seu projeto nos EUA com genes órfãos, ou seja, aqueles sem função conhecida. "Nosso objetivo era contribuir com idéias sobre qual a função desses genes", disse.
O biólogo, biofísica e bioquímico William Studier explora em sua rotina de pesquisas estudos de elo-
A história das proteínas O primeiro trabalho elucidando
a estrutura dimensional de uma proteína, a mioglobina, foi publicado por John Kenderw, no final da década de 40. Depois, o australiano Max Perutz, trabalhando na Inglaterra, ganhou, na década de 60, o prêmio Nobel por descobrir a estrutura da hemoglobina. A téc-
nica usada para descobrir a estrutura da proteína é a cristalografia. Obtém-se uma solução pura de proteína e tenta-se a cristalização. Até hoje a cristalização é vista como uma arte. Os cientistas brincam que quando há amor pelo cristal ele cresce melhor. A dificuldade é que trata-se de grande quantidade
~ nagem, purificação, cristalig zação e expressão dasproteí-6 nas. "O Laboratório Nacio" "' nal Brookhaven ainda não ê está trabalhando com uma
proteína em particular. Primeiro estamos nos armando de capacidade", disse Studier, cujo projeto piloto, de estudo sobre levedura, começou há dois anos. "Temos uma comunidade de pesquisa na área bastante grande. Além disso, a levedura é um eucarionte e tem muitos genes similares aos humanos." Até o final deste ano o laboratório de Studier deixará de ser financiado pelo Departamento de Energia dos EUA e passará para o orçamento do Instituto Nacional de Saúde. Animado com o que leu sobre os projetos genoma da FAPESP nas revistas científicas internacionais, Studier acha que o importante é dividir experiências para que o Brasil possa formular um bom programa. Na opinião dele, os projetos genoma precisam de coordenação
para que os grupos espalhados pelo mundo não percam tempo realizando as mesmas atividades. "A comunidade científica precisa se comunicar. Não é o caso de conseguir vantagem para produzir drogas. Isso a gente deixa para a indústria farmacêutica. O importante é conseguir informações básicas para usufruto de todos", diz. •
de moléculas de proteínas organizadas numa estrutura cristalina complexa. Por outro lado, a espectroscopia de ressonância nuclear magnética é um outro método de estudo de proteínas que não requer a cristalização. Vantajoso por possibilitar o estudo em soluções, este método entretanto ainda é limitado pelo tamanho das proteínas que estão ao seu alcance.
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • IS
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
BIBLIOTECA ELETRÔNICA
Um acervo científico de 841 títulos
Programa disponibiliza revistas a professores, pesquisadores e alunos
Quando foi criado, em maio do ano passado, o Programa Bi
blioteca Eletrônica (ProBE) colocava à disposição dos pesquisadores das três universidades estaduais paulistas e das duas universidades federais sediadas no Estado, a de São Paulo e a de São Carlos, mais ao Bireme ( Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), via Internet, um acervo de 606 revistas científicas da editora holandesa Elsevier Science Inc. Pouco mais de um ano depois, o acervo eletrônico disponível já é de 841 títulos, após incorporar publicações das editoras norte-americanas Academic Press e High Wire Press e torná-las acessíveis a professores e estudantes de graduação e pós-graduação. Mas o mais importante: parte considerável desse
acervo científico, o da Elsevier, já começou a ser disponibilizado também aos profissionais de 15 institutos de pesquisa estaduais e federais no Estado, beneficiando 7.578 pesquisadores. Muitos deles, por falta de
Programa Biblioteca Eletrônica
corríamos ao Bireme': diz Anna Simene Leite Gonçalves, responsável pela biblioteca. "Hoje, por meio do ProBE, o corpo clínico e os pesquisadores do instituto têm acesso a revistas especializadas em
recursos de suas instituições, não tinham acesso a qualquer publicação científica internacional.
É o caso, por exemplo, dos 159 pesquisadores do Instituto Biológico, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. "Não tínhamos nenhuma assinatura impressa e nem recursos para isso. Para fazer consultas, a maioria dos pesquisadores tinha que se deslocar até a USP", diz Silvia Helena Marques, bibliotecária do instituto. O mesmo acontecia com os 564 profissionais do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, da Secretaria Estadual da Saúde, que também não possuía assinatura de qualquer um dos títulos da Elsevier. "Quando era necessário, re-
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cardiologia, enfermagem e administração hospitalar."
Consultas simultâneas - O ProBE é resultado de um Consórcio de Cooperação Institucional que reúne a FAPESP, a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp ), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciência da Saúde. Por meio de convênios, assinados neste mês de junho, os institutos de pesquisa aderiram ao consórcio. A Fundação é responsável pela infra-estrutura de hardware e software adequados à instalação e ao funcionamento da biblioteca eletrônica, bem como pela própria base de dados das revistas.
Beneficiando os pesquisadores, ao tornar-lhes acessíveis, de forma ágil, informações científicas internacionais necessárias à sua qualificação e atualização profissional, o ProBE beneficia, também, as instituições, que economizam com a redução do número de assinaturas impressas. "O custo das assinaturas eletrônicas representa ISo/o das assinaturas em papel", compara Rosaly Favero Krzyzanowski, coordenadora operacional do programa. Segundo ela, o acesso eletrônico tem a vantagem de permitir consultas simultâneas, o que otimiza a relação
custo/benefício por assinatura de periódicos científicos.
As instituições consorciadas, por exemplo, mantêm ainda uma média de duas assinaturas dos 606 títulos da Elsevier, a um custo de R$ 2, 6 milhões. A assinatura eletrônica dos mesmos títulos, sem necessidade de duplicação, sai por R$ 398 mil. O valor é proporcional ao número de usuários, sendo que o controle do número de consultas é feito pelo IP (Internet Protocol Number) de cada usuário das instituições consorciadas. E o contrato com as editoras permite a impressão e reprodução de artigos para fins de pesquisa.
As universidades e os institutos de pesquisa deverão manter as assinaturas das revistas impressas por um período de três anos, ao longo dos quais o programa avaliará a satisfação do usuário.
Próximos passos- Racionalizar e agilizar cada vez mais o acesso às informações científicas estão também entre os objetivos do ProBE. Assim, desde junho, os CD-ROMs com todo o conteúdo editorial das três editoras foram instalados na rede ANSP -Academic Network at São Paulo, na sede da FAPESP. O acesso a qualquer uma das publicações, portanto, já dispensa a ligação internacional. E mais: a partir de setembro, todas as 841 publicações das três editoras estarão or-ganizadas num portal, permitindo consultas também por assunto.
bém a possibilidade de ampliar o número de editoras, de forma a incluir revistas da área de Ciências Humanas, até agora não contempladas", acrescenta Rosaly.
Atualmente, cerca de 11.590 professores e pesquisadores e 114.483 alunos de graduação e pós-graduação podem consultar artigos de seu interesse, através da Intranet, a partir dos computadores instalados em seu próprio ambiente de trabalho, nas 86 bibliotecas das instituições
Institutos de pesquisas assinantes do ProBE
• Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA/ITA)
• Inst ituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (lpen)
• Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe)
• Inst ituto do Coração do Hospital das Clínicas (lncor)
• Laboratório de Luz Síncroton
consorciadas ou, em alguns casos, da residência do pesquisador.
Novos parceiros - O ProBE é dirigido por um comitê que coordena as atividades de implantação, operação, manutenção, treinamento e avaliação do uso da Biblioteca Eletrônica e delibera sobre as assinatura de revistas e sobre o ingresso de novos parceiros no consórcio. Estão qualificadas para participar do programa as instituições que desenvolvam atividades de ensi-
no e pesquisa, públicas ou privadas, desde que possuam usuários potenciais com projetos de pesquisa em andamento; desenvolvam linhas de pesquisa com produção científica; disponham de recursos humanos
O programa prevê, ainda, o desenvolvimento de ferramentas que permitam links com os artigos citados na Web of Science, do Institut for Scientific Information (ISI) -uma base de dados com resumos, referências e citações de artigos publicados em cerca de 8.400 periódicos científicos internacionais, desde 1974. "Estamos estudando tam-
• Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (I PT) capacitados para a operacionalização do acesso ao ProBE; ofereçam tí-• Instituto de Tecnologia de Alimentos (ltal)
• Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
• Instituto Flo restal de São Pau lo
• Inst ituto Biológico
• Inst ituto Geológico (SMA/SP)
• Inst ituto de Zootecnia
• Instituto de lnfectologia Emílio Ribas
• Inst ituto Agronômico de Campinas
• Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)
tulos que venham a incrementar o Programa; e contribuam com o mínimo de 3% do valor da coleção da Biblioteca Eletrônica." Já existem várias universidades interessadas", afirma Rosaly Krzyzanowski. •
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 17
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Covas e Botelho anunciam a nova fábrica da Embraer
Embraer fica em São Paulo
O governador Mário Covas e o presidente da Embraer, Maurício Botelho, anunciaram em 24 de junho a decisão de construir a quarta fábrica da empresa em Gavião Peixoto, município paulista próximo de Araraquara. A empresa tem outras duas unidades em São José dos Campos e uma em Botucatu. O novo empreendimento implica a criação de um distrito aeroespacial que, para sua implantação, contará com um apoio da FAPESP no valor de US$ 1 O milhões anuais, por um período de seis anos, realizado por meio de uma linha dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica, voltada para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia aeroespacial. A planta envolve investimentos da ordem de R$ 340 milhões em dez anos e pretende gerar até 3 mil novos empregos diretos nesse período, a partir do início da operação industrial,
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previsto para setembro de 2001. Além da unidade onde serão produzidas oito aeronaves de uso civil e militar, a Embraer construirá uma pista de testes com cinco quilômetros. Na fábrica, que ocupará uma área de 150 milhões de metros quadrados, serão feitos ensaios de vôo, a montagem final de aviões e a manutenção de aeronaves.
Edital para ingresso no Cietec
O Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), na Cidade Universitária, USP, está abrindo inscrições para candidatos ao ingresso em sua incubadora de empresas. O objetivo é estimular a criação de novos negócios baseados em tecnologias inovadoras, nas áreas de Biotecnologia, Biomedicina, Materiais, Instrumentação, Tecnologia da Informação, Meio Ambiente, Química, Técnicas Nucleares e Softwares especiais. As modalidades de incubação previstas
no edital são: 1. pré-incubação, destinada a empreendedores que têm uma idéia e sabem como viabilizá-la, mas necessitam de um período de até 12 meses para comprovar a viabilidade técnica e buscar recursos para a formação do capital para início do negócio; 2. incubadora tecnológica de empresas residentes, para empreendedores ou empresas constituídas interessados em desenvolver seu produto ou serviço na incubadora, que já tenham capital assegurado para início da operação; 3. incubadora tecnológica de software, voltada a empreendedores para a criação ou continuidade de negócios na área de softwares especiais (Internet/Intranet, Automação e Controle, Saúde e Educação); e 4. incubadora tecnológica de empresas não residentes, destinada a empreendedores ou empresas já constituídas, de negócios de base tecnológica, que não precisam de espaço físico para se instalarem. A retirada do edital deverá ser feita dos dias 3 a 31 de julho. O Cietec estará recebendo propostas para inscrição na pré-seleção até o dia 11 de agosto. Para maiores informações e inscrição no processo de seleção, os interessados devem dirigir-se ao Cietec, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares -IPEN, Travessa R, 400, Cidade Universitária da USP, telefone (011) 212-8466.
ABC elege novos acadêmicos
Cinco pesquisadores ligados à Unicamp estão entre os 44 novos acadêmicos eleitos pela Academia Brasileira de Ciências (ABC): Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da FAPESP, Amir Ordacgi Caldeira, Helion Vargas, todos do Instituto de Física Gleb Watagin (IFGW), Bernardo Beiguelman e Paulo Arruda, do Instituto de Biologia (IB). A ABC tem hoje 532 acadêmicos reunidos em seis seções especializadas: Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Químicas, Ciências da Terra, Ciências Biológicas e Ciências da Engenharia.
Dias Vieira Jr. no Conselho Superior
O físico Nilson Dias Vieira Júnior, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), foi nomeado pelo governador Mário Covas para integrar o Conselho Superior da FAPESP, com mandato de seis anos. O pesquisador foi um dos nomes votados na eleição do representante dos institutos oficiais e particulares de ensino superior e de pesquisa.
Pesquisadores X governo
Os pesquisadores argentinos estão muito preocupados com a decisão do governo de reduzir verbas e cortar salários nas áreas
de desenvolvimento científico e tecnológico, anunciada em maio. Em carta encaminhada ao presidente Fernando de la Rua, lembram que a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico são peças-chave para o crescimento industrial e econômico do país, assim como para a melhoria do bem-estar, da educação e da saúde da população. "A Argentina investe cerca de 0,45% do PIB na área de C&T, quando em outros países da América Latina esse percentual alcança entre 0,65% (Chile) e 1,2% (Brasil)", consta no documento. Afirmam, ainda, que o sistema científico argentino sofre de três males crônicos: falta de planejamento e políticas claras, falta de planejamento adequado e falta de uma avaliação periódica, por uma comissão competente, da produção científica nacional e do funcionamento dos diversos organismos de C&T. As últimas medidas governamentais agravarão esse males e acentuarão o atraso do país em relação ao Primeiro Mundo, eles prevêem. Reivindicam o pagamento integral dos salários e a elaboração de um plano
de desenvolvimento para a C&T no país, com aumento de recursos destinados ao setor.
Laboratórios sem resíduos
Nas indústrias químicas, o tratamento de resíduos químicos é comum, há anos. Por ser ainda raro nos institutos de pesquisa, o Conselho Superior da FAPESP, na reunião do dia 14 de junho, aprovou o Programa de Infra-Estrutura para Tratamento de Resíduos Químicos, com um orçamento deUS$ 10 milhões, para incentivar o descarte adequado dos materiais utilizados nas atividades de ensino e pesquisa. Há, entre eles, os solventes clorados, já proibidos em alguns países da Europa, éteres, hexanos, toluenos, benzeno e os resíduos com metais pesados, como chumbo, mercúrio, cobalto e cádmio. Os resíduos podem ser descartados diretamente, sem tratamento, "só em casos muito excepcionais", comenta Hans Viertler, membro da Coordenação de Química da FAPESP, que contribuiu com a elaboração do programa, em conjunto com
outros especialistas de universidades e institutos paulistas. Um requisito para os centros de pesquisa se candidatarem a esse programa é a apresentação de Programa de Gerenciamento de Resíduos de Laboratório, que deve prever a aquisição de equipamentos, treinamento de pessoal, reformas de instalações e estratégias de análise, tratamento, descarte e redução dos resíduos.
Ciência vende mais jornal
Durante três anos, pesquisadores da Universidade de Pottiers, na França, analisaram 20 jornais de oito países da Europa e constataram que a venda dessas publicações aumenta nos dias em que são publicados os seus suplementos semanais sobre ciência e tecnologia. Entre os jornais pesquisados estavam o francês Le Monde e o espanhol La Vanguardia, de circulação iMternacional. De acordo com o professor Pierre Fayard, do Instituto de Comunicação e Novas Tecnologias da Universidade de Pottiers e coordenador do estudo, o aumento nas vendas do jornal espanhol é de 1 O o/o no dia da publicação do suplemento de ciência. Quanto ao suplemento de ciência do jornal Le Monde, os pesquisadores verificaram que ele era lido por 30% do público leitor regular do jornal, percentual quase igual ao de leitores do caderno diário de economia, de 33%. De acordo com Fayard, que apresentou as conclusões
do estudo no 6° Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico (CBJC), realizado em maio, em Florianópolis, os resultados podem ser explicados, de um lado, pelo interesse da sociedade européia por assuntos de vanguarda e, de outro, pela própria característica dos cadernos semanais, que, além de terem ótima qualidade, abordam temas da atualidade ligados ao cotidiano do cidadão.
Portal ProssigaBrasil apóia a pesquisa
O programa CNPq/Prossiga, lança no dia 6 de julho, em parceria com a Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, a Biblioteca Virtual de Engenharia Biomédica. E no dia 9, em Brasília, o programa lança o portal ProssigaBrasil, um banco de dados com informações qualificadas que direciona o usuário para os principais sites brasileiros que tratam de questões relativas às atividades de ciência e tecnologia desenvolvidas em instituições de pesquisa, institutos de tecnologia e universidades do País. O endereço do portal é http:/ /www.prossiga.br/ prossigabrasil.
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 19
Na Esalq, Silva-Filho monta os genes e testa a nova cana em conjunto com o entomologista José Roberto Postali Parra, o formulador das dietas especiais oferecidas às lagartas. Para montar os experimentos e interpretar os resultados, ambos entram em contato com Terra, reconhecido recentemente como um dos cientistas brasileiros mais citados na Web of Science, o banco de artigos científicos organizado pelo Institute for Scientific Information (ISI) (ver PESQUISA FAPESP n° 52). "Por meio dessas parcerias, integramos uma área básica, que trata da caracterização das enzimas de insetos, e a pesquisa entomológica, com o uso dos inibidores em dietas artificiais, para só depois iniciar os experimentos de biologia molecular, clonando genes e obtendo as plantas transgênicas", explica Silva-Filho.
untos, os especialistas procuram desatar um dos nós desse trabalho- os complexos mecanismos de interação entre os insetos e as plantas. Já desco-
briram como um inseto escolhe uma planta como hospedeira. É um processo que envolve a síntese de enzimas insensíveis à ação de inibidores produzidos pela planta hospedeira e apenas parece intencional, pois resulta de mecanismos simultâneos de adaptação dos animais e dos vegetais. Os pesquisadores observaram também que alguns insetos, como a lagarta-docartucho-do-milho ( Spodoptera frugiperda) e a lagarta-da-maçã-do-algodoeiro (Heliothis virescens), conseguem ter várias plantas como hospedeiras porque são capazes de alterar sua produção de enzimas de acordo com o alimento que ingerem. E mais: as novas proteases secretadas em reação ao inibidor são ainda mais eficientes para degradar as proteínas das plantas.
Diante dessas artimanhas, podem ser considerados animadores, ainda que à primeira vista pareçam modestos, os resultados obtidos com a cana transgênica. Os inibidores produzidos a partir dos genes de soja provocaram uma deficiência protéica que
22 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
atrasou, de modo acentuado, o desenvolvimento da Diatraea. O tempo de duração da fase larval aumentou 30% e o da etapa pupal, 10%. Houve também um acréscimo de 25% na mortalidade, que deve repercutir nas taxas de reprodução. Segundo Parra, ocorreu um aumento de 20% no ciclo total de desenvolvimento da broca, que passou de cerca de 60 para 72 dias, até a fase adulta.
"Não queremos acabar com os insetos", ressalta Silva-Filho. O extermínio total é uma técnica muito drástica, tal qual os inseticidas químicos, que levaria rapidamente à formação de gerações cada vez mais resistentes a qualquer intervenção humana. "Nosso objetivo é controlar a proliferação das pragas e retardar ao máximo o processo de resistência, que já ocorre com algumas plantas transgênicas", diz ele. Pesquisadores ingleses da Universidade de Durham, no Reino Unido, mostraram em 1987 que esse objetivo é viável, ao modificarem geneticamente uma variedade de tabaco. Colocaram na planta genes do feijão-de-corda (Vigna ungiculata), que atrapalharam a digestão e o crescimento das lagartas Heliothis virescens.
Terra acha que é possível chegar, mesmo, a drogas capazes de interferir no mecanismo de digestão dos insetos e que sejam inofensivas a outros
seres vivos. Isolando e comparando enzimas- às vezes bastante semelhantes às de outros organismos, como a amilase e a tripsina, produzidas pelo pâncreas humano -, ele e a bioquímica Clélia Ferreira verificaram que alguns insetos - como os da ordem Lepidoptera, que inclui as mariposas e as borboletas, e os Coleoptera, com os besouros - apresentam mecanismos muitos particulares de secreção
das enzimas. As diferenças entre os processos digestivos de uma borboleta e de um percevejo, por exemplo, podem ser maiores do que as de um peixe em comparação com o homem. Em termos quantitativos, os insetos produzem um número de enzimas próximo ao liberado pelo organismo humano - ao redor de 14, das quais a equipe da USP caracterizou 12, em diferentes espécies.
O conhecimento sobre quantas, como e quando as enzimas são formadas e atuam em cada reduto do aparelho digestivo dos insetos tem dado indicações claras do que pode ou não funcionar no ataque a eles. Uma informação relevante se refere às peculiaridades de um tubo de paredes finíssimas e porosas, a membrana peritrófica, que se assemelha aos filmes plásticos utilizados para guardar alimentos na geladeira. Nesse compartimento os alimentos co-
A digestão dos insetos
O percurso e as
transformações
do alimento em
um besouro
Pa o Câmara de armazenagem do alimento
Boca
Proventrículo Órgão triturador
Membrana eritrófica Permite a passagem de alimentos decompostos, enzimas e água
~C~e~c~o~á~s~tr~i~co~----------~ Espaço Processa a digestão final e ectoperitrófico
Túbulos de Mal i hi Órgãos excretores, semelhantes aos rins a absorção dos alimentos
Intestino anterior ... . .. médio ... . .. e posterior
Após a mastigação, o alimento atravessa o intestino anterior, revestido de quitina e impermeável à maioria das substâncias.
O intestino médio é onde se processa a produção de enzimas e a maior parte da digestão e a absorção de nutrientes. O alimento atacado pelas enzimas é fracionado no interior da membrana peritrófica. Depois, as partículas digeridas atravessam essa membrana e seguem, por um sistema de circulação, até as células, que absorvem os nutrientes.
O intestino posterior atua na eliminação dos detritos e no equilíbrio de água e de sais minerais.
O reaproveitamento das enzimas As enzimas (setas vermelhas) atravessam a membrana peritrófica e chegam ao espaço ectoperitrófrico acompanhando
----+- ____....--+ ~ os alimentos (setas azuis) à medida que --..... --..... -.... --. são fracionados . Depois, voltam para
Espaço ectoperitrófico
o interior da membrana peritrófica, na porção inicial do intestino médio. A água (setas amarelas) passa pelo espaço ectoperitrófico até chegar aos cecos, nos quais é absorvida.
Fomes: Walter Ribeiro Terra, IQ-USP;A Digestão dos lnsetos,Walter R. Terra e Clélia Ferreira, Ciência Hoje, vol. 12, n. 70, 1991, p. 31; e Zoologia dos Invertebrados, Robert D. Sarnes ( 1984, Roca)
meçam a ser fragmentados, sob a ação de enzimas, antes de chegar às células nas quais os nutrientes são absorvidos (ver ilustração).
ipe de Terra verificou que poros da membrana
peritrófica têm de sete a oito nanômetros (um nanômetro correspon
de à milésima parte do milímetro) . "Conhecendo o tamanho dos poros da membrana peritrófica, vemos que algumas substâncias podem não ter o efeito tóxico desejado caso sejam grandes demais para serem absorvidas pelos insetos': afirma Terra. Essa constatação explica, por exemplo, por que os cristais da toxina da Bacillus thuringiensis, umas das bactérias mais importantes para o controle de diversas espécies de lagarta, são efetivos somente se diminuírem de tamanho, depois de parcialmente digeridos no interior da membrana peritrófica. Quando essa digestão parcial não ocorre- e as enzimas de alguns insetos são incapazes de realizar essa quebra -, a toxina não tem qualquer efeito.
Nos anos 60, reinavam os defensivos agrícolas, que ninguém contestava, quando Terra começou a mexer nesse campo. Se no início pouca gente levava a sério a abordagem que dizia respeito puramente à biologia dos insetos, agora é diferente. O trabalho de que Terra cuidou, silenciosamente, ao longo desse tempo, torna-se mais estratégico à medida que crescem as pressões para a preservação ambiental e a busca de alternativas aos produtos químicos. Os Estados Unidos, por exemplo, acabam de proibir o uso de um defensivo bastante utilizado, à base de clorpirifós, uma matéria-prima empregada também no Brasil, por oferecer riscos ao sistema nervoso de crianças.
Agora, tanto as motivações quanto as dificuldades estão razoavelmente claras. Nas experiências como as realizadas com a cana, o mais complicado não é identificar os genes úteis para compor novas variedades de plantas, mas indicar as proteínas
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 23
mais adequadas para se tornar alvo dos compostos produzidos pelas plantas. E só se pode chegar a essa clareza por meio do conhecimento profundo da fisiologia dos insetos, que também revela a durabilidade dos produtos no tubo digestivo desses animais.
O trabalho com as lagartas da broca-da-cana está correndo a contento, mas Terra já contou que não basta
descobrir bloqueadores de enzimas para tudo se resolver. Os insetos, como ele demonstrou, possuem um mecanismo de digestão sofisticado e podem secretar enzimas diferentes para digerir um mesmo nutriente. Caso uma das enzimas seja bloqueada por algum inibidor, produzido pela própria planta ou aplicado pelo homem, entram em ação as enzimas substitutas, com a mesma função, mas com propriedades diferentes.
Essa capacidade de driblar os atacantes ainda não foi observada na broca-da-cana. Ficou evidente, porém, nos estudos com a lagarta Heliothis virescens. O inibidor de tripsina de soja, adicionado pela equipe da USP à sua dieta, não foi eficaz simplesmente porque a lagarta produzia novas enzimas que escapavam de seu poder. Terra procura agora fazer com que a lagarta expresse todo o repertório de enzimas, até que possa encontrar um inibidor eficiente para todas elas. "Na hora de adotar uma estratégia de controle de pragas, temos de levar em conta essa sofisticação do
Perigo para as plantas e para o homem
Para a agricultura, o terror são as lagartas, que desfolham plantações. Os adultos nutrem-se de néctar
sistema digestivo dos insetos", sugere o pesquisador.
Trabalhos aplicados como o da cana transgênica representam apenas uma parte das pesquisas do Laboratório de Bioquímica de Insetos, financiadas com aproximadamente R$ 600 mil desde 1993 pela FAPESP. O projeto em andamento desde 1998, A Digestão dos Insetos: Uma Abordagem Molecular, Celular, Fisiológica e Evolutiva, conta com R$ 121,6 mil, mais US$ 382 mil e deve terminar em outubro de 2001 . Desta vez, procura-se informação principalmente sobre mecanismos de secreção de enzimas e a natureza das moléculas processadas por enzimas-chave da digestão, como tripsinas e glicosidases, que agem sobre carboidratos, uma família de compostos que incluem os amidos, açúcares e celulose.
Terra leva em conta tanto a necessidade de se conhecer melhor as pragas mais comuns no Brasil como a de estabelecer padrões de comparação entre as espécies (ver box) . Terra comprovou que a organização do sistema digestivo depende mais da posição filogenética do que do hábito alimentar. Ou, de outro modo: o sis-
tema digestivo torna-se mais sofisticado à medida que os insetos se situam em posições mais altas na escala evolutiva. Na prática quanto mais evoluídos, mais vorazes.
É algo impressionante. Enquanto um besouro come em média apenas 0,3 vez o seu peso, uma larva da mariposa Erinyis ello chega a comer cerca de 2,4 vezes o seu peso, em apenas um dia. É como se uma pessoa de 75 quilos ingerisse diariamente 180 quilos de alimentos. "A capacidade de processar uma quantidade elevada de alimento permite que o inseto cresça e se reproduza rapidamente", conta o pesquisador. Assim, os insetos mais evo-
- com exceções, como os gafanhotos - , embora possam transmitir doenças.
Lagarta-da-maçã-doalgodoeiro: combatida com tabaco transgênico
Mandarová-damandioca: larva come 2,4 vezes seu peso
O Tenebrio molitor: praga de farinha e de cereais armazenados
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luídos podem ter várias gerações por ano e deixar descendentes, assegurando a sobrevivência da espécie, mesmo com uma alta mortalidade. "Só se chega a esses resultados com um sistema digestivo bastante eficiente': ressalta Terra. A desvantagem, lembra ele, é que os comilões vivem menos. Uma barata, menos evoluída, pode viver até cinco anos, enquanto uma mosca comum vive cerca de seis semanas.
As pesquisas realizadas na USP atestam que há uma correspondência entre os estágios evolutivos e a complexidade dos processos digestivos dos insetos. Os mais primitivos, como os gafanhotos (ordem Orthoptera),
possuem formas jovens e adultas muito semelhantes, que competem pelo alimento. Apresentam um sistema digestivo mais simples, concentrando todas as enzimas digestivas no mesmo compartimento.
Nos insetos mais evoluídos, a exemplo das borboletas e mariposas (Lepidoptera) e moscas (Diptera), a forma jovem, ou seja, a larva, é muito diferente da forma adulta alada. Em cada fase, vivem em ambientes distintos e não competem pelo alimento. Sua digestão é bem
compartimentada, e somente as enzimas responsáveis pelo ataque inicial ao alimento, como a amilase e as tripsinas, penetram no interior da membrana peritrófica. Outras enzimas, que continuam o processamento do alimento agindo sobre moléculas de tamanho menor, atuam no fluido compreendido entre a membrana peritrófica e as células intestinais. Há ainda um terceiro grup~ o das enzimas encontradas na superfície das células, que finalizam a digestão produzindo compostos que podem ser prontamente absorvidos.
A comparação da dinâmica digestiva dos dois grupos, os mais e os
Percevejo da soja (Euschistus heros): praga comum em área tropicais
Dysdercus peruvianus: besouro sugador
Gafanhoto: ataca folhagens no mundo inteiro de sementes de algodão
menos evoluídos, tem levado a descobertas importantes. Foi assim que Terra notou que as regiões responsáveis pela secreção e absorção de água se alteram, de modo que, nos mais evoluídos, sempre exista um fluxo de fluidos contrário ao fluxo do alimento. "Essa circulação permite uma economia de enzimas, que são recicladas em vez de serem excretadas com as fezes': comenta. Segundo ele, a ação das enzimas limitada a compartimentos específicos e o contrafluxo de fluidos ampliam a eficiência digestiva e o aproveitamento dos alimentos.
Estudos semelhantes, que buscam alternativas ao uso de inseticidas, atestam a validade do trabalho da equipe da USP. É o caso
do controle biológico, que introduz predadores naturais nas plantações atacadas por pragas. No Estado de São Paulo, o uso da mosca Cotesia flavipes no combate à broca-da-cana fez com que as perdas da produção passassem de 11% em 1980 para 2,5% em 1990. Houve, nesse tempo, uma economia de US$ 37,5 milhões na produção de açúcar e álcool, segundo a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). Mas esse método, assim como os inseticidas, tem suas limitações: as mosquinhas só funcionam quando a lagarta está exposta.
Já as plantas transgênicas prometem atacar o inseto dentro da cana e reduzir ainda mais o índice de perdas, estacionado há uma década. Para
Rhodnius prolixus: transmissor da doença de Chagas
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 25
· Terra, os transgênicos não são apenas mais eficientes do ponto de vista econômico. Oferecem também menos riscos de desequilíbrio ecológico do que os inseticidas. As experiências recentes com a soja, porém, não deixaram uma imagem muito positiva dos transgênicos. Ainda há resistência, mas o professor da USP garante que, a rigor, essas novas plantas não diferem muito dos enxertos, comuns na agricultura, como o milho híbrido, hoje largamente utilizado e bastante diferente das espécies que lhe deram ongem.
A cana transgênica que cresce na Esalq, mesmo tudo correndo como se espera, ainda terá de passar por outras provas até chegar ao plantio comercial. Um deles é o teste em larga escala, que depende de uma autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o órgão governamental que controla o plantio de transgênicos no País. Ou-
tro desafio será a substituição dos promotores, regiões do DNA que ativaro os genes responsáveis pela expressão dos inibidores. Os testes iniciais valeram-se de promotores que ativam a produção de inibidores em todas as partes da planta e em todos os estágios de desenvolvimento. <::>s
O maior grupo de espécies animais Descritos desde a Antiguidade,
quanto o termo entomologia foi empregado pela primeira vez por Aristóteles, os insetos representam uma classe, a Insecta, que abriga cerca de 70% de todas as espécies animais, com aproximadamente 1,2 milhão de espécies. Uma forma de lidar com essa diversidade foi selecionar as espécies de acordo com sua posição na árvore evolutiva, já que as diferenças estão relacionadas, justamente, com o estágio evolutivo. Terra trabalha com 18 espécies, que estão localizadas em pontos estraté-
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gicos da árvore evolutiva e representam as principais ordens da classe Insecta. Na escolha pesou também o papel ecológico de cada espécie, de tal forma que, desse total, dois terços são pragas agrícolas - os maiores competidores do homem por alimento. Representam algo em torno de 10% do total de espécies de insetos e chegam a devorar mais da metade de uma plantação.
Nessa composição entra também uma espécie de interesse para pesquisas médicas, por transmitir o protozoário causador da doença de
pesquisadores querem ser mats específicos. "A planta, para se comportar como na natureza, deve produzir os inibidores apenas
quando sofrer alguma lesão", comenta Silva-Filho.
Uma das razões pelas quais ele participa do projeto Genoma Cana, financiado pela FAPESP, é exatamente essa: encontrar um promotor mais adequado a suas necessidades, para evitar que uma secreção exagerada
Chagas, enquanto as demais foram incluídas para completar o quadro evolutivo. De modo mais amplo, as espécies selecionadas enquadramse basicamente em duas categorias, as menos e as mais evoluídas. Entre os insetos estudados com características mais primitivas, com metamorfose incompleta, destaca-se o gafanhoto Abracris flavolineata da ordem Orthoptera, que inclui também os grilos e compreende 2% do total de espécies de insetos. Também se enquadram nessa categoria os percevejos Rhodnius prolixus, um tipo de barbeiro que é vetor da doença de Chagas, e o Dysdercus
do gene interfira em outros processos da planta e no ambiente. Não se trata apenas de um aperfeiçoamento do processo de produção da cana. É uma prioridade. Pretende-se poupar o Brasil dos problemas ocorridos com um milho transgênico plantado em larga escala nos Estados Unidos, que provocou a morte de borboletas monarcas que se alimentaram do pólen do milho. "Estamos levando em conta que o ambiente é um sistema complexo e que, quanto menos interferência provocarmos, melhor", diz Silva-Filho.
Na visão dos pesquisadores, as novas plantas não provocarão efeitos nocivo~ sobre outros seres vivos se
forem modificadas para afetar mecanismos muito específicos dos insetos, a cada dia compreendidos de modo
peruvianus, sugador de sementes de algodão, da ordem Hemiptera, com 7% dos insetos, à qual pertencem também as cigarras. Menos primitivos são o besouro Tenebrio molitor, praga de farinhas muito usada como isca por pescadores, e o vagalume Pyrearinus termitilluminans, que se alimenta de outros insetos, ambos da vasta ordem Coleoptera, que abriga 30% dos insetos.
mais detalhado. "O resultado depende das escolhas': ressalta Terra. Em outras palavras, o que está por vir depende tanto do bom senso quanto do conhecimento sobre o que e como modificar nos seres vivos. Os estudos em andamento sobre as estruturas das enzimas digestivas e de seus mecanismos de expressão acenam, enfim, com um quadro mais animador, no qual apenas os insetos serão os atingidos na luta por uma produção maior de alimentos. •
PERFIS:
• WALTER RlBEIRO TERRA, 55 anos, formou-se em Ciências Biológicas na Universidade de São Paulo em 1968. Concluiu seu doutorado em Bioquímica em 1972 e livre-docência em 1977, na mesma universidade. É professor titular do Departa-
Outros insetos selecionados para estudo são considerados mais evoluídos, como as mariposas Spodoptera frugiperda, cuja lagarta é praga de soja e milho, e Erinnyis ello, cuja lagarta ataca a mandioca. Outro ser indesejado pelos agricultores, que faz parte desse grupo e começa a ser combatido com a cana transgênica, é a brocada-cana-de-açúcar, Diatraea saccharalis. Todos esses insetos pertencem
mento de Bioquímica do Instituto de Química da USP desde 1990. • CLÉLIA FERREIRA, 45 anos, concluiu em 1976 a graduação em Ciências Biológicas na USP, na qual também fez o doutorado em Bioquímica, concluído em 1982, e a livre-docência, em 1994. Ingressou no departamento de bioquímica do Instituto de Química da USP em 1985, onde é professora associada desde 1994. Projeto: A Digestão dos Insetos: Uma Abordagem Molecular, Celular, Fisiológica e Evolutiva Investimento: R$ 121,6 mil mais US$ 382 mil • MÁRCIO DE CASTRO SILVA FILHO, 39 anos, é engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal de Lavras, MG, onde também concluiu mestrado em Genética e Melhoramentos de Plantas em 1989. Estudou na Bélgica, de onde retornou em 1994 com o título de doutorado em Biologia Molecular de Plantas na University of Louvain. É professor de genética da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq) da USP desde 1994. Projeto: Caracterização Bioquímica, Entomológica e Molecular da Interação entre Inibidores de Proteinases Digestivas e Insetos da Ordem Lepidoptera Investimento: R$ 156.838,45 mais US$ 121.201,90
à ordem Lepidoptera, que inclui as mariposas e as borboletas e representa 13% dos insetos. Também bastante evoluídas são a mosca comum, Musca domestica, e uma mosca próxima do mosquito, Rhyn-
chosciara americana, ambas da ordem Diptera, na qual se encontram 12% dos representantes dessa classe. Outro inseto estudado é uma abelha sem ferrão, Scaptotrigona bipunctata, da ordem Hymenoptera, que abriga as vespas, abelhas e formigas e 25% dos insetos. Essa abelha foi escolhida por sua posição intermediária na árvore evolutiva, entre as moscas e borboletas e os demais insetos.
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE lODO • 27
CIÊNCIA
SAÚDE PÚBLICA
Perigo à beira d'água Cresce o risco de malária na barragem de Porto Primavera
Construída desde 1979 e concluída no ano passado, a Bar
ragem Porto Primavera- ou Usina Hidrelétrica Engenheiro o
Sérgio Motta -, no rio g z
Paraná, não trouxe 2 apenas mais energia elétrica à região. Provocou também o crescimento da população do Anopheles darlingi, um dos ~ mosquitos transmisso- "l
< res da malária, que ~
•j2 atinge cerca de SOO mil ~ brasileiros por ano. -~
~ Um estudo conduzido " pelo epidemiologista Al- ~ mério de Castro Gomes, ~ da Faculdade de Saúde ~ Pública da Universida- ~ de de São Paulo (USP), ~
~ indica que a população ~ desses insetos pratica- ~
w
tamento Lagoa São Paulo", comenta Gomes. Segundo ele, outros estudos já haviam indicado que a construção de barragens acentua a disseminação da malária por criar condições favoráveis ao desenvolvimento do mosquito transmissor, como o acúmulo de água associado à vegetação.
Gomes desembarcou na reg1ao da futura barragem em 1997, um
mente duplicou: em ~ apenas um ponto de ~----0--A-no_p_h_e-le_s_d_ar-U-ng-i--~ coleta no município (no alto) e Gomes: ameaça paulista de Presidente crescente para as cidades Epitácio, a população próximas à hidrelétrica passou de 137 indivíduos, antes da inundação, para 260, depois que o reservatório começou a encher, em 1998. O Anopheles darlingi, que antes ocupava o 48° lugar entre 58 espécies de mosquitos, pulou para o terceiro lugar entre as 26 variedades remanescentes.
"A hipótese mais provável para a elevação do número de mosquitos dessa espécie é que os criadouros, antes dispersos pela região, tenham se concentrado ao redor da barragem, nas áreas próximas ao Reassen-
ano e meio antes da primeira inundação. Até o final de 1998 em Presidente Epitácio e em Bataguassu, do outro lado do rio Paraná, analisou a fase de pré-enchimento antes de haver qualquer influência da barragem. Em dezembro de 1998, partiu para a etapa seguinte, destinada a observar o impacto inicial da formação do lago que começava a se formar, com o fechamento das com-
portas (hoje, o lago de Porto Primavera tem 2.250 quilômetros quadrados e é maior que o de Itaipu.
Agora, na terceira etapa do projeto, que deve terminar em 2002, a preocupação é saber se o mosquito vai se instalar de fato e que papel pode ter no aumento do número de casos de malária numa área considerada de risco, tanto pela concentração de pessoas quanto pela localização, vizinha a regiões endêmicas.
No momento, a doutoranda Ana Maria Duarte, de sua equipe, procura avaliar se há, na região, portadores do protozoário Plasmodium
vivax, o causador da malária. Havendo o agente e o vetor, estariam completos os requisitos para se iniciar um processo de transmissão, ainda mais crítico porque a população de Anopheles darlingi se encontra em crescimento. Exames parasitológicos demonstraram que não há pessoas contaminadas. Com testes imunológicos, em andamento, pretende-se conferir os resultados de modo ainda mais rigoroso. •
PERFIL:
• ALMÉRIO DE C ASTRO
GOMES, piauiense de 58 anos, fez a graduação em Farmácia e Bioquímica na Universidade
Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e o mestrado e o doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona desde 1976. Projeto: Avaliação do Impacto da Barragem de Porto Primavera sobre Populações Vetaras de Malária e das Perspectivas Subseqüentes de Controle Investimento: R$ 71.369,97
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 33
CIÊNCIA
Como o sistema nervoso regula as atividades do dia-a-dia
O mecanismo do sono nos seres ~~ / humanos está relacionado com 'V} I um ciclo de cerca de 25 horas, o Núcleo ) ntmo c1rcad1ano. O controle supraquias~'clco desse mecanismo é realizado, ~ entre outras estruturas do ... ....._ sistema nervoso, pelos núcleos ~ supraquiasmáticos, grupos de células situadas no hipotálamo anterior, na base do cérebro. ~
Quando uma luz forte é ~ ~ ~ captada pela retina do olho, como acontece quando a pessoa acorda pela manhã, os núcleos são avisados , por meio do nervo ótico. A glândula pineal passa então a secretar menos melatonina, um hormônio cuja concentração no sangue sinaliza a ocorrência da noite e do dia.
FISIOLOGIA
Retina do olho
Nervo ótico
Idosos com sono nota dez
Saudável é dormir bem à noite, sem muitos cochilos durante o dia
Lentamente, diante da televisão ligada, a cabeça da senhora ido
sa começa a balançar. Mais uma vez, ela cochilou durante a novela. Durante anos, a Medicina teve urna explicação para essa cena comum: os idosos tenderiam a fragmentar mais o sono, em conseqüência do processo de degeneração das estruturas do cérebro responsáveis pela organização temporal. Não estaria funcionando a sincronização da pessoa com o dia e com a noite. Esse conceito, porém, está mudando. Uma das razões dessa mudança pode ser uma pesquisa realizada em Campinas pelo Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) da Universidade de São Paulo (USP).
34 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
''A fragmentação do sono não é uma fatalidade", afirma, categoricamente, o professor Luiz MennaBarreto do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, coordenador da pesquisa e do GMDRB. Ou seja: se forem saudáveis do ponto de vista físico e psicológico, se mantiverem ativos e conservarem um bom relacionamento social, os idosos têm tudo para manter, mesmo em idade avançada, o mesmo padrão de sono que tiveram durante a vida adulta.
Os resultados da pesquisa da USP são apoiados por outros estudos recentes, realizados nos Estados Unidos. Neles, pesquisadores relacionam a fragmentação do sono nos idosos a efeitos secundários de doenças características da terceira idade, ao abandono social e à falta de motivação em geral, associada a estados depressivos. Não, exclusivamente, a um problema de degeneração dos sistemas de temporização, os chamados relógios biológicos, mecanismos
no cérebro que comandam os ritmos do corpo (ver ilustração).
A pesquisa da USP foi realizada pelo GMDRB com 23 membros do grupo da terceira idade do Sesc de Campinas. Chamada Padrões de Atividade e Fragmentação do Sono em Pessoas Idosas, contou com um financiamento de R$ 43,4 mil da FAPESP. Além da USP, há outros grupos na Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal, na Universidade Federal de Pelotas no Rio Grande do Sul e na Unesp, em Assis.
A cronobiologia surgiu na segunda metade do século 20 com o objetivo de explicar a organização temporal dos seres vivos. Não é algo simples. Assim como os seres vivos passaram por um processo de adaptação ao espaço físico, durante sua evolução, também tiveram de se adaptar aos ciclos da natureza, como as estações do ano e os ciclos lunares.
Essa adaptação é um dos campos de estudo da cronobiologia, que pesquisa ainda os ritmos internos do organismo, como o batimento cardíaco, o ritmo da respiração e a variação de temperatura corporal (ver gráfico).
I
1.) o
38
37
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E Q) 35 a. E Q)
1-34
33 r
O I
O calor do corpo Como a temperatura varia ao longo do dia
PORTA SECUNDÁRIA DO SONO PORTA PRINCIPAL DO SONO
Por volta do meio-dia ocorre uma queda na temperatura, em função
do aumento do sonolência. VIGÍLIA
A temperatura atinge o ponto mais baixa por volto dos 5 do
manhã.
I r I 2345678
t EFEITO
FEIJOADA É o ampliação do
tendência de cochilar em decorrência da ingestão
de uma refeição pesado. 1 1 r r 1
9 10 11 12 13 14 IS 16 17
Tempo (em horas)
horas, a temperatura está caindo e a pessoa está pronta para dormir.
1 r 18 19 20 21 22 23 24
Obs.: Os valores do gró(lco referem-se à variação do temperatura central de um homem adulto jovem e de hábitos diurnos. Não se aplicam o indivíduos que trabalham à noite ou em horários irregulares.
que sua exposição ao meio ambiente foi antecipada. "Esses fatos nos levam a afirmar que a constância ambiental mantida nas maternidades e hospitais, do ponto de vista da cronobiologia, talvez deva ser questionada", diz ele. "Provavelmente, no futuro, esses ambientes serão planejados de forma a respeitar as variações naturais do meio externo."
Não é por acaso que o sono das pessoas idosas merece tanto interesse. Um dos ritmos biológicos mais estudados é o ciclo vigília-sono, cujo período oscila em torno de 24 horas. A determinação desse ciclo é endó- Fonte: Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos - lCB/USP
Adolescência - Na adolescência, ocorre outra mudança importante, cuja descoberta chamou gena, ou seja, os sistemas
orgânicos de temporização, ou relógios biológicos, geram um período um pouco maior do que 24 horas, que é ajustado a cada dia, por estímulos ambientais como o dia e a noite e horários de atividade e lazer. Uma pessoa em uma caverna, isolada desses estímulos temporais do ambiente, continua a apresentar aproximadamente o mesmo padrão de alternância entre vigília e sono.
Os relógios biológicos, sensíveis aos fatores ambientais cíclicos, também se ajustam às condições que encontram. No caso do ciclo vigília-sono, colocam o período de atividade e descanso em sincronia com o claro e o escuro do dia. Quando essa sincronicidade natural é perturbada, o organismo sofre, em situações nem sempre relacionadas com degenerações do organismo. É o caso de pessoas que trabalham à noite. Quase sempre, dormem de dia durante a semana e à noite nos períodos de folga, no fim de semana. Segundo Menna-Barreto, esse ritmo representa uma desordem temporal muito grande, do ponto de vista dos relógios biológicos.
ram muitas dúvidas em relação ao sono. Já se sabe que os recém-nascidos levam algum tempo para ajustar seus relógios biológicos ao ambiente. Seu sono é bastante fragmentado- dormem a intervalos de três a quatro horas -, embora existam grandes variações. A organização do sono noturno pode ocorrer tanto na primeira semana quanto aos quatro meses de vida.
Outra pesquisa recente de Menna-Barreto, com bebês do Hospital Universitário da USP, mostrou que os prematuros saudáveis tendem a organizar o sono mais cedo do que bs nascidos no fim de um período normal de gestação, provavelmente por-
a atenção dos educadores. Um estu-do da pesquisadora Mirian Andrade, sob orientação de Menna-Barreto, mostrou que as mudanças hormonais da puberdade são acompanhadas de um atraso nos ritmos biológicos. Em conseqüência, o adolescente sente sono mais tarde e passe a acordar também mais tarde.
Essa constatação motivou outra pesquisa, realizada com os alunos da quinta série da Escola de Aplicação da USP, com o objetivo de verificar a adequação dos estudantes ao horário escolar. Ali, os alunos da primeira à quarta séries freqüentam as aulas no período da tarde. Quando chegavam à quinta série- justamente no período crítico das mudanças hormonais que atrasam o relógio biológico dos adolescentes -, eram automaticamente transferidos para o período da manhã.
Os pesquisadores demonstraram que os estudantes, quase todo dia,
dormiam menos do que gosta-riam. A sonolência diurna
Recém-nascidos - As investigações da cronobiologia esclarece-
Waldemar Simionato, Odilon Ferreira e Lázara Lang: no grupo de estudo, com o actígrafo (nos pulsos)
que sentiam poderia explicar, pelo menos parcialmente, a perda de atenção e de interesse pelas aulas. Como resultado da pesquisa, a Escola de Aplicação cancelou, em 1999, a mudança de horário dos alunos que chegavam à quinta série.
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 35
No adulto, os padrões de sono variam muito de um indivíduo para outro, mas, uma vez estabelecidos, se mantêm estáveis ao longo de toda a vida. Ou seja, uma pessoa que precisa de nove horas de sono por noite deverá apresentar esse mesmo padrão por toda a vida. A pesquisa mostra que o padrão continua mesmo depois de certa idade e joga por terra a antiga idéia de que, com o avanço da idade, os relógios biológicos se deteriorariam, fazendo com que o sono voltasse a ser fragmentado, como ocorre com os bebês.
A pesquisa trouxe elementos importantes para o estudo da fisiologia do idoso. Sabiase que o número de queixas em relação ao sono crescia muito a partir dos 45 ou 50 anos, mas faltavam dados sobre o sono do idoso sadio. "Nossa dúvida era se esse padrão mais fragmentado era uma característica intrínseca ao avanço da idade ou se estaria associado a algum estado de sofrimento", explica Menna-Barreto.
Na primeira fase da pesquisa, a equipe da USP selecionou 23 idosos sadios do
velhecimento, então, quanto mais idoso, maior deveria ser a fragmentação. "Mas pudemos constatar que isso não ocorre e que, portanto, a fragmentação não parece ser uma fatalidade", afirma Menna-Barreto. Outro fato importante foi observado na comparação entre os extremos. "Tanto os idosos que fragmentavam o sono quanto os que não fragmen-
Grupo da Terceira Idade do Menna-Barreto:
Sesc de Campinas. Na segun- pequena fragmentação de sono é normal
da fase, os idosos passaram 23 dias usando um aparelho de pulso sensível aos movimentos, o actígrafo, que produz um gráfico das ocorrências de sono, dia após dia. Também registraram suas atividades num diário.
Os dados dos dois métodos indicaram os padrões de sono mais extremos. Assim, na terceira etapa, entre os 23, foram selecionados seis idosos, quatro homens e duas mulheres, que apresentaram as médias mais elevada (um cochilo por dia) e mais baixa (nenhum cochilo) de fragmentação. Depois disso, o grupo passou mais nove dias fazendo registras de sono e de temperatura corporal.
Uma das hipóteses a ser verificada era que, se a fragmentação do sono era uma decorrência normal do en-
36 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
tavam tinham uma vida bastante satisfatória, o que prova que o hábito da sesta não é sinal de desorganização temporal': concluiu.
Sofrimento - O fato de que todos os idosos estudados eram muito sadios e nenhum fragmentava o sono de forma excessiva sugere que a fragmentação pode indicar um envelhecimento não-saudável. "Quando um idoso começa a fragmentar demais o sono, ele deve, antes de mais nada, avaliar se isso não é conseqüência de algum estado de sofrimento", recomenda Menna-Barreto. Qualquer dor pode prejudicar a qualidade do sono porque impede que se atinjam os estágios mais profundos do sono.
Isso é freqüente entre os idosos que sofrem de doenças cardíacas ou reumatismo, por exemplo. "Mas tanto quanto a dor física, a dor da alma também tem efeitos negativos sobre o sono", afirma. A falta de motivação que acompanha os quadros depressivos pode comprometer a sincronicidade dos relógios biológicos com os ciclos ambientais.
Uma pequena fragmentação é perfeitamente normal. "Alguns indivíduos dormem regularmente a sesta depois do almoço, outros não", diz o pesquisador. "Dependendo da situação de vida, alguns podem simplesmente não expressar essa necessidade, passando a fazê-lo mais tarde, quando os compromissos deixam de ser obstáculos."
As pesquisas estão mostrando, de forma cada vez mais intensa, as conseqüências negativas do desrespeito aos ritmos biológicos. Esses elementos, diz o pesquisador, sugerem a necessidade de uma melhor reflexão sobre as relações entre o indivíduo e a sociedade. "Valores como competitividade, qualidade e produtividade são verdadeiras armadilhas temporais, que geram muita angústia", afirma. "É preciso refletir sobre essas armadilhas que criamos para nós mesmos." •
PERFIL:
• LuiZ MENNA-BARRETO tem 53 anos e atua no Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Formou-se em 1972 em Ciências Biológicas, modalidade Médica, pela USP de Ribeirão Preto, onde concluiu o mestrado em 1976. Terminou o doutorado na USP de São Paulo, em 1981. Completou o pós-doutorado em Cronobiologia na Universidade do Franche-Comté, em Besançon, na França. Projeto: Padrões de Atividade e de Fragmentação do Sono em Pessoas Idosas Investimento: R$ 43.450,00
CIÊNCIA
deos sulfatados encontrados em invertebrados marinhos. Essas substâncias apresentam potentes ações anticoagulante e antitrombótica. •
Controle genético do presento
Pesquisadores franceses identificaram um gene, chamado RN, cuja mutação altera o metabolismo energético do músculo do porco e,
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Cápsula de tabaco com sementes: dentro de dois anos, insulina de modo mais ~
Tabaco produz pró-insulina
Uma equipe do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp conseguiu produzir pró-insulina em sementes de tabaco (Nicotina tabacum). É uma vitória parcial. A pró-insulina é uma forma preliminar - um rascunho- da insulina, hormônio produzido pelo pâncreas. Chega à forma final por meio da eliminação de um trecho central de sua estrutura, como resultado da ação de uma enzima, a pró-insulina-convertase. Com apoio da FAPESP, o bioquímico Adilson Leite pretende agora fazer com que a própria planta produza essa enzima e retire o pedaço indesejado da pró-insulina, fornecendo assim a própria insulina, em mais um ou dois anos. Em busca de alternativas mais práticas e econômicas para a produção de proteínas de interesse humano, já se conseguiu que plantas transgênicas produzissem enzimas, hormônios e anticorpos e antígenos que podem ser utilizados como vacinas. •
Farmácia marinha na UFRJ
Os pepinos-do-mar e os tunicatos - espécies de búzios pontudos encontrados nas praias - contêm substâncias com princípios ativos contra a trombose e coagulação. A constatação é de um estudo do Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os ensaios que indicam essa atividade terapêutica foram realizados em ratos e coelhos. Uma das linhas da pesquisa, coordenada pelo cientista Paulo Mourão, envolve o estudo dos chamados polissacarí-
prático, prejudica a qualidade do presunto. Essa mutação causa um excesso de glicogênio, uma forma pela qual a glicose é armazenada, principalmente no figado e nos músculos, e acentua a acidez e a capacidade de re
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tenção de água na carne. O mesmo consórcio de instituições que chegou a essa descoberta - três unidades do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA), da França, e as universidades de Ciências Agrícolas da Suécia
Porcos: mutação no gene RN altera o metabolismo muscular
e a Christian Albrechts, da Alemanha - desenvolve agora um teste genético simples e eficaz para determinar portadores dessa mutação, mais comum em animais obtidos a partir da raça Hampshire. •
Programa alemão de previsão de tempo
Começou a funcionar, em caráter experimental, o Modelo
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Brasileiro de Alta Resolução (MBAR), desenvolvido pelo Sistema Meteorológico Alemão (DWD) e implantado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com adaptações à geografia brasileira. É uma alternativa para saber, pela internet (no endereço www.inmet.gov.br), se vai chover ou qual a situação das nuvens, da pressão, dos ventos e da temperatura com algumas horas ou até dois dias de antecedência, com informações da região de interesse a cada 25 quilômetros. Até o final do ano, o Inmet deverá receber dois supercomputadores, o Origim 2000 e o Cray SVl, que devem otimizar a utilização do novo programa de previsão de tempo. •
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TECNOLOGIA
Furgão do Prumo leva equipamentos para dar suporte técnico às micro e pequenas empresas do setor de plásticos
PLÁSTICOS
Laboratório dentro da fábrica Prumo atende a 150
empresas e mostra bons resultados após um ano
A o atingir a marca de 150 micro e pequenas empresas atendi
das, o Projeto de Unidades Móveis (Prumo) contabiliza, depois de um ano e quatro meses, os bons resultados da transferência de conhecimento tecnológico para o setor de processamento de plásticos. Peças sem defeito, ajustes de matéria-prima e a eliminação de erros operacionais são alguns dos benefícios auferidos por dezenas de empresários que estão agora mais aptos a enfrentar o mercado nacional e a conquistar espaço na pauta de exportações.
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Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), qne opera o programa, entre empresários atendidos pelo Prumo, mostra alguns dos principais resultados conquistados como aumento da lucratividade, diminuição da devolução de pedidos, conquista de clientes mais exigentes e possibilidade de substituição das importações. O mesmo levantamento revela, ainda, aumento de 25% no processamento de matérias-primas, de 29% no faturamento e de 18% no número de empregos.
Lançado em março do ano passado, o projeto inova ao levar às empresas um laboratório móvel, dentro de um furgão, com instrumentos para teste e processamento de vários experimentos úteis para as indústrias do setor de transformação de plástico do Estado de São Paulo. As unida-
des móveis são operadas por um engenheiro e um técnico em plástico.
O Prumo é resultado de um acordo de parceria assinado entre IPT, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Instituto Nacional do Plástico (INP), com o apoio da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica Universidade-Empresa (PITE). A Fundação financiou a compra de dois furgões e dos equipamentos para os laboratórios. O Sebrae subsidia 70% do atendimento, que custa R$ 2.900,00, restando 30% ao empresário, ou R$ 900,00. Pensando em facilitar a vida dos empresários que não podem pagar de uma vez pelos serviços do Prumo, o Sebrae decidiu parcelar o pagamento. Desde o início deste ano já é possível receber a visita do Prumo e pagar os 30% em quatro
parcelas. A divulgação do projeto entre as indústrias ficou com o INP.
Custo menor - As unidades móveis estão preparadas para realizar 19 ensaios, com equipamentos de última geração. São testes de extrusão, absorção de água e vários de resistência, à flexão, ao rasgamento, à tração e à compressão. Alguns deles, até o início das operações do Prumo, eram acessíveis somente para empresas de grande porte, em razão do alto custo.
O projeto, além de promover ajustes necessários nas empresas, está funcionando também como porta de entrada para as diversas áreas de atendimento mantidas pelo IPT. O instituto tem a fama, entre os pequenos e microempresários, de ser uma instituição voltada somente às grandes empresas, cobrando preços elevados pelos serviços. "Com o Prumo, o IPT assumiu uma nova postura e saiu para ajudar o empresário no seu ambiente de trabalho", afirma Vicente Mazzarella, 67 anos, diretor técnico do IPT e idealizador do projeto. Para ele, as atividades realizadas pelo Prumo conseguiram mostrar aos participantes as vantagens da atualização tecnológica.
Mazzarella planeja a ampliação do projeto para outras áreas da indústria. Se tudo der certo, ele gostaria de ver atendidos setores como mobiliário, couro e calçados, tratamento de superfície, cerâmica e de transformação de borracha. ''A expansão dos serviços do Prumo ajudará no processo de aprimoramento tecnológico desses setores", afirma.
Uma das dificuldades do Prumo atualmente é convencer seu públicoalvo da importância de receber esse tipo de serviço. "Temos de mudar alguns conceitos arraigados na mentalidade do nosso empresário e isso não é fácil", afirma Paulo Dacolina, diretor-superintendente do INP. Para ele, o processo é lento, mas mostra bons resultados.
Ajustes para ampliação - Para aumentar o número de empresas atendidas, o INP fechou, no início deste ano, acordo com 12 distribuidores da indústria de resinas petroquímicas no Estado de São Paulo. O objetivo é conseguir custeadores para
no ambiente de trabalho
testar os processos industriais e métodos utilizados. Foi quando descobriu que o IPT tinha um serviço móvel que ia até as empresas. Stegmann decidiu inscrever-se para receber a visita do Prumo. "Até então eu pensava que os serviços do IPT eram voltados somente para grandes projetos e proibitivas para o tamanho da Aquaterra': conta. Em três dias de trabalho, os técnicos do IPT traçaram parâmetros e fizeram algumas correções de
Dentro do furgão, são realizados testes de resistência, compressão e tração
os 30% do custo do atendimento, que hoje cabe à empresa. "Cada distribuidor fica com uma cota de 20 empresas e paga a parte que caberia a elas", afirma. Segundo Dacolina, o INP investiu neste primeiro ano cerca de R$ 40 mil para divulgar o projeto.
Quem já recebeu o atendimento do Prumo não se arrepende. O empresário Jorg Stegmann, 43 anos, proprietário da Aquaterra, em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, é um deles. Stegmann procurava uma maneira de verificar se o produto que fabrica tinha um nível de qualidade igual para atender os clientes mais exigentes. A empresa fabrica barcos, peças de playgrounds e canoas. Os materiais utilizados na produção são o plástico reforçado e a fibra de vidro.
Para atingir seu objetivo era necessária uma série de ensaios para
rota na Aquaterra. "Agora sinto-me seguro com relação ao grau de qualidade dos meus produtos, conferido pelo IPT", comemora Stegmann, que nas horas de folga pratica iatismo. Ele conta que fornecedores e clientes da sua empresa ficaram surpresos com a presença do IPT na Aquaterra. ''As pessoas ficam bem impressionadas quando se fala em busca de melhorias tecnológicas", diz.
Segundo ele, a presença do laboratório móvel no chão de fábrica facilitou a equação de diversas questões que surgem na rotina diária. "O acompanhamento dos processos de colagem, pintura, resistência e métodos foi crucial para os bons resultados obtidos", avalia. A Aquaterra tem 30 funcionários e faturou no ano passado R$ 1,5 milhão. Para este ano, a expectativa é de crescimento
PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 1000 • 39
de 25%, atingindo cerca de R$ 2 milhões.
Novo universo - Agora, Stegmann vislumbra vôos mais altos: o mercado externo. Com a segurança de estar com tudo ajustado, a empresa passa por um estudo de viabilidade técnica, referente à primeira fase do Programa de Apoio Tecnológico à Empresa Exportadora (Progex), desenvolvido pelo IPT. "A partir do trabalho do Prumo, estou descobrindo um novo universo de negócios", conta Stegmann.
Segundo a diretora adjunta de projetos especiais do IPT, Mari Katayama, o Prumo resolve com sucesso alguns dos principais problemas técnicos enfrentados pelos empresários, que dificultam a exportação. "Apesar de não ter como meta principal a exportação, o Prumo melhora a qualidade e a produtividade, ao mesmo tempo que contribui para reduzir custos de produção, criando, assim, um potencial exportador", diz. Mari relata que o Prumo desperta interesse de outros estados e poderá ter sua metodologia disponibilizada em outros pontos do País.
Certamente, existem muitas empresas em situações críticas que, com o apoio do Prumo, desenvolvem melhor seus negócios. Foi o caso da Mebuki, Guarulhos. No ano passado, faltando 15 dias para o início da Feira Internacional da Indústria da Construção (Feicon), o empresário Jairo Uemura sentiu que o investimento de R$ 150 mil, feito para o lançamento de um kit para banheiro, estava ameaçado. "Não tínhamos a menor noção da origem do nosso problema': afirma, hoje, o empresário aliviado. O kit para banheiro da Mebuki, feito com um tipo de plástico, o ABS, e acrílico, consumiu várias noites de todos os envolvidos e, mesmo assim, a qualidade não agradou. "Tínhamos tentado de tudo e a única saída era abandonar o projeto", lembra Uemura.
Kits sem defeitos - Na visita que fez à Feira Internacional do Setor de
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Nanci, da Bom Pastor: menos 18% de matéria-prima e aumento de 20% na produtividade
Plástico em São Paulo (Brasilplast), o empresário ficou sabendo da existência do Prumo e logo fez a inscrição. "Fomos a primeira empresa a ser atendida pelo programa", gaba-se ele. Em três dias de ensaios e análises, os técnicos conseguiram resolver os "misteriosos" problemas que afligiam o empresário. Foram feitas mudanças na temperatura e na velocidade de injeção do plástico, entre outros detalhes. Os equipamentos foram ajustados e os primeiros kits sem defeitos começaram a sair da linha de produção a tempo de serem expostos na Feicon. "Fizeram grande sucesso': lembra Uemura.
Hoje, os kits são comercializados em todo o Brasil e exportados para EUA, Argentina, Uruguai e Caribe. Em um ano, eles passaram a representar cerca de 30% do faturamento da Mebuki, que no ano passado atingiu R$ 2,5 milhões. A Mebuki fabrica ainda assentos sanitários, bóias, descargas suspensas e sementeiras para o setor agrícola.
"O pequeno e microempresário têm muito medo de abrir a sua empresa para organizações que tenham, de alguma maneira, ligação com o governo", observa Uemura. O motivo é a desconfiança em ver sua empresa esmiuçada em relação aos impostos, à tecnologia e aos produtos que ele
considera segredos industriais. Na realidade são preconceitos sem paralelo com as funções do Prumo.
Antes de ter acesso ao Prumo, Uemura conta que se julgava um dos maiores especialistas em plástico na face da Terra. "Eu acreditava ter o domínio absoluto do assunto e a realidade mostrou-se bastante diferente", confessa. Hoje, Uemura não dá um passo na área tecnológica sem fazer consultas aos especialistas do IPT.
Produtos de qualidade - A Mebuki tem, atualmente, 65 funcionários. Com o sucesso do kit para banheiro e um novo lançamento ainda neste ano, a empresa espera aumentar o faturamento em 40%. "Estamos criando produtos de qualidade voltados para as classes C e D, que são muito malservidas", diz Uemura.
Além de fazer correções nos processos industriais, a equipe do IPT também esclarece dúvidas dos trabalhadores envolvidos no processo. O contato direto com os proprietários e seus funcionários faz parte da rotina do engenheiro Walmir Hiroharu Wada, que acompanha uma das unidades móveis do Prumo. Ele está no projeto desde o início e diz que os problemas apresentados pelas empresas geralmente são de fácil
Uemura, da Mebuki: mudar a temperatura e a injeção do plástico elimina defeitos
solução. Ele lembra, porém, que a resistência dos empresários às mudanças necessárias é muito grande. "No primeiro contato alguns ficam temerosos quanto à eficácia do trabalho, mas depois que enxergam os resultados passam a confiar no nosso trabalho e tornam-se até bons amigos", afirma Wada, que visitou cerca de 50 empresas espalhadas por todo o Estado. "Já fui visitar empresa instalada até numa granja desativada", diverte-se.
Principiante no ramo - Outro bom exemplo do atendimento prestado pelo Prumo é a Plásticos Bom Pastor, situada em Santo André, que tem como uma das sócias a empresária Nanci Rodrigues Correa. Ela preocupava-se com a variação de peso apresentada por um frasco plástico de cinco litros, produzido pela sua empresa, além da pouca experiência dos seus funcionários. Principiante no ramo de plásticos, Nanci e sua família, por meio do Sebrae, descobriram o Prumo. Fez inscrição e
Stegmann, da Aquaterra: sucesso nos processos de colagem, resistência e métodos
em 48 horas a origem do problema do produto foi determinada. "Era a qualidade da matéria-prima", diz ela.
Algumas das soluções apontadas para a Plásticos Bom Pastor foram adicionar 10% de uma resina para dar estabilidade à massa plástica e ajustar o método de injeção. "Conseguimos reduzir em 18% o uso de matéria-prima e aumentar a produtividade em 20%': conta Nanci, formada em Letras. Para ela, a ida do IPT à sua empresa foi um divisor de águas. Além de resolver os problemas técnicos, eles aplicaram um treinamento para todos os funcionários da empresa, que atualmente emprega dez pessoas e produz brinquedos, peças para a indústria automotiva
e para outros setores. No ano passado, a empresa fatu
rou R$ 350 mil e neste ano, a expectativa é de aumento de 30%. Para isso, fizeram também um investimento de R$ 100 mil na aquisição de mais três máquinas sopradoras, usadas. "Estamos seguros para dar passos mais firmes após a visita do Prumo", diz Nanci.
Mazzarella conta que, neste primeiro ano, o projeto mostrou sua viabilidade técnica e excelentes frutos. "A nossa grande surpresa é que os re
sultados práticos ultrapassaram todas as expectativas iniciais." •
PERFIL:
• VICENTE MAZZARELLA é engenheiro metalurgista, formado pela Escola Politécnica da USP. É pós-graduado em Metalurgia Física pelo Instituto de Tecnologia de Carnegie, em Pittsburgh, nos Estados Unidos, e em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Projeto: Prumo -Projeto de Unidades Móveis de Atendimento Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas Investimento: R$ 94.847,00 e US$ 253.992,00, da FAPESP, e R$ 1.182.000,00, do Sebrae, por meio do Programa de Apoio Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas (Patme), IPT e INP.
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 41
TECNOLOGIA
PISCICULTURA
Cor da água deixa peixe tranqüilo Em cativeiro, o matrinxã tem um índice de canibalismo de até 98%. Ao colorir a água de azul, a agressividade cai IS%
Projeto entre a Unesp e a Fish-Braz torna viável a criação do matrinxã
Canibalismo, estresse e baixareprodução em cativeiro. Esse
roteiro de horrores quase eliminou o matrinxã (Brycon cephalus) do círculo dos cinco peixes de água doce mais utilizados comercialmente no Brasil, principalmente em estabelecimentos conhecidos como pesque-pague. Uma grande ajuda para a solução desse problema veio com os resultados dos estudos do biólogo Gilson Luiz Volpato, professor do Instituto de Biociências de Botucatu e do Centro de Aqüicultura, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ). Ele conseguiu uma solução simples e surpreendente para o problema, colocando papéis celofanes coloridos sobre as incubadoras
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de 60 ou 200 litros usadas na criação das larvas de matrinxã, promovendo um ambiente colorido aos peixes.
A coloração azul da água, por exemplo, acalmou os pequenos matrinxãs, fazendo diminuir em 15% o índice de canibalismo. A cor verde aumentou em 50% a reprodução dessa espécie em cativeiro. Das nove fêmeas utilizadas no estudo, oito se sentiram tranqüilas com o ambiente esverdeado e efetuaram a desova. Se não bastasse a melhor disposição feminina, os machos também apresentaram maior volume de sêmen. No grupo utilizado como controle, com luz ambiente normal, apenas quatro de nove fêmeas reproduziram. "Este dado é muito importante, pois todos os cuidados metodológicos foram tomados", afirma Volpato.
O estudo foi realizado durante dois anos em parceria com a empresa Fish-Braz, de Botucatu, que vinha tendo problemas com a criação desse
peixe. O projeto intitulado Coloração Ambiental como Facilitador da Reprodução e Redutor de Canibalismo em Matrinxã fez parte do Programa de Inovação Tecnológica UniversidadeEmpresa (PITE), da FAPESP.
Situação dramática - As soluções do estudo diminuem um hábito arraigado dessa espécie de matrinxã, originária de vários rios da Bacia Amazônica. Esse peixe exibe índices de canibalismo impressionantes. Na incubadora, ele não precisa nem de inimigos. Algumas horas após a desova, as larvas já são altamente vorazes, podendo chegar a um índice de 92% a 99% de perdas por canibalismo. Simplesmente, uma larva devora a outra. Isso numa fase de vida em que não medem mais do que sete milímetros. Esse comportamento, pelo que se descobriu, não dura mais do que duas semanas, mas sua fase mais intensa está nos primeiros cinco dias.
Na década de 80, esse peixe esteve ameaçado de extinção na natureza. Além da natural voracidade infantil, outros fatores também contribuíram para esse problema. O matrinxã é uma espécie reofílica, ou seja, que migra na época da reprodução. Assim, a construção de represas impede ou atrapalha essa migração. Mas há outros fatores, como a destruição da mata ciliar, que induz ao assoreamento e reduz lagoas marginais onde as larvas se desenvolvem e algumas conseguem escapar vivas. A poluição crescente dos mananciais também mata diretamente os peixes, quando a qualidade da água é reduzida. A pesca predatória, que diminui os espécimes adultos, também pode ter
é estimulada pela injeção de extrato de hipófise de carpa, o que viabiliza a propagação artificial da espécie.
Mesmo assim, os resultados demoram e dependem de conhecimentos mais aprofundados sobre vários aspectos do comportamento da espécie, como relata o pesquisador Paulo Sérgio Ceccarelli, autor da dissertação Canibalismo em Larvas de Matrinxã, concluída em 1997 no Instituto de Biociências da Unesp sob orientação do professor Volpato.
Retorno comercial- Parte dos obstáculos à criação comercial rentável foi contornada com a adoção de criações consorciadas, nas quais as larvas de matrinxã conviviam e se alimenta-
Uma larva de matrinxã abocanha uma irmã, em foto de microscopia eletrônica
contribuído para esse processo, pois o matrinxã passa a apresentar bons índices de reprodução somente a partir do terceiro ano de vida.
Pior, como é comum nas espécies reofílicas, somente com o processo de migração os matrinxãs conseguem atingir naturalmente o amadurecimento das gônadas e completar seu processo reprodutivo. Assim, pescados precocemente ou envenenados nas águas poluídas, a salvação da espécie, como de muitos peixes de água doce, acabou ficando nas mãos de pesquisadores e piscicultores. Eles passaram a reproduzir esse peixe de forma induzida, processo no qual a reprodução
vam de larvas de outras espécies, de custo mais baixo e perfeitamente administrável em termos de rentabilidade. No início da década de 90, a criação consorciada com larvas de pacu começou a se tornar uma prática comum nas pisciculturas.
Contudo, as dificuldades permaneceram porque, ao lado da indução hormonal, estão o restrito período de desova da espécie na região Sudeste do Brasil e a alta taxa de canibalismo nos primeiros dias de vida. As possibilidades de retorno comercial, contudo, fazem com que os criadores sejam insistentes. "Tudo o que se produz é vendido': explica Volpato, principal-
mente para o segmento popularmente chamado de pesque-pague, ao qual se destina mais de 80% da produção. Somente no Estado de São Paulo existem cerca de 1.500 pesque-pague.
Na comparação com as demais espécies de água doce, os preços pagos por lotes de mil alevinos (forma jovem vendida com 2 a 4 centímetros) favorecem a criação comercial do matrinxã. Enquanto para essa espécie o milheiro custa de R$ 200,00 a R$ 450,00, dependendo da época e região, peixes como o pacu são vendidos de R$ 70,00 a 120,00. Além disso, a pesca do matrinxã é emocionante. "Parece que ele reage de um jeito que dá mais prazer aos pescadores': diz Volpato.
Essa reação corporal é diferenciada desde as primeiras horas após a eclosão das larvas. Com pouco mais de 6,5 mm de comprimento, pesam ao redor de 2,30 miligramas, têm narinas e olhos bem desenvolvidos, abertura da boca em sentido vertical, correspondente a 15% da extensão total do corpo, e tubo digestivo completamente formado. Seu nado é em sentido horizontal, mas com surtos freqüentes de abertura exacerbada e fechamento da boca, dizem os pesquisadores. Como mostra a dissertação de Ceccarelli, tal grau de contorção do corpo e da articulação da mandíbula, mais a possibilidade de grande dilatação do ventre, possibilita a ingestão das presas com alguma facilidade.
Dinâmica do bote - A capacidade de predar é, nos matrinxãs, intra e interespecífica, isto é, come indivíduos de sua e de outras espécies. O comportamento predatório foi estudado com cuidado por Ceccarelli. Apresenta uma seqüência constante: fixação, perseguição, aproximação, bote, mordida, apreensão e ingestão. Para um matrinxã, tamanho não é documento. Devora um concorrente pouco menor ou do seu próprio porte. "Tal padrão comportamental pode estar associado também à dinâmica motora do bote, o que atribui ao peixe maior velocidade e, por conseqüência, maior poder de surpreender as presas", lembra Ceccarelli.
PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 43
O estabelecimento dos parâmetros corretos que diminuem o canabalismo e aumentam a reprodução do matrinxã teve início em estudos anteriores financiados pelo Conselho Nacional de Desenvilvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com outras espécies de peixes. A idéia de colorir a água também baseou-se em outros estudos não-científicos de cromoterapia. Volpato definiu as cores azul, verde, vermelho e branco (transparente) para os experimentos, por z
serem as que poderiam ~ interferir com o ((bem- ~
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estar" dessas larvas. No ~
projeto junto à FAPESP, a hipótese de Volpato era que uma pequena perturbação no "bemestar" dessas larvas faria com que reduzissem a agressão direcionada às irmãs e, com isso, reduziria o canibalismo nessa fase. E o pesquisador procurou reduzir o "bemestar" por meio de alterações na coloração do ambiente de criação dessas larvas, que são as incubadoras. Num primeiro teste, Volpato observou que a coloração azul fez com que a taxa de sobrevivência fosse de 15%, contra uma porcentagem de cerca de 7% nas outras condições.
No início dos trabalhos do projeto de inovação tecnológica, o professor Volpato teve de deparar com outra característica desses peixes de água doce. "O matrinxã morre facilmente se manejado de forma inadequada, principalmente se a manipulação ocorre em temperatura fora da faixa de conforto térmico da espécie, por volta dos 26° C", informa. O problema enfrentado por Volpato foi que o lote de reprodutores comprados morreu entre o transporte e o manejo de separação em viveiros. "Restaram apenas duas fêmeas e alguns machos."
A pesquisa pôde ser levada em frente porque a Fish-Braz rapidamente financiou a reposição dos reprodutores. Outros problemas surgi-
44 • JUNHO OE 2000 • PESQUISA FAPESP
Volpato: A busca do bem-estar do matrinxã resultou na colocação de celofanes coloridos sobre as incubadoras (acima)
ram, como é comum nas pesquisas, e o Centro Nacional de Pesquisa de Peixes Tropicais (CEPTA), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Pirassununga, também auxiliou muito para a conclusão do estudo.
Mas o projeto de Volpato e da Fish-Braz junto à FAPESP também investigou a coloração do ambiente na melhoria da indução hormonal da reprodução do matrinxã. Como o estresse é um fator que inibe a procriação, o pesquisador procurou encontrar alguma coloração ambiental que produzisse um efeito calmante nas fêmeas.
Água verde é melhor- Volpato verificou que indivíduos jovens de matrinxã criados na coloração verde são mais agressivos quando transferidos
a um novo ambiente, comparativamente aos mantidos nas cores amarelo, azul, vermelho e branco. Mas o pesquisador não achou que o verde aumentou a agressividade, mas sim que as outras cores é que reduziram a agressão. Achou que, no ambiente novo, os animais que haviam estado na coloração verde se ajustaram rapidamente e, assim, passaram a lutar em defesa de seu novo território. Essa idéia foi fortalecida, pois o pesquisador viu que o crescimento dos animais no ambiente de cor verde foi quase três vezes maior que nos demais.
Larvas de pacu - Com esses resultados, estimula-se uma área incipiente na piscicultura, que é o uso de técnicas "alternativas" (coloração ambiental) na modulação do comportamento dos peixes. Volpato acredita que, no caso do canibalismo, a técnica proposta (ambiente azul), embora ainda em caráter experimental, possa ser associada a outras técnicas já existentes ( consorciação com larvas de pacu ou curimbatá) para melhorar a produção. No caso da reprodução, otimizam-se os reprodutores e garante-se maior sucesso na safra. Além disso, é uma técnica simples e que pode ser usada mesmo nas pisciculturas mais modestas. Pode também direcionar melhor os fabricantes de incubadoras e tanques na escolha da coloração desses recipientes. Volpato
adverte que seus estudos mostram o efeito da coloração, mas ainda não se sabe o quanto é, de fato, a cor ou a intensidade luminosa o principal responsável pelos efeitos.
Para se ter uma idéia da importância desses estudos, o retorno monetário na safra de um único viveiro de piscicultura produzindo alevinos (jovens) de matrinxã gira em torno de R$ 25.000,00 (uma piscicultura pequena deve ter cerca de dez viveiros desses). Assim, os pequenos percentuais de incremento tecnológico na produção são significativos.
Entender a natureza - Outro ponto positivo, visto por Volpato no projeto com a FAPESP, é que a Fish-Braz está muito empolgada com o desenvolvimento dos trabalhos e até pretende criar, dentro da empresa, um setor específico para a pesquisa científica.
Em outro importante estudo a ser publicado por Volpato junto com sua doutoranda, Luciana Jordão, ele trata de outra espécie, o pacu, em situações de estresse. Ele mostrou que esses peixes reconhecem um predador apenas pela visão e, ao se afastarem dele, liberam na água substâncias químicas que sinalizam o perigo aos outros membros do grupo.
O entendimento desses mecanismos naturais dos peixes, tanto do pacu como do matrinxã, propicia que tecnologias eficazes sejam criadas para a solução de problemas cruciais da piscicultura nacional. •
PERFIL:
• GTLSON LUIZ VOLPATO graduou-se em Ciências Biológicas na Unesp de Botucatu. O mestrado e o doutorado foram feitos na Unesp de Rio Claro. Seu pós-doutorado realizou-se no Fish and Aquaculture Unit, da Agricultura! Research Organization, de Bet-Dagan, Israel. É o responsável pelo Laboratório de Fisiologia do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências Biológicas da Unesp de Botucatu.
TECNOLOGIA
EMBALAGENS
Contra o desperdício Novas caixas de papelão reduzem perdas de frutas e de legumes
Um novo conjunto de embalagens de papelão está disponí
vel para toda a cadeia produtiva e comercial de hortifrutícolas. São caixas mais adequadas à fragilidade desses produtos, reduzindo as perdas motivadas por problemas na estocagem e no transporte. O objetivo é evitar o desperdício de frutas e legumes, que varia de 10% a 30% dependendo do produto.
A novidade foi desenvolvida em uma parceria entre o Centro Tecnológico de Embalagens (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas, e a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), com o apoio da FAPESP. O projeto Desenvolvimento de Sistemas de Embalagens de Papelão Ondulado para Hortifrutícolas faz parte do Progran:a
Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e recebeu R$ 41 mil daABPO e US$ 52 mil da Fundação. A ABPO colaborou ativamente nas discussões técnicas e confeccionou os diversos protótipos de caixas de papelão avaliados no decorrer do projeto.
O estudo resultante da parceria, iniciado em 1998 e finalizado no ano passado, elaborou e aprovou três modelos de caixas de papelão para atender às necessidades do mercado (a primeira com 596 milímetros (mm) de comprimento, 396 mm de largura e 160 mm de altura, a segunda com a medida 495x295x160 mm e a terceira, 397x294x146 mm). As três novas embalagens foram projetadas para acondicionar sete produtos: tomate, laranja, uva, berinjela, pepino, pêssego e cenoura. Eles foram escolhidos pela ABPO em conjunto com o Cetea, de acordo com as principais demandas dos consumidores. A princípio, essas caixas podem ser utilizadas para outros produtos, como morango e mamão, mas essa possibilidade ainda não foi avaliada.
Madi, à frente, com Assis e A nna Lúcia: compromisso com a qualidade dos produtos
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No Brasil, o sistema de embalagem de hortifrutícolas é dominado atualmente pela antiga caixa de madeira tipo K, feita com material de baixa qualidade. O uso desse produto remonta ao período em que o País não dispunha de luz elétrica e a iluminação tinha querosene como fonte de energia. As caixas usadas para o transporte desse combustível eram reaproveitadas para a embalagem de frutas, legumes e verduras. O querosene foi praticamente aposentado da vida dos brasileiros, mas as caixas continuam a ser fabricadas e encontradas facilmente em feiras, varejões e Ceasas.
O problema da caixa K são os danos que ela causa aos produtos. Um feirante que comercializa tomate, por exemplo, perde até 30% do produto devido a estragos causados pela embalagem inadequada, que amassa e inutiliza os produtos transportados. Com isso, os consumidores pagam preços mais altos, embutidos nos prejuízos do processo. As embalagens de papelão ondulado desenvolvidas no estudo também servem ao comércio varejista, por apresentar boa apresentação, facilidade de transporte e de acomodação nas gôndolas e nas residências dos consumidores.
Menos agressiva- "O papelão ondulado é a embalagem mais apropriada para frutas, por minimizar os desper-
dícios", diz o presidente da ABPO, Paulo Sérgio Peres. Para ele, a caixa de papelão reúne características importantes para preservar a qualidade da fruta. "É descartável, o que inibe a propagação de doenças e fungos, e facilita a manipulação das caixas, minimizando os custos do sistema como estocagem, Um dos testes realizados foi a medição da rigidez do papelão fretes e mão-de-obra."
Embora mais higiênica e menos agressiva para frutas, legumes e verduras, a caixa de papelão, aparentemente, perde no item de custos para a caixa K. Os dois tipos de caixas, quando capazes de levar 15 quilos de frutas, por exemplo, custam R$ 1,20 cada uma. Assim, existe uma vantagem para a K pelo fato de não ser descartável e poder ser usada diversas vezes. Mas essa diferença não deve ser levada em conta, segundo Luís Fernando Ceribelli Madi, coordenador da pesquisa e atual diretor-geral do Ital. "O custo-benefício proporcionado pela caixa de papelão, que evita perdas e doenças, não permite comparação com a caixa K", avalia.
Um sistema de embalagem moderno, segundo os especialistas da área, deve utilizar materiais que sejam descartáveis ou que possam ser higienizados. "A caixa K, além de danificar os produtos, é um importante foco de transmissão de doenças e contraria as exigências fitossanitárias", afirma Gerardo Galvez, consultor da ABPO e gerente regional de vendas da Klabin, a maior fabricante de papelão ondulado no Brasil e uma das nove empresas que participaram do projeto.
Para Madi, o trabalho desenvolvido pelo Cetea faz parte de um amplo esforço da cadeia produtiva para modernizar a comercialização do setor no Brasil. "A melhoria das embala-
Embalagem para exportação ção Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), o resultado do estudo e do aumento das vendas do setor refletem o grande esforço feito pela entidade para a adoção do papelão pelos setores envolvidos na produção e na comercialização de frutas.
A utilização de papelão ondulado para a embalagem de hortifrutícolas cresceu 58,4% em 1999, comparado com o ano anterior. Foram comercializadas 55,4 mil toneladas do produto para a área agrícola. No total, o setor de papelão ondulado cresceu 3,74% no ano passado, vendendo 1.676 mil toneladas. O faturamento do setor cresceu 18,1% em 1999, em relação a 1998, e atingiu a cifra de R$ 1,852 bilhão.
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Esses dados e todos aqueles relativos às embalagens são considerados verdadeiros sinalizadores da economia de um país porque indicam o movimento da atividade industrial e comercial.
Por representar apenas cerca de 4% do total das vendas do setor, as caixas de papelão ainda têm um grande campo para crescer dentro da área de hortifrutis. Segundo Paulo Peres, presidente da Associa-
A melhoria das embalagens para hortifrutícolas é fundamental para a expansão dos negócios do setor, principalmente no que se refere à exportação. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas. A produção média anual é de mais de 31 milhões de toneladas. Desse total,
Mesa vibratória simula os movimentos de um caminhão
de engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), ele defendeu, em 1977, uma dissertação de mestrado com o tema Caixas de Papelão para a Embalagem de Tomates. De lá para cá não parou mais de pesquisar. "Em 23 anos, muita coisa mudou neste País, menos a forma de embalar os hortifrutis", afirma. Para ele, a abertura do mercado no início dos anos 90 impulsionou uma mudança de atitude do consumidor brasileiro e até do próprio mercado. "A chegada de produtos importados foi fundamental para o consumidor brasileiro conhecer as novas tecnologias existentes e exigir produtos
gens deve ser acompanhada por uma mudança de comportamento em todos os setores envolvidos com produção e comercialização, desde o campo até o consumidor final", diz.
Madi é um apaixonado pelo tema. Está envolvido com o assunto desde que saiu da universidade em 1973. Pertencente à segunda turma
somente 1% é exportado. O principal motivo do fraco desempenho das frutas brasileiras é a falta de padrões de qualidade, que são exigidos pelas normas internacionais, incluindo o cuidado com as embalagens. A Argentina, por exemplo, proíbe a reutilização de embalagens de produtos cítricos e não permite a entrada de produtos hortifrutigranjeiros em caixas que não sejam descartáveis.
No ano passado, a receita brasileira proveniente das exportações de frutas foi de US$ 180 milhões.
de melhor qualidade", explica Madi. Para atingir a excelência nos três
tipos de caixa, a equipe coordenada por Madi executou uma série de testes de resistência com diversos protótipos. Foram experimentos com as caixas empilhadas contendo produtos hortifrutícolas, submetidas a mesas vibratórias que, por exemplo, repro-
A União Européia, principal comprador dos produtos brasileiros, gastou cerca de US$ 130 milhões. A partir de 2003, os países da União Européia só deverão aceitar frutas e hortaliças produzidas de forma integrada, com níveis mínimos de resíduos de agrotóxicos e selo de qualidade. A produção integrada envolve o acompanhamento da fruta desde o plantio até a distribuição, comercialização e consumo, tendo como base o respeito ao meio ambiente e aos consumidores.
duzem os movimentos do transporte em um caminhão. Depois de períodos de até três horas, as caixas passam por uma avaliação para verificação de possíveis danos de compressão e abaulamento do fundo, quando comprometem os produtos que estão na caixa de baixo. O Cetea desenvolveu as novas embalagens utilizando os equipamentos e os laboratórios mais modernos disponíveis na América Latina. O fmanciamento do PITE permitiu ao Cetea adquirir alguns instrumentos de ponta, utilizados no desenvolvimento desse estudo. É o caso do aparelho, que mede a rigidez em flexão do papelão ondulado, comprado por R$ 35 mil.
Participação de mercado - "A cadeia produtiva está despertando para o problema do desperdício", afirma Assis Euzébio Garcia, diretor do Cetea. "Muitos produtores estão descobrindo que a utilização de novas técnicas de melhoria da mercadoria podem aumentar a participação do produto no mercado", afirma. "Nos países em que predomina o uso de embalagens mais adequadas, as perdas são mínimas", diz Paulo Sérgio Peres, presidente da ABPO.
Para Peres, a parceria entre o I tal e a ABPO foi fundamental para o sucesso da conclusão dos três modelos de caixas. "Estamos unindo nossa experiência no setor de papelão com a tecnologia e o aval oferecidos pelo Ital", afirma Peres. Para ele, o resultando dessa união foi o estabelecimento de um verdadeiro tratado de como manusear os hortifrutícolas após a colheita.
A melhoria da qualidade dos produtos por meio de novas técnicas e materiais chega ao mercado brasileiro em um momento crítico para o setor de produtos in natura. A concorrência dos produtos industrializados fez com que o setor perdesse espaço na mesa do brasileiro. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma diminuição de 25% no consumo de frutas em São Paulo, o estado mais rico do país, que passou de 59,6 kg
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em 1987 para 44,6 kg per capita em 1997, com exceção da faixa entre 20 e 30 salários mínimos. O consumo domiciliar no Brasil encolheu de 47,98 kg para 40,39 kg per capita, com redução de 16% no mesmo período. Nos Estados Unidos, ao contrário, houve crescimento de 22% no consumo nos últimos dez anos.
O resultado desse processo foi sentido principalmente pelos supermercados que, ao mesmo tempo que se tornaram os principais agentes de distribuição, também se transformaram em receptores das queixas dos consumidores insatisfeitos com a qualidade dos produtos. Hoje, 10% do faturamento supermercadista é proveniente do setor de hortifrutis. "Melhorar a qualidade dos produtos oferecidos pelo setor é uma questão vital para ampliar o número de consumidores", afirma Omar Assaf, presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas). A entidade participa, juntamente com diversos outros setores, do programa de modernização dos processos agrícolas.
Novos padrões - Segundo Assaf, a adoção de técnicas modernas pode reduzir as perdas que estão em 23%, registradas atualmente pelos supermercados, para 8%. "Esse é o padrão internacional aceito pelos países que adotam medidas como as que começam a ser tomadas no Brasil", conta. Assaf afirma que os supermercados também estão lutando para implementar os novos padrões usados nos países com sistemas de embalamento mais modernos, com caixas de papelão ondulado, de plástico e de madeira.
"É preciso conscientizar os produtores da importância das novas técnicas como instrumento de reconquista do consumidor", afirma Anita de Souza Dias Gutierrez, diretora do Centro de Qualidade em Horticultura, ligado à Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp). O Centro lidera um grupo de normatização para o
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setor. O trabalho engloba desde a classificação do produto até a venda ao consumidor. "As normas definem características de identidade, qualidade, acondicionamento, embalagem, rotulagem e apresentação do produto", explica Anita. Os produtos classificados passam a fazer parte do Programa Paulista para a Melhoria dos Padrões Comerciais e Embalagens de Hortigranjeiros. Nove produtos já tiveram as normas de classificação aprovadas pelas Câmaras Setoriais,
transportado em caixa adequada evita perdas de até 30%
inclusive com a adoção de caixas de papelão. São eles: alface, banana, batata, berinjela, caqui, goiaba, nectarina/pêssego, pimentão e tomate.
Melhor desempenho - "Resultados concretos já foram obtidos pelos associados da Cooperativa Agroindustrial Holambra, da região de Paranapanema, no oeste do Estado de São Paulo, que melhoraram o desempenho económico em 21% ao a dotar, por duas safras consecutivas, os padrões de qualidade para pêssego e nectarina': afirma Anita. Ela conta também que no ano passado foi realizada a primeira campanha do caqui de qualidade, que demonstrou a eficiência dos programas de padronização. Com a adoção das normas de classificação por parte do produtor e do atacado, a fruta ficou mais atraente e teve um aumento de consumo. Além disso, o consumidor passou a receber uma melhor orien-
tação sobre o produto e foram abertas frentes de degustação. Num dos supermercados onde aconteceu a campanha, houve aumento de 150% no consumo do caqui. ''A melhoria das embalagens foi um ingrediente dessa campanha e faz parte de um projeto amplo da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo", conta Anita. Para ela, a melhoria da qualidade dos produtos do setor passa necessariamente pelo setor de embalagens.
Com toda essa movimentação no setor produtivo de hortifrutis e na distribuição desses produtos, o Cetea foi sondado por fabricantes de plásti
co e também pelo de resídu-os de madeira para desen
volver caixas que estejam de acordo com as necessidades de conservação dos pro
dutos e às normas que estão sendo estabelecidas. O Cetea,
no entanto, continua a estudar caixas de papelão para acondicio-
nar frutas e legumes mesmo com o término do projeto com a ABPO. ''Agora, necessitamos pesquisar novos modelos de caixas que acondicionem a quantidade média de cada produto que o consumidor final costuma levar para casa': afirma Anna Lúcia Mourad, pesquisadora científica do Cetea e uma das participantes do projeto de embalagens de papelão ondulado. Assim completa-se o cerco às perdas, desde o produtor rural até a geladeira de todos nós. •
PERFIL:
• Luís FERNANDO CERJBELLI MADI é graduado em Engenharia de Alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. Fez mestrado na Escola de Embalagens da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. É diretor-geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). Projeto: Desenvolvimento de Sistemas de Embalagens de Papelão Ondulado para Hortifrutícolas Investimento: US$ 52.520,00, da FAPESP, e R$ 41.040,00, da ABPO.
TECNOLOGIA
A farinha do bagaço do caju possui excelente teor de fibras
Salgadinhos de bagaço de caju
Crocantes, apetitosos e, principalmente, saudáveis. São essas as características alimentares dos salgadinhos tipo snack ou chips produzidos com bagaço de caju e quirera de arroz pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A empresa desenvolveu técnicas que aproveitam esses dois subprodutos, muitas vezes descartados pela indústria, para transformá-los em alimentos apreciáveis e baratos. Somente a indústria de suco de caju descarta um milhão de toneladas de bagaço por ano, a maior parte nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. O arroz quebrado, quando não descartado, é utilizado na ração animal e na indústria de cerveja. Segundo o processo agroindustrial desenvolvido pela Embrapa, tanto o bagaço como a quirera são transformados em farinha e utilizados em receitas caseiras ou industriais para a produção, também, de pães, biscoitos e bolos. A farinha de bagaço
de caju, que possui maior porcentagem de fibras que suas similares, apresentou também bons resultados em receitas preparadas ainda com farinha de trigo. O desenvolvimento dos produtos foi realizado por duas unidades da empresa, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, do Rio de Janeiro, e a Embrapa Agroindústria Tropical, de Fortaleza. Elas oferecem consultaria e suporte técnico aos interessados neste novo agronegócio. •
Requeijão brasileiro nos Estados Unidos
Os americanos e os brasileiros que moram nos Estados Unidos vão poder, em breve, se deliciar com o requeijão cremoso, um produto comum no Brasil, mas inexistente naquele país. A empresa Lacta Dairy, instalada na cidade de Houston, no estado do Texas, firmou um convênio com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) para montar uma linha de produção onde, além do requeijão, serão fabricados, doce de leite, queijo minas
fresca!, queijo minas curado e pão de queijo. Fabricante de queijos do tipo cheddar e monterrey, a Lacta quer atingir a comunidade brasileira que, em grande número, vive, principalmente, no vizinho estado da Flórida. O professor Mauro Mansur Furtado, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do convênio iniciado em maio deste ano, diz que grande parte dos equipamentos que estão sendo comprados pela Lacta é de indústrias brasileiras. A empresa Biasinox, por exemplo, situada na cidade de Lambari, em Minas Gerais, está exportando máquinas para fabricar requeijão, produto também inédito no mercado americano. Outras empresas são a Metal Rogek, de Diadema, em São Paulo, e a Stephan Geiger, de São José dos Pinhais, no Paraná. •
Flúor-18 garante uso de tomc)grafo
O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), do Rio de Janeiro, adquiriu um novo acelerador de partículas do tipo ciclotron capaz de produzir o radiofármaco Flúor-18, substância essencial para a produção de imagens de alta
PET: tomógrafo com imagem mais nítida e de alta definição
qualidade dos tomógrafos por emissão de pósitrons (PET). Essa tecnologia permite detectar doenças com mais antecedência, como o câncer, e melhorar a visualização de outros órgãos do corpo humano. No sistema PET, o flúor é injetado no paciente e distribui-se pelo organismo ligando-se às moléculas de glicose. "No câncer, por ser um tecido com metabolismo alterado, a glicose fica concentrada naquele local por menor que seja o tumor", explica Sérgio Cabral, superintendente do IEN. O Flúor-18, no entanto, tem meia-vida de 109 minutos, uma limitação para a expansão do tomógrafo PET. Ele precisa ficar localizado próximo a uma unidade de produção. No Brasil, esse tipo de substância só é produzido por empresas da Comissão Nacional de Energia (Cnen) como o IEN ou o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo, único fabricante desse radioisótopo. Nos Estados Unidos são 96 ciclotrons. No mundo, os tomógrafos PET chegam a 400. Aqui, o único aparelho é o do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo. Segundo José Cláudio Meneghetti, diretor do serviço de radioisótopos do Incor, o Brasil não pode ficar na dependência dos institutos governamentais que têm assegurada a produção de radioisótopos pela Constituição Federal. "Os hospitais e clínicas deveriam ter a possibilidade de possuir aparelhos chamados de mini ciclotron. Isso permitiria a expansão do tomógrafos PET e facilitaria os diag-nósticos." •
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HUMANIDADES
TELEVISÃO
Brasil mostra a sua cara na Pesquisas mostram que novelas ajudam a compreender o país
Em janeiro de 1995, um grupo de pesquisadores da Escola de
Comunicação e Artes (ECA) da USP deu início a um projeto de pesquisa. O amplo estudo, batizado de Ficção e Realidade: A Telenovela no Brasil; o Brasil na Telenovela, começou a se desenvolver, dividido em nove pesquisas separadas. O objetivo era estudar a novela brasileira, gênero considerado menor por tantos estudiosos - e até mesmo por uma parcela considerável da população -, identificar suas nuances, suas características predominantes e, principalmente, como ela é recebida pelos telespectadores. Era uma iniciativa pioneira de mapear uma manifestação que, apesar de ser extremamente popular, havia sido muito pouco analisada até então.
O trabalho foi desenvolvido por um centro de pesquisas da ECA chamado Núcleo de Pesquisas em Telenovela (NPTN). O trabalho acabou atingindo objetivos muito mais amplos que os esperados a princípio. Além de identificar uma série de questões interessantes, curiosas e relevantes sobre a telenovela e o telespectador brasileiro, Ficção e Realidade veio para acabar com os
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preconceitos que rondam o gênero. A partir do trabalho desse grupo de pesquisadores ficou possível afirmar, sem nenhuma dúvida, que a novela feita no Brasil é um produto cultural de qualidade e extremamente interessante como material para compreender o País. Os folhetins, é claro, têm defeitos e falhas, mas definitivamente não poderiam mais ser desprezados.
As pesquisas encerraram-se no final de 1999, sob a coordenação da professora Ana Maria Fadul. A gama de assuntos coberta pelos nove trabalhos que compuseram o projeto foi variada. Falou-se desde a participação dos personagens negros nas novelas até a influência de formas de narrativas infantis, como os contos de fadas, na construção de um drama para a TY. Alguns trabalhos contaram com bolsas-auxílio da FAPESP, entre eles: O Campo da Comunicação: Os Valores dos Receptores de Telenovelas, da professora doutora Maria Aparecida Baccega; Recepção da Telenovela Brasileira: Uma Exploração Metodológica, da professora doutora Maria Immacolata Vassallo de Lopes; e O Gancho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica, da professora Maria Cristina Castilho da Costa. Cada um chegou a conclusões diferentes e dignas de atenção. Juntos, os trabalhos ajudam a compor um
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perfil dessa forma de narrativa tipicamente brasileira - que tem essa cara nacional justamente por refletir tão bem o País.
Temas tabus - Uma das pesquisas que causaram maior polêmica - em parte pelos resultados que teve, em parte pela perseverança com que a autora defende a telenovela- foi a desenvolvida pela lingüista Maria Aparecida Baccega, de 57 anos. Entre 1995 e 1998, ela recebeu um total de R$ 23,1 mil da FAPESP para comparar a visão da sociedade sobre temas ligados à família com a abordagem que as no-
velas mostram sobre esses mesmos assuntos. Assim, enquanto centenas de entrevistados respondiam perguntas sobre casamento, separação ou sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, observavase de que maneira as telenovelas do horário nobre da Rede Globo retratavam tais questões. O trabalho de pesquisa quantitativa de campo foi dividido em duas etapas e reuniu ao todo 622 entrevistados. As novelas estudadas na primeira fase ( 1986 a 1990) foram Roque Santeiro (1985/ 1986), Selva de Pedra (1986), Roda de Fogo (1986/1987), O Outro (1987),
Cenas de Rainha da Sucata (acima, à esquerda), A Indomado (acima) e O Salvador da Pátria (ao /ado): sem influenciar espectador
Mandala (1987/1988), Vale Tudo (1988/1989), Tieta (1989/ 1990), Meu Bem, Meu Mal (1990/ 1991). Na segunda parte da pesquisa entraram O Salvador da Pátria (1988/ 1989), Rainha da Sucata (1990), A Próxima Vítima (1995) e O Rei do Gado (1996/1997).
As conclusões foram surpreendentes. "Descobrimos que muitas ~ezes as novelas tratam de temas considerados tabus pela sociedade e, mesmo assim, estão longe de alterar o comportamento das pessoas. Essa história de que novela influencia a maneira do telespectador pensar é balela", afirma Maria Aparecida. Segundo ela, a maioria das tramas traz à tona temas polêmicos que estão latentes na sociedade, esperando por uma oportunidade de entrar em discussão. A oportunidade, muitas vezes, aparece na forma de personagens e histórias da ficção televisiva. Tome-se o caso de A Próxima Vítima: na trama de Sílvio de Abreu, havia uma família negra de classe média, um jovem casal homossexual e um garoto viciado em drogas. "Quando entrevistamos as famílias, nenhum desses temas era vis-
to com a mesma tranqüilidade retratada pela televisão': lembra a professora. Mas ela ressalta que, independentemente da trama fictícia, nenhum pai deve ter passado a aceitar um filho gay apenas porque era assim que acontecia na novela. "A trama apenas traz os assuntos para o debate na sociedade, mas não influencia o comportamento de ninguém."
Ficção e realidade - Maria Aparecida rejeita com veemência a velha idéia de que novela é uma manifestação artística menor e alienante. "O telespectador não é bobo. Ele sabe que uma família negra de classe média ainda é coisa rara na sociedade brasileira, tem consciência de que isso pode existir na ficção, mas está longe de ser corriqueiro na vida real. Acontece que ver este tipo de assunto tratado no horário nobre por atores que as pessoas conhecem, e admiram, pode ajudar a quebrar preconceitos. Isso não é utopia." Esta relação entre os fatos da ficção e da realidade é uma via de mão dupla. Da mesma maneira que a novela discute temas latentes na sociedade, o gênero também reflete as mudanças e evoluções da esfera real.
A prova está nos números colhidos pela pesquisadora. Na primeira fase do trabalho, por exemplo, 33% das personagens femininas das novelas eram donas de casa. Na segunda etapa os autores tiraram as mulheres de dentro de casa (apenas 17% faziam trabalhos do lar) e colocaram-nas no mercado de trabalho, dando a elas as ocupações mais variadas: havia desde grandes executivas até chefes de esquemas de máfia, passando por professoras universitárias e fazendeiras. "São dois caminhos. Um teledramaturgo precisa refletir sobre temas ainda escondidos pela sociedade, mas também deve estar atento às mudanças que acontecem de fato e trazê-las para suas tramas", explica.
Visões de classe- Trabalhando a partir de um conceito diferente - o do estudo das mediações, do pesquisa-
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dor espanhol Jesus Martin-Barbero -, a socióloga Maria Immacolata de Lopes, de 54 anos, deu sua preciosa contribuição ao projeto Ficção e Realidade. Em dois anos de trabalho, ela ganhou R$ 20,1 mil da FAPESP. Durante o período em que foi exibida a novela A Indomada, de fevereiro a outubro de 1997, ela realizou uma pesquisa qualitativa com quatro famílias: uma de classe baixa, favelada, outra de classe média baixa, residente em um bairro da periferia de São Paulo, uma terceira de classe média alta e, finalmente, uma família de classe alta da capital paulistana. ''A idéia era ver como essas famílias, com suas diferentes estruturas, formações, hábitos culturais e estilos de vida, enxergavam o que era retratado na novela", esclarece Immacolata. Além de fazer entrevistas com todos os membros das famílias, os pesquisadores destacados para o trabalho (alunos de graduação de diferentes faculdades da USP) pediam aos participantes que escolhessem determinadas cenas que julgassem importantes a cada capítulo diário. "Foi uma experiência muito curiosa. Cada família dava valor a trechos diferentes. De uma certa maneira, um grupo assistia a uma novela completamente diferente do outro."
É certo que algumas cenas eram destacadas por todas as quatro famílias. Uma delas, lembra a professora, foi a passagem em que a personagem Scarlet (Luiza Thomé) conversava com a filha sobre a importância de fazer da primeira relação sexual uma experiência especial. "Este foi um dos temas que todos os entrevistados consideraram importante e disseram ter sido tratado com delicadeza pelos autores (Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares)." Curiosamente, em alguns aspectos a família de classe alta mostrou-se infinitamente mais conservadora que a família pobre. A cafetina Zenilda, por exemplo, personagem de Renata Sorrah, era dona de um bordel candidamente conhecido como Casa de Campo, onde trabalhavam garotas chamadas de "camélias': "Os entrevistados que viviam na
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favela enxergavam em Zenilda uma mulher forte e batalhadora, apesar de ter uma profissão considerada pouco nobre. Por outro lado, a família mais rica considerava a personagem de baixo nível, achava que o tema da prostituição não deveria ser tratado daquela maneira e dizia que a novela estava fazendo propaganda da profissão:' Neste momento, era como se essas duas famílias estivessem assistindo a novelas distintas.
Além de perceber que diferentes classes sociais recebem as telenovelas de maneiras diversas, Maria Immacolata concluiu que há outros fatores envolvidos na percepção do telespectador sobre os folhetins. "O conceito das mediações, levantado
Núcleo de Pesquisa de Telenovela. Formada em Ciências Sociais, ela recebeu R$ 5 mil da FAPESP, num período de um ano e meio de trabalho. Sua pesquisa foi chamada de O Gancho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica. O gancho, objeto do estudo, é o nome que se dá ao recurso de interrupção de uma narrativa num momento de tensão. Em última aná-
por Martin-Barbero, Maria Aparecida Baccega: defesa polêmica da telenovela estabelece vários 'fil-tros' até que a informação chegue às pessoas", explica a professora. Assim, tudo influi na maneira que se recebe a história. Há questões como o tipo de relação que existe dentro da própria família, a dinâmica de cada casa e a maneira que aquelas pessoas se relacionam em sua vida cotidiana; considera-se também o fato de ser um gênero de ficção, onde se sabe que os fatos são inventados (muito diferente, por exemplo, de colocar-se diante da TV para ver o Jornal Naciona[); e até mesmo os passos envolvidos na produção da novela, como a tecnologia usada, os atares em cena e o fato de tratar-se de uma novela da Rede Globo - o que já predetermina parte da visão que as pessoas têm do produto. "Tudo isso constrói o sentido da telenovela. Ela, sozinha, quando fica pronta nas ilhas de edição da emissora, é apenas parte do processo. O que chega para aquele sujeito sentado no sofá da sala é muito diferente': esclarece Immacolata.
Retalhos da trama - Das três professoras, Maria Cristina Castilho Costa, de 50 anos, foi a última a juntar-se ao
lise, Maria Cristina trabalhou com o elemento que segura o telespectador à poltrona entre um bloco e outro e o faz voltar à mesma posição no dia seguinte, para ver o que aconteceu no próximo capítulo. "O gancho costura todos os retalhos da trama. É fundamental à novela - que, como qualquer outro produto da televisão, usa uma linguagem extremanente fragmentada e por isso pede um truque para manter a platéia atenta."
Neste estudo que disseca e exemplifica o uso do gancho na telenovela, Maria Cristina trabalhou com O Rei do Gado, novela de Benedito Ruy Barbosa, exibida entre junho de 1996 e fevereiro de 1997. Barbosa, considerado um dos maiores mestres do gênero no Brasil, conseguiu com esta trama trazer de volta o brilho para uma forma de narrativa que atravessava uma crise e parecia estar esgotada. Pior: sofria de uma baixa audiência crônica e nunca vista antes pela Globo. Como autor que usa com maestria a estrutura mais tradicional dos folhetins aliada a fatos históricos e assuntos em destaque na sociedade contemporânea, ele misturou
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Maria lmmacolata: dissecando A Indomado
il perfil da trama. E, I'
numa escala menor, cada capítulo tem seu gancho ao final: uma revelação, uma surpresa, uma dúvida que surge para ser esclarecida no dia seguinte. "O gancho é como um tijolo na história, uma síntese do que aconteceu naquele episódio. É como se o autor dissesse: 'hoje nós descobrimos isso sobre tal personagem.' E é a habilidade de o dramaturgo colocar esses tijolos que vai determinar a fidelidade do espectador à novela."
Audiência- A fidelidade do brasileiro, não se duvide, continua intensa. Fala-se em esgotamento do gênero, diz-se que a novela está
Maria Cristina: o que segura o espectador na poltrona sendo surrada pela competição com a ln-
em O Rei do Gado uma história de ternet e com a TV a cabo e chama-se amor nos moldes de Romeu e Julieta (envolvendo famílias rivais) a uma trama que trouxe para o horário nobre o debate sobre a questão dos semterra no Brasil. Ótimo material para discutir a importância do gancho.
"Como uma novela dividida em duas fases, O Rei do Gado foi pontuada por exemplos interessantíssimos de gancho", diz a professora. O personagem Geremias Berdinazzi (Raul Cortez), por exemplo, começou como uma figura de perfil enigmático e misterioso. Poderia encaminharse para se tornar o vilão da trama ou ser uma figura respeitável. "Só este fator já era um elemento que mantinha o telespectador fiel à novela. Ele queria saber que rumo ia tomar aquele sujeito", lembra ela. Havia ainda o mistério inicial em torno da origem de Luana (Patrícia Pillar), ou das intenções de Rafaela (Glória Pires).
atenção para índices de audiência que diminuem a cada ano. De fato, dificilmente a Globo -líder de audiência e exemplo de qualidade quando o assunto é telenovela- vai voltar aos tempos de Roque Santeiro, em que chegava a registrar quase 100% de audiência. Em anos recentes, a emissora vem sendo criticada por falta de criatividade, por apelar para cenas mais picantes em horários inadequados e até mesmo por repetir formas à exaustão. "Novela é isso mesmo: repetição", afirma Maria Cristina. Ela lembra que muitos dos recursos usados na construção do gênero existem há séculos, desde as narrativas das Mil e Uma Noites, passando pelas lendas indígenas, chegando aos romances publicados semanalmente nos jornais no início do século e às radionovelas. "Por isso esta é uma forma de narrativa tão
brasileira. Guarda o espírito da história oral, que segura o ouvinte mais pelas emoções do que pela sofisticação de seu aspecto formal", completa Maria Aparecida. "As novelas são, sem dúvida, uma manifestação cultural de massa. Mas isso não significa que devem ser desprezadas. Dinamarca, Alemanha, França e Estados Unidos estão desenvolvendo teses de estudo especificamente sobre nossos folhetins. Até nesses países foi descoberto o valor sociológico do gênero. Não há por que tratá-los como manifestações menores por aqui", diz Maria Immacolata. Os cinco anos de trabalho dessas três mulheres para o Núcleo de Pesquisa de Telenovela certamente vão ajudar a reverter o quadro e a garantir um final mais feliz para a novela brasileira. •
PERFIS:
• MARIA APARECIDA BACCEGA é graduada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde fez o mestrado e o doutorado, e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP), da qual é professora. Projeto: O Campo da Comunicação: Os Valores dos Receptores de Telenovelas Investimento: R$ 23.132,00 • MARIA IMMACOLATA VASSALLO DE
LOPES é graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, da qual é professora. Projeto: Recepção da Telenovela Brasileira: Uma Exploração Metodológica Investimento: R$ 20.128,00 • MARIA CRISTINA CASTILHO COSTA é graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez o mestrado e o doutorado também em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É professora da ECA/USP. Projeto: O Gancho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica Investimento: R$ 5.000,00
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HUMANIDADES
ARTES PLÁSTICAS
Trocando influências Pesquisa dá perfil da arte dos anos 90 e suas ascendências
H á sete anos, a professora e curadora da USP Kátia Canton
entendeu que, para construir um perfil da arte dos anos 90, era necessário promover um levantamento entre os jovens artistas que começavam suas carreiras, ou mesmo os que ainda freqüentavam faculdades, sobre suas principais influências. A pesquisa, que contou com o apoio da FAPESP e do Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC, surpreendeu sua idealizadora. Praticamente todos os entrevistados não fizeram referência alguma a monstros consagrados da história da arte moderna ou da antiga e menos ainda à cena internacional. Quase em unanimidade, os então futuros artistas desta década, segundo seus próprios depoimentos, espelhavam-se na geração em atividade naquele momento.
Kátia percebeu então, que, para compreender a novíssima arte da década que mal começava, era necessário, antes de mais nada, estabelecer paralelos com a própria arte contemporânea, de preferência com a imediatamente anterior e vigente, no caso a dos anos 80. Como atuava na divisão de curadoria do MAC, Kátia abriu sua agenda de telefone e acirrou a pesquisa. Ela passou a visitar pessoalmente ateliês de artistas em atividade em diferentes cidades brasileiras com a pergunta: quem é seu mestre? A curadora levantou, na época, 56 nomes (que hoje já somam 70), quase todos eles de artistas contemporâneos em atividade no País, como Regina Silveira, Tunga ou Waltércio Caldas, realizando mostras co-
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nhecidas como "Heranças Contemporâneas': A exposição hoje é festejada pela crítica de arte.
No ano passado, por exemplo, a mostra trazia uma série do que se pode classificar como uma influência du-
pla. Tunga, eleito mestre por Renata Pedrosa, apresentou uma de suas esculturas orgânicas da série "Lips" e escolheu também sua própria influência, Lygia Clark. Representada por uma de suas esculturas geométricas, a que chamou de "Bichos", Lygia funcionava então como uma espécie de avó de Renata, que trazia sua própria leitura do corpo em desenhos confecionados com mercúrio. "São esses diálogos entre gerações que cumprem o papel de contar a história da arte contemporânea", conclui a pesquisadora.
A trama inventariada por Kátia, as obras realizadas ou escolhidas para as exposições e as análises críticas sobre a origem do que hoje se chama de ageração 90 estão agora reunidas em livro, Novíssima Arte Brasileira, também realizado com o apoio da FAPESP, a sair no segundo semestre pela Iluminuras. Trata-se do primeiro registro geral da mais recente produção contemporânea, legitimado pelo fato de ter sido resultado de uma comparação
objetiva entre trabalhos - comparação realizada, em primeiro lugar, por seus próprios autores e, em seguida, constatada pela curadoria e pelo público que visitou as três edições da mostra realizada no MAC. Ou seja, Novíssima Arte Brasileira não apresenta um grupo de emergentes eleito pelo olhar de um crítico, mas sim uma leitura comparativa do que mudou e o que permaneceu nos últimos dez anos no cenário artístico nacional.
O leitor poderá conhecer, de forma sistematizada, o que se viu no
MAC: artistas, que hoje têm os nomes registrados em catálogos de museus e galerias importantes, criando em função do trabalho de seus mestres. Assim, Mônica Rubinho, Fábio Bittencourt e Cristina Rogozinski estão representados no livro pelas obras que criaram para a primeira edição de "Heranças Contemporâneas", realizada em abril de 1997. São trabalhos que apresentam, por exemplo, referência à fra-
gilidade emocional ou física e à experimentação com materiais que esses discípulos herdaram, respectivamente, de Leonilson e Leda Catunda, que, ao lado de Nelson Leirner, compunham a trinca de mestres daquele ano.
"A comparação com a fonte, ainda mais se tratando de referências
tão próximas, foi a maneira mais concreta para traçar um perfil de um movimento que o tempo ainda não teve tempo de decantar", observa Kátia. Daí, percebe-se que o livro é uma obra que já nasce para ser revisada e ampliada. "Até porque, como as próprias edições de 'Heranças Contemporâneas' demostraram, a chegada de novos nomes e a transformação do cenário nunca foi tão veloz como nos anos 90."
Depoimentos dos artistas que participaram da pesquisa ganharam um capítulo à parte. Nele, os jovens criadores, apresentados por uma breve biografia, mostram seus conceitos de arte e falam sobre seus mestres e influências. Cada um desses tem a obra escolhida para a mostra "Heranças Contemporâneas" reproduzida e identificada.
Para não entrar diretemente nos conceitos mutáveis que permeiam a produção desta década, a curadora optou por uma introdução histórica com um breve resumo da passagem
dos modernos para os dias de hojelinha do tempo a que pertencem mestres e discípulos registrados pelo livro. A partir daí, ela distribuiu as tendências detectadas entre os trabalhos em capítulos, nos quais incluiu os artistas que compartilham essas características. São aspectos ou questões comuns a muitos dos participantes da amostragem, como a noção de memória, presente no trabalho de Mônica Rubinho e Renata Pedrosa, por exemplo, ou a chamada domesticidade na arte, caso da produção de Cristina Rogozinski, e mais uma vez de Mônica e de Renata, já que as tendências organizadas pela autora são constantes na obra de artistas diferentes.
Esse momento do texto, entretanto, corre o risco de se tornar datado em pouco tempo, pelo fato de que muitas questões trazidas pela autora podem perfeitamente ser abandonadas ou ganharem outros aspectos no trabalho dos artistas a quem elas são atribuídas. "O que não tira o caráter do registro de um momento na trajetória desses artistas; um momento que corresponde ao percurso da década de 90', argumenta a curadora. Kátia define a mostra que empresta as ilustrações para o livro como um work in progress, novo nome para obra aberta que se tornou uma verdadeira síndrome na arte dos anos 90. Assim também pode ser definida esta primeira publicação do projeto, que tende, como a arte contemporânea, a sofrer constantemente revisões. •
PERFIL:
• KÁTIA CANTON é graduada em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado em crítica da arte na Universidade de Nova York. É professora e diretora técnica de divisão do Museu de Arte Contemporânea da USP. Projeto: Tendências Contemporâneas: Discussão sobre a Produção Artística da Geração 90 Investimento: R$ 10 mil
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DRAUZIO VARELLA
Violência nas prisões Uma história do encarceramento em São Paulo
Gostei muito de ter lido o livro As Prisões em São Paulo (Annablume/FAPESP), de Fernando Salla. O autor examinou quin
ze latas de documentos manuscritos, inéditos, sobre as cadeias de São Paulo, no Arquivo do Estado e encontrou, no Museu Penitenciário, registras administrativos e prontuários de presos que continham o dia-a-dia da Penitenciária do Estado nas suas duas primeiras décadas. O resultado dessa análise é uma investigação sociológica imprescindível para os que têm a pretensão de entender os caminhos da violência e o encarceramento em São Paulo.
O autor recua até 1787, quando a Cadeia de São Paulo foi construída no Largo São Gonçalo. Já, então, o espaço ocupado pelos presos era dividido de forma pouco democrática: as "enxovias", celas com acesso por alçapões abertos no piso superior, destinadas aos escravos e aos pobres em geral, e as "salas livres" para a gente "qualificada". Havia, ainda, uma cela "oratório", na qual os condenados à morte recebiam conforto religioso.
As freqüentes tentativas de fuga, imundície e a entrada de bebidas alcoólicas através das grades que davam para a rua levaram à construção da Casa de Correção, inaugurada em 1852, na avenida Tiradentes. Surgem as muralhas para separar os detentos do "cidadão de bem", e as primeiras preocupações com a requalificação dos criminosos, de acordo com os dois principais modelos adotados na época: o de Filadélfia, segundo o qual o prisioneiro devia ser mantido em isolamento contínuo, diurno e noturno, trabalhando na própria cela; e o modelo de Auburn, que preconizava uma fase inicial de isolamento, seguida de outra em que o condenado trabalhava de dia, em silêncio completo, e era trancado à noite.
Embora o modelo de Filadélfia tenha sido rejeitado na Casa de Correção, os documentos examinados por Fernando Salla relatam punições violentas, por meio das quais os desobedientes eram castigados fisicamente e trancados em ca-
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labouços a pão e água. Os dados mostram que, em 1878, a prevalência de suicídios foi de 1,8%; a mortalidade geral foi de 21%, em 1884.
A seguir, Salla faz um levantamento das idéias que começaram a ganhar consistência nos últimos anos do século XVIII, atribuindo à ciência "um papel fundamental na prevenção do crime e punição do criminoso". Nessa época, surge a escola de antropologia criminal, ou lombrosiana, que procurava caracterizar o crime e as penas punitivas de acordo com suas determinações biológicas, sociais e psicológicas. Segundo ela, o criminoso seria portador de uma doença que lhe escaparia ao arbítrio e exigiria tratamento penal. Assim, segundo Salla, "as elites compuseram uma representação de sociedade ordeira e disciplinada, na qual todo aquele que não estivesse a ela adaptado seria candidato às instituições especializadas para o seu atendimento": prisões, hospícios, asilos para mendigos e recolhimento de menores.
Essas idéias levaram à inauguração da Penitenciária do· Estado, no Carandiru, em 1920, "modelo de disciplinamento do preso como trabalhador", concebida com o firme propósito de conter o crime e regenerar o criminoso. Com ela, o Estado de São Paulo, que se industrializava rapidamente, "acompanhava a marcha geral dos países civilizados no tocante ao regime penitenciário". Não havia visitante ilustre que não fosse levado a conhecer a Penitenciária. Segundo relatos, apenas no ano de 1927, mais de 26 mil pessoas visitaram as instalações do presídio.
No entanto, ao lado do trabalho ordeiro e silencioso dos presos exibido aos visitantes, havia uma realidade que não escapou ao escrutínio do pesquisador. Por meio de documentos oficiais e prontuários de detentos, Fernando Salla penetrou o mundo secreto da prisão.
DRAUZIO VARELLA é oncologista clínico e médico voluntário na Casa de Detenção
Fundamentos em Ecologia
Escrito pelo professor Ricardo Motta Pinto-Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, este lançamento da Artmed Editora preenche uma lacuna importante no estudo da ecologia no Brasil como uma das obras pioneiras (e o que é melhor, com
informações atualizadas) nesta matéria em língua portuguesa e com as vistas voltadas para o estudo de regiões tropicais, tocando de perto os nossos problemas com o ambiente. Destinado a estudantes (mas também a profissionais da área), o livro analisa a ecologia de populações, de comunidades e a ecologia de processos.
O Quinto Milagre
Cada vez mais o "quem somos e de onde viemos" ganha respostas mais esclarecedoras. É o que se propõe o físico (doutor pela Universidade de Londres) Paul Davies nesta edição da Companhia das Letras. Revendo todas as teorias conhecidas sobre a formação da vida na Terra, o pesquisador
britânico, autor de mais de 20 livros sobre esse assunto, não teme a polêmica de discutir algumas novas hipóteses, entre elas a panspermia, que postula ter a vida terrena se originado de formas microscópicas vindas de outros planetas por meio de asteróides. Concorde-se ou não com essas teorizações, Davies as apresenta com rigor científico, deixando ao leitor as conclusões finais.
Pierre Bourdieu
Com o subtítulo Teoria do Mundo Social, este lançamento da Editora FGV traz uma reflexão de Louis Pinto sobre as idéias nem sempre bem aceitas do ousado sociólogo francês. Pode-se não gostar dele, mas é preciso, sem dúvida, conhecer suas idéias, que colocam em que a relação
do indivíduo com a cultura e refletem sobre a própria prática científica. Este guia permite entrever os meandros do pensamento de Bourdieu, já em si herméticos, na medida em que disseca os jogos sociais em geral invisíveis ao nosso entendimento.
REVISTAS
SSJl fsruoos A VANÇADOS .38
Estudos Avançados 38
Publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e dirigida pelo professor Alfredo Bosi, este novo número de Estudos Avançados traz um alentado dossiê sobre o trabalho escravo de hoje e no passado, com textos de Ricardo Figueira,
William Cohen, Ela Wiecko Castilho. Além disso, a revista também apresenta uma série de ensaios sob a rubrica Brasil: Dilemas e Desafios, reunindo nomes como Celso Lafer, Helio Jaguaribe, José de Souza Martins, Luiz Carlos Bresser Pereira e Paul Singer. Mais: Lorenzo Mammí discute a música no pensamento de Santo Agostinho e Mauro Leonel revisa a Bio-sociodiversidade.
Comunicação e Educação 18
Publicação do Curso de Pós-Graduação lato sensu do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP, a nova edição traz o sociólogo Renato Ortiz numa entrevista em que se discute a identidade cultural
e a crise do Estado-Nação. Ismail Xavier discute a nova produção do·cinema nacional e A.P. Quartim de Moraes avalia sua experiência à frente da Editora do Senac. Professoras analisam o papel da mídia impressa e televisiva na formação de seus alunos. Ainda neste número, uma homenagem a poeta Cora Coralina.
Brazilian Journal
Este é o volume 33, de maio, da publicação mensal (em língua inglesa) Brazilian fournal of Medical and Biological Research, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com
artigos sobre investigação clínica, biologia experimental, imunologia, comportamento, farmacologia e biofísica. Entre os textos deste número: Introduction of Fos protein immunoreactivity for spinal cord contusion, Coexistence of potentiation and fatigue in skeletal muscle, entre outros.
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BRUNO LIBERATI
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ESPECIAL
-PENSANDO SAO PAULO Desenvolvimento e Emprego
Seminário aponta caminhos para ampliar a capacidade de inovação e a consequente competitividade das empresas
No ano passado, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo tomou uma iniciativa inédita. Criou um organismo destinado a de
bater e a organizar soluções para o futuro do Estado. Chamado de Fórum São Paulo Século 21, esse organismo não se limita a discutir problemas. Quer também definir um modelo de sociedade e traçar um roteiro para chegar a esse objetivo. "A busca na construção de um projeto estratégico de desenvolvimento para o nosso Estado foi o grande caminho traçado no início dos nossos trabalhos", diz o presidente da Assembléia, deputado Vanderlei Macris.
Os trabalhos do Fórum foram divididos em 16 grupos temáticos. Um deles é dedicado à Ciência, à Tecnologia e à Comunicação. O primeiro seminário promovido por esse grupo teve como tema o Desenvolvimento e o Emprego
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no Estado de São Paulo. Participaram como expositores Roberto Sbragia, do Núcleo de Política e Gestão em Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo (USP); Luiz Henrique Proença Soares, da Fundação Seade; Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP; e Antônio José Corrêa Prado, do Departamento Intersindical
de Estudos e Estatísticas e Sócio-econômicas (Dieese). Neste encarte, a revista Pesquisa FAPESP publicare
sumos das quatro exposições. Mais do que simples discursos, os expositores buscaram explicações e apresentaram caminhos para a solução dos problemas que cercam a produção de inovações e sua aplicação em São Paulo, além de seus efeitos sobre o índice de desemprego no Estado. A conclusão: os problemas existem, mas não são insolúveis. Acordar para a sua existência já significa andar boa parte do caminho.
A capacidade de inovação será diferencial no futuro
Para o professor Roberto Sbragia, coordenador científico do Núcleo
de Política e Gestão em Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo (USP), a diferença competitiva entre as empresas, no próximo milênio, vai ocorrer à luz das inovações em produtos e processos. "Isso é um axioma, não se discute", afirma. Mas, para que as empresas brasileiras se tornem realmente competitivas, há muitas barreiras a serem superadas. Especialmente, a postura do próprio empresariado. Sbragia é professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, na qual leciona desde julho de 1976. É ainda assessor técnico da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) e supervisor de projetas na Fundação Instituto de Administração. Depois de graduar-se pela USP, em 1974, Sbragia obteve o mestrado e o doutorado em Política e Gestão da Inovação Tecnológica na mesma universidade. Tem pós-doutorado em Gerência de Pesquisa e Desenvolvimento no Instituto Tecnológico da Northwestern University, dos Estados Unidos, obtido em 1986. No mesmo ano, teve sua dissertação de livre-docência aprovada na USP.
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Roberto Sbragia
O foco desta apresentação é o comportamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, do qual São Paulo participa em boa proporção, diante da força de sua indústria. Tive oportunidade de fazer, recentemente, uma apresentação semelhante, num fórum internacional, o Conselho de Pesquisa Industrial das Américas, o Cira. É uma instituição que congrega as principais entidades voltadas para a articulação tecnológica, no âmbito das empresas e do setor produtivo, do Canadá à Argentina.
O grupo mais conhecido entre os integrantes do Cira é o Instituto de Pesquisas Industriais, o IRI, dos Estados Unidos. Esse instituto congrega 300 empresas americanas. Tem 60 anos de existência e suas empresas são responsáveis por 80%
dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecnológico nos Estados Unidos. Seu equivalente, no Brasil, é a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais. Congrega, hoje, cerca de 55 empresas, responsáveis por aproximadamente 25% dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecnológico no Brasil. Portanto, está muito abaixo do que representa o IRI nos Estados Unidos.
O início da década de 90 foi um período no qual a empresa brasileira procurou colocar a casa em ordem. Houve motivos para isso. A abertura económica, os planos de estabilidade e outros fatores marcaram o período. Vieram então uma certa estabilização económica, a abertura comercial, a atração de investimentos externos, a promoção da competição via valorização do consumidor, a busca da eficiência e da qualidade e, também, a renovação de produtos.
Esses fatos marcantes da década de 90 levaram as empresas a uma grande evolução nos padrões de produtividade e qualidade. Comparando os dados atuais com os do começo desta década, vemos que a indústria brasileira passou por um período de otimização produtiva. Houve uma grande elevação nos parâmetros. Melhoraram, por exemplo, os índices de refugos, de devolução de produtos pelos clientes e de reclamações. A diminuição dos prazos de produção e outros fatores revelam, em geral, uma otimização e uma busca de eficiência e produtividade. Esses fatores marcaram a primeira metade da década de 90.
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De acordo com estudos feitos pela Comissão Econômica para a América Latina ( Cepal), a indústria brasileira passou por um miniciclo de investimentos no período de 1995 a 1997. Esses investimentos, porém, foram muito heterogêneos em termos de setores industriais. Seus efeitos foram pouco duradouros. Mas alguns setores obtiveram maior rentabilidade, sobretudo os de transformação e, nessa área, especialmente os relacionados com os bens de consumo, devido a saltos tecnológicos e à adoção de novos produtos para tornar viáveis as exportações.
Na década de 1971 a 1980, os investimentos no Brasil representaram 8,4% do PIB. Houve, depois, decréscimos e
P ENSAN D O SÃO PA U LO: D ESENV OLVIM EN TO E EMPRE GO
Se tomarmos como vértices de um triângulo o setor produtivo, a infra-estrutura em ciência e tecnologia e o governo e suas agências promotoras, a integração, no sentido da promoção da inovação, deve partir da indústria. Ela é o segmento próximo do consumidor e, portanto, o elemento que reconhece as necessidades. É a partir da indústria que a inovação deve passar por outros elementos, com a agregação de valores, e retornar na forma de produtos e serviços melhores, mais baratos e mais diversificados à disposição da comunidade.
Essa passagem, no Brasil, é bastante problemática. É cheia de obstáculos que não permitem o funcionamento pleno
acréscimos. Em 1997, com o aumento verificado nos estudos da Cepal, os investimentos chegaram a 18% do PIB. Entre os setores que tiveram crescimentos maiores estão a siderurgia e metalurgia, o setor de material de transporte e o setor de alimentos.
Um fator importante são os investimentos diretos estrangeiros. Entre os países emergentes, o Brasil foi o que mais atraiu recur-
''Instrumentos do governo,
quando existem, são complicados
e de difícil aplicação''
desse triângulo e de suas interfaces. Examinemos, em primeiro lugar, o setor governamental. Apesar de alguns avanços recentes, o Brasil é caracterizado, nas áreas federal e estaduais, por instrumentos de política governamental pouco eficazes, quando se trata de privilegiar a empresa como foco de inovação tecnológica ou como carro-chefe da ino-
sos durante a década de 90. Foi também o que menos perdeu investimentos no ano crítico de 1998, com relação à participação de cada país no total dos investimentos mundiais das empresas transnacionais. A evolução foi notável. No início da década de 90, o Brasil participava com 3,6% do fluxo mundial de capitais estrangeiros. No fim da década, essa participação subiu para cerca de 16%. No mesmo período, outros países latino-americanos mostraram crescimento negativo.
Há muitas discussões sobre o valor real desses investimentos. As empresas transnacionais agregam valores em diversas frentes. De um lado, há o investimento produtivo, em fábricas e instalações. Do outro, o valor agregado em desenvolvimento tecnológico, emprego e outros fatores. Mas há quem seja pessimista com relação a esses investimentos. Cita-se que os investimentos estrangeiros muitas vezes se atêm à ciranda financeira e não significam, necessariamente, uma soma de valor tecnológico. A questão tem vários pontos que merecem ser discutidos. Mas o que interessa a este painel é o futuro.
No novo milênio, a competitividade empresarial vai estar cada vez mais atrelada à capacidade de inovação das empresas. Ou seja, a diferenciação competitiva vai ocorrer à luz das inovações em produtos e processos. Isto é um axioma. Não se discute. É uma realidade. Mas temos, no País, uma série de barreiras que dificultam a relação entre empresa, governo e infra-estrutura científica e tecnológica para a promoção da inovação.
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vação e da transferência de produtos e serviços inovadores para
a sociedade como um todo. Os instrumentos, quando existem, são muito com
plicados e de aplicação difícil. São pouco transparentes e, muitas vezes, quase desconhecidos. Não ficam em vigor por muito tempo e mudam a todo momento. Algumas vezes estão valendo, outras, não. Podem ser cortados e reeditados a qualquer momento, dependendo de fatores externos.
Esses instrumentos são excessivamente burocratizados. Perde-se muito tempo para entendê-los e para usálos. Quando chegam a ser aproveitados, são pouco eficazes, devido ao alto custo de utilização, o que acaba por afugentar os usuários potenciais. Esses instrumentos são pouco participativos, no sentido de serem criados, testados e receberem o feedback dos usuários, serem remodelados e melhorados ao longo do tempo. Acabam influindo muito pouco no comportamento das empresas. Não cumprem seu papel, assim, de alavancar o desenvolvimento tecnológico no âmbito das empresas.
Existem vários exemplos disso. Vamos tomar apenas um, os incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento tecnológicos empresariais, no âmbito da Lei 8661/93. Essa legislação foi criada no Brasil depois de vários estudos, que começaram por volta de 1983 e 1984. Eles levaram a algumas leis, que foram sendo modificadas conforme novos governos tomavam posse. Finalmente, em 1993, os incentivos entraram em vigor. Pois bem. Essa legislação, criada em 1993 e modificada recentemente, em
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PENSANDO SÃO PAULO: DESENVOLVIM ENTO E EMPR EG O
1996, por força da crise fiscal, reduziu, na prática, os benefícios fiscais às empresas a patamares muito inferiores aos praticados no mundo desenvolvido.
O Canadá é o país mais avançado na legislação fiscal para beneficiar os investimentos empresariais. Ele permite que as empresas reduzam do imposto de renda a pagar de 20 a 25% dos gastos comprovados em desenvolvimento. Os Estados Unidos concedem benefícios semelhantes. A Austrália permite uma dedução única na forma de dedução das despesas operacionais, com um impacto no imposto de renda a pagar.
O Brasil permite uma redução muito pequena, limitada a 4% do imposto de renda a pagar pelas empresas. Nesse limite, porém, também entram programas como os subsídios à alimentação e ao transporte do trabalhador. Na prática, não existe nenhum benefício fiscal hoje para uma empresa que queira investir em pesquisa e desenvolvimento tecnológicos no Brasil.
Isso acontece apesar de as boas empresas conhecerem a legislação. Numa pesquisa recente, feita pela Fiesp, 77% das empresas declararam conhecer esses incentivos. No entanto, 90% não utilizam a legislação. Como causa, foram citados diversos problemas, principalmente os custos envolvidos. O uso dos incentivos demanda, por exemplo, a contratação de consultores externos e a preparação de minuciosos projetos para serem aprovados pela máquina governamental. Na prática, exige muito mais tempo do que o prazo necessário para que uma inovação seja produzida com sucesso e chegue ao mercado antes dos concorrentes.
Quanto ao papel das universidades e institutos, eles ainda estão vinculados a tradições nas quais o papel da empresa é pouco reconhecido como parte do sistema de inovação. Isso é particularmente destacado, caracterizado e evidenciado pela excessiva ênfase na produção de papers e não em patentes para o uso dos resultados da pesquisa. A produção de patentes no Brasil é baixíssima.
Os investimentos do poder público para a inovação por meio das universidades são pouco orientados para a demanda. É uma atitude ainda muito ofertista, que pretende colocar o conhecimento à disposição de quem quiser fazer uso dele, mas sem estabelecer uma vinculação a priori com a demanda. Existem estudos mostrando que somente as grandes empresas interagem com as universidades e tiram proveito do trabalho dessas instituições. Isso ocorre em detrimento das pequenas e médias empresas. Por mais paradoxal que isso possa parecer, são justamente as pequenas e médias empresas as
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que mais necessitam do apoio da infra-estrutura externa, devido à sua pouca capitalização.
Mas são também aquelas com menos condições de usar esse apoio, em função de suas deficiências. Elas começam pela inexistência de pessoas capazes de articular, interagir e falar o linguajar mínimo necessário para colocar a empresa em condições de comunicar-se com a infra-estrutura científica. As grandes empresas, por sua vez, investem mais em desenvolvimento tecnológico e têm mais pessoas alocadas internamente para o esforço de inovação. Têm, assim, uma infra-estrutura mais ca
paz de aproveitar o esforço de pesquisa efetuado pelas universidades e institutos.
Apesar desse ambiente pouco estimulante, as empresas mostram uma preocupação levemente crescente com relação ao futuro. No que se refere ao esforço em inovação, porém, ele tende mais à estabilidade do que ao crescimento. Isso fica evidente quando se analisa o histórico da alocação de recursos financeiros pelas empresas para a inovação e para o aumento da qualidade do esforço
de inovação. De qualquer maneira, há uma certa preocupação em não diminuir as equipes técnicas mais do que proporcionalmente se diminuiu a força de trabalho global das empresas nestes últimos anos e, principalmente, em obter ganhos de competitividade com a introdução de novos produtos no mercado. Esses são fatores muito importantes.
De qualqúer maneira, os dados sobre indicadores empresariais e inovação tecnológica entre 1993 e 1997 mostram números bastante estáveis. O gasto anual fica na faixa deUS$ 7 milhões por empresa, em média. Trata-se de um gasto bastante estável, sem muitas variações ao longo do período. A pequena tendência de aumento do investimento total ocorreu muito mais pela entrada de novos players e pelo reconhecimento de operações antes desconhecidas do que propriamente pelo aumento das despesas das empresas que já participavam do jogo.
É assim que se explica o aparecimento, nas estatísticas governamentais, de um crescimento da participação do setor produtivo nos gastos em desenvolvimento tecnológico no Brasil. Por esses dados, essa participação passou de algo em torno de 15 a 20%, no início da década de 90, para 32% em 1997. É importante notar: as empresas que respondem por esses números representam apenas um terço do PIB industrial brasileiro. Isso significa que existem grandes possibilidades de expansão, se não ocorrerem grandes crises econômicas e os
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governos colocarem em prática medidas de ordem política com esse objetivo.
O futuro do comportamento empresarial e inovador no Brasil está atrelado à busca de uma competência internacional, não somente nacional. Ela pode ser obtida por meio de ganhos de produtividade, eficiência e qualidade e mediante outros fatores, como qualificação de pessoal e interesse na busca do conhecimento. Isso deve ocorrer num ambiente de flexibilidade total, sob todos os pontos de vista, operacional, financeiro e outros.
Essa competência internacionalizada, por meio desses fatores, é que permitirá ao Brasil atingir um estágio de sustentabili-
PENSANDO SÃO PAULO: DESENVO LV I MENTO E EMPREGO
utilizado no País. Há a questão dos incentivos fiscais, que tendem a ser confundidos, muitas vezes, com subsídios e doações. Isso cria uma atitude negativa, não só para a sociedade, mas para o governo e o empresário. Os incentivos acabam por não ser utilizados, quando países desenvolvidos, que competem com o Brasil, os usam e usam muito bem. Aliás, é o único incentivo permitido no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Outro problema é o da qualificação universitária e absorção de pessoal universitário pelas indústrias, especialmente no nível de doutores. Já formamos 4 mil dou
tores por ano. Mas uma parcela ínfima desse pessoal está na in
dade dinâmica. Ela depende de muito mais do que do aumento da eficiência produtiva e de otimizações de plantas e produtos. Essa sustentabilidade dinâmica deve criar condições para que as empresas brasileiras sejam capazes de competir internacionalmente e se insiram na cadeia mundial. Isso não se consegue apenas com a otimização de plantas e produtos, mas com conhecimento, qualifica-
''o mercado dústria. A formação básica profis-sional no Brasil é ruim. O ensino técnico, para não falar da educação básica, é apenas sofrível. No Brasil, há pouco pessoal de nível médio trabalhando nas empresas. Isso faz com que os PhDs, os poucos que existem, façam trabalhos de bancada, deixando de se concentrar no principal objeto do seu trabalho, o criativo. Nos países
brasileiro é pouco crítico com relação aos produtos
que consome''
ção e flexibilidade. Para que isso aconteça, o Brasil e principalmente
seus Estados desenvolvidos, que querem progredir e têm massa crítica para isso, vão ter de criar uma série de condições. Elas passam por vários fatores que não são triviais, simples ou singulares. Uma das primeiras dessas condições é a governabilidade, a capacidade mínima de gestão do País. Há países ingovernáveis. Esses não têm nenhuma possibilidade de progresso.
Não se podem esquecer as condições económicas. Entre elas estão a estabilidade e a liberalização. Elas são importantes, precisam ser mantidas e conquistadas. Os investimentos necessitam dessas condições. Há também uma série de políticas públicas que precisam ser aplicadas, principalmente na área das exportações. O Brasil é um país muito carente no setor das exportações, que são pequenas e concentradas em pouquíssimas empresas. A grande massa de empresas pequenas e médias não exporta.
Para que as pequenas e médias empresas brasileiras possam exportar, é necessário proteger a propriedade industrial e intelectual e criar redes de excelência. O Brasil precisa capitalizar aquilo que sabe fazer melhor, o que conhece bem e onde é diferente das grandes potências mundiais. É preciso definir prioridades setoriais. O País não pode ser o melhor em tudo. É necessário selecionar setores e potencialidades. Com os parcos recursos dos quais oBrasil dispõe, é impossível atacar em todas as frentes.
É preciso tratar, também, da situação financeira, em particular os desafios ao capital de risco, muito pouco
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desenvolvidos, há uma relação de um PhD para três técnicos de ní
vel médio. No Brasil, a relação é quase o inverso. Existe também uma questão cultural. O Brasil preci
sa melhorar muito a interação e parcerias entre a empresa e as universidades e os institutos. Esta não é uma crítica apenas os institutos e universidades. É também uma crítica aos empresários, à sua postura imediatista e à pouca credibilidade que dão a essas instituições. A situação melhorou muito nesta década. Vários paradigmas foram rompidos. Mas ainda está distante o aparecimento de uma relação profícua entre os dois setores.
A sociedade deve ser mobilizada em torno da inovação. É necessário, particularmente, aguçar o espírito crítico do consumidor. O mercado brasileiro é pouco crítico com relação aos produtos que consome. Agindo assim, não estimula a competitividade e não apóia o diferencial competitivo das empresas. Aceita o que se coloca na mesa, sem rejeitar. Isso é importante. O mercado é um dos maiores indutores do investimento tecnológico por parte das empresas.
Mas isso pouco adiantará se não houver uma mudança na postura empresarial. O Brasil ainda está longe de ter uma postura empresarial voltada para a inovação e para a valorização da tecnologia como instrumento de competitividade. Há ilhas de excelência, empresários notáveis, posturas dignas de nota. Mas isso é muito mais exceção do que regra. O Brasil ainda sente a necessidade de uma classe empresarial com uma visão mais voltada para o futuro.
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Esforço de inovação ainda restrito a poucas empresas
Os números transmitidos ao grupo de trabalho pelo diretor-adjunto de Produção
de Dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Luiz Henrique Proença Soares, não deixam dúvidas: o interior está crescendo, mas a parcela da capital e das cidades próximas na atividade econômica do Estado de São Paulo continua a ser de enorme maioria. Com base numa minuciosa pesquisa realizada pela Fundação,
~ No ano passado, a Fundação Sistema § Estadual de Análise de Dados (Seade) di-0 vulgou os resultados de uma pesquisa so" bre a atividade econômica do Estado de
Proença Soares levantou também dois aspectos muito importantes
Luiz Henrique Proença Soares
São Paulo que trouxe dados inéditos sobre o panorama empresarial. Trata-se da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (PAEP). A metodologia desta pesquisa foi criada no início da década de 90. Ela surgiu da percepção da Fundação Seade, como órgão produtor de informações sobre o Estado de São Paulo, de que faltavam estatísticas econômicas sobre oBrasil e, especificamente, sobre o Estado. O último censo econômico do IBGE fora realizado em 1985; em 1990, não houve censo econômico; em 1994, finalmente o IBGE começou a aplicar uma nova estratégia de produção de estatísticas econô-
para o futuro da capacidade inovadora do Estado: a pesquisa e o desenvolvimento estão concentrados em apenas umas poucas empresas; e a maioria das empresas usa a inovação apenas como atividade defensiva, para manter fatias de mercado, não como instrumento para o futuro. Proença Soares formou-se em 1977 em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Em 1979, obteve o diplôme d'études approfondies pelo Instituto de Urbanismo de Paris, da Universidade de Paris XII, e, em 1982, um doutorado em Urbanismo pelo mesmo instituto. Entre suas áreas de atuação, estão administração pública, planejamento urbano e regional, políticas públicas e sistemas de informações sacio econômicas. Suas atividades na Fundação Seade incluem a supervisão geral da homepage e de toda a política de informática da entidade.
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micas, sem, no entanto, contemplar indicadores qualitativos.
Todo o processo de mensuração econômica em relação às atividades produtivas estava, assim, bastante defasado e carente. Além de o Censo de 1990 não ter sido realizado, as pesquisas anuais do IBGE, sobre indústria, comércio, construção civil e transportes, estavam com sua divulgação atrasada. Isso era resultado de uma reforma admini:Strativa, na minha opinião bastante desastrada, que no início dos anos 90 e final dos anos 80 atingiu a administração pública federal e penalizou sensivelmente o IBGE .
A Fundação Seade e um conjunto de usuários de informações econômicas identificaram três focos de preocupação em relação às estatísticas econômicas. Um deles era a mensuração econômica propriamente dita, tradicionalmente coberta pelo censo econômico e pelas pesquisas anuais, as quais, apesar de serem amostrais, tinham cobertura bastante expressiva.
Além da mensuração, havia uma preocupação sobre a questão da reestruturação produtiva, que, nos primeiros anos da década de 90, já se anunciava na economia brasileira. Havia, nessa época, muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação estatisticamente representativa sobre os vários aspectos envolvidos nesse processo, nem sobre sua abrangência, intensidade, distribuição setorial e outros fatores.
Em terceiro lugar, no caso do Estado de São Paulo, era muito importante acompanhar uma dinâmica socio-
PESQUISA FAPESP
econômica territorial que as pesquisas anuais do IBGE não mostram. A partir dessas pesquisas, só é possível separar dados para a Região Metropolitana e para o restante do Estado. A economia regional no Estado de São Paulo é bastante dinâmica e significativa em determinados aspectos. Era, assim, uma questão fundamental ter uma idéia dessa representatividade no âmbito regional.
A PAEP cobriu indústria, comércio e serviços, sendo que, dentro da indústria, houve uma extração específica para a construção civil. Foi criada também uma abordagem específica para a agroindústria, que no Estado de São Paulo é um segmento econômico bastante importante e significativo.
P ENSAN D O SÃO PAULO: DESENVOLV IME N T O E EMPR EG O
e mais do que 5, foi feita uma amostragem. No caso do comércio, foram investigados todos os estabelecimentos com mais de 20 empregados e, abaixo disso, feita uma amostragem, até os que contavam apenas 1 empregado. Além disso, foram investigados dois segmentos no setor de serviços, as empresas produtoras de serviços de informática e os bancos. No caso dos bancos, todos os grandes e médios bancos responderam à pesquisa.
No setor de informática, foram investigadas todas as empresas com mais de 20 empregados e, abaixo disso, f~ita uma amostra. Tanto as empresas maiores como o
universo amostral das empresas de menor porte respondem por
Para todas as variáveis, especialmente as que dizem respeito à reestruturação produtiva, procurou-se obter dados capazes de serem comparados com os resultantes dos sistemas estatísticos de âmbito nacional, especialmente a nova Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), e toda a série de procedimentos metodológicos adotada pelo IBGE. Também foram considera-
''No setor uma proporção de 80 a 85%, tan-to com relação ao valor adicionado como ao pessoal ocupado no Estado de São Paulo. Portanto, os resultados da pesquisa puderam ser expandidos para todo o universo de empresas do Estado de São Paulo, com bastante propriedade e tranqüilidade.
de informática, foram investigadas todas as empresas
com mais de 20 empregados'' A tarefa era bastante complexa
e inovadora e precisou ser partilhada com outros parceiros. A Fundação procurou de imediato as dos os procedimentos internacio-
nais, especialmente os ancorados nos procedimentos recomendados pela OCDE e consubstanciados no Manual de Oslo. Assim, os resultados são altamente comparáveis com os produzidos por outras pesquisas em todo o mundo. Essas comparações estão sendo feitas e esperamse alguns resultados bastante interessantes.
Na mensuração econômica, algumas variáveis básicas foram investigadas. Em relação à reestruturação produtiva, procurou-se gerar indicadores para itens como inovação tecnológica, novas formas de gestão, fusões, automação, informática e requisitos para contratação de pessoal.
Há uma abordagem importante na área de requisitos de contratação, já que a Fundação Seade, juntamente com o Dieese, realiza pesquisas de emprego e desemprego. Havia uma percepção muito nítida das mudanças no mercado de trabalho ao longo dos quase 13 anos de existência da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). No entanto, não havia nada em relação ao universo empresarial, sobre a visão das empresas em relação à mudança do mercado, seja do ponto de vista do aumento dos índices de desemprego, seja do ponto de vista da precarização dos vínculos e das relações de trabalho.
Em relação às indústrias, foram investigados todos os estabelecimentos com mais de 30 empregados. Realizouse, portanto, um verdadeiro censo em todos os estabelecimentos de maior porte do Estado de São Paulo. Nos estabelecimentos industriais com menos de 30 empregados
PESQUISA FAPESP
principais universidades e centros de pesquisa paulistas, em busca de apoio metodológico e teórico. Em seguida, foi às entidades do empresariado - Fiesp, Federação do Comércio, Associação Comercial, Sinduscon - buscar o seu apoio institucional, a divulgação por meio de sua roídia específica e também um diálogo, para verificar se as questões estavam adequadamente formuladas e se se conseguiria nívei~ de compreensão adequados por parte do universo empresarial. O objetivo era reduzir as recusas e aumentar o nível de confiabilidade das respostas obtidas.
Foi mantido um contato constante com o IBGE e obtido o apoio extremamente importante da agência financiadora de pesquisas no Estado de São Paulo, a FAPESP, responsável pelo financiamento do trabalho de campo da pesquisa. A FAPESP respondeu por uma parcela importante do custo total. A Fundação recebeu, também, um financiamento da Finep para a realização desse trabalho. Ambas arcaram com cerca de um terço do custo total da pesquisa, sendo o restante financiado pelo orçamento da própria Fundação.
Essa articulação foi muito interessante, porque enriqueceu a pesquisa e a tirou dos muros da Fundação Seade, que, por mais capacitada que possa ser, jamais poderia dar conta, sozinha, de uma tarefa tão complexa. Na disseminação dos resultados, foi adotada uma postura inovadora, no sentido de divulgar os microdados, preservando-se o sigilo da fonte. Os microdados são divulgados para que os próprios pesquisadores possam construir suas tabulações.
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PENSAN D O SÃO PA U LO: D ES E N VOLV I MENTO E EMP R EGO
Há um CD-ROM com os dados à disposição dos usuários na Fundação Seade. A intenção é que uma pesquisa desse tipo seja realizada a cada quatro anos. Esta foi a primeira e estabelece um patamar de comparação para toda uma série de indicadores. Há a intenção de produzir uma nova pesquisa no ano 2001, relativa à situação do ano 2000.
Ocorreu outro fato muito importante na questão das parcerias. O Consórcio Intermunicipal do ABC manifestou interesse em conhecer melhor sua realidade. Pretendia fazer um censo econômico. Acabou tornando-se um parceiro regional. Financiou uma expansão da amostra, de
car, do leite, do fumo e das conservas. São Paulo é o primeiro produtor nacional de cana-de-açúcar e o maior produtor mundial de suco de laranja, produzindo sozinho mais suco de laranja do que os Estados Unidos.
Do ponto de vista da distribuição da agroindústria no território paulista, um dado que salta à vista é, também, a forte concentração da atividade agroindustrial na Região Metropolitana. Quase 25% da agroindústria paulista está concentrada na Região Metropolitana. Somando-se a participação da região de Campinas, chegase à metade. No resto do Estado, a distribuição regional
é bastante menos expressiva, apesar de importante na estrutura
maneira que há dados específicos para a região do ABC e cada um dos seus municípios, sobre o processo de reestruturação produtiva na região.
O Estado de São Paulo tem uma estrutura bastante diversificada quanto às suas empresas. Há concentrações que variam conforme o tipo de análise. Mas, do
''A concentração da atividade
produtiva
econômica regional. As atividades ligadas ao co
mércio estão melhor distribuídas. Existe uma proporcionalidade maior, que quase acompanha a distribuição populacional. Isso só não ocorre com o comércio atacadista, que ainda está fortemente concentrado na Região Metropolitana e pela existência de comércio mais sofisticado na
na Região Metropolitana é fortíssima''
· ponto de vista de qualquer um dos três enfoques usados na pes-quisa, confirma-se de que se trata de uma economia bastante complexa, diversificada e com a presença de praticamente todos os setores significativos da indústria de transformação.
Do ponto de vista regional, o que se nota, em primeiro lugar, é uma fortíssima concentração da atividade econômica na Região Metropolitana de São Paulo. Ela representa quase 57% dos empregos e mais de 60% do valor adicionado do Estado. Há uma expansão dessas atividades para a região imediatamente próxima. Se traçarmos um círculo com raio de 150 quilômetros a partir da capital, os valores chegam de 80 a 85% do total do Estado. Entram nessa área, basicamente, cidades como Jacareí, São José dos Campos, Jundiaí, Campinas, Americana, Limeira, Sorocaba, Votorantim e seus entornos.
Essa forte concentração da atividade econômica, num raio de alguns quilômetros a partir da praça da Sé, ocorre apesar de todo o processo de interiorização verificado ao longo dos anos 70 e no começo dos anos 80, como fruto da política de atenuamento de desigualdades regionais do segundo PND. A interiorização aconteceu. Grandes investimentos públicos foram realizados no interior, levando indústrias e empresas para fora da capital. Mas, paralelamente, continuaram a ocorrer investimentos muito fortes na atividade industrial dentro da Região Metropolitana.
A agroindústria tem uma situação específica. Existe um peso muito grande da agroindústria da cana-de-açú-
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Grande São Paulo. No caso dos serviços de infor
mática, considerados nobres no processo de reestruturação produtiva, a concentração na Região Metropolitana é infinitamente maior. É um setor de apoio à produção fortemente associado ao processo de modernização tecnológica e de reestruturação produtiva. Nada menos do que 79% das unidades, 85% do pessoal ocupado e quase 91% do valor adicionado estão concentrados na Região Metropolitana. Fora dessa área, há apenas duas participações dignas de nota: a região de Campinas, em que há um grande número de locais e pessoal ocupado, mas um índice baixo de valor adicionado, e a região de São José dos Campos, onde ocorre o inverso.
É interessante notar a existência, no Estado, de um grande número de empresas industriais de pequeno porte, responsáveis por parcelas muito pequenas do valor adicionado e do pessoal ocupado. Inversamente, existe um pequeno número de grandes empresas, responsáveis por uma parcela extremamente significativa do valor adicionado e também do emprego.
Essa é a distribuição das unidades industriais no nosso Estado. A análise por porte que se seguiu à coleta de dados mostrou que a estrutura salarial das empresas do Estado tem forte assimetria. Os salários médios pagos pelas grandes empresas chegam a ser o triplo dos pagos pelas empresas menores. Mesmo assim, há algumas surpresas. Das grandes empresas, 8% por exemplo, não têm programas de alimentação para os funcionários e 23% não têm programas de transporte.
PESQUISA FAPESP
A forte assimetria existente com relação ao porte das empresas industriais no Estado de São Paulo foi repetida com freqüência em vários indicadores produzidos pela pesquisa, não deixando dúvidas de que ele representa uma variável capaz de explicar vários aspectos da performance de uma empresa.
A pesquisa investigou também, do ponto de vista da origem do capital, a questão do controle patrimonial das empresas. Entre as empresas de capital estrangeiro, o líder entre os investidores é a União Européia, tomada como um bloco. Isoladamente, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar. Mas a União Euro-péia, tomada como um todo, su-
P ENSANDO SAO PAU LO: DESENVO LV IM ENTO E E MPR EGO
contratam pessoal para Pesquisa e Desenvolvimento. Mas, em termos absolutos, sua participação na estrutura econômica do Estado como um todo é baixa.
Um interesse da pesquisa foi o de conhecer os motivos considerados importantes ou muito importantes pelas empresas para a realização de inovações. Os motivos mais freqüentemente mencionados para as inovações, tanto de produtos como de processos, estão ligados a razões defensivas, para a manutenção de fatias de participação no mercado. Portanto, as variáveis de mercado pesam mais que uma postura pró-ativa, desti-
nada a antecipar novas tecnologias ou novos processos tecnoló
pera os Estados Unidos, ficando a Alemanha, membro desse bloco, um pouco abaixo dos Estados Unidos:
''os motivos mais mencionados
gicos, ampliar o mix de produtos da empresa ou substituir produtos obsoletos. Essas razões, muitas vezes importantes, estão entre as menos mencionadas ou entre as consideradas menos importantes.
. -Em relação à competitividade, foram selecionados, para esta apresentação, quatro indicadores: exportações, treinamento, técnicas de gestão de qualidade total e inovação, aqui entendida tanto como de produto como de processo. Os quatro mostraram com-
para as movaçoes estão I i gados
a razoes defensivas''
A pesquisa tentou conhecer também as fontes da inovação, as áreas onde as empresas mais freqüentemente buscam conheci-
portamento semelhante, forte-mente explicado pelo porte das empresas.
Outro trabalho foi o de analisar a distribuição de aspectos ligados às estratégias de reestruturação produtiva pelos diversos segmentos empresariais. Um exemplo disso é dado pelo setor de alimentos e bebidas, que representa uma parcela bastante expressiva do setor industrial paulista, aparecendo em penúltimo lugar com relação ao número de empresas consideradas inovadoras, mas no qual o valor produzido por essas empresas inovadoras é proporcionalmente elevado. É possível dizer que na indústria do Estado convivem empresas com estrutura empresarial e tecnológica antigas com empresas modernas e avançadas.
Outro aspecto importante é que, entre as estratégias da gestão de produção mais freqüentemente adotadas pelas empresas, há uma ocorrência maior de respostas voltadas para os novos métodos de organização do trabalho, os quais, entre outros aspectos, comportam um aumento do desemprego.
Os dados sobre pessoal alocado em Pesquisa e Desenvolvimento mostram que o esforço de inovação é bastante desigual. Uma presença muito forte da Embraer, por exemplo, pode elevar um índice até torná-lo muito superior ao de outros setores. Quando se exclui a Embraer, há uma queda para um patamar inferior. Existem, assim, empresas que elevam os indicadores para patamares mais elevados, mas de um ponto de vista apenas relativo. São empresas que alocam recursos e
PESQUISA FAPESP
mentos para suas inovações. Outra vez, ficou claro que as fontes
ligadas ao mercado, como clientes, fornecedores, concorrentes e feiras, têm um peso muito grande. O porte da empresa é significativo para explicar algumas respostas. As grandes empresas aparecem com muito mais freqüência entre as que têm departamento próprio de pesquisa e desenvolvimento.
O trabalho confirmou uma participação relativamente baixa dos ins~itutos de pesquisas e das universidades nesse processo de geração de inovação das empresas. É interessante notar que há uma forte corroboração das conclusões a que o professor Roberto Sbragia, que falou antes de mim, chegou com relação à falta de mecanismos para uma adequação entre oferta e demanda de novas tecnologias, entre produção de teses e registro de patentes.
Há ainda na pesquisa um bloco de questões voltadas para a relação das empresas com meio ambiente e a identificação de oportunidades de negócios ou de riscos para a atividade desenvolvida, a partir de seu envolvimento nessa área.
Nós, na Fundação Seade, estamos à disposição para aprofundar esta reflexão e trazer novos aspectos inexplorados. Mais que isso: contamos com a comunidade de usuários, no sentido de utilizar essa pesquisa e nos dar retorno em relação à realização da próxima PAEP. A produção de estatísticas é assunto eminentemente público, financiado pelo setor público, e não deve haver nenhuma ilusão quanto a este aspecto. Ela deve ter retorno para os usuários.
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Como o Brasil pode • • se manter competitivo
Q uando estabelece ;::;:::::;::::=::;;;::==:::::::;;;;:==::; lí Dizem que a anedota seguinte nasceu z
as diferencas entre universidade e empresa,
o professor Carlos Henrique de Brito Cruz fala com conhecimento de causa. O presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e titular da área de Eletrônica Quântica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) trabalhou num dos mais conceituados
g no curso de Economia da Universidade ~ ~ Harvard. Dois sujeitos estão fugindo de ~ um tigre. Na floresta, um deles pára para
calçar o tênis. O outro diz: "Não adianta calçar o tênis, você nunca vai conseguir correr mais do que o tigre': O que está calçando o tênis responde: "Não, mas vou correr mais do que você".
Competitividade vem da capacidade de agregar conhecimento ao que se faz. Para analisarmos a situação paulista, usarei algumas comparações internacionais. Assim, poderemos situar os dados que temos e ver se está boa ou ruim. É a história do tigre. Estamos correndo mais depressa ou mais devagar do que os competidores? centros de pesquisas particulares
do mundo, os Laboratórios Bell, Carlos Henrique de Brito Cruz Já conseguimos, tanto no Brasil quan
da AT&T, de março de 1986 a agosto de 198 7. A isso se soma a experiência de ter sido diretor do Instituto de Física da Unicamp, de 1991 a 1994, e em seguida pró-reitor de pesquisa da mesma universidade, até 1998. Na sua exposição, ele demonstrou que o Brasil e São Paulo ainda têm muito o que caminhar para se tornarem verdadeiramente competitivos, mesmo com relação a países como Israel e Coréia do Sul. Mas também citou fatos positivos, como o aumento da formação de doutores e a publicação cada vez maior de papers pelas universidades brasileiras. Brito Cruz é engenheiro eletrônico formado pelo ITA de São José dos Campos, em 1978. Fez mestrado e doutoramento pelo Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, onde iniciou sua carreira de professor em 1982.
lO
to em São Paulo, um notável desenvolvi-mento da capacidade de fazer ciência. O número de produções científicas originadas do trabalho feito no Brasil publicadas em revistas internacionais praticamente quadruplicou. Pouco mais que a metade dessa produção é feita no Estado de São Paulo (figura 1).
Ao lado desse aumento na capacidade de se produzir ciência, simultaneamente, houve também um aumento na capacidade de formar pessoas com a qualificação necessária para trabalhar com pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, pessoas com conhecimento, que é o objeto do nosso assunto. Estamos formando mais de 4 mil doutores por ano no Brasil.
É importante registrar que o crescimento dessa capacidade deve-se, praticamente, ao esforço do Estado, na esfera federal e estadual, que fez os investimentos necessários. Podemos, porém, discutir se esses investimentos deveriam ser maiores. Minha conclusão, com base nos dados que vou mostrar a seguir, é a de que os investimentos deveriam ser mais intensos.
Na análise da capacitação tecnológica a situação nos é mais desfavorável. É possível dimensionar essa capacidade por meio do número de patentes que o Brasil registra nos Estados Unidos. Em 1996, a soma de todas as patentes originárias de pessoas do Brasil e lá registradas foi de 56. A soma das originárias da Coréia do Sul, foi de quase 1.500, um número 30 vezes maior. Se olharmos para o tigre, o tênis deles está melhor do que o nosso. As empresas e as indústrias sul-coreanas estão mais capazes de gerar e trabalhar com conhecimento do que as do Brasil.
PESQUISA FAPESP
No Brasil há alguns mal-entendidos, quando se fala de patentes. Tem-se a impressão de que pesquisa é assunto de universidade. Isso é um equívoco. Pesquisa é assunto de universidade, sim, mas é, talvez muito mais, assunto de empresa. É um equívoco achar que o Brasil produz poucas patentes porque nossas universidades não fazem e não privilegiam fazer patentes. Vamos considerar o número de universidades nos Estados Unidos e quantas patentes fazem por ano. Tomando o conjunto de todas as universidades dos Estados Unidos, vê-se que há dez universidades responsáveis por duas patentes por ano e 25 universidades com 20 patentes por ano.
PE NSAN DO SÃO PAUL O: DESE NVO LVIME N TO E EMPRE G O
outros 99%. É mais ou menos com isso que o Brasil precisa preocupar-se. Por outro lado, na capacitação tecnológica nossa participação é muito menor. Países que produzem ciência tanto quanto nós, como Coréia do Sul e Israel, têm situação bem superior na tecnologia.
Os investimentos totais em pesquisa e desenvolvimento feitos pelos países são medidos em percentagem do PIB, não em volume. Assim, São Paulo costuma aparecer acima do Brasil. A percentagem do PIB paulista investido em pesquisa e desenvolvimento é maior do que o percentual brasileiro. Se São Paulo fosse um país, estaria situado até um
pouco acima da Espanha. O primeiro destaque é o
seguinte: no ano de 1996, tomado como exemplo, foram registradas 53 mil patentes nos Estados Unidos. Delas, apenas 1.600, ou seja, 3%, vieram de universidades. Isso mostra que o produtor de patentes em massa não é a universidade, mas a empresa. O segundo destaque é assinalar que os números relativos à produção de patentes, mesmo no sistema universitário norte-americano, são medi-
FIGURA I Quando se fala em investimentos totais, porém, somase o dinheiro que vem do governo com o das empresas. Quando se considera apenas o dinheiro investido pelas indústrias, a situação fica diferente. Há uma diferença avassaladora entre o que acontece em São Paulo e no Brasil com relação ao resto do mundo. O Brasil investe muito menos que os outros países.
Número de artigos científicos cadastrados no Science Citation Index
originados no Brasil de 1980 a 1999
10.000
9.000 8.000 7.000 6.000
5.000 4.000
3.000
-
-
--
--
- • I 2.000
1.000
o •••••••••• I I I I I I I I I I
dos em dezenas. Há poucas universidades que fazem mais do que 100 patentes por ano. Talvez apenas seis instituições estejam nesse caso.
É muito importante ter a noção de que, ao mesmo tempo em que registra 20 ou 25 patentes, uma universidade publica 3, 4 ou 5 mil papers em um ano. Esses, sim, são o produto mais característico da instituição universitária. Esse destaque é importante para evitar o equívoco de gerar expectativas de que a universidade, além de educar os estudantes e fazer ciência, também tem que fazer patentes e inovação tecnológica, resolvendo o problema.
Uma comparação entre os investimentos que as empresas de vários países fazem em pesquisa e desenvolvimento e o número de patentes que esses países registram nos Estados Unidos mostra uma correlação muito notável. Quanto mais a empresa investe em pesquisa, mais patentes, tecnologia, conhecimento e competitividade consegue.
Além disso, pode-se dizer que um volume de investimentos de milhões de dólares corresponde a empregos para milhares de pessoas, porque o maior custo de fazer pesquisa é o salário das pessoas que fazem a pesquisa. O valor dos investimentos, então, pode ser traduzido no número de pesquisadores que trabalham, no total de assalariados que geram conhecimento para a empresa.
A presença dos artigos científicos originados no Brasil na produção científica mundial é superior a 1%. Com esse 1%, o País consegue educar pessoas capazes de ler os
PESQUISA FAPESP
É novamente a história de que eles estão com o tênis, nós não e o tigre vem atrás.
Essa diferença nos investimentos se traduz diretamente nos locais de trabalho dos cientistas. Uma norma de classificação usada internacionalmente é o local onde estão os cientistas engenheiros. O Brasil tem 60 mil cientistas engenheiros trabalhando em universidades e 12 mil em institutos de pesquisa, como o Instituto Agronômico, o IPT e o INPA da Amazônia. Os que trabalham para empresas são talvez 9 mil. Em São Paulo, são perto de 4 mil.
A fração de pesquisadores trabalhando para empresas no Brasil é extremamente baixa. Nos Estados Unidos, a relação é inversa. Enquanto no Brasil 11% dos cientistas engenheiros trabalham em empresas, nos Estados Unidos a participação chega a 80%. Esse percentual vai contra a opinião comum de quem pensa em ciência e tecnologia no Brasil. Ele mostra que considerar ciência e tecnologia como assunto de universidade é um vício. Como se pode ver no caso dos Estados Unidos, o papel principal das universidades é educar e formar as 800 mil pessoas que vão fazer as empresas americanas serem competitivas.
Essa distribuição é bastante desfavorável para o Brasil. Os Estados Unidos têm um milhão de cientistas engenheiros. Às vezes, as pessoas pensam: "É demais. Não é possível que haja lugar para caber mais". Não é o caso. Uma notícia publicada na revista Science, em agosto de 1998, se referia a reclamações de que o Congresso norteamericano saiu de férias sem votar assuntos considerados
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PENSANDO SAO PAU LO: DESENVO LVIMENTO E E M PREGO
importantes. Um desses assuntos era uma autorização para aumentar o número de vistos de entrada que os Estados Unidos concediam anualmente para cientistas engenheiros estrangeiros. Estava sendo solicitado um aumento de 65 mil vistos para 115 mil.
Lembrem-se que o número de cientistas engenheiros que mostrei para o Brasil era próximo a 77 mil. Os Estados Unidos estavam discutindo a admissão, por ano, de duas vezes mais do que isso, ou seja, dois Brasis em termo de ciência e tecnologia. Um destaque que precisa ser feito é que quem estava solicitando esses cientistas não eram
é uma parte da solução, mas não pode ser a solução inteira, porque não é possível assumir, a partir dos dados existentes, que a universidade possa ser o único responsável por gerar desenvolvimento tecnológico numa nação.
Quem está perto do desenvolvimento tecnológico é a empresa. Em todos os lugares do mundo, isso é tarefa central da empresa, embora a universidade possa contribuir bastante. Digo que a universidade não pode resolver esse problema completamente com base em dados que sereferem, novamente, ao caso dos Estados Unidos e ao que denomino o mito do investimento privado na universidade.
No Brasil, existe o costuas universidade nem os institutos de pesquisa dos Estados Unidos, mas o lobby das empresas. São elas que precisam desses 115 mil cientistas engenheiros para funcionarem, serem competitivas e ganharem espaço.
FIGURA 2 me de dizer que os pesquisadores não querem buscar a empresa e deveriam fazer como nos Estados Unidos, onde todas as pesquisas das universidades são financiadas pelas empresas. Os dados mostram que isso não é verdade. Os números referentes a 1994 indicam que nesse ano foram assinados contratos no valor total de US$ 21 bilhões para a realização de projetos de pesquisa em todas as universidades
Número de cientistas na empresa, na universidade e em institutos de pesqusia
no Brasil e na Coréia do Sul
Talvez seja exagero fazer uma comparação com os Estados Unidos. Mas, mesmo quando fazemos uma correlação com a Coréia do Sul, a situação é bastante desfavorável para o Brasil. No País, há 9 mil cientistas engenhei-ros nas empresas. Na Coréia
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Brasil
do Sul, são 75 mil (figura 2) . Novamente, se fizermos aquele exercício esquisito de imaginar São Paulo como um país, com população mais ou menos semelhante à da Coréia do Sul, veremos que a quantidade de cientistas engenheiros trabalhando em atividade de pesquisa e desenvolvimento em São Paulo é insuficiente para competir com um país como a Coréia do Sul.
Como, assim, a empresa vai conseguir gerar conhecimento para ser competitiva? Uma distorção do sistema de ciência e tecnologia brasileiro e, também, do sistema paulista, é o fato de o número de cientistas engenheiros nas empresas ser extremamente reduzido. Esse talvez seja o principal problema da ciência e tecnologia no Brasil. Empresas geram riquezas. No Brasil, somos capazes de fazer ciência, mas não de converter ciência em riqueza.
O contribuinte que está pagando impostos começa cada vez mais a questionar, preocupado, porque está dando dinheiro e quer ver algum benefício, que não seja apenas aumento do conhecimento para a humanidade. Ele quer emprego, quer uma vida melhor e que seus filhos tenham mais oportunidades. Existe no Brasil uma situação na qual a ciência tem avançado, mas a competitividade da empresa avança muito menos.
Quando se faz essa afirmação, geralmente aparece alguém dizendo que a solução é fazer a universidade interagir com a empresa para gerar tecnologia. Creio que isso
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• Empresas O Universidades
Coréia
do país. Desse total, US$ 1,4 bilhão, ou 6,8%, correspondiam a contratos com empresas. Ou seja, a participação das empresas foi inferior a 7%.
A maior parte dos financiamentos veio do governo federal, com US$ 14 bilhões, dois terços do total. Além disso, uma parte apreciável veio dos fundos institucionais das próprias úniversidades. Na contabilidade norte-americana, o dinheiro de uma universidade pública, como a Universidade da Califórnia, é da própria universidade, não do Estado da Califórnia. Assim, os fundos institucionais são compostos em boa parte de dinheiro dos governos locais, estadual e, às vezes, municipal.
É uma ilusão a que existe no Brasil de que os contratos com empresas sustentam a pesquisa nas universidades norte-americanas. Na maioria dos casos, a proporção fica entre 4% e 5%. São números semelhantes aos que existem hoje na Unicamp, na USP, na Universidade Federal de Santa Catarina. Nessas universidades, a proporção está entre 2% e 6%, dependendo da maneira como se faz a conta. A interação da universidade com a empresa, embora seja extremamente importante, é limitada a esses 7%, no caso dos Estados Unidos.
Por outro lado, esses 7% podem parecer pouco mas não são. São ainda mais importantes porque esses contratos permitem que as universidades eduquem seus estudantes num ambiente no qual existe uma convivência com a'empresa, onde vão aprender que pesquisa, ciência e tecnologia
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não são aquelas coisas de torre de marfim, mas têm aspectos práticos do dia-a-dia.
Outro fator importante é o representado pelos traços culturais. Eles existem, embora hoje em dia estejam mais fracos. Há 10 anos, era considerado pecaminoso, numa universidade como a USP ou a Unicamp, dizer que iria ser feito um convênio com uma empresa. Hoje em dia, é uma coisa até propagandeada. Mas ainda existem barreiras. Um exemplo interessante desses obstáculos é uma lei estadual que proíbe as universidades públicas de fazerem convênios com empresas que pertençam a pessoas que já foram funcioná-rios públicos. Assim, se um profes-
PENSANDO SÃO PAULO: DESENVO LV I MENTO E EMPREGO
Isso leva à questão da diferença, do tipo de pesquisa que se adapta melhor à universidade. Provavelmente, é a pesquisa de natureza mais básica, embora haja espaço para outras atividades e para o tipo de pesquisas mais necessário para a empresa, que é o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa aplicada.
Em 1991, o professor Edward Mansfield fez uma pesquisa em empresas norte-americanas com a pergunta: de onde vem o conhecimento para se fazer a inovação? As empresas responderam que, em cada 10 vezes, nove vezes ele vinha de dentro da empresa ou dos fornecedores e uma
vez da universidade. Outra pesquisa, feita em 1996, chegou à mesma
sor da Unicamp ou da USP, depois de aposentado, abrir uma empresa de alta tecnologia, não poderá por lei fazer um convênio com a Unicamp ou a USP.
Há ainda alguns fatores que dizem respeito à natureza das instituições. Há coisas que não podem ser mudadas, pois a troca ou vai estragar a empresa ou a universidade. São instituições com missões e objetivos diferentes. Não se
''Empresa e universidade são
instituições com m1ssoes
conclusão. No Brasil, a Confederação Nacional das Indústrias fez também uma pesquisa e chegou exatamente à mesma conclusão. Ou seja, a maior parte do conhecimento que a empresa precisa vem da própria empresa e de seus fornecedores e clientes. Se pensarmos sobre isso, veremos que é uma coisa totalmente natural, pois são essas pessoas que estão perto do produto.
e objetivos diferentes''
pode querer integrar uma na ou-tra. Um desses aspectos é a questão do sigilo. Ele é importantíssimo para a empresa. Para a universidade, não é tão importante assim. Aliás, para a universidade, há ocasiões em que ele até atrapalha, pois o projeto da pesquisa na universidade precisa ser um projeto que sirva para ensinar um estudante.
Não se pode dizer a um estudante que ele será obrigado a atrasar a sua tese por mais três anos, porque a empresa que contratou o projeto está pedindo esse prazo para ter vantagens sobre o competidor. Esse estudante estará com a carreira arruinada se não puder publicar seus papers, ir a conferências, preparar teses. De qualquer maneira, é um problema que pode ser resolvido. Aprendi no MIT que a cláusula de sigilo é, para o instituto, motivo de rompimento da discussão. O MIT pára de conversar com a empresa na mesma hora, se a empresa disser que quer colocar uma cláusula de sigilo no convênio. Mas, como me explicaram, sempre se consegue preparar os contratos e seus termos de tal maneira que essa cláusula não é necessária.
Outra questão é o tempo disponível para a realização da pesquisa. Tem a ver com a diferença que é pesquisar ensinando. Não se pode perder de vista que o papel fundamental da universidade é educar, formar pessoas. Fazer uma pesquisa ensinando estudantes é completamente diferente de fazer uma pesquisa para ser encerrada da maneira mais rápida, para colocar o produto no mercado ou atender a pedidos do departamento de reclamações.
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Em conclusão, o que eu quis destacar aqui foram os seguintes pontos:
a. Existe em São Paulo uma enorme capacidade para a geração de ciência, instalada em nossas melhores universidades.
b. A pequena quantidade de cientistas e engenheiros fazendo atividades de P&D como empregados de empresas compromete a capacidade da empresa em São Paulo de gerar inovação tecnológica.
c. No Sistema Estadual de C&T é preciso reconhecer que cada organização tem missões diversas e complementares.
d. A universidade é primariamente responsável pela educação, e só poderá fazê-lo bem ao desenvolver atividades de pesquisa científica e tecnológica.
e. Para que haja desenvolvimento econômico é imprescindível que a empresa seja o ator principal na atividade de inovação tecnológica. Há, hoje, importantes razões porque ela não pode fazer isto eficazmente: juros altos, instabilidade e carga tributária.
f. A colaboração universidade-empresa é desejável como instrumento para melhorar a educação que a universidade faz e para trazer a cultura da pesquisa para dentro da empresa. Mas só pode haver estacolaboração quando a empresa tem suas próprias atividades de P&D. A Fapesp tem dado contribuição destacada a todos os
objetivos destacados acima e convido o leitor a conhecer mais sobre os programas da Fundação em nossa homepage em http:/ /www.fapesp.br.
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Política governatnental e o autnento do desetnprego
Asituação do desemprego poderia não estar tão séria se o País estivesse passando
por uma fase de expansão econômica, afirma o coordenador de Produção Técnica do Departamento lntersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-econômicas (Dieese), Antônio José Corrêa do Prado. Ele lembra que Estados Unidos e Europa também passaram por uma fase de profundas modificações tecnológicas
Em 1997, o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócioeconômicas (Dieese), iniciou uma pesquisa sobre as relações entre o emprego e o desenvolvimento tecnológico, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No momento em que essa pesquisa se iniciava, ocorria um debate significativo no Brasil sobre a questão do desemprego.
Até o final de pezembro de 1996, o País passou por uma situação bastante curiosa. Oficialmente, o governo federal dizia que o Brasil não tinha problemas de desemprego e a taxa de desemprego era próxima da dos Estados Unidos.
no período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Antônio José Corrêa do Prado A partir de 1997, porém, até mesmo a
Mas uma soma de crescimento econômico com políticas governamentais manteve o índice de emprego em níveis adequados e levou até a uma melhor distribuição da renda. Prado combina seu trabalho no Dieese, onde é membro da direção técnica e economista sênior, com o papel de professor do Departamento de Economia e de professor e coordenador técnico do curso de especialização em Economia e Gestão das Relações de Trabalho da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Ele é formado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) e tem mestrado em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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taxa de desemprego oficial, calculada pelo IBGE, apresentou um salto significativo. A questão do desemprego tornou-se ainda mais candente. Essa pesquisa do Dieese, assim, ficou bastante condicionada pela conjuntura do desemprego.
O Brasil tem hoje uma taxa de desemprego que é praticamente o triplo da que existia em dezembro de 1989. A taxa na Região Metropolitana de São Paulo está entre 19 e 20% e vem flutuando nesse patamar. Em dezembro de 1~89, a taxa na mesma região era de 6,7%. Assim, o desemprego na capital de São Paulo triplicou na década de 1990.
A busca das causas desse aumento na taxa de desemprego levou ao desenvolvimento de uma das linhas do projeto, que procurou verificar os efeitos do desenvolvimento tecnológico sobre o emprego. No debate que vem ocorrendo a partir de 1997, é muito comum atribuir o desemprego a causas estruturais amplas, como, por exemplo, a questão da globalização e as mudanças estruturais do ponto de vista tecnológico e organizacional. A pesquisa do Dieese procurou investigar as dimensões reais desses fatores.
O primeiro passo foi o de tentar verificar, a partir da análise das séries das taxas de desemprego da Região Metropolitana de São Paulo, se o comportamento dessas séries era coerente com o que seria esperado da mudança na taxa de desemprego provocada por razões estruturais.
Verificamos que, de janeiro de 1990 a 1999, a taxa de desemprego cresceu continuamente, mas com uma característica muito específica. Em determinados momen-
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I
tos, apresentava saltos nos seus patamares. Ou seja, não se verificou um crescimento acelerado contínuo em todo o período, mas uma série de saltos concentrados no tempo.
Essa característica do comportamento da série impede que o crescimento do desemprego seja associado diretamente a mudanças estruturais. As mudanças estruturais ocorrem no decorrer do tempo de forma lenta e não ficam concentradas em períodos curtos. Assim, não se pode associar os saltos nas taxas de desemprego no Brasil a mudanças estruturais, sejam elas relacionadas à abertura da economia brasileira a partir de 1990, a mudanças tecnológicas ou a inova-ções organizacionais.
PENSANDO SÃO PAU LO: DESENVO LV I MENTO E EMPREGO
Tailândia, Coréia e Malásia. A política adotada pelo governo foi outra vez a de fazer um choque de juros e conter o crédito e a economia, como forma de manter as reservas internacionais e interromper a fuga de capitais. Ou seja, o choque foi usado como forma de defesa de uma moeda sobrevalorizada.
Em 1998, depois da moratória russa, o mesmo expediente foi utilizado a partir de novembro, com a diferença de que, dessa vez, não funcionou. Mas essa é uma outra dimensão da análise. O importante para o problema do desemprego é que a partir de novembro de 1998 foi ado-
tado outro choque de juros e ele está claramente associado à mu
Por outro lado, esses saltos podem ser associados, claramente, à gestão da política econômica no período. Comecemos por 1992. Nesse ano, a taxa de desemprego médio na Região Metropolitana de São Paulo teve um salto de cerca de 40%. Ela saiu de 10 o/o para chegar a 14%.
''os saltos podem ser associados
claramente
dança do patamar da taxa de desemprego, de 18 para 20%.
Esse elemento mais conjuntural de gestão da política econômica explica os saltos muito concentrados da taxa de desemprego em determinados períodos de tempo. Esses saltos ocorrem em períodos curtos, de seis meses a um ano.
à gestão
Em 1995 e 1996, a taxa, que havia recuado alguns pontos, durante o período inicial da chama-
da política econômica'' Isso não significa, de forma al
guma, que não exista também um elemento de natureza estrutural para explicar o comportamento da fase expansiva do Plano Real,
voltou a se acelerar, até atingir o patamar de 16% em 1996. Em 1997, saltou novamente, de 16 para 18%, e, em 1998, chegou a 20%.
Em 1992, 1995, 1997 e 1998, a economia brasileira experimentou os choques de juros. Os choques de juros foram usados pela primeira vez como abordagem da política econômica em 1992, pelo então ministro Marcílio Marques Moreira. Seu objetivo era atrair capitais internacionais tipicamente especulativos para reforçar as reservas internacionais do País e tentar conter o processo de desestruturação que se verificava naquele momento de crise política na economia brasileira. Inaugurou, porém, um padrão de intervenção na política econômica que consiste em utilizar os choques de juros como mecanismo para ampliar as reservas internacionais e, de alguma forma, defender a moeda.
Em 1995, após alguns meses de Plano Real, ocorreu um evento semelhante, em termos de abordagem de política econômica. Em dezembro de 1994, com a quebra do México, o País experimentou uma grande fuga nas reservas cambiais. Então, a partir de março e abril de 1995, houve uma mudança na política cambial, principalmente na política monetária e de crédito. O Brasil passou por um novo choque de juros, que foi aprofundado no segundo semestre de 1995. Isso explica a mudança de patamar da taxa de desemprego.
A partir de outubro de 1997, novamente ocorreu o processo, após a quebra dos tigres asiáticos, Hong Kong,
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da série de desemprego ao longo do tempo. A primeira indicação disso decorre de um questionamento muito simples. Se os choques de juros explicam os saltos na taxa de desemprego, por que, quando o choque de juros é revertido, a taxa de desemprego não volta para trás?
É aí que se pode associar esse elemento conjuntural da gestão da política econômica ao elemento de natureza estrutural..
Basicamente, a idéia é a seguinte: a partir de 1994, em cada momento em que houve uma atuação no sentido de defender a moeda sobrevalorizada por meio de um choque de juros, era emitida uma sinalização para o setor privado de que a moeda se manteria sobrevalorizada por mais um determinado tempo. Portanto, ao setor privado cabia aproveitar a oportunidade desse período, em que as importações estariam relativamente mais baratas, por conta da moeda sobrevalorizada, para ampliar as compras no exterior, tanto de insumos como de máquinas e equipamentos.
Esse tipo de mecanismo ajudou a acelerar, em determinados momentos, o processo de reposição e moder~ nização dos equipamentos que fazem parte da estrutura produtiva brasileira. Existe uma relação entre os dois fenômenos. Ao adotar uma política econômica para apoiar a moeda sobrevalorizada, o governo sinaliza, com isso, que haverá mais um período de tempo para as empresas continuarem seu processo de modernização, com um câmbio altamente favorável.
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PENSANDO SAO PAULO: DESENVOLVIMENTO E EMPREGO
Um segundo indicador usado para verificar essa questão mais estrutural foi a comparação entre dois períodos de crescimento da economia brasileira na história recente. Um é o período do Plano Cruzado, de 1986 e 1987, e outro o período expansivo do Plano Real, em 1994 e 1995. Para essa análise, o período do Plano Real foi dividido em duas fases, uma expansiva e a outra recessiva.
Na fase expansiva do Plano Real, nos dois anos consecutivos de 1994 e 1995, o Brasil teve um crescimento de cerca de 10% do PIB, tanto no âmbito nacional quanto no Estado de São Paulo. Em 1986 e 1987, ocorreu amesma coisa. O País e o Estado tive-ram um crescimento semelhante,
mercado de trabalho como um todo. Oque vai determinar se essa mudança tecnológica e organizacional resulta em desemprego líquido no mercado de trabalho como um todo é basicamente a taxa de crescimento da economia.
Neste momento, o Brasil passa por uma mudança tecnológica dentro de limites estreitos. A taxa de investimento está em cerca de 18% do PIB. Na década de 70, essa taxa era de 24%. O Brasil está muito longe de taxas de investimento que impliquem mudanças tecnológicas significativas. Hoje, o padrão de mudança tecnológica
continua a ser mais seletivo. Não é tão abrangente como se houves
de 10% do PIB. É interessante associar a taxa
de crescimento do PIB à do crescimento da ocupação e à taxa de queda no desemprego nos dois períodos. No biênio 1986-1987, para um crescimento de 10% no PIB, houve um crescimento da ocupação na Região Metropolitana de São Paulo também de 10%. Portanto, ocorreu uma relação de um para um no que se referia à
''A capacidade de o crescimento
do PIB gerar postos de
trabalho caiu pela metade''
se, novamente, uma taxa de investimento de 24%.
Mas, nas circunstâncias atuais, em que a mudança tecnológica se soma à recessão, o resultado líquido, infelizmente, é de desemprego tecnológico. Esse ponto deve ser destacado porque se torna necessária outra abordagem de política económica, uma abordagem capaz de permitir que a
sensibilidade da ocupação ao cres-cimento do PIB. A taxa de desemprego, conseqüentemente, caiu nesse período.
Em 1994 e 1995, porém, isso não ocorreu. Para uma taxa de crescimento do PIB de 10%, o crescimento da ocupação ficou em torno de 5%. Ou seja, a sensibilidade da ocupação ao crescimento do PIB caiu pela metade. A taxa de desemprego não diminuiu 20%, como ocorreu no Plano Cruzado, mas sim 9%.
Certamente, essa diminuição, tanto no coeficiente que relaciona o crescimento do PIB com o da ocupação, como no coeficiente que relaciona o crescimento do PIB com a queda na taxa de desemprego, é resultante de mudanças estruturais e não de abordagens ou da forma de gestão da política económica. Significa que houve uma perda bastante significativa. Caiu pela metade a capacidade de o crescimento do PIB gerar postos de trabalho e reduzir a taxa de desemprego.
O debate sobre a relação entre o desemprego e tecnologia é bastante estimulante, mas o problema do Brasil, neste momento, é o de que o crescimento da produtividade industrial e o processo de mudança tecnológica organizacional ocorrem em um contexto macroeconômico completamente adverso do ponto de vista da geração de postos de trabalho.
Sob a ótica do desemprego tecnológico, as mudanças tecnológicas e organizacionais, com freqüência, implicam a ampliação do desemprego em níveis setariais. Mas isso não é verdade, necessariamente, para o
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mudança tecnológica ocorra gerando ganhos do ponto de vista
social. Na abordagem que existe hoje no Brasil, a soma da mudança tecnológica com o processo recessivo gera desemprego.
Com uma política econômica expansiva, seria completamente viável a realocação dos trabalhadores demitidos em determinados setores, nos quais o processo de mudança é mais acelerado do que em outros, para áreas menos atingidas.
Um aspecto muito interessante do caso e que vale a pena ser lembrado é o período de quase 30 anos de crescimento econômico que Europa e Estados Unidos experimentaram no pós-guerra. Nesse período, ocorreram mudanças tecnológicas significativas. Elas, porém, tiveram lugar num período de crescimento econômico e foram acompanhadas pela estruturação de mecanismos macroeconômicos institucionais. Isso permitiu que a mudança tecnológica e o aumento de produtividade fossem realimentando o processo de crescimento, gerando aumento de emprego e melhor distribuição de renda.
Uma política de inovação tecnológica, de ampliação da geração e adoção de novas tecnologias para as empresas, teria um enquadramento mais adequado se fosse considerada dentro de um contexto de política econômica mais geral, capaz de permitir que os aumentos de produtividade sejam transformados, de fato, em ganhos efetivos de bem-estar para os trabalhadores e para a sociedade em geral.
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