Post on 16-Aug-2020
ESTILO, HIBRIDISMO E PERFORMANCE NA CONSTRUÇÃO DA
“HORA DO CONTO”: um levantamento bibliográfico1
Vanessa Bandeira Moreira2
Lara Lima Satler3
Universidade Federal de Goiás (UFG)
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa em andamento relacionada à experiência da série bilíngue (Libras-
Português) “Hora do Conto” se torna relevante não somente por vivermos em um país que
possui mais de 9,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva4 ou por ser um importante
conteúdo educativo para a formação de crianças e jovens surdos e cegos, bem como uma
ferramenta que pode atuar na promoção da inclusão. Mas sobretudo por ser um conteúdo
diferenciado por trabalhar com a convergência de diferentes linguagens.
Nesse sentido, este artigo considera como principal foco o levantamento de
publicações que tratam do diálogo entre os conceitos presentes na pesquisa em andamento.
Faz-se então necessário conhecer o que a pesquisa entende por esses conceitos e como são
articulados ao conteúdo audiovisual “Hora do Conto”, bem como a essência da série.
“Hora do Conto” é um programete5 produzido pela TV UFG6 em parceria com a
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás – UFG e exibido tanto na televisão
quanto na web no site da emissora e em uma de suas redes sociais7.
Originou-se do projeto Biblioteca Bilíngue de Literatura Infantil e Juvenil - Libras /
Português, um espaço virtual de livros audiovisuais para crianças e jovens surdos ou com
1 Trabalho apresentado no GT 2 – Caiu na rede, ainda é cinema? do 6o CAPPA realizado nos dias 03 a 05 de junho de 2019. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais da Faculdade de Ciências Sociais – FCS-UFG, e-mail: vanessabandeira.comunicacao@gmail.com. 3 Pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – FIC-UFG e do Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais – FCS-UFG, e-mail: satlerlara@gmail.com. 4 Informação disponível em < http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/09/apesar-de-avancos-surdos-ainda-enfrentam-barreiras-de-acessibilidade>. Acesso em: 15 dez. 2018. 5 Programete, de acordo com resolução produzida pela TV UFG, é um conteúdo audiovisual seriado e/ou periódico, com tempo de produção entre 3 e 12 minutos. 6 A TV UFG é uma emissora educativa e cultural que faz parte da Rede Nacional de Comunicação Pública – RNCP/TV, de concessão da Fundação Rádio e Televisão Educativa e Cultural – RTVE. Opera no canal 15.1 em sinal aberto com alcance potencial de dois milhões e meio de pessoas. Ainda está disponível no canal 21 da NET-Goiânia, no canal 15 da Gigabyte HDTV e ao vivo via internet no site da emissora: <http://tvufg.org.br> . 7 Os episódios da primeira e segunda temporadas do programete estão disponíveis em <https://bit.ly/2GCrkzR>.
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deficiência visual, que por sua vez surgiu do projeto de extensão intitulado “A Hora do
Conto”. Este projeto nasceu em 2013 e reúne semanalmente na Faculdade de Letras da UFG
surdos e ouvintes para acompanharem a leitura e a interpretação na Língua Brasileira de
Sinais de diversos contos.8 Além de resgatar contos de tradição oral, o projeto contribui para o
ensino-aprendizagem em Libras e para integração entre surdos e ouvintes, favorecendo o
processo de inclusão.
A professora doutora Sueli Maria de Oliveira Regino, idealizadora tanto do projeto de
extensão quanto da biblioteca bilíngue, em entrevista concedida ao Jornal Daqui (2017)
afirma que a iniciativa da biblioteca surgiu da necessidade de disponibilizar conteúdos
relacionados à literatura infantil e juvenil que pudessem auxiliar na formação de crianças e
jovens surdos. E argumenta que Normalmente eles não têm acesso às narrativas orais, comuns na infância das crianças ouvintes. Há os que não conhecem sequer as suas histórias familiares. Ficam à parte desse universo informativo e isso acaba se refletindo em sua formação. (REGINO, 2017)9
Além de beneficiar os surdos, o projeto beneficia também as crianças e jovens
ouvintes, pois funciona como uma ferramenta que facilita o aprendizado em Libras. O que
auxilia na integração entre eles, principalmente no ambiente escolar. O projeto beneficia
também pessoas cegas que não possuem acesso à literatura.
Diante das significativas contribuições desses projetos para a sociedade, a TV UFG
convidou a professora Sueli Maria Regino para desenvolver em parceria o programete “Hora
do Conto” a fim de que pudesse estar tanto na grade de programação do canal, quanto na
internet, uma vez que a emissora assume o desafio que as televisões do século XXI enfrentam
referente à “transmidiação e a flexibilidade para se alinhar às redes sociais e aos novos
modelos de consumo televisivo, como também convoca reconfigurações nos modos de
apresentar, debater e tornar visíveis as inúmeras identidades sociais vigentes”, levando-se em
consideração não só o discurso televisivo, mas primordialmente as imagens e sons que
compõem a paisagem televisual (SILVA; ROCHA, 2017, p. 173).
Outro desafio que a TV UFG assume está relacionado à acessibilidade de seus
conteúdos a fim de possibilitar o alcance às pessoas com deficiência. Há que se ressaltar que a
série “Hora do Conto” é um conteúdo diferenciado por subverter a lógica utilizada nos
produtos televisivos e disponíveis na web. No geral os conteúdos são produzidos para os
públicos sem deficiência para só então serem utilizados os critérios de promoção de
8 Informação disponível em: <http://www.bibliolibras.com.br/>. Acesso em: 15 dez. 2018. 9 Entrevista disponível em: <https://daqui.opopular.com.br/editorias/geral/ufg-lan%C3%A7a-biblioteca-virtual-de-livros-audiovisuais-para-surdos-e-deficientes-visuais-1.1357566>. Acesso em: 16 dez. 2018.
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acessibilidade. A série “Hora do Conto”, ao contrário, em seu processo criativo, tomou a
acessibilidade como atributo norteador da sua criação.
Na criação da série “Hora do Conto” foram considerados vários aspectos relacionados
ao estilo e à forma de apresentar o conteúdo tendo em vista que o objetivo do mesmo é atingir
prioritariamente o público surdo. No entanto, não se trata de um conteúdo exclusivo para
crianças e jovens surdos, uma vez que atualmente é veiculado no intervalo da programação da
TV UFG em diferentes horários a fim de alcançar uma maior diversidade de público,
incluindo adultos e idosos com deficiência auditiva ou visual ou sem deficiência. É também
disponibilizado na internet ao alcance dos mais variados públicos, ultrapassando 19 mil
visualizações no canal da TV UFG no Youtube10.
O programete consiste em apresentar, a cada episódio, diferentes contos e fábulas
narrados por uma voz off 11 e interpretados na Língua Brasileira de Sinais. Diferentemente da
maioria dos conteúdos televisivos que oferecem acessibilidade em Libras por meio de uma
pequena janela em um dos cantos inferiores da tela, a série “Hora do Conto” coloca a
atriz/intérprete ocupando a maior parte da tela. Além disso, a opção por trabalhar com um
único tipo de ilustração se deve ao fato de que a atenção do espectador deve estar toda voltada
para a atriz/intérprete para que o mesmo não perca nenhum detalhe do conteúdo que está
sendo apresentado. E por essa mesma razão se fez a opção por não trabalhar com legendas em
português. Além de ser uma possível distração para o público, a maioria dos surdos não
compreendem a língua portuguesa. Ademais, para auxiliar na compreensão do conteúdo, o
público ouvinte e cego pode se ater também à narração.
Figura 1: Montagem de frames de dois episódios da série “Hora do Conto”
Fonte: Hora do Conto, TV UFG, 2018.
O cenário escolhido é semelhante a um palco teatral, com fundo preto e, na primeira
temporada, com arabescos que delimitam o espaço cênico como se fossem cortinas. Na
segunda temporada os arabescos não estão presentes. Além disso, o uso de um estilo
simplificado (com o uso de câmera parada, plano único e sem cortes, iluminação pontual
10 O canal está disponível em: <https://www.youtube.com/tvufg>. 11 Voz off é uma expressão comum utilizada no meio televisivo para significar uma voz exterior à cena.
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destacando o corpo e nenhum uso de trilha sonora, a não ser nas vinhetas de abertura e
encerramento do programete), foi escolhido para corroborar para que a atenção do espectador
esteja totalmente voltada para a atriz/intérprete.
O processo de produção da série “Hora do Conto” seguiu as seguintes etapas: os
contos e fábulas foram escolhidos e adaptados pela professora Sueli Maria Regino, em
seguida foram gravados os áudios dos contos narrados também por ela. Estes áudios foram
repassados para a Mariá de Rezende Araújo, a atriz/intérprete, para que ela pudesse criar as
adaptações dos contos em Libras. As interpretações foram cuidadosamente ensaiadas, uma
vez que não poderia haver cortes durante a gravação, já que o gestual utilizado não poderia ser
interrompido a fim de não interferir no resultado final, garantindo a sincronia entre o áudio e a
interpretação. Após a gravação da interpretação realizada com o áudio guia, o material seguiu
para a edição para trabalhar na sincronização de áudio e vídeo, para inserção das vinhetas de
abertura e encerramento e demais ajustes.
É importante ressaltar que a adaptação dos contos e fábulas para a Língua Brasileira de
Sinais realizada pela Mariá Araújo não se trata simplesmente da tradução do português para a
Libras, mas de uma interpretação. Nesse processo, a construção da história em Libras passa
não somente pelo uso da língua, mas destaca-se o uso de classificadores12 e de expressões. Os
classificadores são criados pela própria atriz/intérprete.
Figura 2: Montagem de sequência de frames do episódio “O alfaiate valente” da série “Hora
do Conto”
Fonte: Hora do Conto, TV UFG, 2018.
Para exemplificar, conforme figura 2, no episódio “O alfaiate valente”13, a
atriz/intérprete incorpora o personagem e para mostrar que ele abriu um pote de geleia, por
meio da gestualidade, ela arranca a tampa do pote ao invés de desenroscar a tampa. Isto
12 Classificadores (CLs) “são responsáveis pela formação da maioria dos sinais já existentes, assim como pela criação de novos sinais. Os CLs, por serem na maioria das vezes icônicos, lembram de alguma forma, alguns gestos que acompanham a fala. Por esse motivo, também são muitas vezes confundidos com estes, embora tenham características distintas e regras de formação bem claras.” (BERNARDINO, Elidéa Lúcia Almeida. O uso de classificadores na língua de sinais brasileira. ReVEL, v. 10, n.19, 2012. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/>. Acesso em: 19 dez. 2018). 13 O alfaiate valente. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tGS9tMzC10Q>. Acesso em: 27 abr. 2019.
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porque na época em que o conto se passa ainda não se tinha inventado a rosca. Da mesma
forma, toda sua expressão corporal é influenciada pela prosódia da narradora, ou seja,
entonação, ritmo e acento da linguagem falada, que é conscientemente realizada de forma a
dar liberdade para a atriz/intérprete se expressar.
A primeira temporada do programete apresentou 20 contos dos Irmãos Grimm, sendo
um conto por episódio. Já a segunda temporada, apresentou 16 fábulas de Monteiro Lobato. E
a terceira temporada, em desenvolvimento, prepara 25 episódios com a Odisseia de Homero.
2 ESTILO, HIBRIDISMO E PERFORMANCE
A Literatura Oral14, essência do programete “Hora do Conto”, é vista por Teresa
Manjate (2014) de uma forma redimensionada tendo em vista que a sua forma de realização
(oral) depende de uma performance ou actualização. Manjate acrescenta que:
Os textos orais colectados e registrados sob a forma escrita apresentam preferencialmente os textos como versões únicas e fixas, enquanto na literatura oral os textos ganham vida a partir da materialização através da voz e do corpo humano, ao lado de outros factores, tais como os contextos em que são enunciados. A performance nasce, pois, de um contexto particular. (MANJATE, 2014, p. 147)
Ainda em seus estudos sobre Literatura Oral, especificamente sobre os provérbios, ela
afirma que a realização da performance transforma falantes e ouvintes em performadores e
audiência. No caso específico, a oralidade é desconectada do corpo performático, uma vez
que a narração oral, verbalizada, não é realizada pela atriz/intérprete, responsável pela criação
da fala15 por meio da Libras e das expressões do corpo, com destaque para as faciais. Como
estamos tratando de Literatura Oral expressada não somente na língua portuguesa, mas na
língua dos sinais, é importante lembrar que:
As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legítimo e não como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua dos sinais atendia a todos os critérios
14 “Literatura oral é uma expressão utilizada para designar um conjunto de textos em prosa e verso transmitidos oralmente (contos, lendas, mitos, adivinhações, provérbios, parlendas, cantos) e que se apresentam de modo diferente do falar cotidiano. Esse termo foi empregado pela primeira vez no século XIX, pelo francês Paul Sébillot, no livro Littérature Orale de la Haute-Bretagne, publicado em 1881.” (Glossário CEALE - termos de Alfabetização, Leitura e Escrita para educadores. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/>. Acesso em: 19 dez. 2018). 15 “Fala é atividade linguística que se realiza por meio de sons produzidos pelo aparelho fonador humano a fim de veicular significados. [...] A fala pode ser ainda definida em relação à escrita. Nessa perspectiva, ambas as formas são consideradas modalidades da língua, isto é, maneiras de atualização de um sistema linguístico por meio de substâncias ou materialidades diversas, sons (ou ainda gestos nas línguas de sinais) e letras, respectivamente.” (Glossário CEALE - termos de Alfabetização, Leitura e Escrita para educadores. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/>. Acesso em: 19 dez. 2018).
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linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 30)
Nesse sentido, é possível inferir o que Bauman (1975) defende se aplica também à
performance da atriz/intérprete do programete em questão. Para ele o modo de comunicação
verbal oral consiste em assumir uma responsabilidade para com o público ao exibir uma
competência comunicativa, atentando-se para a forma com que é feita, colocando em questão
a habilidade do performador ao exibir sua competência, e indo além do conteúdo. Manjate
ainda reserva significativa importância ao que ela chamou de “acto de expressão” do
intérprete (2014, p.151).
No entanto, para que o programete “Hora do Conto” se materializasse enquanto
narrativa audiovisual é preciso trazer a discussão para este domínio, a começar pelo estilo.
David Bordwell (2008) argumenta que o estudo do estilo é fundamental porque o que é
considerado conteúdo só nos afeta pelo uso das técnicas, a saber, a estética das lentes, a
duração dos planos, o corte, a montagem, a trilha sonora, dentre outros, sem os quais não seria
possível assimilar a história. “O estilo é a textura tangível do filme, a superfície perceptual
com a qual nos deparamos ao escutar e olhar: é a porta de entrada para penetrarmos e nos
movermos na trama, no tema, no sentimento, — e tudo mais que é importante para nós”
(2008, p. 58).
Em seus estudos Bordwell (2008) propõe algumas ferramentas para a análise
estilística e afirma que o estilo cumpre quatro funções principais: denotar, que se relaciona
aos elementos presentes na cena; expressar, que se refere aos estados emocionais produzidos,
por exemplo, por meio da iluminação, de alguns movimentos de câmera e trilha sonora;
simbolizar, que diz respeito à produção de significados abstratos e conceituais a partir do que
foi denotado; e decorar, que concerne ao uso do estilo pelo estilo. Seja qual for a função do
estilo, este “também pode produzir ganhos na recepção do espectador”, determinando sua
experiência com um filme em muitos níveis (2008, p. 61). Bordwell (2008) também trabalha
com o que chamou de disposições universais cognitivas e perceptuais, acenando que os estilos
cinematográficos foram se conformando às similaridades na maneira como vemos, escutamos
ou compreendemos as regularidades do mundo a fim de que pudessem afetar de alguma forma
os espectadores.
Essa visão é de certa forma oportuna para os estudos da estilística televisiva. Mas
Simone Rocha (2015) alerta que não é só adotar diretamente as técnicas do cinema e aplicá-
las à televisão, tendo em vista que há particularidades específicas do meio. Por exemplo, as
condições tradicionais oferecidas pelo dispositivo cinema ao espectador diferem das que o
dispositivo televisivo oferece ao seu espectador, o que implica na definição do grau de
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atenção dispensado às visualidades. Sendo assim, Rocha sugere que se leve em consideração
os aspectos materiais e imateriais do dispositivo televisivo, como as condições de produção e
recepção e as características técnicas e tecnológicas. Para exemplificar, recentemente vivemos
no Brasil a passagem do sistema de transmissão analógico para o digital, e é difícil não
considerar essa mudança como um fator influenciador do estilo televisivo.
Jeremy Butler avança nos estudos do estilo com foco na televisão. Para ele “todo
programa de TV possui estilo em sua composição e é importante conhecê-lo para que se faça
a apreensão adequada da peça televisiva” (apud SILVA; ROCHA, 2017, p.173). Butler ainda
defende outras quatro funções do estilo televisivo: “persuadir, chamar ou interpelar,
diferenciar e significar ‘ao vivo’”, destacando a função primordial de chamar e manter a
atenção do espectador (apud ROCHA, 2014, p.1092).
Sendo assim, a simplificação do estilo adotado pelo programete “Hora do Conto”, bem
como a performance da atriz/intérprete e a não utilização de imagens para ancorar o que está
sendo apresentado, como normalmente se usa na televisão, a fim de dar lugar à imaginação do
espectador, corroboram com seu objetivo de possibilitar o acesso do público surdo e cego à
literatura infantil e juvenil e de ser uma ferramenta para o aprendizado em Libras, com o
intuito de auxiliar na formação dos espectadores e na promoção da inclusão.
Para João Luiz Vieira a noção de performance “traduz uma maneira especial de se dar
vida, expressão a conceitos e formas, geralmente tendo o próprio corpo como suporte material
e essencial da expressão” (1996, p. 338). Ainda complementa dizendo que a performance se
identifica com o corpo em uma apresentação ao vivo e preferencialmente diante de uma
plateia. No entanto, ao defender a performance no cinema de gênero musical, afirma que a
noção de performance “se amplia para incluir, além do corpo natural, a própria câmera
cinematográfica” (VIEIRA, 1996, p. 339). E que o musical trabalha com a ilusão de uma
performance ao vivo ao passar a sensação de que está sempre falando direto ao espectador.
O programete “Hora do Conto”, ao apresentar contos e fábulas por meio da narração e
essencialmente da performance da atriz/intérprete, que olha diretamente para a câmera, revela
as aproximações que o programete tem com o teatro. Não só nas questões relacionadas à
lembrança da caixa cênica teatral trazida pelo que Bordwell (2008) chama de mise-en-scène16,
mas também ao ponto-de-vista de um imaginário espectador que senta em um ponto
específico do teatro a observar os contos e fábulas, sensação gerada pelo enquadramento
único escolhido.
Enquanto o cinema guarda uma relação de ícone com o objeto, por analogia e
similaridade, e a literatura guarda uma relação imaginária com o objeto (COHEN, 2002), a 16 Para Bordwell o essencial sentido técnico do termo mise-en-scène denota “cenário, iluminação, figurino, maquiagem e atuação dos atores dentro do quadro” (BORWELL, 2008, p. 36).
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“Hora do Conto” trabalha o hibridismo das linguagens do audiovisual, do teatro e da literatura
para atingir seu objetivo, enquanto conteúdo educativo e cultural, veiculado tanto na televisão
quanto na internet.
As pesquisas que resultam desse diálogo entre os saberes nos permitem apontar os
meios de comunicação como os maiores produtores de significados compartilhados que
jamais se viu na sociedade humana (BACCEGA, 2009, p. 243-244). Baccega ainda defende
que a educação não deve se restringir ao livro ou a sala de aula. Schechner, em concordância,
destaca que a educação precisa ser ativa, “envolver num todo mentecorpoemoção – tomá-los
como uma unidade”. E conclui que “os Estudos da Performance são conscientes dessa
dialética entre a ação e a reflexão” (SCHECHNER, 2010, p. 26).
3 METODOLOGIA: Levantamento Bibliográfico
A abordagem metodológica deste artigo é voltada para pesquisa bibliográfica vista
“como uma coleta e armazenagem de dados de entrada para a revisão (da literatura),
processando-se mediante levantamento das publicações existentes sobre o assunto ou
problema em estudo, seleção, leitura e fichamento das informações relevantes” (CALDAS,
1986, p.15), etapa esta definida por Maria Aparecida Caldas como preparatória para a revisão
de literatura.
Com o advento do meio eletrônico, o volume de informações e conteúdos
compartilhados aumentou muito, tornando cada vez mais complexa a tarefa de pesquisadores
na seleção de trabalhos dentre tantas publicações existentes (STUMPF, 2005). No entanto é
primordial que se conheça previamente o chamado estado da arte para o avanço efetivo da
ciência, evitando esforços repetitivos na solução de problemas já previamente solucionados. E
por isso Ida Regina Stumpf (2010) ressalta que é uma etapa necessária em qualquer trabalho
acadêmico e de pesquisa.
O levantamento de publicações existentes também corrobora para o alinhamento da
pesquisa em andamento, direcionando o pesquisador ao objetivo proposto. Assim, este artigo
apresenta o levantamento de publicações brasileiras que tratam sobre estilo, hibridismo e
performance em narrativas audiovisuais, bem como acessibilidade para os surdos nessas
narrativas. Por hibridismo a pesquisa entende ser a “conexão simultânea de diversas
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linguagens” (OLIVEIRA, 2017, p.68). Ainda foram pesquisadas publicações que tratam da
junção do teatro com a literatura, como um desdobramento do hibridismo.
Para tanto foram realizadas buscas em algumas das principais plataformas de
conteúdos acadêmicos do Brasil, incluindo uma plataforma regional do Centro-Oeste, o
Sistemas de Biblioteca UFG, nos dias 19 e 20 de abril de 2019, utilizando as palavras “estilo”,
“hibridismo”, “performance” e “libras” combinadas sempre com a palavra “audiovisual” para
evitar publicações de áreas que não são do interesse deste presente trabalho. Bem como
“teatro” e “literatura” também associadas ao “audiovisual”. Ainda foram realizadas buscas em
cada plataforma combinando “estilo”, “hibridismo”, “performance” e “audiovisual”. E por
fim, acrescentando “Libras” a estes conceitos tratados na pesquisa em andamento.
É importante destacar que foram realizadas buscas avançadas, utilizando filtros como
“palavras exatas” e “língua portuguesa”. Apesar disso, existe uma margem de erro, pois
algumas plataformas continuaram a apresentar conteúdos de outras nacionalidades, bem como
conteúdos repetidos, uma vez que uma mesma publicação pode aparecer em mais de uma
plataforma nacional.
4 RESULTADOS
A partir da pesquisa bibliográfica foram mapeados os estudos que estão sendo
realizados no Brasil sobre as narrativas audiovisuais que trabalham dentro do recorte proposto
por este artigo. Seguem os resultados encontrados:
Plataformas Acadêmicas e de Pesquisa
Estilo audiovisual
Hibridismo audiovisual
Performance audiovisual
Libras audiovisual
Teatro literatura
audiovisual
Estilo hibridismo
performance audiovisual
Estilo hibridismo
performance Libras
audiovisual Portal de Periódicos da CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br) 167* 16* 169* 18* 73* 2* 0
Plataforma Scielo – Periódicos (http://www.scielo.br) 0 0 0 0 0 0 0
Plataforma Scielo – Artigos (http://www.scielo.br) 3 2 13 4 0 0 0
Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br) 38.700 6.460 25.600 4.940 23.800** 1.790** 70**
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD (http://bdtd.ibict.br)
57 24 159 25 17 0 0
Sistemas de Biblioteca UFG (https://sophia.bc.ufg.br) 0 0 0 0 1 0 0
Sistema Integrado de Bibliotecas Universidade de São Paulo (http://www.buscaintegrada.usp.br)
83 9 92 10* 27* 3* 0
Total 39.010 6.511 26.033 4.997 23.918 1.795 70 *Aparecem conteúdos que não estão em português e nem todos os termos aparecem juntos em uma mesma publicação. **Aparecem conteúdos em que nem todos os termos aparecem juntos em uma mesma publicação.
Conforme os dados da tabela acima revelam, o número de publicações que trabalham
“estilo” e “audiovisual” é superior aos demais. No entanto, a palavra “estilo” possibilita uma
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série de usos que fogem ao proposto neste artigo. Como exemplo, é possível citar um artigo
cujo título é “Papa Bem: investir na literacia em saúde para a prevenção da obesidade
infantil”, que trata sobre a disseminação de materiais escritos e audiovisuais, bem como da
recepção destes materiais, como forma de prevenção da obesidade infantil a fim melhorar o
estilo de vida da criança. Como conclusão, esta busca pede refinamento e precisão do termo.
A segunda busca com maior quantidade de publicações encontradas, de acordo com a
tabela, é referente aos termos “performance” e “audiovisual”. Esta busca também pede
refinamento e precisão do termo, uma vez que o termo performance também pode assumir
variados significados e diferentes possibilidades de usos que diferem do tratado neste artigo.
Marvin Carlson (2009), na tentativa de definir performance, afirma que se tornou um termo
extremamente popular nos últimos anos, abrangendo uma grande quantidade de atividades
tanto nas artes, quanto na literatura e nas ciências sociais. E conclui que a performance, por
sua natureza, “resiste a definições, fronteiras e limites tão úteis à escrita acadêmica tradicional
e às estruturas acadêmicas” (CARLSON, 2009, p. 213).
A combinação “teatro”, “literatura” e “audiovisual”, foi a terceira busca em maior
quantidade de resultados encontrados, com o levantamento de 23.918 publicações. Destas,
foram analisadas as dez primeiras de cada plataforma de pesquisa e verificou-se que três no
Portal de Periódicos da CAPES, sete no Google Acadêmico, cinco na BDTD, uma no
Sistemas de Biblioteca UFG e três no Sistema Integrado de Bibliotecas Universidade de São
Paulo tratam das aproximações existentes entre essas linguagens. O artigo “Teatro, literatura e
audiovisual: linguagens em aproximação” é apresentado em três das plataformas visitadas,
uma vez que foi a única dentre as analisadas que traz no título os três termos utilizados na
busca.
A quarta busca com maior número de publicações foi a realizada com os termos
“hibridismo” e “audiovisual”. No entanto, é possível observar que o número de publicações
desta busca em relação à busca por “teatro”, “literatura” e “audiovisual” caiu de forma muito
acentuada. Dos dez primeiros artigos encontrados no Portal de Periódicos da CAPES e dos
dez primeiros artigos encontrados na plataforma Google Acadêmico, cinco e oito,
respectivamente, trazem o hibridismo de linguagens relacionado ao audiovisual. Em cada uma
destas plataformas, também dentre os dez primeiros artigos analisados, um faz referência ao
hibridismo racial. No Sistema Integrado de Bibliotecas Universidade de São Paulo, apenas
três conteúdos dos nove encontrados fazem referência a trabalhos que apresentam a conexão
entre hibridismo e audiovisual. E na plataforma Scielo - Artigos, os dois únicos artigos
encontrados tratam de produções audiovisuais híbridas.
Em seguida, conforme consta na tabela, verifica-se que a quinta busca com maior
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número são as publicações que trabalham com os termos “Libras” e “audiovisual”. Dos dez
primeiros resultados apresentados pelo Google Acadêmico, oito abordam de alguma forma o
audiovisual relacionado à acessibilidade aos surdos. Já no Sistema Integrado de Bibliotecas
Universidade de São Paulo, três dos dez analisados fazem alusão à moeda Libras Esterlinas
ou a medida de peso e apenas um trata da mesma abordagem apresentada neste artigo. Na
Plataforma Scielo - Artigos, dos quatro encontrados, dois unem os termos propostos
relacionados à acessibilidade. No Portal de Periódicos da CAPES foi possível identificar
apenas um e na BDTD sete, dos dez analisados, que articulam os termos no sentido proposto
pela pesquisa em andamento.
Na sexta busca com maior número aparecem as publicações que trabalham “estilo”,
“hibridismo” e “performance” em narrativas audiovisuais. Nas publicações encontradas no
Portal de Periódicos da CAPES, no Sistema Integrado de Bibliotecas Universidade de São
Paulo e no Google Acadêmico não constam todos os termos em uma mesma publicação. E
nas demais plataformas pesquisadas são inexistentes as publicações referentes aos assuntos
pesquisados. Embora apareçam 1.795 publicações no total, devido às restrições relacionadas
ao fato do sistema de busca apresentar publicações em que não aparecem todos os termos, é
possível verificar que apenas quatro das dez primeiras encontradas no Google Acadêmico se
valem do diálogo entre todos esses termos. No entanto, os conceitos dados aos termos
aparecem com diferentes significados e recortes diversos.
E, por fim, apenas no Google Acadêmico aparecem publicações quando são
relacionados todos os conceitos, totalizando setenta. Mas vale lembrar que o sistema de busca
indica publicações em que apenas alguns dos termos estão presentes e não todos ao mesmo
tempo. Em nenhuma das dez primeiras publicações encontradas encontram-se todos os termos
articulados em uma única publicação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o intuito de conhecer o estado da arte relacionado à pesquisa em andamento, este
artigo procurou identificar as publicações brasileiras que tratam sobre estilo, hibridismo,
performance e acessibilidade em narrativas audiovisuais. Foi possível constatar então, a partir
da coleta de dados realizada pela pesquisa bibliográfica, que os expressivos números
encontrados quando se buscou os termos “estilo”, “performance” e “teatro e literatura”,
relacionados ao “audiovisual”, caíram vertiginosamente ao buscar “hibridismo” e
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acessibilidade por meio da “Libras” também relacionados ao “audiovisual” e mais ainda
quando se buscou publicações que uniam todos os conceitos.
Apreende-se então que o grande número de publicações encontradas na busca dos
termos “estilo”, “performance” e “teatro e literatura”, relacionados ao “audiovisual” se deve
ao fato de se tratarem de termos imprecisos, muito amplos em seus significados, com grandes
possibilidades de usos em diversas áreas do conhecimento que não convergem para o recorte
da pesquisa em andamento, apesar da tentativa de se evitar isso os relacionando ao termo
“audiovisual”. É possível concluir então que é necessário um refinamento nos termos de
busca para que se encontrem publicações que de fato abordem o mesmo assunto.
No geral, são poucas as publicações que se dedicam ao estudo de narrativas
audiovisuais que trabalham com o recorte proposto por este artigo e, sendo assim, identifica-
se que este ainda é um vasto campo a ser explorado por pesquisadores brasileiros. Dessa
forma, o mapeamento realizado dos estudos que estão sendo desenvolvidos no Brasil é
importante na contribuição para o surgimento de novas pesquisas que trabalhem com
experimentações audiovisuais dentro do mote proposto.
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