Antnio Manuel Hespanha_Cultura Jurdica cap I

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1 A IDSTORIA DO DIREITO NA FORMA<;AO DOS JURISTAS , Muito se tern escrito sobre a importancia da hist6ria do direito na fonna!iao dos juris as. Queela serve para a nterpretacao do direito actual; que permite a identificaeao de valores jurfdicos que duram no tempo (ou, talvez mesmo, valores juridicos de sempre, naturals); que desenvolve a sensibilidade ju rid ic a; que alarga os horizontes culturais dos juristas, Para alem disso, vida de todos os dias ensina-nos que os exemplos hist6ricos dao urn certo brilho a argumentacao d os juristas e, nesse sentido, podem aumentar 0 seu poder de persuasao, nomea- damente perante w n a a ud ie nc ia forense ... Frequentemente, toda esta discussao acerca do interesse pedag6gico da hist6ria jurfdica limita-se a simples afirmacao de que ela e,para os futuros juristas, uma disciplina format va. Mas raramente se diz exactamente p o rq u e, A opiniao adoptada neste curso e a de que a hist6ria do direito e, d e facto, u rn saber formativo; m as de uma maneira que e diferente daquela em que 0 sao a maioria das disciplinas dogmaticas que constituem os cursos jurfdicos, Enquanto que as tiltimas visam criar certezas acerca do direito vigente, a 'missao da hist6ria do direito e antes a de problematizar 0 pressuposto implicito e acrftico das disciplinas dogrruiticas, ou seja, 0 de que 0 direito dos nossos d ia s e o racional, 0 necessaria, 0 definitivo. Ahist6ria do direito realiza esta missao sublinhando que 0 direito existe sempre «em sociedade» (situado, Iocalizado) e que, seja qual for 0 m o de lo u sa do para descrever as suas re~ com os contextos sociais (simb6lcos, politicos, econ6micos, etc.), as solucoes jurfdicas sao sempre contingentes em relayao a urn dado envolvimento (au ambiente). Sao, neste sentido, sempre locals. Estajim9QO critica pode ser seguramente assumida por outras disciplinas, no ambito da formacao dos juristas. A sociologia ou a antropo ogia jurfdica ou certa teoria do direito (rnesmo a semi6tica ou a informatica jurfdicas) podem, seguramente, desempenha-la, No entanto, 0 conservadorismo da maior parte da s Faculdades de Direito oferece uma resistencia muito sensivel- que tambem

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A ID STOR IA DO DIREITON A FO RM A<;A O D OS JU RIST AS

,

Mui to se t er n e sc ri to sobre a impo rt an c ia da hist6r ia do d ire ito n a fo nn a!iao

dos ju rista s. Q ueela serve para a in terp re tacao do d ire ito ac tua l; que perm ite a

ident i ficaeao de va lo res ju rfdico s qu e d ura m n o tem po (o u, ta lvez m esm o , valo res

ju rid ic os d e se m pre , n atu ra ls); q ue d esen vo lv e a se nsib ilid ad e ju rid ic a; q ue a la rg a

os ho rizo ntes cu ltu ra is dos jur is tas , Para a lem disso , a vida de todo s os dia s

ensina -no s qu e os exem plos hist6 rico s dao u rn certo brilho a argu men tac ao d os

ju rista s e, nesse sen tido , p odem aum en ta r 0 seu poder de persuasao , nom ea-

d am e nte p er an te wna a ud ie nc ia fo re nse ...

F requentemente , toda esta d iscussao acerca do in teresse pedag6gico da

h is t6 ria ju rfd ic a lim ita -s e a s im p le s a fir m ac ao de q ue e la e , p ara o s fu tu ro s ju rista s,u ma disc ip lin a fo rm ativa . M as raram en te se d iz exactam en te po rqu e,

A op in ia o a do pta da n este c urso e a de que a h ist6ria do direito e , de facto, u rnsaber fo rm ativo ; m as de um a m aneira que e diferen te daquela em que 0 sao a

m aio ria da s disc ip lin as do gm atica s qu e c on stitu em o s c urso s ju rfdic os,

Enqu an to que as tiltim as visam c ri ar c e rt eza s acerca do dire ito v igen te , a

'm issao da hist6 ria do d ire ito e an tes a de problemat izar 0p res supo st o imp li ci to

e acrftico das d is ci pl in a s d og rrui ti ca s, o u se ja , 0de que 0d ireito do s n osso s d ia s

e o racional, 0 necessaria, 0 definit ivo. Ah ist6ria do d ire ito rea liza esta m issao

su blin ha nd o q ue 0d ire ito existe sem pre «em so ciedade» (situ ado , Iocalizado ) e

q ue , seja q ua l fo r 0m o de lo u sa do para descrever as su as re~ com os con texto s

s oc ia is ( si m b6 lic o s, p o lit ic o s, e co n 6m i c os , etc.), a s so lu co es ju rfd ic as sa o sem p re

con tingen tes em relayao a u rn dado envo lv im en to (au ambiente) . Sa o, n este

s en tid o , s em p r e locals.

Estaj im9QO critica po de ser segu ram en te assum ida po r o utras d isc ip lin a s,

n o am bito da fo rm acao dos ju r istas. A soc io lo gia o u a an trop o logia ju rfdica o u

cer ta teo ria do dire ito (rnesm o a sem i6tic a ou a in fo rm atic a ju rfdica s) podem ,

seg ura men te , d esem pen ha-la , N o en ta nto , 0 con servado rism o da m aio r pa rte

d a s Facu ldades de Dire ito o ferece um a resisten cia m uito sensivel- que tam bem

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16 !•

"

p ode ser exp licad a so cio lo gica men te (cf. B ou rdieu , 1986) - a in c lu sa o d es ta s

disciplinas, um a vez queelas por i am em risc o essa n atu re za implic i tamente

apo logetica que os estudos ju ridico s a in da t8m . AM m de que - no dizer do s

juristas m a is c on ven cio na is - d isso lv eria m 0estudo d as normas, de qu e 0jurista

se deveria exclu siva men te o cu pa r, n o e stu do d e fa cto s s oc ia is , q u e c o ns tit ui 0

tec ido dos saberes socia is em pfrico s, co mo a socio logia e a an tropo log ia . U ma

vez que a id e ia de r igorosa~>eparar ;i ioTrennungsdenken ) e ntr e o s fa cto s (Sein)

e a s n orm as (Sollen), p ro vin da d a teo ria ju rid ic a d o sec ulo p assa do (d . 8.3.3.1.),

c on tin ua a fo rm a r 0micleo da i deo log ia espontanea d os ju rista s (B o ur die u, 1 98 6),

esta in t romissao d e c on he cim e nto s oc ia l empfr ico n o m un do do s valo res jurfdicos

e a in d a la rg am en te i na c eit av el,

Po r tudo isto

equ e, de urn p on to de vista tact ico, a hist6ria do direito , qu e

c on stitu i u m a d isc ip lin a tra dic io na l n os c urrfc ulo s ju rfd ic os, p od e p reen ch er-

ta lvez com algu mas vantagens adic io nais - 0 papel que aquelas disciplinas

i nd e se ja d as i ri am desempenhar .

Na tu ra lm en te que, pa ra desem penhar este pap el, a h ist6ria do direito nao

pode ser feita d e q ua lq ue r m a ne ira . P ois, sem qu e se a fin e adequ ada men te a su a

rn eto do lo gia , a histo ria ju rid ica p ode su sten ta r - e tern su sten ta do - diferen tes

discursos sobre 0 direito, I ,

de legi t i~o-Ide argum en to s de

A bist6ria do (

p erfo do da historii

R eg im e , p re va le c

era a ntigo era borr

esta be lec id o e Io n

( «p rescri to s» ), a

commun is doc ton

(styli curiae, «es

firmatum), os dn

habitu a l dos con

«argumento histc

soluVOes jurfdicas

p od ia se r c omp ro i

e , lo g o, le gf ti m as

o m esm o se d ig

adqui r idos , qualii

Os pr imei ros estu

o rig in e iu ris gen

6 .3 .2 ) ( cf . F as old

do gm atic as, c om e

anterior e, logo, s

a de estabelecerd ir e it o s p a r ti cu la

U rn uso da 1

p o demo s e nc o nt r

Nomeadamen t e ,

constitu lcao - c

do s e c . XIX2 a id (

o nucleo da

seculo XIX (cf. 8 . :

su rge d o p r6p ric

c ultu ra is e ju rid i

1 .1 . A hist6ria do direlto c omo d is cu r so le gi timado r

Realmente , a histo ria do direito p ode desem pen har u rn p ap el o po sto a qu ele

q ue se descreveu , o u seja , p ode co ntrib uir p ara Jegitim ar 0 d i re i to es tabe lec ido .

o dire ito , em si m esm o, eja u rn sistem a de legitim ac ao , i .e . , u rn sistem a qu e

fom en ta a obediencia d aq ue le s c uja lib er da de vai ser lim itada p elas n orm as. N a

v erd ad e.o d ireito fa z p arte de u rn v asto Ieq ue d e rn ec an ism o s v ota do s a c on stru ir

o c on sen so ac erea da d is ci pli na s oc ia l.

POJ-em,0 pr6pr io direitd n ec ess ita d e s er l eg i iimado, ou seja , necessita de

qu e se co nstru a u rn c on sen so so cia l so bre 0 fu nd am e nto d a s ua o br ig ato rie da de ,

sobre a necessidade de se !the obedecer. Com o se sabe desde M ax Weber

(1864-1920), a legitim aeao d os p oderes p olitic os - o u seja , a resp osta a pergunta«po r que e qu e 0 pode r e Ieg ftim o?» - pode ser obtida a pa rtir de var ies

co rnp lexos de eren cas (eestru tu ras de legitim a9aQ )), o rgan izadas em tom o de

v alo res c om o a tra dic ao , 0ca rism a, a rac iona lizacao (W eber, 1956) - ou seja ,

« po rq ue e sta e sta be le cid o h ~'m u ito », « po rq ue e in sp ira do p or De us» , « po rq ue erac iona l ou efic ien te» , N o am bito do m un do ju rfdico , a lguns destes p rocessos

IOutros sistem

tradi~o (os «bons v

o co ntra to (a «p alav

2 Po r e xem p lo ,

lo s p ar a a c on stitu ic

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s

a

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,de leg itim acao - n om eadam en te, a leg itim acao « tradic iona l» - dep endem m uito

de a rgum en to s de ca rac ter h isto r ico ' .

A histo ria do dire ito desem penhou este p apellegitim ado r du ran te u rn lon go

per iodo da h is t6 r ia j u rf di ca eu rope ia , com o se podera ver ne st e l iv ro . No An tig o

Regim e, p reva lec ia u ma m atriz cu ltu ra l tradic ion alista , segundo ~-qua l «0 que

e ra a ntig o e ra b orn ». N este c on te xto , 0d ir eit o ju st o e ra id en ti fic a do c om 0direi to

estabelec ido e longam en te p ra tic ado - com o 0e ra m o s c ostu m es e sta be le cid os

(< <p re sc rito s» ), a opiniao comummente a ce i te pelos especialistas (opinio

commun i s doc t or um , o pin ia o c om u m d os d ou to res), a s p ra tic as ju dic ia is ro tin ad as( st yl i c u ri ae , «estilo s do tribunal»), 0 direito recebido (u su re ce ptu m , u su

jirmatum), os direitos adqui r idos (<<iura radicata», enraizados), 0 conteudo

hab itu al do s co ntra to s ( n a tu r a c on tr a ct us ). Entao, a hist6ria do direito (0

«argum en to histo rico») desem penhava u rn papel dec isivo de leg itim acao das

so lu co es ju rfd ic as, p ois e ra p or m eio da h ist6 ria q ue essa d ura bilid ad e d as n on na s

p od ia se c c o m pro va da . M a s p en nitia a in da a id en tific ac ao das n o n na s tr ad ic io n ai s

e , l og o , legitimas, pa is era a hist6ria que p enn itia detenn inar a sua antiguidade,

o m esm o se diga em relacao aos direito s que se deviam considerar c omo

a dqu irido s, qu alida de qu e s6 0 tem po - e, logo , a histo ria - podia cert i ficar.

Os p rim eiro s estu dos de hist6ria do d ire ito - com o os de Herm ann Con rin g, De

o rig in e iu ri s g erman ic i [sobre a o rigem do d ire ito a lem ao ], 1643 ( v. , a d ia n te ,

6 .3 . 2) (cf, Fasold, 1987 ) - t in ha m c la ra m en te c om o o bjec tiv o re so lv er questoes

dogmat icas , com o a de d eten nin ar se c erta s n orm a s jurfdicas t inham t ido ap l icacao

a nterio r e, lo go , se esta va m v ig en tes n o p re sen te, a d e in terp reta r 0s eu c o nte u do ,

a de estabelecer hierarqu ia s en tre ela s, a de determ in ar a ex istencia de certo s

direito s p articu la res, etc . :

U rn usa ci a hist6ria deste tipo fo i co rren te are ao sec . XIX. Mesmo hoje,

p odem os en co ntra r p ro po sta s sem elha ntes so bre 0i nte re ss e d a h i~ t6 ri a ju ri dic a ,

N om eadam en te , quando se diz qu e ela pode a juda r a defin ir q : conteiido da

con st it u ic a o - com o pretendeu um a boa par te do const i tucional i smo do s infcios

d o se c. XIX2 a iden tidad e (o u 0 «esp frito ») ju rfd ica o u p olftic a de u ma o 8.'fao .

o nucleo da filosofia jurfdica da Esco la H ist6ric a Alem a.; no infcio do

seculo XIX (cf 8.3 .2.), era p rec isam en te co nstitu fdo p or esta ideia de qu e 0 direi tosu rg e d o p ro prio e sp frito da Na¥ao (Volksgeist) , dep ositado nas suas t r ad i~oes

cu ltu ra is e ju rid ica s, Po r isso, a hist6ria ju rfdic a devia desem pen har u rn pap el

IO utr os s is te m as d e le gitim a ¢o da o rd em sa o: a re lig ijo (0 que Deu s [o s deu ses] qu is), a

tr ad i'ta o (o s « bo ns v elh os te m po s» ), a n atu re za (0 qu e tern q ue ser), a ro tin a (0 q ue sem pre se fa z),

o c on tr ato (a « pa la vr a dada»).

2 Po r exem plo , em Po rtu ga l, o s p rim eiro s co nstitu cio na listas bu sca ram n a h isto ria o s m ode-

lo s p ara a c on stitu ic ao a fa zer (o u a resta ura r, a « regen era r»); d. H es pa nh a, 1 98 2a .

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do gm atico fu nda men ta l, ta nto ao revelar 0d ireito trad ic io na l, c om o a o p ro teger

o d ireito con tem po raneo con tra as i novacoes ( nom e ad am e n te , le gi sla ti va s)

arbitrarias (santinaturais», «an tin ac io nais»), N os an os '30 e '40 deste seculo,

estes top icos vo lta ra rn a ser rec up era do s p elo p en sa men to jurfdico conservador,

ao rea gir c on tra o s p rin cip io s libera is em n om e de valo res n acio na is im o rredo iro s

ou de co nceito s tam bem nac iona is de ju stica e de b em -esta r (c f. infra, 8.6.1.).

N os n osso s elia s, COnl 0 imp ac to da ideia de «p rogresso», a tradi ' tao deixou

de ser a p rin cip al estru tu ra de leg itim acao e, p or isso , a h is t6 ria do direito perdeu

uma b oa p arte do s seu s c ted ito s co mo o nicu lo do esp ir ito n ac io na l. P elo m en os

no Ociden te , po is no Orien te - desde 0 Irao a t e Sin gap ura ou a China - a

busca de u rna teo ria do direi to lib er ta d e c ate go ria s o cid en ta is, c ultu ra 1m en teestran has, ten de a atr ibuir a hist6ria u rn im po rtan te p ap el na revelacao daquilo

qu e seco nsidera esp ecific am en te n acio nal.

Encarar a hist6r ia com o um a via para a revelacao d o « es p ir it o n ac io na l» -

se ta l co isa de fac to existisse' - levan tar ia p roblem as m etodo16g icos m uito

series. N a verdade, a co nsc ien cia m eto do 16gica esta ho je bern co nscien te de qu e

a h i st 6 ri a , ma i s d o q ue d esc re ver , eria (cf., infra, 1 .2 .3 .) . O u s ej a, a q ui lo qu e 0

h isto riado r ere encon trar com o «a lm a de u rn povo», na verdade e ele - com as

suas cren cas e p recon ceito s - que 0 Iii poe , A p rova a partir da hist6r ia -

sobretudo , a p rova hist6ric a de en tidades tao evan escen tes com o 0 espfrito

n ac iona l ou a c u lt u ra j ur id i co - p ol ft ic a nac iona l - eonstitu i um a construcao

in te lec tu al qu e, p ortan to , d iz mais s ob re o s h is to ri ad o re s seus autore s do qu e

so bre as crencas e as cu ltu ras do passado que se supoe esta re m a ser d esc rita s.De qu alquer m odo , d argum en to hist6r ico nao abandonou to ta lm en te as

ter re no s d o r ac io cfn io ju rfd ic o, ja qu e ele p ode ser in serido n ou tras estra tegia s

discursivas dos j u ri st a s.

Pa r u rn lado , a histo ria tern p odido ser u sada p ara p ro var qu e certa ca tego ria

do discu rso ju rfdico - v,g. , «Estado» , «direito publico e p rivado», «p essoa

ju rfd ica» - ou um a so lucao ju rfdica - v.g., a p ro teccao lega l do feto ou 0

p rinc ip io de qu e os con tra to s devem ser cum pridos p on te p ar pon to - p ertencem

a «n atu reza d as co isas» o uld ec orrem de ca tego rias etem as da ju stica o u da razaoI

jurfdica, Aqui , a h is t6 ri a pode servi r p ar a m o stra r que, p ar ex em p lo , at e ja os

ju rista s rom anos au as grandes do uto res m edievais teriam e st ad o c o ns ci en te s

desta s catego ria s e lhes teriam dado u ma certa fo rm ulacao ,

N um a p ersp ectiva ja u rn tan to diferente - e com um a diferen te genealogia

ideo logica - a hist6ria p oderia dem onstrar , pelo m eno s, que se fo ram firm ando

lS ob re a dificil sustentabilidade da ideia de «esp ir i to nacional» perante 0ev iden te p lu ra l ismo

de v al or es d as s oc ie da de s, n om ea dam en te d as de h oj e, v . in f ra. 8.6.4.4.

,.

co nsen so s sa bre

deveriam ser res

referiam quando

an t igos , cont inua

c iv ium c on v en ti o

no rma , A his tor i i

p re se nt es p ar ti ci p

ja acumulada p e

p le bi sc ita v er ifi c

aba ixo , de eia pc

Com o se d e pp assa do s e p res et

razoes; o u seja , q

ser p rovado , n ao

Embor amu i t

do que gera lmen

se u valor facial

ba m uito tem po

fa m ili a, o b ri ~

c on stru co es ju ri.

s e a v an< ;a rm o s t

superffcie da Sill

s ignif icado se mo co rr en cia s h istl

au tex tua is , de c

ou local. Os c

e stru tu ra do s, r ei

( l inguagem con

em c o nju n tu ra s

ap aren te n a su p'

n a p ro fu nd id ac

co mp leto essa Inas palavras, m

Alguns exe t

use 0 mesrno S1 :

4 I.e., relacionh is t6 ri a d o d is cu rs

q u ia » ; « d emo c r ac i

«anarquia». OU cor

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:ger

las)

110,

Jor,

i ros

.).

);,ou

de u

nos

-a

!nte

uilo

c on sen so s so bre c erto s va lo res o u sa bre c erta s n on na s, e qu e esses c on sen so s

deveriam se r r es pe it ad os n o p re se nt e. Era a isto que os ju rista s rom an os se

r ef er iam q u an do d efi ni am 0 c ostu m e c om o «mores maiorum» (c os tum es d os

a ntig os , c on tin u am e nte r atific ad o p or um a es pec ie d e p le bi sc it o t ac it e (tacita

c i vium conven tio ) (D ig esto , I, 3 , 3 2-3 6) e lh e a tr ib ufa ro , por isso , u m va lo r de

norma , A h is t6 ri a s er ia , ass im, 0 f6ru m de u rn c on tin uo p lebisc ite, em qu e o s

presentes par t ic ipar iam, embora n um a p o si ~a o e nf ra qu ec id a p ela s om a de «votos»

ja acumulada pe los passados. De algu ma fo rm a, esta ideia de u n i c on tin u o

plebiscito verif icavel pe la h is t6 ri a s ubj az tarnbem a i de ia , a q ue n o s r ef er ir em o sa ba ix o , d e e la poder documentar 0espfrito de u rn p o vo .

C om o s e d ep re en de ra de s eg ui da , e st a i de ia de p le bi sc it o p re ss up o ri a q u e,

p as sa do s e p re se ntes , esta ria m a o be dec er a o q ue e sta e st ab ele ei do p ela s m e sm a s

razoes; ou s ej a, q ued a ri am 0mesm o s en ti d o a os seus «votos» . Se i st o nao puder

se r provado, n ao se p ode falar de «consenso». '

Em bo ra m u ito s c on ce ito s o u p rin cfp io s ju rfd ic os se jamm uito m ~ ~ m o dem o s

do que g er a lme n te se sup5e , e verdade qu e hio u tr os q u e p a re cem e ~i st ir , com 0

se u valorfacial (i.e., referido s c om a s mesmas p ala vra s o u c om o frases), desde

ba m u ito tem p o. Rea lm en te, c on ceito s c om o p esso a, liberda de, dem o cra cia ,

famflia, o br ig ~o , c o nt ra to , p ro p ri ed ad e, r ou b o, h om i cfd io , s a o conhe c id o s comoc o ns tr uc o es ju rf di ca s d es de o s i nf ci os da h is t6 ria d o d ir eito e ur op eu . C on tu do ,

se a va nc arm o s u rn pouco n a su a i nt er p re ta c ao , lo g o v er em o s que, p or ba ixo da

superffc ie d a su a con ti n u id ade terminologica , e xi st em r up tu ra s d ec is iv as n o sen

significado semlintico. 0 sig nific ado da m esm a p ala vra , n as su as diferen tes

o c or re nc ia s h is to ri ca s, e st a i nt im am e nt e li ga do a o s d if er en te s c o nt ex to s, s oc ia is

ou textua is , de c ad a o co rre nc ia . O u s eja , 0sentido e eminentemente relacionar

au local. Os conceito s in teragem em cam pos semanticos diferentemente

e st ru t u rad os , r ec e bem in fl tWf ic ia s e conotaeoes de ou tr o s n i ve is da l inguagem

(l inguagem cor ren te, l inguagem religiosa, e tc .) , s a o d if er en t eme n te ap rop r ia d o s

em con jun tu r a s socials o u em d eba tes i de olo gic os , P ar d etr as d a con ti n u id ade

aparente na s uper fi c ie d a s p a lav ra s esta escondida um a d es con t in u i dad e r adi ca l

n a p ro fu ndidade do sen tido . E esta desco ntin uidade sem an tica fru stra p or

comple to essa p reten sao de u ma v alid ad e in te m po ra l d os conceitos embebidos

n as p ala vra s, m esm o qu e esta s perm anecam , ~

Alguns exemplos d es ta f al sa con ti n u id ade . 0 c on ceito d e jamflia, embora

use 0mesm o s up o rte v oc ab ula r d esd e 0d ir ei to r omano ( jami l ia)J ab ra ng ia , n ao. l

!• L e., r el ac io n ad o c om 0 de o utro s o on ceito s p ro xim o s qu e o co rra m n um a c erta ep oc a d a

hist6ria do discurso (v,g., « lib er da de » c om « es cr av id ao », o u c om « de sp otis m o» , o u c om « an ar -

q uia »; « de m oc ra cia », o u c om « m on ar qu ia », o u c om « ar is to cr ac ia », o u c om « dita du ra », o u c om

«ana rqu i a», o u co ro« to t a li ta r ismo» ) .

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ap en as p aren te las m u ito m ais vasta s, m as ta mbem n ao p aren tes (c om o o s criado s

ou o s escravos [famulll) e a te o s hens da « ca sa »! .0 c on ceito d e o brig a~ ao c om o

« vin cu lo ju rfd ic o» a pa re ce c om 0d ir ei to r om a n o ; mas e ra e nt en di do n um s en ti do

mater ia lfs t i co , com o um a vinculacao do co rpo do devedo r a dfvida , 0 que

ex plic av a q ue , e m caso de nao cum prim en to , as con se que nc ia s c a ls sem sobre 0

co rpo do devedo r ou sobre a su a lib erdade (p risao po r dfv idas). 0 conce ito de

« lib erd ad e» c om e co u, n a Grec ia classica, p or d esi gn ar a n ao e sc ra vid ao , no

funbi to da comun idade dome s ti c a, d i st in gu in do o s fi lhos-famflia d o s e sc ra vo s;

m ais ta rde, n a Rom a republican a , design a a n ao dependenc ia de ou tro p rivado ,

n o am bito da com un idade polftica (n a po li s, r e sp u bl ica y; em se gu id a, c om 0

c ri st ia n ism o , d es ig n a a exc lus iva dependenc ia da feem De us , s en d o c omp at fv el ,

en ta o , com a dependenc ia tem po ra l, m esm o com a escravam ra ; s6 m uito m aista rde , in co rpo ra a ide ia de direito de au tode te rm in ac ao , de liberdade de agir

p oliticam en te; o u mesmo, a inda m a is ta rde , de rec eber do E stado a apoio

necessa r ia ( ec onom icoqcu lt u ra l, s a ni ta r io ) p ara exerc er, de fac to , essa vi r tua l

autode te rminaeao". A p a la vr a « Es ta do » (status) era u tilizada em re l~ao ao s

d ete nto re s d o p od er ( st at us r ei r oma n a e, s ta tu s r eg n i) ~m as n ao co ntin ha em si

a s c ara ct er fs tic as c on ce itu ais d o E st ad o (exelusivismo, s ob er an ia p le na , e xt en so s

privi legios «de imper io» re la t ivamen te aos par t icu la res [jur isdicao especial ,

irresp on sa bilid ad e c iv il, privi legio de e xe cu c ao p re vi al )? ta l com o nos 0

e nte nd em o s. A p ro pr ie da de ja fo i defm ida pe lo s rom ano s com o um a facu ldade

de «USaf e abu sa r da s co isa s» ; m as a p r6p ria ide ia de «abuse» le va c on sig o esta

ou tra de qu e existe u rn u so normal e devida das co isas, que se im poe ao

propr ie ta r io , 0q ue e xc lu i a p len a lib erd ad e de d is po si ~a o q ue c ar ac te riz ou , m a is

t ar de , a p r op ri ed ad e c ap ita li st a" .

Assim , essa a legada con tin u idade da s ca tego ria s ju rfd icas ac tu a is - que

p arec ia p oder se r dern on strada p ela b ist6 r ia - ac aba por nao se p o de r c om p ro v ar .

E , ca fda esta c on tin uida de, ca i tambem 0 p on to qu e ela p reten dia p ro va r, 0 do

carac ter n atu ra l d es sa s c at eg or ia s. A fm a 1, 0que se estava a levar a cabo era stao

c om um o pera ca o in telec tu al d e c on sid er ar c om o natural aquilo q ue n os efamil iar

( n at u ra li za e ao da cu l tu ra ) .

M as a hist6 ria ju rfd ic a pode ser in tegrada num a estra teg ia de leg itim acao

I igeiramente d iferen te . D e fac to , h a qu em ju lgu e ser possfvel u sa r a h ist6 ria p ara

p ro va r a lin ea rid ad e d o p ro gre sso (n este c aso , d o p ro gresso jurfdico).

, ct. He sp a nh a , 1 984b .

6 Ba rb e ri s. 1 9 99 .

1 l av er o , 1 98 2.

SCf. G ro ss i, 1 99 2.

P arta mo s de

conceba a histc

sabedoria, de se

fase ju ven il de

d esc ob erta s d e I

d:ireito, progres

nessa perspec t iv

a e lemen to legit

e 0 dire ito do s

aperfe icoemene

E s ta t eo ri a d

passado desde ~vista , e sem pre :

a ve ri fi c ar (cf. , Iou t tas virtualidt

evolucao que f

tecno16gicae de

oc iden ta is tende

europe ia , bern {

In d iv fd u o. D es t(

um a epope ia de

d is to m e sm o . M.se fecho u co m o

o equil ibria do;En f im , a hi

g lo ri fic ad o c om

tern in sp ira do a

d o d .i re it o baser

u niv ersa l. N es1

sociedades do

dem oc rac ia rep

ev olu ca o so cio j

econ6mic a s (J{l

Estasduas usacral iza~ do

certa fo rm a de ifica das a partir

Isto leva a um a 1

a s questoes sa o

d e h o je . Assim..

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1 ( l o s

)m o

ltido

qu e

feO

no

o

os

si

0

de

ao

e

o

Par tamos de u rn m odelo h ist6rico evo luc ion ista . Ou seja , de urn m odele qu e

conceba a hist6ria com o um a a cum ula ca o p rogressiva de conhec im en to , de

sa be do ria , d e se nsib ilid ad e. N esta p er sp ec tiv a, tambem 0direito teria tido a sua

fase juven il de rudeza . Contudo , 0 progresso d a s ab ed or ia hum ana ou as

d esc ob ertas de ge ra c oe s s u ce ss iv a s de grandes jur istas te ria m fe ito p ro gre dir 0

direito , progres s ivamen tepa ra 0 es tado em que ho je se encon tra; es tado que,

n e ss a pe r sp e c ti v a da hist6ria , r ep r es en ta ri a om a po ge u. N es ta h is t6 ri a progressive;

o e lem en to le gi ti m ad or e 0c on tr as te e nt re 0 d ir ei to h is t6 ri co , rude e impe r fe i to ,

e 0 direito dos nosso s dias , produ to de u rn im enso traba lho agrega tivo de

aperfeicoam en to , levado a cabo p or u ma cadeia de ju ristas memoraveis ,

Esta teo ria do progresso lin ea r resu lta frequ en tem en te de 0o bse rv ad or Ier 0

passado desde a perspectiva daqu ilo que acabou po r acon tecer. Deste pon to de

vista, e sem pre p ossfvel en co ntrar p rem in cio s e antec ipaeoes para 0qu e s e v ei o

a v erific ar (c f., in fra, 1.2.3.). M as nonn alm en te p erde-se de vista , tan to todas as

o u tr as v ir tu a li da d es de desenvo lv im en to , bern com o as perdas or iginadas pela

evolucao que se veio a verifica r. Por exemp lo , a perspec tiva de evolucao

tec no l6g ica e d e sen tido in divid ualista q ue m arc a as so ciedad es c on tem po ra neas

o cid en ta is te nd e a v alo riz ar a h is t6 ria d o p ro gre sso c ie ntific o-te cn ic o da cultura

europeia, bern c om o a s aq uisic oes polft ico-sociais n o sen tid o da liberta ca o do

i ndivfduo. Oeste po nto de vista , a evolucao d a cu ltu ra eu ro peia d eixa ler -se c om o

umaepope ia de progresso e a s u a h is t6 ri a pode c on ver te r-se n um a celebracao

d is to me smo . Mas 0que se perde e a n o <;:a od aq ui lo q ue , p ar c au sa deste progresso,

s e f ec hou com o op ortu nidade de evolucao ou que se p erd eu . C om o , p or exemplo ,

o equ ilfbrio do am bien te, os sen tim en tos de so lida riedade soc ia l. .

En fim , a hist6ria p rogressista p rom ove u rna sacralizaeao d o p re se nt e,

glo rificado com o m eta , com o 0unico horizonte possfvel da evolucao hum ana e

tern inspirado a cham ada «teo ria da m odern izacao», a qua l p ro po e um a polit ica

do direito baseada num pedrao de evolucao a rtific ia Im e rtte c on sid era do c om o

un iversal. N este p adrao , 0 m odelo de o rgan izacao polft ica e ju ridica das

so ciedades do Ociden te (direito legislative, codificacao, justica estadual,

d er no cr ac ia r ep re se nta tiv a, e tc .) e pro posto com o u m objec tive .un iversa l de

evo lu< ;: 8 .o so ciopo lf ti c a , p a r al el o a abertu ra do m ercado no p lan o :das po lfticas

econ6m icas (W ehler, 1975; Baum ann , 1993, 2001; cf., tam bem , in fra, 8.6.4.4.).

Estas duas t1l t imas e sn ateg ia s - a «natnralizadora» e a «p rog re ss is ta » - desacralizacao do direito ac tua l po r m eio da uti lizacao d a h is t6 ri a r ep ou sam numa

certa fo rm a de a con ta r. De facto , as m aterias h ist6ricas relevan tes sao iden ti-

ficadas a part i r do lequ e do s co nc eito s e p ro blem as ju rfdic os c on tem po ra neo s.

Isto lev a a u m a p ersp ectiv a defo rm ada do cam po hist6 rico , em que os objec tos e

as questo es sao recortado s a partir do m odo de ver e conceber 0direito nos.dias

d e h o je . Assim, 0presente e im posto ao p assado ; m as, para a lem d is so , 0passado

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e lido a par t i r ( e t o rn a do p r is io n ei ro ) das e at eg or ia s, p ro b lema ti ca s e a ng ri st ia s

d o p re se nt e, p erd en do a s ua p ro pria e sp essu ra e e sp ec ific id ad e, a su a m a ne ira d e

im agin ar a soc iedade, de arru mar o s tem as, de p& as qu esto es e de a s r e so lver .

Esta ig no rsn cia d a a uto nom ia d o p assa do le va , p elo m e no s, a p erp le xid ad es

bern conhecidas da invest igacao hist6rica: com o a grelha de i n t er rogacao das

fontes e a do s n osso s dias, e f re qu en te q ue e st as n a o po ss am r es p onder a s nossas

(anacr6nicas) questoes , P or e xem plo , p ara a qu ele s q ue n ao e st eja m e on sc ie nte s

de que um a boa parte da teo ria con st itu cio na l do A ntigo Regim e tern qu e ser

b usc ada n a teo ria & 1 . just ica e da ju ris dic ao , a s fontes ju r idi cas d ou trin ais d as

ep oc as m ed iev al e m o dem a p od em p arec er m u da s so bre a p ro blem a tic a do poder

p olitic o su prem o . O fm esm o se d ig a d a teo ria da a dm in istra ca o, q ue n so pode ra

~r ~~con~da ness~. fon tes do~trin~s: a ~~ ser que s e p~cure ou na teo ria doju d ic ium t i. e. , n a teo na d a o rg am za ca o ju dic ia l) o u n a teo na (m o ra l) do g ov ern o

domest i co toeconamia) (cf., v.g.,Ca rd im , 2 000) . E ta m bem n a tra ta dfst ic a m o ra l

s ob re a s v irt ud es (c om o a beneficentia, a gratitudo au a misericordia) q u e p o dem

ser en co ntra do s o s fu nd am en to s d a teo ria das o brig ac oes, da u su ra o u, m esm o ,

do direi to bancar io (cf., v.g., Clavero, 1991).

C on tu do , a vin cu la ca o do p assa do a o im a gin ario c on tem p ora neo p ode lev ar

a c on seq uen cia s a in da m a is seria s, P ossivelm en te, a u m a to ta l in co m preen sa o

d o d ire ito h ist6 ri co , se m pre q ue a su a p r6 pri a logi ca f or s ub ve rt id a p el o o lha r do

h is to ri ad o r. P o r e xemp lo , isto a co n te ce q u an d o se leem a s cartas regias q ue, n a

Idade M edia , pro tegiam a i nvio labi l idade do domicf l i o (enquanto expressao

terr ito ria l do p oder do mestico ) co mo an tec ipaco es das mo dem a s g ara ntias

const i t uc ionai s de p ro te cc a o d a pr iv a ei da de individual. Na verdade, 0que entao

estava em jogo era a au to no mia da esfera do mest ica fren te a e sf er a p o li ti ca da

respublica, n o ilrn bi to d e um a c on st itu ic ao p olit ic a p lu ra li sta , e rn q ue o s p od ere s

perifericos c om p etia m c om 0 p od er c en tra l. B ern p e lo c o nt ra ri o, n ad a e sta va

mai s fo ra d e c au sa do qu e a id eia d e p ro te ge r d ir ei to s individuais, o s qu a is e ra rn

e n ta o c om p le tam e nt e sacrificados n o p ro prio seio da o rdem do mestica , Du tra

i lust racao do m esm o erro seria um a lei tura «representat ive» (n o se nti do d e h oje )

d as a nt ig as i ns t i t u i coes par lamentares (a s « co rte s» i be ric as o u o s p arla m en to s

franceses de Antigo Regim e); em bora se tra tasse de assembleias que

«rep resen tava m» a feino , a ideia de representacao que aqu i dom ina e , nao a

ac tualm en te co rren te na linguagem po li tica , m as antes a co rren te hoje na

Iin gu ag em d o te atro - o s a e to r es t017U1Jn v i si ve i s (apresen tam pub l icamen te ) asp erso nagen s, m as nan sao seu s delegado s, seu s m an data ries, n ao exp rim em a

s ua v o nt ad e; d o .me smo mod o, o s p ar lame nt os visualizam 0co rpo po l it i co imistico

e, p or isso , de o utro m o do invisfvel) d o r ei no . T amb em 0v in c ar a s is tema ti za ea o

c o nt emp o ri ln ea d o d ir ei to c iv il ( pa rt e g er al, o b ri ga co es , d ir ei to s r ea is , d ir ei to da

familia, direi to das s uc es so es ) n a d es cr ic ao d o d ir ei to a n ti go imp oe a e st e r ela co es

sistematicas

liam c omo Sf

o d ir ei to hoj

«publ ico», p

t i nha ,emge

ao Estado (I .

jurisdicao O J

umdi re i to p r

cujas relR90

p la no a in da

ac tu ais fro i

procurando,Deve an

eoncei tos e

s ec ul o p as s,

ja que 0 hi

(pre-compn

do min io da

( pr es en t m iJ

nosdigama

aponta a im

subjaz tamt

S6 qu e, do

conhec imer

r ef er id as n o

que se obte

histor iador

ventrfloquc

empres tand

Um a uh

caminho di

d ir ei to , r na "

ju ris ta s a ca

Na vert

faculdadesembor a CO l

9 cr. Gr cdagmat ica 00

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das

se r

as

do

do

a

m

e

a

s

o

o

a

23

sistem a tic as q ue n ao era m en ta o p erc ep tfv eis: v.g., a s m ater ia s de fam ilia nao se

lia m c om o sep ara da s d as m ateria s su cesso ria s, N om p la no ainda ma i s f u ndamen ta l .

o d ir eito h oje d ito « civ il» n iio se d istin gu ia fu nd am en ta lm en te d o d ire ito h oje d ito

«p ublico », po rque - n os sistem as ju rfd ico s de An tigo Regim e - op rfnc ipe nao

tin ha , em g era l, a s p rerro gativas ju rfd ic as esp ecia is qu e d ep ois fo ra m a tribu id as

ao Estado (nom eadam en te, p odendo ser cham ado po r urn par t i cu lar perante a

ju risd i~ ao o rd in aria , n ao p od ia , em g er al, i m p or u n il ate ra Im e n te 0sacriffcio de

u m dire ito p artic ula r); em so m a, era, p a ra a g en e ra lid a de dos efei tos, urn par t i cu lar ,

cu jas relacoes com o s s ub di to s eram reg idas p elo d ire ito com um (c ivil). N um

p la no a in da su perio r, seria eo mp letam en te ab su rd o p ro jec ta r so bre p passado as

ac tua is fro n teira s disc ip lin ares en tre dire ito , m ora l, teologia.e fi losofia,

p ro cu ran do , p or ex em p lo , iso lar 0d ir ei to d o s r es ta n te s c om p le xo s- no rm a t iv o s.

Deve ano ta r-se qu e a q ue sta o d a su bm iss ao d a n arra tiv a do bi~ 'to ria do r a os

concei tos e representacoes d o p rese nte tern side m uito discutida desde 0

s ecu lo pa ss ado , Ha qu em , co m razao, (i) c on sid er e q ue e sta s itu a~ ao e inevitavel,ja qu e 0 histo riado r n un ca se consegue lib er ta r da s im ag en s, p reco nc eito s

(pre-compreensoes) d o p re se nte . E ba t ambem quem - nom eadam en te no

dom in io da hist6ria do direito - (ii) con sidere que esta le itu ra «actual izan te»

( pr es en t m in d a pp ro ac h) da hist6ria e a condicao pa ra que o s f ac to s h is to ric o s

n os d ig am a lg o, seja m in te lig fv eis, p erm ita m tirar li ~O es 9. A p r im e ir a p o si~ a o (i)

apon ta a im po ssib ilidade rad ica l de u rn con hecim en to histo rico ob jec tive , qu e

su bja z ta mbem , de fo rm a m uito sen sivel, a esta n ossa in tro du ca o m eto do lo glc a.

S6 que, do n osso pon to de vista, isto e um a lim i ta c ao e n a n u rna van tagem doc on he cim e n to h is t6 ric o.A se gu n da q ue stiio (ii) , porem, s u sc it a to d as as ob jeccoes

r ef er id as n o te xto . Q u e p od em se r re su m id as n esta : 0a le ga d o « d ia lo g o h is t6 ric o »

que se o btem p ar um a p er sp ec tiv a a ctu alis ta e , de fa cto , u rn m o nq ~o go entre 0

h isto ria do r e uns s u je it os bis t6 ric o s d es pr o vi do s de au to nom ia , un s bon ecos de

ven trflo qu o em que ele tran sfo rm a o sac to res do passado , dando -lhes voz,

e m pre sta nd o-lh e p ala vra s e im p on do -lh e p en sa m en to s.

Um a ul t ima estrategia leg itim ado ra n os uso s da h ist6r ia do dir~ to segue u rn

c am in h o d if er en te . 0 que nesta esta em jogo ja nao e a legitim ayao d irec ta do

dire ito , m as a da corporacao do s ju rista s qu e 0 supor tam, nom e~en te dos

juristas academicos , i~Na verdade, os ju r is ta s tern um a intervencao dian a na ad ju dica~ao so cia l de

fa cu ld ad es o u d e b en s. Isto c on fe re-Ih es u m a p ap el c en tra l n a p oU tie a q uo tid ia na ,

embora com 0 i nerente preco de um a exposicao pe rmanen t e a c rit ic a s oc ia l.

9 C f. G ro ss i, 1 99 8, 2 74 , r efe rin do -se a um a o br a c la ss ic a de Emil io Bett i . D ir itto r om a no e

dogma ii c a od i ema , 1 92 7, h oj e p u bli ca da em Bett i . 1991.

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1 .2 . A h is t6 ria c rit ica d o d ir eit o

(feedback).

meramen te

(v.g., transf

causa l idade

Os h is to r ia d

historiograf

m odelam a

s ua a ct iv id a

deste proces

Esta estr

hist6rica», !

como um ge

organizacao

seus resultae

que a c la ssi

q ue e le re pc

m ais num a .

arte» conver

esta propos t

do m esm o r

discu rsivas -

no nosso c asAsegunc

em s oc ie da d

Esta l inh

da E cole d es .

do direito in t

li te ra ri as , e st

d ir ei to f un c f

E ste p ro j

especif icidac

sen e de lin hs

Uma estrategia de defesa deste grupo e a d e d esd ra m atiza r (eeufemizar»,

Bou rd ieu , 1986) a n a tu reza po lftica de cada dec isao ju rid ica e, p o r isso , 0 se u

carac ter « po lit ic o» (< <a rb itr an o» , n o s en tid od e q ue d ep en de de escolhas de quem

d ec ide e n iio de leis o u princfpios impera t ivos) . Ora , uma fo rma de «despolitizar»

( ed es po te nc ia r» , « eu fem iz ar ») a i nt er ve nc ii o d os j ur is ta s e apresen ta r 0veredicto

ju rid ico com o um a op<;Ao pu ram en te tecn ica ou c ien tifica , d istan c iada do s

c o nf li to s s oc ia is s ub ja ce nt es .

E st a o p er ac ao 4 e n eu tra liza ca o p olitic a d a de cisa o ju rfd ic a to rn ar-se-a m a is

fac il se se con stru ir um a im agem dos ju ristas com o academ ico s d istan tes e

n eu tra is , c uja s p ~u PC L¥ Oes sa o m era m en te te6 ric as, a bstra cta s e eru dita s. U m a

hist6ria ju rfd ica fqrm alista , eru dita , a lheia a s questo es so c ia is, p oH ticas e

ideo log icas e apenas o cupada de era s rem otas, p rom ove seguram en te um aIirn agem das Facu ljlades de Direito com o tem plo s da c ien c ia , o nde seriam

fonnadas ta is c ria tb ras in co rp6rea s. A onda de m ediev ism o que dom inou a

h i st o r iog r a fi a j u rf d ic a continenta l a re ao s an os '60 - co ntem po ran ea do m an ifesto

de Han s K elsen no sen tido de «pu rific a r» a c ienc ia ju rfdica de ingred ien tes

p olit ic os (c f. in fra, 8.4 .6 .) - teve esse efeito de leg i t imacdo pela ciencia;

ju stam en te n um a ep oca de fo rtissim os co nflito s po litico -ideo l6gico s em qu e o s

ju rista s tiv era m q ue d ese m pen ha r u m a im p orta nte fu nc ao « arb itra l»!" ,

O s o bje ctiv es g er ais de u ma histo ria cn tic a do dire ito fo ram evo cado s an tes.

Tra ta r-se-a a go ra d a q ue sta o d as estra te gia s c ien tffic as e d as v ia s m eto do l6 gic as

m ais co nven ien tes (Sc ho lz, 1985; H esp an ha , 1986a , 1986b).

A p r ime i ra estrategia deve ser a de i ns ti ga r uma f or te co ns c ien ci a me to d ol og ica

no s histo riado res, p roblem atizando a concepc ao ingenua segundo a qua l a

n arra tiva h isto rica :na o e senao 0 sim ples rela to daqu ilo que «rea l m en te

aconteceu», E que] de fac to , o s acon tec im en to s h isto rico s n ao estdo at,

in dep en den tes do o lhar do histo riado r, disp on fveis p ara serem descrito s. P elo

co ntra rio , e les sao 6:riados p elo tra ba lh o d o h isto ria do r, 0 qua l selec c ion a a

p er sp ec tiv a, c on str oi pb je cto s q ue n ao tern um a existencia em p iric a (c om o c urva sde na ta lidade, trad ico es litera rias, sen sib ilidades ou m en ta lidades) au cria

esquem as m en ta is p a ra o rgan iza r a s even to s, com o quando u sa o s conceito s de

«cau sa lidade» , de «genea log ia» , de «in flu en c ia» , de «efeito de re to rno»

1 .2 .1 . A perc

tu v . , s o br e i st o, p a ra P o rt ug al, H e sp a n ha , 1 98 1.

A nt es d e Inoscomplexr

tern u rn sen ti

ju ridica n ao (

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za r» ,

seu

a dos

ma i s

tes e

Vm a

as e

um a

ou a

e o s

a

at,

a a

cria

s de

(feedback). A t1n ica co isa que 0 histo riado r pode verificar sao sequenc ias

m eram en te c ro no log icas en tre aco ntec im en to s; tu do 0 resto sao in feren cia s su as

(v.g., transfo rm ar um a rel~ao de p receden te-consequen te num a rela~ao de

causalidade [post ergo prop te r ] o u d e g en e lo g ia -i n fl ue n ci a ( pr io r e rg o o rig o D .

O S h isto ria do re s d ev em e st ar c on sc ie nte s (i) d este a rtific ia lism o d a « rea li da de»

histo rio gra fica p or eles c ria da , (ii) da fo rm a com o os seu s p ro cesso s rnen ta is

m odelam a «realidade» hist6 rica, ou seja , do ca rac ter «po ietico» (c riado r) da

su a ac tividade in telectua l e (iii) das ra fzes so c ia l e cu ltu ra lm en te em bebidas

deste p ro cesso de cr i acao ,

Esta estrategia leva n a tu ra lm en te a um a crise de idea is co mo 0d e « ve rd ad e

histories», a pon to de a lguns au to res n a~ hesi tarem em classificar a h is t6 ri a

com o u rn gen era Iitera rio , em bo ra (tal c omo os o u tr o s g e ne ro s jd o ta d o de um a

organizacao discursiva especffica, ou seja, de regras que permi tem va lida r o s

s eu s re su lta do s (W h ite , 1 97 8, 1 98 7; Hespanha , 1990a). E po r esta Ult ima razao

que a classificacao do saber h ist6 rico com o um genera litera rio nao sign ifica

que ele repouse n a arbitra riedade; sign ifica , an tes, que 0 r ig or ~ isto ri co re sid e

mais n uma coerencia in tern a do discu rso - num a observanciade «regras de

ar t e» convenc ion a is - do que num a adequacao a « re ali da de » h is to ri ca , A fi na l,

esta p ropo sta n ao represen ta m ais do que a ap lica~ao a p ro p ri a h is t6 ri a j ur fd ic a

do m esm o m etodo - de desvendar as ra fzes soc ia is e cu ltu ra is das p ra ticas

d iscu rsivas - que eia p retende ap lica r ao diseu rso que fo rm a 0 seu objec to -

n o n osso caso , 0 d is cu r so j ur fd ic o ,A segun da estra teg ia e a de eleger c om o o bjec to d a h ist6 ria ju rfd ic a 0direito

em soci edade .

Esta l inha de evolucao, q ue do m in a a historiografia contemporanea a partir

da Ecol e d e sAnna le s (com a sua ideia de um a « bis t6 ria to ta l» ) le va a u m a b ist6 ria

d o d ireito in tim a m en te lig ada a hist6ria do s div erso s co ntex to s (c ultu ra, trad ic oes

l it er ar ia s, e st ru tu r as s o ci ai s, c onvi cc oes r elig io sa s) c om os qua is (e n os qua is) 0

direito func iona . '

E ste p ro jec to - que nao pOe em cau sa , co mo algu ns parece, tem erem -a

especif icidade da hist6ria ju rfd ica, com o se vera - pode ser decom posto num a

sen e de Iin ha s d e o rien ta ca o.

1 .2 .1 . A perce~o do s p od er es «perifericos»

Antes dem a is, a s n orm a s ju rid ic as a pen as p od em sec en ten did a's se in teg ra da s

no s com plexo s no rm ativos qu e o rgan izam a vida soc ia l. N este sen tido , 0 direito

tern urn sen tido m eram en te relaeio na l (ou con tex tua l). 0 papel d a r eg ul ac ao

ju rfd ica nao depende das ca rac teristicas in trfnsecas das no rm as do direito , m as

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do p ap el qu e lhes e atribu fdo p or o utro s sistem as n orm ativo s qu e fo rm am 0se u

con texte. Estes sistem as silo im im eros - da m oral a retin a, da disc ip lin a

domest ica a organizacao d o t ra ba lh o, d os e sq uem as de c la ss if ic ar e d e h ie ra rq u iz ar

a s artes de seducso. 0m odo co mo eles se com binam na const rucao da d isc ip lina

socia l tambem e i n fin it amen te va r iave l,

A lgu mas das ma i s impo rt an t es correntes da reflexao pol i t ica contemporanea

o cu pa m-se ju sta m en te d eSta s f orma s m in ima i s, p e rs u as iv a s, invisfveis, «doces»,

de d isc ip lin arjP ou ca ult, 19 78 , 19 80, 1 99 7; B ou rd ie u, 1 97 9;Sa nto s.19 80b , 1 989 .

1995; H esp an ha, 1983; Serran o G on zalez, 1987 a. 1987 b; Levi. 1989; B oltan sk i,

1991; Theven ot, 1992; Cardirn , 2000). M uitas desta s fo rm as 000 p erteneem ao s

eumes d .a p olitic a, v iv en do an tes a o m a is b aixo n ivel (a u r as d u s ol, J ac qu e s Rev el )

d as rela co es q uo tid ia na s ~ (fa nu 1ia , c frc ulo s de am igos, ro tin as do dia-a-dia ,

i nt im i da de , u so s l ingufsticos), Ne ss e s en t id o , e st es m e c an i sm o s de no r tna !; 30 podem

ser visto s c om o «d ireito s d o q uo tidia no » (cf. infra, 8 .6 .4 .1 ; S ar at, 1 99 3), g er ad o

p or p oderes «m olecu lares» (Felix G uattari), «m iero ffsico s» (M ichel Fo ucau lt),

d ispersos par to do s o s n icho s das rel~O es so cia is, C on tu do , estes p oderes e estes

d ir ei to s m a n if es tam umaresistencia q ue fa lta a general idade das no rm as e

inst i tuicoes do d ir ei to o f ic ia l,

Esta im agem da so ciedade com o au to-o rgan izada n um esqu em a plu ra lfstico

de ordens ju ridicas nao e novo . Nasceu - se considerarm os apenas a epoca

con tem poranea - no seculo XIX, po is fo i entao que apa receu a ideia de que a

sociabilidade hum ana estava o rganizada objec tivam en te em institu icoes

im an en tes e n ecessaries pe~an te as qu ais a o rdem do Estado era qu ase im poten te

(cf. in fra, 8.2.1.3. e 8.4.4.). Estes p onto s de vista tin ham side antes prepa rado sp elo p en sam en to reacc io nario do secu lo XIX, qu e c on tin ua va tem atic as da teoria

p olitic a d o A ntigo R eg im e (cf, infra, 4 .2 .). J a n o n osso sec ulo , tanto a s c o r re n te s

an tilibera is e an t idemocra t i cas C E . Lo usse, O. B ru nn er, 1. Evola), com o as

c o rr en t es li be ra is , deixarain tam bem a sua m arca oeste pensam ento po lftico

antiestatalista.

Em bo ra beben do de o utras fo ntes e in sp iraco es, a teo ria p olftica m ais recen te

vo lta a este im agin ario p lu ra lista da o rdem po litic a e a c on se qu en te t en de nc ia

p a ra d es ce nt ra r 0 direito ofic ia l no seio de um a constelacao ino rgan ica de

rn ec an ism o s de disc ip lin a, su blin ha nd o, em c on tra pa rtid a, 0p a p el c o nf orm ad o r

de hu mildes e discreto s m ecan ism os n on nativo s ci a v id a quo ti di a na .

A «teo ria c rftica» da E sc ola d e F ra n kfu rt p roblem atizou a ideo logia da

neutra lidade polftic a e in sistiu em que qualquer activ idade bum ana tern um acom ponen te polftic a e disc ip lin ado ra , nom eadam en te, as do nfvel cu ltu ra l e

sirn b6lico . N esta m esm a Iinha, M . Fou cau lt referiu-se ao ca rac ter m olecu lar do

poder, a su a om nip resen ca n a so ciedade (ep an-po litizacao ») e a necessidade de

a teo ria po litica se assu mir , p ara cap tar 0poder em toda a sua extensao , com o

u m . a «microffsica»a ide ia de «p lu r a li s:

co stu meiras, n o m e

1986;cf. in fra, 8.

se nsibilid ad e em r e

(Toffler, 1990; H e s)

ct. in fra, 8.6.4.), te- a gran de cri% a

ou , pelo m cnos, to r

pagin as de an to lo g

jundica dos nossos

reflexao te6rica cc

:r ec en te c u lt u ra CO D

Fo i daqu i que n

para aIargarem 0 Sl

in tegra ndo n ele to

das su as habitu ais ~

regras de o rgan ize

o rdem . Em bora e

eo nrem p orsn ea -

ou sadam en te a an ti

e a lei d o E sta do -snciedade e polfti

co mu nidades n isti

p o li ti co s (Cl an c hy ,

a o rganizaeao do s

(G ro ssi, 19 92; Co!

do mestica (F rigo , 1

1.2.2. 0d ir ei to c o

Contudo, 0d in:

do direito no seio

s oc ia l), m a s t am b er

ju rfd ic os, d os tex tc

que n lio depende a

11 Sabre esta evolu

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em aos

Revel )

gerado

e estes

as e

epoca

que a

teoria

o as

a de

a da

uma

a l e

de

27

u ma «m icro ffsica» do p oder (Fo ucau lt, 197 8). Da an trop olog ia ju ndica , chegou

a ideia de «p lu ra lism o», da co existenc ia de diferentes o rd en s ju rfdic as, leg ais o u

co stu meiras, n o m esm o espaco soc ia l (H ooker, 1975; G eertz, 1963, 1983; Chiba ,

1986; c f. in fra , 8 .6 .4 .4 .) . F i na lme n te , 0 p6s-m odem ism o ~ouxe um a nova

se nsib ilid ad e e m re la ciib a s fo rm as im plfc itas, in fo rm ais e qu ~tid ianas de p oder

(To ffie r, 1 99 0; H esp an ha , 1 99 2a ; Sa nto s, 1 99 4, 1 99 5; Sarat, 19'3; B au m an , 1 99 3;

c f. in fra , 8.6 .4.), tendo cham ado tam bem a atencso p a ra a fOr J;'n ac om o 0Estado

- a grande criacao da «m odern idade» - p rocu rou desa rticu lar essas fo rm as

o u, p elo m eno s, to mar in visfvel essa d im ensao m ic ro da po litica (B aum an , 2001:

p agin as de an to log ia , 26 ss.), E po r isso que se pode direr que a histo riogra fia

ju rfd ica do s nossos dias se apo ia tan to em tem as provindos da m ais academ ica

reflexao te6rica com o num a pre-compreensao do m undo com rafzes na mai s

r ec en te c ul tu ra c on tem p or an ea ,

FQi da qu i qu e resu lto u a sen sivel tendencia a ctu al do s h isto ria do res d o direito

p ar a a la rg ar em 0seu carnpo de pesquisa para alem do am bito do direito ofic ia l,

in tegrando nele todo s os fen6m eno s de n or m ac ao s oc ia l, in de pe nd en te m en te

d as su as habi tua i s etiqu etas. Desde as n orm as religiosas, aos co stu mes, desde as

r eg ra s d e o rg an iz ac ao (management ) a s fo rm as m ais evanescen tes e d ifusas da

o rdem . Em bo ra esta vaga esteja a cbegar ao s estudo s de bist6ria ju rfdica

con tem po ranea - em que a ideia de p lu ra lism o ju rfd ico desafia cada vez m ais

ou sadarn en te a an tiga ideia de que 0d ir eito se re du zia a c on st itu ic ao , a o c od ig o

e a lei do Estado -, a m ais p ro ffcu a m assa de estudo s con t inua a inc id ir sobre a

soc iedade e politica de Antigo Regim e: 0 direito informal, 0 direito dascom un idades n isticas e camponesas , 0 a rno r e a am izade como sen t imen tos

p olitic os (C la nc by , 1 993 ; H esp an ha , 19 83 , 19 93 b; C lav ero , 1m;C a rd im , 2 00 0) ,

a organizacao d o sa ber (A vellin i, 1 99 0; P etit, 1 99 2), a o rg an i~ iio do discurso

(G ro ss i, 1 99 2; Costa, 1969, 1986; Beneduce, 1996; Petit, 2 @ Q O ) , a d is ci p li n a

dom estica (F rigo , 1985a), a caridade e a assisten cia (Serran o G onza lez, 1992)11 .I :1;1

1.2.2.0 direito como om produto social

Contudo , 0 direito em soc iedade nao cons i s te a pen as em c on sid era r 0pape l

do direito no seio de p rocesso s soc ia is (com o 0 d a i ns ta u ra ~ ao da discipl ina

social) , ma s t amb em em c o n si de ra r que a p ro pria p ro d.~ iio d o direito ( do s v a lo r es

ju rid ic os, d os te xto s ju rfd ic os) e , ela m esm a, u rn p ro cesso soc ia l. Ou seja , a lgo

que nao depende apenas da capac idade de cada ju rista pa ra pen sa r, im agina r e

II S o br e e st a e vo lu c a o, c f. D e B e ne di et is , 1 99 0; S ch a ub , 1 99 5.

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in ve nte r, m a s d e u rn c om p le xo q ue e nv olv e, n o lim ite , to da a so cie da de , desde a

organizacao da escola , aos s is tem a s d e c omuni ca c ao in te le ct ua l, a organizacaoda just ica, a s e n si bi li da d e j u rf d ic a dominante e mu ito m a is.

Este t6pico o brig a a q ue se considere 0processo socia l de produdio do proprio

direito n a exp lic ac ao do direito . Su blin ha m os «p ro prio » p ara desta ca r qu e n ao

estamos a a derir a modelos de explicacao mui to g lob a is , desses que r el ac ion am

qu alqu er fen 6m en o so cia l c om urn unicocentro de c au sa lid ad e s oc ia l (v.g., a

estrutura econ6mica, como do de tenn in ismo economicista de urn certo marxismo,

ou 0 s ub co n sc ie nt e in d iv id ua l, c omo d o d et erm in ismo p sic a na lft ic o de Freud)

(cf. Bou rd ie u, 1 98 4) . .

Na verdade, p arecem m uito m ais p rodu tivo s m odelos de exp licacao

so cio lo gic a de m u ito m a is c urto a lc an ce, q ue re la cio na m o s efeito s (c ultu ra is,

d isc ursiv os) c om a din am ic a esp ec ffic a do esp ac o (o u n fvel, in sta nc ia ) so cia l

particu lar em que el~ sao produzido s. N o nosso p resen te caso , a ideia ISa de

relac ionar 0direito c o i n o s e sp a eo s s oc ia is ( ecampos» , p a ra u sa r a te rm i n ol og ia

de Bou rd ieu " , «p.r.iticasdiscul'Sivas» ou «dispositivos», para u 1 i 1 i z a r ade M . F o u ca u h) ll ,

e xp li ca n do a p a rti r dai o s e fe it o s ( ju r fd ic o s) p r oduz id o s.

12 R es um i n do g ro ss ei ram e nt e, P ie rr e B o ur di eu r el ac io n a c a da p ra ti ca d e p r od u r; ao de sent ido(<<pr.1. t i casim bo lica s») co m o s seu s co ntex to s so cia ls de produ~ (a q ue c ha ma «c am po s») e

com as lu tas e conf l i tos ent re o s a ge nte s d e p roducao qu e se d ese nv olv em e m cada c ampo

(cf. a plic ac ao a o d ir ei to , B o ur die u, 1986) . «Le pouvo lr s ymbo li qu e es t u n ponvoi r qu i es t enme su r e d e s e f ai re r ec o nn a it re , d 'o b te n ir la r econna i ss ance ; c ' es t -a -d ir e lID p o uvo ir ( e cc n om i qu e ,

poli t ique, c u l tu r el o u a utre j.q ui a le pouvo i r de se faire rneconna i t r e d an s sa v& iw d e p ou vo ir, de

v io l en c e e t d 'a r bi tr a ir e . L'efficacire propre de ce ponvo i r s 'exerce n on da ns l'o rdre de la force

p h ys iq u e, m a i s d a n s l ' ordre d u se ns d e lac o n na is sa n ce , P a r e xem p le , I e n o bl e, Ie l at in Ie d it , e st u n

nobilis. u n h om m e 'c on nu ', 're co nn u'», « Dev oile r les r esso rts d u p ou vo ir» , in Interventions=«

S ci en c e s oc ia le e t a ct io n politique, Ago ne , 2 00 2, p p. 1 73 -1 76 ); d an s un champ, l es a ge nts e t le s

i ns ti tu ti on s l ut te n t, s ui va n t l es r eg u la riW s e t l es r eg le s c o ns ti tu ti ve s d e cet espace de je u (e t, d a n s

ce r ta i nes con jonc t u res , il . p ro po s d e c es r eg le s m em e s), a ve c d es degres divers de fo rc e e t pa r lit,

des pos si b il it e s d i ve r s es de s uc c es , p o ur s ' a p pr o pr ie r l es p r of it s s pe ci fi qu e s q u i s oo t en je u d an s Ie

jeu . Ceux qu i d om i ne nt d an s un c ha m p d on ne so ot en p ositio n d e Ie fa ire fo nc tio nn er A leur

a v an ta g e , r n a is i ls d o iv e n t tOuj o u rS comp te ! a v e c la r e si st a nc e , l a c o n te st a ti o n , l es r e ven d ic a ti o n s,

l es p re te n ti ou s, 'p o li ti qu e s' . ou n o n, d es d om in e s,»

(Riponses , S eu il , 1 99 2, p .7 8 ); «C on tr e l 'i ll us io n d e l 'i nt el le c tu e 1 s an s a tt ac h es ni racines»,

qu i est en que lque sorte I 'i d e ol o g ie p r o fe s si o n n e ll e de s i nt elle ct ue ls , je r ap p ell e [ ... J qu e

l 'a p pa rt en a n ce a u champ i n se ll ec tu e l implique de s in te Ias s pe c if iq u es , n o n s eu lem e nt , AP a r isco rnme il .Mo sc ou , d es p aste s d ' a ca demic ie n a u d es e on tr ars d ' ed itio n, d es c om pte s-re nd us o u de s

p o s t es u n i v er s lt a ir e s, mai~ auss i de s signes d e r e co n n a is sa n c e etdes g ra ti fi ca ti on s s ou v en t

i n sa i si ss ables pou r q ui n 'e sl pa s m em br e de l 'univers m a is p ar lesquelles o n d on n e p rise .A toutes

s or te s d e c on tr ain te s e t d e c en su re s» , ( Q ue st io n s d e s oc io lo g ic ; M in uit, 1 98 4, p . 7 0), (So bre

B ou rd ie u, c om d sd os b io bib llo gr af ic os , te xt os e u rn g lo ssa rio e le m en ta r: h ttp :f{ www ,h omm e -

moderne . o fi l i; o c ie t e ls oc i o ll lon rd i eu l (2002-08- 15) ).

IlEm t erm o s r nu it o ge i re r i cos , M.Foucau l t conside ra q u e c a da diseurso tern a s SUDS r eg ra s d e

~ (a s ua « o rdem ») e q ue e sta n ao d e p e n d e d o a uto r m a s d o p ro pr io p ro ce sso d e e sc rita ,

Po r isso , a hi!

d is c ur si va s d o s jl

s ao a lg o equiva

hegernonizar u n

estru tu ra nte de

« te xto » ) ou a o r:

delas e a da au J

r ela co es s oc ia i

confonnador < J l

epocas do que I- p roduzido ppode mesmorm

s oc ia is q ue d ell

Esta ult ima

j ur id ic o s p e rd u

( re )li do s ( ou re

re ce be r u rn te x

dando-lhe urn

in te gr ad o n o u r

p ar tic ip am d es

a re if ic~ao do

p o r d ep en d er e

d os se us le ito re

Mas-nel;

r esiste a e sta s

fo rca das pala

Dill a importfu

sen do qu e este e!

(da «Criru;ao»), a

mode le d e d iv is l

c omo mater ial ille xt er na s a o a u to r

b io g r ef ic o , c e n tr

m en ta l d e F on esa lg un s te xto s i re

discnrso» e «(

www· fQucau l lb T

140 conce i t

percepello d a s Pc l as se s 16g ic a s c

. ; : 1 1 0 da d iv is ao ea ss oc ia do s a u r

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de a

e n a o

a

ade

l 3 ,

e

lS-

lea

r lA ,

ue

d es

P or isso , a h ist6 ria d o d ire ito s e r a a h i st 6 ri a do « c am p o ju n di co » , das «pra t i cas

discursivas d os ju ris ta s» , d os « dis po sitiv os d o d ir eito », p ois t o d a s es ta s expressoes

sa o algo equivalentes. A primeira, su blinhando as lu ta s en tre o s agen tes pa ra

begem on izar u rn cam po pa rticu la r; a segunda e terceira dando en fase a forca

estru tu ran te de en tidades objec tiva s, com o 0 p rop rio p ro cesso de escrita (0

« te xto ») o u a organ izacao das praticas, Seja com o fo r, a ideia com um a qualquer

delas e a da a uto nom ia d o d ir eito em rel~ao ao s m om en to s W ? jundicos das

rela co es soc ia is. A que ac rescen ta riam os m esm o - p ara rea lca r 0 aspecto

c on fo rm ad or qu e 0 disc urso ju rfdico tern so bre o utro s discursos (mais numa s

epocas do que nou tra s) - a ideia a inda m ais fo rte de qu e 0i m ag in a rio ju r fd ic o

- p roduzido p elas condieoes esp ecffic as do s disc urso s e ritu ais do direito -

p ode m esm o m odela r imaginaries sociais mai s a br an ge nte s, b er n c om o as praticas

so cia is q ue d ele s d ec orra m .

Esta u l ti m a ideia e a in da m ais decisiv a s e con si de ra rmos que o s valo res

ju rfdico s p erd ura m n o tem po . Sa o p ro du zido s u ma vez, m as sao co ntin uam en te

(re)lidos (ou receb idos). De aco rdo com a « teo ria da recep cao » (H olu b, 1989),

receber u rn texto (tom ada a pa lavrano seu sen tido m ais vasto ) e (re)produzi-Io,dando -lhe u rn novo sign ific ado , de aco rdo com a nova m aneira com o ele ein te gra do n o u niv erso in telec tu al (e em o cio na l) d o leito r. C om o o s tex to s ju rid ic os

pa rtic ip am desta abertu ra a no vos con texto s, a hist6r ia do direito tem que evita r

a reificacao do sign ificado dos va lo res, ca tego r ia s ou con ceito s, ja que estes -

po r dependerem m eno s das in teneo es dos seus au to res do que d~ exp ec ta tiva sdo s seu s le ito re s - so fr em p er ma ne ntes m o dific ac oe s d o seu se ntid o (c on tex tu al),

M as - n este p ro cesso de co ntfn ua s rele itu ra s - a lgu ma co isa d e p errn an en te

resiste a estas su cessiva s reap ro pria co es; da i 0peso da t radi~ao ju rfdica , com a

fo rea das pa lavra s e dos co nceito s do passado sab re os seus u so s n o p resen te,

Dai a im po rtsnc ia que, em con trapa rtida , deve tam bem ser a tribu ida ao habitus"'I;,.r

sendo qu e este esta r el ac io n ad o c om c o nd i~ m a te ria is e object ivas ( ed is p os it iv o s» ) d a e sc ri ta

(da ~~ iio»), aqu i se c omp re en d en d o a s t radi~ l it e ra r ia s em qu e 0 d i sc u rs o s e d e se n vol ve , 0

mod el e d e d iv is io do t ra ba lh o in te le ctu al d om i na nt es n es se m om en to , o s o bje ct os q ue s ur gem

c om o m a te ri al d e o bs er va ea o, e tc . A e st e e stu do d o d is cu rs o c om o c on tlu en ci a d e d ete rm i na co es

e xt er na s a o a u to r c ham a F o uc a ul t « a rq ue o lo g ia » (m o de lo de e stu do q ue e le o po e, ta nt o a o m o de lo

b io gn ifi co , c en tr ad o n o a ut or , e ao e st ud o g en ea I6 gi co , c en tr ad o n ae in flu en cia ». a li vr o fu nd a-

men ta l de F o uc a ult , s o br e e st e lem a , e L 'archeo log ie du savo ir , 1 96 9. T ra d u't ii o p c rt ug u es a d e

alguns t ex to s im p or ta a te s d e F o uc a ul t ( nomeadamen t e , p ara o s efe ito s p re sen te s, « A o rd em d o

discu rso» e «Om nes et singu latin - para um a crftica da razlio po lftic a», em http ://

ww w.foucaul t .1}pg . ig.com.br /b jbl io.b tml [2002-08-151).1 4 a concei to e , de novo , de P .B o u rd ie u: « E st ru tu ra e st ru tu ra n te q ue o rg an iz a a s p rt It ic a s e a

percepcac d a s prat icas; 0 habitus e t am b em uma e st ru tu ra e st ru tu ra da : 0 p ri nc ip le d e d iv is ao em

c la ss es l6 gi ca s q ue o rg a ni za a p er c~ a o do mu n do s o ci al e , e le p r o pr io , 0p ro d ut o d a i nc o rp o ra -. ; :110a divisfuJem c l a sses soc ia is» , (La Dist inc t ion , Mi n u it , 1 97 9 , p . 19 1) ; « a s c o nd ic io n am e n to sa ss oc ia do s a u m a c la ss e p ar ti cu la r de condi~s de e xis te nc ia p ro du zem h ab ito s, s is te m as d e

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in cu lcado p ela tradicao Iiterar ia em qu e 0 leito r se fo rm ou (e em que 0 propr io

texto esta in tegra do ) (v., ja a segu ir , «1.2.3. C on tra a te leo lo gia »),

E po r isso que M u rna certa c ircu la ridade na herm eneu tica hist6ric a dos

texto s, E les sao ap ro priado s p or u rn le ito r fo nn ado por um a trad icao textual de

qu e o s m esm o s texjos fa ze m p ar te (c o nt ex to i nt er te xt ua l) . P O l - e m , e xi st e t amb em

u rn m om en ta din arm co n este cfrculo, p ois a no va l ei tu r a t ambem e conformadap or o utro s fac to resco ntextu ais qu e estao fo ra desta tradicao textu al (m om en to s

e xt ra te xt ua is ), e m p ur ra nd o 0 le ito r p ara o utras p aisagen s in te lec tu ais (o utro s

d isc ur so s o u tra dic oe s lite ra ria s, o u tr os im a gin ar ies c ultu ra is, o u tr as e xp ec ta tiv as

s o ci ai s, o u tr o s i n te re ss es ).

1.2.3. Contra a tel~logia

A terceira estra tegia de u m a hist6ria cr itic a do direito e a de in sistir n o fac to

de qu e a hist6ria ju rfd ica (com o a historia em geral) nao con stitu i u rn

d es en vo lv im e n to lin ea r, necessario, progressivo, esca to legico ,

Isto si g nifica , em p rim eiro lu ga r, q ue n a hist6 ria Md esc on tin uid ad e e r up tu ra

- ideia bastan te consensua l en tre o s histo r iado res. M as os juristas (e o s

histo riado res d o d ireito ) ten dem a crer qu e 0d ire ito c on stitu i u m a an t ig a t r ad i cao

a gre ga tiv a, e m q ue a s n ova s so lu co es se so m am a s ma i s a n ti ga s, a p er fe ie o and o -a sou a c tua l iz a ndo - a s,

S e se d esta ca r a 'id eia d e d esc on tin u id ad e,0

p apel da tradi~ao - que sem prefo i tido co mo tao im po rtan te em direito - p recisa de ser c lar ificado . Na v e rd ade ,

na ideia de rup tu ra ja estava implfcito aqu ilo qu e acabamos de dizer acerca da

n atu reza co ntextu al' do sen ti do . Se o s sen tido s (o u o s va lo res) sao relac io na is,

estando sem pre ligado s com os seus con texto s, qua lqu er m udanca no con texto

d o d ir ei to c or ta -o da t radicao.previa , A hist6ria do d ire ito se ra a ssim c on stitu fd a

po r um a sucessao d e s is te m as j ur fd ic o s s in c ro n ic o s, fechados UD S em re l rutao

a o s o u tr os . 0 sen tido de cada in stitu to ou de cada p rincip io deve se r aval iado

pela sua in tegracao no con texto dos ou tro s in stitu to s e p rin cfp io s qu e com ele

c o nv iv em c o nte m p or an eam e nte ; e nao nos in stitu to s ou pr inc ip ios qu e 0

d is po si ~5 es d ur av ei s e t ra n sm i ss fv ei s, e st ru tu ra s e st ru tu ra da s predispostas a funcio nar co mo es-

t ru tu ra s e st ru tu ra n te s, o u s ej a, c om o p n nc ip io s g er ad or es e o rg an iz ad or es de p ra ti ca s e de repre-sentagOes que podem sec object ivamenteadaptadas a os sea s fin s sem s u p o r a orienta~ao consciente

para e sse s fin s e 0 dom in i c ex pr e ss o das c o nd i¢ es n ec es sa ri as para o s a ti n gi r, o b je c ti vamen te

'r eg ul ad as ' e 'r eg ul ar es ' s em s er em , de f orm a a lg om a , 0 produto de o be die nc ia a r eg ra s e s en do

tudo iSID c o le ct iv am e n te o rq ue st ra do s em s er 0 produ to de um a ~o o rganizado ra de urn m aes-

t ro» (Le s ens pra tique , Paris, M i nu it, 1 98 0, p. 88).

antecederan:

cont inuame i

s ua p r6 p ri a I

Mas , pol

actual . Porq

o s in stru m e

tradicao inn

s en t i d o , a tr.

-tradi~Oe~

quecont inu

d e p ro du ~a ,

dogmas) e .ins t i tuc iona

tecnica, t6 r

ferramenta~

desta f o rm,

valo res e Iutensilagen

no rma s (0

«disposit iv '

Estabel

progresso I

apogeu do

previs ta . P I

mui t o s qu e

Contnd

presente , t s

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com pleto c

perspectivi

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nossos d ia

d is so , pa ra