ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

download ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

of 21

Transcript of ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    1/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    105

    A EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: REFLEXES NO PLANOLEGISLATIVO E AS CONTRIBUIES DO ENSINO DE HISTRIA PARA A

    FORMAO DA CONSCINCIA HISTRICA DOS ALUNOS1

    THE YOUTH AND ADULTS' EDUCATION IN BRAZIL: REFLEXION ABOUT THELEGISLATIVE PLAN AND CONTRIBUTIONS OF TEACHING HISTORY TO

    FORMATION OF STUDENT'S HISTORICAL CONSCIOUSNESS

    Wilian Junior Bonete2

    RESUMO: O artigo faz uma abordagem, em perspectiva histrica, acerca das concepesconferidas Educao de Jovens e Adultos EJA no contexto da Resoluo CNE/CEB01/2000 e do Parecer 11/2000, sendo que este ltimo reafirmou a EJA como um direitopblico, caracterizado por uma identidade prpria a partir de trs funes especficas:reparadora, equalizadora e qualificadora. No segundo momento, parte dessa discusso paraarticular as trs funes descritas, no Parecer, ao ensino de Histria. No terceiro momentoaborda os conceitos de competncia narrativa e literacia histrica, tal como propostos por JrnRsen e Peter Lee, visando o desenvolvimento de um ensino de Histria com sentido para avida dos alunos jovens e adultos, e que consequentemente, contribua para a formao daconscincia histrica.

    Palavras-chave: Ensino de Histria; EJA; Conscincia Histrica; Competncia Narrativa;Literacia Histrica.

    ABSTRACT:This article gives an approach, in historical perspective, about the conceptionsconffered on the Youth and Adults Education, YAE, in the legislative plan ResolutionCNE/CEB 01/2000 and Legal Report 11/2000. This last one reaffirmed the YAE as a public

    right characterized by an identity from three functions: restorative, equalizer and qualifier. Inthe second moment, we articulate the three functions described in the Legal Report toteaching History. In the third moment, gives an approach to the narrative competence andhistorical literacy concepts, as proposed by Jrn Rsen and Peter Lee, to develop an historicaleducation with meaning to the students life and, consequently, contributes to formation ofhistorical consciousness.

    Key-word: Teaching history; YAE; Historical Consciousness; Narrative Competence;Historical Literacy.

    1Esse texto fruto da pesquisa de mestrado intitulada Ensino de Histria, Conscincia histrica e a Educaode Jovens e Adultos, realizada junto ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social (PPGHS) daUniversidade Estadual de Londrina (UEL), entre 2011 e 2013. Contou com financiamento integral da CAPES.2Doutorando no Programa de Ps-Graduao em Histria (PPGHIS) da Universidade Federal de Mato Grosso(UFMT). Bolsista da CAPES.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    2/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    106

    INTRODUO

    A Educao de Adultos se definiu no cenrio da poltica educacional brasileira, a

    partir da dcada de 1940, principalmente aps a Segunda Guerra Mundial, com a criao do

    Servio de Educao de Adultos SEA. Este rgo foi criado com o objetivo de reorientar e

    coordenar os trabalhos dos planos anuais de ensino supletivo para adolescentes e adultos

    analfabetos. A educao tinha como finalidade preparar os indivduos para o exerccio da

    cidadania, atravs do voto, e formar, ao mesmo tempo, um contingente de trabalhadores,

    qualificados, que atendesse aos interesses das elites e tambm as demandas do processo tardio

    de industrializao. Nesse contexto foram elaboradas as primeiras campanhas de alfabetizao

    de adultos direcionadas a erradicao do analfabetismo, entendido como a causa do

    subdesenvolvimento, uma doena que precisava ser curada (PAULA, OLIVEIRA, 2011,

    p.18).

    No perodo entre 1960 e 1980, o analfabetismo deixou de ser interpretado como

    causa e passou a ser visto como um dos efeitos do atraso econmico e das desigualdades

    sociais. Uma das experincias de destaque o Programa Nacional de Alfabetizao PNA

    organizado durante o governo de Joo Goulart em 1964, que tinha por base o Mtodo Paulo

    Freire. Brando (2009, p. 263), noDicionrio Paulo Freire, explicita que a unidade de um

    grupo de alfabetizandos, de acordo com o Mtodo Paulo Freire, no se constitua como umaturma de alunos ou como uma turma de alfabetizandos. Todos os participantes criavam,

    com sua presena, a unidade de um crculo de cultura. Num primeiro momento, com a ajuda

    de uma pessoa alfabetizada e treinada para ser uma acompanhante de grupo, os componentes

    do circulo de cultura eram instigados a realizarem atividades de conhecimento de suas

    comunidades, e elaborarem, a partir do universo vocabular e temtico, um material para dar

    continuidade no seu aprendizado. No segundo momento, a equipe do circulo de cultura dava

    inicio ao processo de anlise do material levantado, procurando identificar as palavrasgeradoras e do universo temtico que se constitua em matria-prima de um trabalho coletivo

    de criao de saberes e aprendizagem de ler palavras e ler o mundo. Em seguida, reunidos,

    no de acordo com a geometria das salas de aula tradicionais, mas em circulo, todos eram

    motivados a iniciarem um livre debate, incentivados por uma srie de fichas de cultura

    (desenhos que lanavam imagens, ou ideias, as pessoas). Nesse sentido, os participantes

    expunham suas palavras, suas ideias e pensamentos a partir da forma em que interpretavam as

    fichas de cultura, sobretudo, a partir de suas prprias experincias de vida. A alfabetizao

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    3/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    107

    propriamente dita comeava aps esse processo de levantamento de dados e preparao de

    materiais. Ela prosseguia de forma ativa, procurando entender os desdobramentos de cada

    uma das palavras geradoras, em seus fonemas. Todos os participantes eram incentivados a

    procurarem trabalhar o processo de decodificao, formando palavras existentes, reais ouno, e procurando integrar palavras em feixes de sentido, isto , em pequenas frases que iam

    se tornando mais elaboradas e complexas ao longo do aprendizado.

    Freire elaborou uma crtica chamada Educao Bancria3 e afirmou que os

    alunos deveriam ser vistos como sujeitos do conhecimento e no como simples objetos ou

    recipientes vazios e ignorantes. O homem, que um ser de relaes, deve no apenas estar no

    mundo, mas agir de forma intencional sobre ele. Ao compreender sua realidade, pode e deve

    levantar hipteses sobre essa realidade, procurar solues e transform-la. Assim, a educaodeveria proporcionar a superao da realidade passiva mediante uma conscientizao crtica

    (FREIRE 1967, 1982).

    Romo (2009, p. 135-136) aponta que a educao, na perspectiva de Freire,

    tambm dialgico-dialtica, visto que ocorre numa relao entre educando, educador e o

    mundo no circulo da cultura, que deve substituir, no caso da educao escolarizada, a aula. Ao

    contrrio da Educao Bancria, o educador no uma mediao entre o conhecimento e o

    educando, porque nela, quem faz mediao no sentido da transformao do imediato ao

    mediato o prprio educando. A educao, para Freire, ainda prxis, ou seja, uma

    profunda interao necessria entre prtica e teoria, nesta ordem.

    Freire inverteu a lgica das dcadas anteriores ao trabalhar com a concepo de que

    o adulto analfabeto no era a causa do subdesenvolvimento do pas, mas sim, sua

    conseqncia, vtima de uma sociedade desigual e injusta, de um sistema que buscava, pela

    educao, reproduzir o poder das elites do pas. De igual modo, inverteu a ideia do analfabeto

    sem cultura, fazendo os sujeitos se reconhecerem como produtores de cultura, a partir de

    situaes cotidianas, na qual a alfabetizao viria a ser mais um instrumento de leitura do

    mundo (SCORTEGAGNA, 2005, p. 5).

    Nesse cenrio, as ideias Freire ganharam grande visibilidade principalmente pela

    valorizao da educao, da aprendizagem e da cultura popular. Segundo Baquero (2009, p.

    137), Freire compreendia a educao como um ato poltico, de conhecimento e dialgico no

    descobrimento da razo de ser das coisas. Entretanto, essas ideias foram reprimidas durante a

    3Esta concepo refere-se educao passiva, que priva a criatividade, o esprito investigativo e a curiosidade.

    Nesse sentido, a Educao Bancria torna os alunos menos humanos, conduzindo-os alienao, a dominao,opresso e a incapacidade de ver o mundo de modo crtico e reflexivo (ROMO, 2008, p. 134).

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    4/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    108

    ditadura militar. Na dcada de 1970, com promulgao da Lei n. 5.692/71 4, regulamentou-se

    o Ensino Supletivo, cuja finalidade era suprir a escolarizao regular, promover a oferta de

    educao continuada e preparar uma mo-de-obra qualificada. No entanto, o Ensino Supletivo

    realizava-se por meio de exames e reproduzia mecanismos seletivos da escola regular. Nessesentido, prevaleceu uma educao desvinculada das reflexes crticas, destinada a disciplinar

    a populao analfabeta a aceitar, sem questionamentos, as transformaes impostas pelo novo

    governo.

    Com o processo de reabertura poltica, que culminou com a Constituio Federal de

    1988, o ensino fundamental passou a ser obrigatrio e gratuito, inclusive para aqueles que no

    tiveram acesso em idade prpria. Nesse contexto, diversas aes educativas foram retomadas,

    outras foram criadas e visaram melhorar as condies de formao e trabalho da populaono escolarizada. No final do sculo XX, uma nova concepo, com objetivos e funes para

    a educao de adultos foram esboados na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional,

    n. 9.394/96 LDB. A gratuidade e o acesso educao foi afirmada e uma nova denominao

    foi atribuda: Educao de Jovens e Adultos EJA.

    No ano de 2000, dois novos documentos foram elaborados no intuito de interpretar a

    Educao de Jovens e Adultos estabelecida na LDB 9.394/96 e conferir a ela novas

    concepes e atribuies. Trata-se da Resoluo CNE/CEB 01/2000 e do Parecer CNE/CEB

    11/2000, sendo este ltimo relatado pelo Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, que

    reafirmou a EJA como um direito pblico, caracterizado por uma identidade prpria a partir

    de trs funes:

    Funo Reparadora: acesso para aqueles que tiveram a educao negada

    historicamente;

    Funo Equalizadora: garantia de permanncia e igualdade de oportunidades

    educacionais; Funo Qualificadora: garantia e acesso a educao contnua e de qualidade.

    4O Ensino Supletivo foi regulamentado pela Lei n. 5.692/71, especificamente no captulo IV, artigos 24 a 28 emque so explicitadas as finalidades, abrangncia e formas de operacionalizao. Alm disso, o Ensino Supletivoera organizado a partir de quatro funes bsicas: Suplncia, que visava suprir a escolarizao de adolescentes eadultos que no haviam concludo em idade prpria; Suprimento, que visava oferecer estudos deaperfeioamento para os que seguiam o ensino regular em todo, ou em parte; Aprendizagem, que significava aformao metdica no trabalho, a cargo principalmente do SENAI e SENAC; e Qualificao, cujo objetivo era aprofissionalizao, sem preocupao com educao de modo geral, atendendo prioritariamente a formao derecursos humanos para o trabalho. (HADDAD, 1987, p. 20). A nomenclatura e concepo Ensino Supletivovigorou no Brasil at a promulgao da Lei n. 9.394/96 quando foi conferida uma nova identidade para essa

    modalidade que passou a ser denominada de Educao de Jovens e Adultos EJA. (HADDAD, DI PIERRO,2000).

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    5/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    109

    A nova concepo conferida a EJA, postulada pelo Parecer, representa um marco

    nessa modalidade, uma vez que a concebeu como uma dvida no reparada com aqueles que

    no tiveram acesso a educao, a leitura e a escrita, dentro e fora da escola. Devido a tal

    importncia que se justifica um olhar mais atento para essa legislao que fundamenta, naatualidade, as aes e movimentaes em prol do pblico jovem e adulto em fase de

    escolarizao.

    Mediante a essas reflexes preliminares, esse texto foi construdo sob dois objetivos

    especficos. O primeiro estabelecer uma abordagem, em perspectiva histrica, da EJA no

    plano legislativo da Resoluo CNE/CEB 01/2000 e do Parecer CNE/CEB 11/2000,

    procurando verificar os conceitos e a concepo de identidade conferida a esta modalidade da

    educao brasileira. Para tanto, balizamos a anlise em referncias especficas da rea comoHaddad e Di Pierro (2000), Carli (2004), Bernardim (2006) e Rial (2007), Costa (2009) e Di

    Pierro (2010).

    O segundo objetivo propor uma articulao entre as trs funes estabelecidas no

    Parecer CNE/CEB 11/2000 e o ensino de Histria na EJA, e em seguida abordar o conceito de

    competncia narrativa e literacia histrica como propostas para o enfrentamento de dilemas

    no ensino de Histria para alunos da EJA. Em outras palavras, busca-se responder as

    seguintes indagaes: como a disciplina de Histria pode ser pensada no mbito das funes

    reparadora, equalizadora e qualificadora? Como o ensino de Histria, aliado a essas trs

    funes, pode contribuir para o desenvolvimento de um ensino de Histria com sentido para a

    vida dos alunos jovens e adultos, e consequentemente, que contribua para a formao da

    conscincia histrica? Nesse sentido, ancoramos as reflexes em autores como Rsen (2001,

    2010a, 2010b), Lee (2006), Dias (2007), Cerri (2010, 2011), Fonseca (2012), dentre outros. O

    princpio que norteia a linha argumentativa desse texto o ensino de Histria pautado no

    dilogo, na experincia e nas ideias dos alunos, aliado os conceitos competncia narrativa e

    literacia histrica, pode cumprir o seu papel de orientao e formao da conscincia

    histrica.

    A EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO DA RESOLUOCNE/CEB 01/2000 E DO PARECER CNE/CEB 11/2000

    A Educao de Jovens e Adultos no Brasil representa uma demanda antiga, porm,

    somente a partir da dcada de 1940 que foi sendo reconhecida sua importncia por parte da

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    6/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    110

    sociedade civil e dos organismos internacionais e, consequentemente, ganhou espao na

    agenda dos governos. (HADDAD; DI PIERRO, 2000; CARLI, 2004; BERNARDIM, 2006).

    Com o processo de reabertura poltica, que culminou com a Constituio Federal de

    1988, o ensino fundamental passou a ser obrigatrio e gratuito, inclusive para aqueles que notiveram acesso em idade prpria. Nesse mbito, diversas aes educativas foram retomadas,

    outras foram criadas e visaram melhorar as condies de formao e trabalho da populao

    no escolarizada. Na dcada de 1990, essa modalidade atingiu novos contornos e uma nova

    concepo, com objetivos e funes para a educao de adultos foram esboados na LDB n.

    9.394/96. A gratuidade e o acesso educao foi afirmada e uma nova denominao foi

    atribuda: Educao de Jovens e Adultos EJA.

    No ano 2000, o Conselho Nacional de Educao CNE

    5

    por intermdio da Cmarada Educao Bsica CEB procurou interpretar os artigos da LDB referentes EJA e

    dirimir as dvidas quanto complexidade dessa modalidade. Para tanto, expediu a Resoluo

    CNE/CEB 01/2000 e o Parecer CNE/CEB 11/2000.

    A Resoluo CNE/CEB 01/2000 apresenta 25 artigos que normatizou em mbito

    nacional a EJA em todas as suas formas de organizao. A funo do documento foi

    estabelecer as Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs que deveriam ser obrigatoriamente

    observadas na oferta da EJA tanto no Fundamental quanto no Mdio, em instituies pblicas

    ou privadas, considerando o carter prprio dessa modalidade.

    A adaptao das diretrizes, de acordo com a Resoluo, deveria seguir os critrios da

    eqidade, diferenaeproporcionalidade:

    RESOLUO CNE/CEB 1/2000Pargrafo nico. Como modalidade destas etapas da Educao Bsica, aidentidade prpria da Educao de Jovens e Adultos considerar assituaes, os perfis dos estudantes, as faixas etrias e se pautar pelosprincpios de eqidade, diferena e proporcionalidade na apropriao econtextualizao das diretrizes curriculares nacionais e na proposio de ummodelo pedaggico prprio, de modo a assegurar:I quanto eqidade, a distribuio especfica dos componentes curricularesa fim de propiciar um patamar igualitrio de formao e restabelecer aigualdade de direitos e de oportunidades face ao direito educao;II quanto diferena, a identificao e o reconhecimento da alteridadeprpria e inseparvel dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, davalorizao do mrito de cada qual e do desenvolvimento de seusconhecimentos e valores;III quanto proporcionalidade, a disposio e alocao adequadas doscomponentes curriculares face s necessidades prprias da Educao de

    5O Conselho Nacional de Educao, criado pela Lei n. 9.131/95, o rgo responsvel por interpretar as leis daeducao.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    7/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    111

    Jovens e Adultos com espaos e tempo nos quais as prticas pedaggicasassegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demaisparticipantes da escolarizao bsica (BRASIL, 2000a, p. 1-2).

    Os princpios dispostos na Resoluo CNE/CEB 01/2000 serviram de referncia para

    a elaborao do Parecer CNE/CEB 11/20006relatado pelo Conselheiro Carlos Roberto Jamil

    Cury que tratou das DCNs para a EJA e a concebeu como:

    [...] uma dvida social no reparada para com os que no tiveram acesso enem domnio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, etenham sido a fora de trabalho empregada na constituio de riquezas e naelevao de obras pblicas. Ser privado deste acesso , de fato, a perda deum instrumento imprescindvel para uma presena significativa naconvivncia social contempornea (BRASIL, 2000b, p. 5).

    Tal concepo foi elaborada tendo em vista o carter excludente da educao

    brasileira que sempre esteve estruturada de modo a privilegiar as elites, negando s classes

    populares uma educao de qualidade e o direito de exercerem a plena cidadania (CARLI,

    2004).

    Nesse sentido, o Parecer CNE/CEB 11/2000 enfatizou a necessidade de se fazer

    reparao corretiva dessa realidade, dvida inscrita na histria social brasileira, reafirmando

    EJA como um direito, oportunizando assim o reingresso escolar de todos os jovens e adultos

    que no puderam freqentar ou concluir educao bsica, caracterizada por uma identidadeprpria a partir de trs funes:Reparadora, Equalizadora e Qualificadora.

    A funo Reparadora representa o acesso educao de qualidade a todos aqueles

    que tiveram esse direito negado historicamente. tambm o reconhecimento do princpio da

    igualdade ontolgica do ser humano quanto aquisio de um bem real, social e

    simbolicamente importante. Esta funo deve ser vista ao mesmo tempo como uma

    oportunidade concreta de presena de jovens e adultos na escola e uma alternativa vivel em

    funo das especificidades scio-culturais (BRASIL, 2000, p. 9).A funoEqualizadora a permanncia e garantia da igualdade de oportunidades

    educacionais a todos que tiveram sua educao interrompida, permitindo novas reentradas e

    inseres no mundo no trabalho e em outras esferas da vida social. A EJA representa a busca

    6O texto completo do Parecer 11/2000 est divido em duas partes: I - Relatrio e voto do relator; II - a Decisoda Cmara. O Relatrio, parte I, est dividido em dez partes: I- Introduo; II- Fundamentos e Funes da EJA:1. Definies prvias e 2. Conceitos e funes da EJA; III- Bases Legais das Diretrizes Curriculares Nacionaisda EJA: 1. Bases legais: histrico e 2. Bases legais vigentes; IV- Educao de Jovens e Adultos Hoje: 1. Cursosda EJA, 2. Exames e 3. Cursos distncia ou no exterior; 4. Plano Nacional de Educao; V- Bases histricas da

    EJA no Brasil; VI- Iniciativas pblicas e privadas; VII- Alguns indicadores estatsticos da situao da EJA VIII-Formao docente para a EJA; IX- Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA e X O Direito Educao.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    8/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    112

    pela efetivao de um caminho para o desenvolvimento de pessoas de todas as idades

    (BRASIL, 2000b, p. 10-11).

    A funoQualificadora significa o apelo para uma educao contnua e de qualidade

    que permita a criao de uma sociedade educada para o universalismo, solidariedade,igualdade, alteridade e a diversidade. Esta funo tem como base o carter incompleto do ser

    humano capaz de se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades, competncias e

    valores que transcendam os espaos formais da escolaridade e conduzam a realizao de si e

    do outro como sujeito. (BRASIL, 2000, p. 11).

    No plano do Parecer CNE/CEB 11/2000, a educao foi concebida como uma chave

    indispensvel para o exerccio da cidadania e o trabalho na sociedade contempornea, uma

    vez que permite os jovens e adultos retomarem o potencial na vida social. A base dessediscurso ancora-se naDeclarao de Hamburgo sobre a Educao de Adultos(1997) em que:

    A educao de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: a chave para o sculo XXI; tanto conseqncia do exerccio da cidadania,como conduo para uma plena participao na sociedade. [...] A educaode adultos pode modelar a identidade do cidado e dar um significado suavida. A educao ao longo da vida implica repensar o contedo que reflitacertos fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais,idioma, cultura disparidades econmicas (BRASIL, 1997, p. 89).

    A rigor, a EJA deve ser pensada no contexto em que ela se desenvolve, isto , comoum modelo pedaggico prprio, a fim suprir suas necessidades bsicas e promover a

    autonomia de seus alunos a fim de que sejam sujeitos do aprender em nveis crescentes de

    apropriao do mundo do fazer, do conhecer, do agir e do conviver (BRASIL, 2000b, p. 35).

    A esse respeito, o Parecer destaca primeiramente a obrigatoriedade da oferta dos

    cursos e exames supletivos por parte do poder pblico, conforme os j citados artigos 37 e 38

    da LDB, garantindo os padres mnimos de qualidade para o reconhecimento dos certificados

    de concluso. (BRASIL, 2000b, p.26). Quanto idade, adverte que mesmo com a reduo daidade mnima para prestar exames supletivos, a EJA no pode servir como um libi para um

    caminho negador de obrigatoriedade escolar de oito anos e justificador de um facilitrio

    pedaggico (BRASIL, 2000b, p. 38).

    No que diz respeito formao docente, enfatiza a necessidade em considerar

    primeiramente o disposto no artigo 22 da LDB n. 9.394/96:

    Art. 22. A educao bsica tem por finalidades desenvolver o educando,assegurar-lhe a formao comum indispensvel para o exerccio da cidadania

    e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    9/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    113

    E tambm atender aos imperativos do artigo 61 da mesma LDB n. 9.394/96:

    Art. 61. A formao de profissionais da educao, de modo a atender aosobjetivos dos diferentes nveis e modalidades de ensino e s caractersticasde cada fase do desenvolvimento do educando, ter como fundamentos:

    I a associao entre teorias e prticas, inclusive mediante a capacitao emservio;II aproveitamento da formao e experincias anteriores em instituies deensino e outras atividades.

    Desse modo, o preparo de um docente para a EJA deve incluir, alm das exigncias

    formativas para qualquer professor, aquelas relativas complexidade desta modalidade de

    ensino considerando s caractersticas de cada fase do desenvolvimento do educando. Deve-se

    tambm buscar a profissionalizao dos docentes sob a forma de cursos de nvel superior ou

    especializao (BRASIL, 2000b, p. 56-57).Quanto s DCNs, consta no Parecer que, sendo a EJA uma modalidade da Educao

    Bsica, deve estar pautada nos mesmos princpios da LDB. Isto , no que se refere aos

    componentes curriculares de seus cursos, deve tomar para si as DCNs do Ensino

    Fundamental e Mdio (BRASIL, 2000, p. 61).

    O relator do Parecer enfatiza: [...] valem, pois, para a EJA as diretrizes do ensino

    Fundamental e Mdio. A elaborao de outras diretrizes poderia se configurar na criao de

    uma nova dualidade. (BRASIL, 2000b, p.61). Por outro lado, esclarece que seguir osreferenciais curriculares para o Ensino Fundamental e Mdio conforme os Pareceres

    CEB/CNE 04/98 e 15/98 e as Resolues CEB/CNE 02/98 e 03/98 no significa uma

    igualdade direta, sendo necessrio uma ressignificao e recontextualizao para a idade e

    caractersticas dos jovens e adultos.

    Essa ressignificao e recontextualizao referem-se elaborao e execuo de

    propostas pedaggicas no interior das escolas que, em sua autonomia, devem disponibilizar

    horrios diferenciados, especialmente no noturno. Essas propostas devem levar em conta oaproveitamento de conhecimentos e experincias adquiridas em outros mbitos fora da escola,

    na utilizao de mdulos, combinao de momentos presenciais e no-presenciais, a insero

    profissional e a busca de melhoria das condies de existncia (BRASIL, 2000b, p. 61-62).

    A nova concepo de EJA expressa pela mudana do termo supletivo para

    Educao de Jovens e Adultos significa [...] a sua forma de insero e um caminho a

    seguir (BRASIL, 2000b, p. 66), e os pontos at aqui destacados apontam que a EJA deve ser

    vista como um direito e no mais como algo compensatrio. Nesta perspectiva, cabe ressaltar,

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    10/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    114

    segundo Carli, que as DCNs recuperam a [...] compreenso da EJA no sentido de nomear

    quem o seu sujeito, oque essa modalidade de ensino, transformando-a no somente em

    direito, mas explicitando aquem competeessa ao (CARLI, 2004, p.102).

    Em dezembro de 2006 foi aprovada a Emenda Constitucional 53 que criou um novofinanciamento para a educao, o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao

    Bsica e Valorizao dos Profissionais da Educao FUNDEB. Partindo do pressuposto de

    que os recursos abrangeriam todas as modalidades da Educao Bsica, criou-se novamente

    uma expectativa de que os investimentos a EJA seriam reconfigurados e obedeceriam ao

    critrio da eqidade (COSTA, 2009).

    No entanto, isso no ocorreu, pois, a Lei Federal n. 11.494/2007 que regulamentou o

    FUNDEB acabou oficializando uma nova discriminao histrica da EJA. Segundo Costa(2009, p.79), o valor aluno/ano destinado a EJA em 2007 era de R$ 662,40, inferior 42,86%

    em relao ao aluno do Ensino Fundamental e 71,43% em relao ao aluno do Ensino Mdio.

    O autor explicita que ficou estabelecido por Lei que a apropriao dos recursos do FUNDEB

    em cada estado para a EJA seria de apenas 15% do total de recursos, o que so visivelmente

    insuficientes para garantir um ensino de qualidade.

    De acordo Di Pierro (2010, p. 954), para que as polticas pblicas possam conferir

    materialidade a concepes mais apropriadas de alfabetizao e educao bsica de qualidade,

    fundamental uma ampliao dos financiamentos da EJA, bem como os recursos do

    FUNDEB, a fim de que se possa reverter, dentre outras necessidades, a situao do

    despreparo e desvalorizao profissional dos educadores que a ela se dedicam.

    Esta modalidade necessita de polticas pblicas preocupadas com a formao

    humana e a cidadania e no apenas com a preparao da mo-de-obra para atender as

    demandas do sistema capitalista (COSTA, 2009). necessrio uma EJA que promova a

    incluso social, que atribua aos alunos o papel de sujeitos ativos no processo da construo do

    conhecimento e no apenas como objetos do mesmo.

    O ENSINO DE HISTRIA NA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS:REFLEXES A PARTIR DO PARECER CNE/CEB 11/2000

    Entender o contexto em que a EJA se desenvolve alunos, professores, concepes,

    polticas e legislaes essencial para se pensar um ensino de Histria que conduza os

    alunos a refletirem, de maneira crtica, a realidade vivida, bem com as relaes que se

    estabelecem entre os seres humanos nas diferentes sociedades.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    11/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    115

    Nessa direo, retomam-se, nesse momento, as trs funes da EJA estabelecidas no

    Parecer CNE/CEB 11/2000, isto , a funo reparadora, equalizadora e qualificadora, no

    intuito de buscar uma interlocuo com questes relativas o ensino de Histria, conscincia

    histrica, competncia narrativa e literacia histrica. Todavia, ressalto que em nenhummomento ser buscado criar frmulas ou modelos para o ensino de Histria na EJA. O

    objetivo apontar caminhos e possibilidades, que por meio de reflexes, possam potencializar

    a constituio de um ensino e aprendizagem com vistas a superar um ensino sem sentido para

    os alunos jovens e adultos.

    Assim, observando a primeira funo destacada no Parecer CNE/CEB 11/2000,

    funo reparadora, nota-se grande nfase dada leitura e escrita como bens relevantes para a

    formao humana e o exerccio da cidadania. Para o relator Jamil Cury, negar o acesso aossaberes e aos meios de obt-los implica em srias divises na sociedade (BRASIL, 2000b).

    Sabe-se que no mundo contemporneo, as novas competncias exigidas pelas

    transformaes polticas, econmicas e sociais, bem como a presena dos meios de

    comunicao, pautados em novas tecnologias, requerem dos indivduos mltiplos saberes sem

    os quais tornam difcil novas formas de inseres e adaptaes na vida cotidiana. No entanto,

    no somente a leitura e a escrita so importantes, mas tambm o conhecimento histrico, pois,

    uma vez que est imbudo de um carter reflexivo e transformador, fornece auxlio na

    percepo do conjunto de movimentos que ocorrem na sociedade.

    Pensar o ensino de Histria, no contexto da EJA, requer tomar por base as

    experincias dos alunos como ponto de partida para que eles se identifiquem como sujeitos da

    Histria e da produo do conhecimento histrico (RIAL, 2007). necessrio considerar que

    eles so pessoas inseridas no mundo do trabalho e das relaes interpessoais de modo

    diferente da criana e do adolescente, carregam consigo uma trajetria de vida mais longa e

    de complexas experincias e conhecimentos acumulados sobre o mundo, sobre si e os outros.

    (OLIVEIRA, 2001).

    Desenvolver um trabalho com base nessas experincias, segundo Adriane Rial (2007,

    p. 66), remete compreenso de que uma das funes do ensino de Histria consiste

    justamente na possibilidade de alunos e professores intervirem na realidade em que vivem a

    partir de dilogos estabelecidos entre o presente e o passado. Torna-se imperativo

    compreender a sala de aula como um espao propcio para o compartilhamento de

    conhecimentos, ou segundo Schmidt (2002, p. 57) como um espao onde uma relao de

    interlocutores constroem sentidos.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    12/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    116

    No mbito do Parecer CNE/CEB 11/2000, a funo reparadora representa uma

    oportunidade concreta de jovens e adultos na escola e uma alternativa vivel mediante as suas

    especificidades scio-culturais. (BRASIL, 2000b, p.9). O espao escolar deve possibilitar

    ampliao das relaes sociais e a construo de conhecimentos, adequando-se snecessidades de aprendizagem dos jovens e adultos.

    necessrio, desse modo, buscar nas caractersticas dos alunos os elementos para

    debates e reflexes acerca de questes histricas que visem superar a simples reproduo do

    conhecimento. Com isso, professores e alunos podem construir no espao escolar um local

    que possibilite o entendimento da realidade, e tambm, de acordo com Cerri (2011, p. 126),

    da compreenso da diferena, da alteridade, tanto para ensinar a convivncia nas sociedades

    quanto para ensinar a julgar o prprio sistema poltico e social vivido.A segunda funo descrita no Parecer, funo equalizadora, caracteriza-se pela

    igualdade de oportunidades, isto , a possibilidade de novas inseres no mundo do trabalho,

    na vida social e nos diversos espaos de trocas e exerccios de cidadania (BRASIL, 2000b).

    Por essa funo, que concebe a educao como uma chave indispensvel para o

    exerccio da cidadania, argumenta-se que possvel o jovem e o adulto retomar seu potencial

    nos diversos mbitos da vida, adquirir novos conhecimentos, mostrar habilidades, trocar

    experincias e ter acesso novas dimenses do trabalho e da cultura. (BRASIL, 2000b, p. 10).

    Essa tarefa de proporcionar a todos os jovens e adultos, antes excludos da escola, a

    atualizao de conhecimentos por toda a vida, articula-se com a terceira funo da EJA, a

    funo qualificadora.

    Essa terceira funo pauta-se pela incompletude do ser humano que possui pleno

    potencial de se qualificar, requalificar e descobrir novos campos de experincia e atuao

    como realizao de si. Nessa linha de raciocnio, o relator do Parecer afirma que:

    [...] os termos jovens e adultos indicam que, em todas as idades e em todasas pocas da vida, possvel se formar, se desenvolver e constituirconhecimentos, habilidades, competncias e valores que transcendam osespaos formais da escolaridade e conduzam realizao de si e aoreconhecimento do outro como sujeito (BRASIL, 2000b, p. 12).

    Nota-se a preocupao do relator em referenciar a EJA como um local de formao

    humana que permite novas oportunidades aos indivduos a adquirirem competncias para o

    mundo do trabalho, a vida social e principalmente a cidadania. Tais consideraes levam-nos

    a questionar: possvel estabelecer uma relao entre a funo equalizadora, a funo

    qualificadorae o ensino de Histria?

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    13/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    117

    Argumenta-se que o possvel entrelaamento entre o ensino de Histria e as funes

    acima destacadas reside para alm do aspecto formativo que visa o trabalho ou cidadania.

    mais do que isso. O conhecimento histrico, segundo Cerri (2011, p. 112) possibilita o

    alargamento de horizontes e a ascenso de formas mais complexas de pensamento, isto ,fornece auxlio para que os indivduos no sejam suscetveis aos diversos tipos de

    manipulaes. Fonseca (2012, p. 151) corrobora essa apreenso afirmando que somente um

    ensino de Histria que valoriza a problematizao, a anlise e a crtica da realidade que pode

    conceber alunos e professores como sujeitos da Histria. Esses indivduos, os sujeitos

    histricos, so aqueles atuam do cotidiano, nos diversos espaos de convivncia, de lutas

    relutas e trocas de experincia.

    Nessa perspectiva, fundamental pensar um ensino de Histria que considere noapenas as experincias de vida dos alunos, mas tambm seu pensamento histrico, ou seja,

    suas ideias, conceitos e saberes sobre a Histria. A respeito disso, Cerri enfatiza:

    [...] o ensino escolar de historia, portanto, no dar algo a quem no tem,no dar saber ao ignorante, mas gerenciar o fenmeno pelo qual ossaberes histricos so colocados em relao, ampliados, escolhidos emodificados. Nada pode ser mais prejudicial para isso do que uma tbuainflexvel de contedos selecionados previamente e fora da relaoeducativa. (CERRI, 2011, p. 69).

    Para o enfrentamento de tais dilemas na educao bsica, e em especial, na EJA,

    apresenta-se, nesse momento, uma possibilidade reflexiva a partir das elaboraes de Rsen

    (2010a; 2010b) e Lee (2006) acerca da conscincia histrica, competncia narrativa, literacia

    histricae suas perspectivas para o ensino e aprendizagem de Histria.

    Rsen (2001) concebe a conscincia histrica como uma constante antropolgica, um

    fenmeno pelo qual o ser humano interpreta suas experincias no tempo em funo de suas

    intenes e objetivos. Trata-se de uma forma de articulao das dimenses temporais

    (passado, presente e futuro) que proporciona aos seres humanos, mediante o ato reflexivo,

    orientaes para a vida cotidiana. Ter conscincia histrica no um privilgio de poucos

    indivduos dotados de uma capacidade analtica superior, mas algo inerente a prpria

    historicidade humana. Pais (1999) afirma que na conscincia histrica esto presentes

    mltiplas representaes e, no final, so elas que conferem sentido Histria.

    Rsen (2010a) postula que h uma competncia especfica primordial da conscincia

    histrica: a competncia narrativa. Essa competncia, segundo o autor, pode ser definida

    como [...] a habilidade da conscincia humana para levar a cabo procedimentos que do

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    14/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    118

    sentido ao passado, fazendo efetiva uma orientao temporal na vida prtica presente por

    meio da recordao da realidade passada (RSEN, 2010a, p. 59).

    Sendo a conscincia histrica uma operao mental de atribuio de sentido ao

    tempo, a competncia narrativa pode ser definida de acordo com trs elementos queconstituem uma narrativa histrica: contedo, forma e funo. O contedo pode ser entendido

    como competncia para experincia histrica, a forma como competncia para

    interpretao histrica e a funo como competncia para orientao histrica. Na viso de

    Rsen (2010b) essas trs competncias representam as trs dimenses da aprendizagem

    histrica, sendo que sua especial importncia no o desenvolvimento de uma competncia,

    mas sim, a relao harmoniosa entre elas.

    A competncia de experincia representa a capacidade de se olhar para o passado ediferenci-lo do presente. Segundo Rsen (2010b), a aprendizagem por meio das operaes

    narrativas da conscincia histrica aumenta o conhecimento quando se desvela o que

    aconteceu no passado. Entretanto, necessrio que esse passado tenha significado para o

    presente de modo a auxiliar na orientao da vida prtica das pessoas. O autor faz a seguinte

    ressalva:

    [...] Nada histrico simplesmente porque tem um passado. O carterhistrico de algo existente est em uma qualidade especfica do tempo: a

    experincia, assim, a diferena qualitativa entre o passado e o presente. Aaprendizagem histrica est preocupada com o fato de que o passado umtempo qualitativamente diferente do presente e se tornou o tempo presente.(RSEN, 2010b, p. 85).

    A competncia de interpretao supe a habilidade de se reduzir as diferenas de

    tempo entre passado, presente e futuro, atravs de uma concepo e atribuio de significado

    ao todo temporal. Rsen (2010b) afirma que nessa dimenso da aprendizagem ocorre um

    aumento do conhecimento que por sua vez, transformado numa mudana produtiva no

    modelo ou padro de interpretao. Esses modelos atribuem significado histrico aos fatos e

    estabelecem as diferenciaes de acordo com pontos de vista acerca do que importante.

    Estes modelos de interpretao decidem quais so os elementos daexperincia histrica e do conhecimento histrico que so especificamentehistricos, os quais estabelecem o seu status especfico no tempo quefazem parte dos contedos da histria (RSEN, 2010b, p. 86).

    A competncia para orientao representa a capacidade de utilizao do todo

    temporal, com seu contedo de experincia, cuja finalidade a orientao da vida prtica.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    15/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    119

    Implica em guiar as aes por meio da articulao entre identidade humana e conhecimento

    histrico. Essa competncia volta suas preocupaes para a funo prtica da experincia

    histrica significativa, ou seja, o uso do conhecimento histrico utilizado pelas pessoas em

    seu cotidiano. Rsen destaca a importncia da apreenso da orientao interna (identidade) eexterna (alteridade):

    A natureza e a arte da orientao interna e externa de acordo com o seuprprio ser no tempo devem ser apreendidas. Isso j deve ser levado emconta na aquisio de um modelo para a interpretao, uma vez que estemodelo deve conter as categorias ensinveis para a interpretao do curso dotempo isto , a para o passado, o presente e o futuro. A competncia paraorientao de si, historicamente, a habilidade em aplicar este modelo, o

    qual preenchido pelo conhecimento e pela experincia, para situaes da

    vida e para formular, assim, como refletir, sobre seu prprio ponto de vista

    na vida presente(RSEN, 2010b, p. 86-87. Grifos meus).

    As trs operaes da conscincia histrica, juntamente com as dimenses da

    aprendizagem histrica se relacionam mutuamente. No h como pensar a experincia

    histrica sem significado, tampouco orientao histrica sem experincia. Todos se

    relacionam ao mesmo tempo, o que demonstra a complexidade da aprendizagem histrica,

    que possui dois plos: o da aquisio da experincia e a descoberta de si mesmo nos

    movimentos da conscincia histrica (RSEN, 2010b).

    Dias (2007, p. 47) indaga que a aprendizagem considerada como especifica dos

    procedimentos mentais da conscincia histrica, a quantidade dos conhecimentos que as

    pessoas possuem no um critrio adequado para avaliar o seu desenvolvimento. Por outro

    lado, quando o sujeito aprende Histria a fim de utiliz-la para analisar determinados aspectos

    de sua vida prtica cotidiana, possvel inferir que houve aprendizagem.

    A perspectiva da conscincia histrica prope, como objetivo para o ensino de

    Histria, o desenvolvimento das trs dimenses da aprendizagem histrica experincia,

    forma e funo instigando os alunos a refletirem sobre o passado como uma possibilidadede orientao no tempo, trazendo passado, presente e futuro para uma estreita relao que

    fornea subsdios para que vivam suas vidas como seres de forma ativa e reflexiva (DIAS,

    2007).

    importante destacar que o potencial da narrativa enquanto instrumento de

    pensamento e expresso da conscincia histrica, ganha sentido em um contexto em que o

    ensino de Histria tenha por finalidade o desenvolvimento das competncias narrativas.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    16/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    120

    Com base nesses argumentos, alguns questionamentos podem ser levantados: como

    promover um ensino que desenvolva as operaes mentais da conscincia histrica e as

    habilidades da competncia narrativa? Quais as perspectivas que o conceito de conscincia

    histrica lana sobre o ensino de Histria?A noo de literacia histrica desenvolvida por Lee (2006), pautado no conceito de

    conscincia histrica de Rsen, fundamental nesse processo. Essa noo parte do princpio

    de que a Histria no apenas o acmulo do passado, mas sim, um conhecimento que

    possibilita os sujeitos agirem de forma intencionada e orientada no mundo.

    De acordo com Lee (2006, p. 136) a literacia exige que os alunos entendam que

    Histria um compromisso de indagao com suas prprias marcas de identificao; exige-

    lhes tambm algumas ideias e caractersticas organizadas e um vocabulrio de expressesespecializadas como passado, presente, organizao, evento, acontecimento, situao, dentre

    outras. Tendo isso em vista, os alunos devem entender que o conhecimento histrico

    possvel; que as explicaes histricas podem ser contingentes ou condicionais; as

    explicaes de determinadas aes requerem reconstrues de crenas do agente sobre

    situaes, valores e intenes relevantes e por fim, que o conhecimento histrico no mera

    cpia do passado, mas pode ser avaliado e questionado.

    Nesse sentido, o trabalho com bases em narrativas histricas pode ser tomado como

    uma referncia no que diz respeito a literacia histrica. Por meio das narrativas nas aulas de

    Histria, torna-se possvel tratar de ideias mais abstratas a respeito de suposies ou crenas

    dos diversos grupos e sociedades do passado, a forma como trabalharam ou fracassaram e

    ainda vislumbrar indcios de suas relaes pessoais (GEVAERD 2009, p. 66-67).

    Para Gevaerd, a utilizao de narrativas uma forma de relatar o passado e, por

    conseguinte, interpret-lo. Por esse fato, as narrativas representam um componente

    significativo do pensamento histrico e uma ferramenta essencial no ensino e aprendizagem

    de Histria. Entretanto, a mesma autora, com base em Husbands (2005), ressalta que as

    narrativas no podem ser um fim em si mesmas, isto , devem ser utilizadas para a

    produo de uma compreenso sobre o passado ou a compreenso histrica.

    A esse respeito, Lee afirma:

    H mais na histria do que somente acmulo de informaes sobre opassado. O conhecimento escolar do passado e atividades estimulantes emsala de aula so inteis se estiverem voltadas somente execuo de idiasde nvel muito elementar, como que tipo de conhecimento a histria, e

    esto simplesmente condenadas a falhar se no tomarem como referncia os

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    17/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    121

    pr-conceitos que os alunos trazem para suas aulas de histria (LEE, 2006, p.136).

    Com base nessas consideraes possvel caracterizar a literacia histrica como a

    capacidade dos alunos de construrem uma imagem da Histria que os levem a se orientaremno tempo. No entanto, isso exige certo domnio de contedos histricos, um conhecimento de

    como desenvolver uma explicao e narrativa do passado, o que pressupe o domnio de

    ideias substantivas7 e ideias de segunda ordem8 que auxiliem na organizao do passado,

    tornando-o assim passvel de conhecimento (LEE, 2006).

    Segundo Lee (2006, p.145), se os alunos forem capazes de se orientar no tempo,

    vendo o presente e o futuro no contexto do passado, e ao mesmo tempo capazes de utilizar

    esse conhecimento em sua vida cotidiana, ento possvel dizer que estes alunos sohistoricamente letrados.

    Nessa direo, Alves (2011, p. 57) afirma que o enlace entre conhecimento e

    pensamento a chave para o desenvolvimento da conscincia histrica. Em outros termos,

    desenvolver uma literacia histrica para o exerccio da prxis no presente com vistas a

    projetar o futuro, significa conhecer, interpretar e trazer a memria o passado histrico de

    modo que este seja utilizado como base analtica o enfrentamento das diversas situaes e

    contextos.

    Cerri, em anlise de alguns aspectos da literacia histrica proposta por Lee, afirma:

    A perspectiva de uma literacia histrica , ou, no uso mais comum noportugus brasileiro um letramento histrico um marco decisivo, poissupera a idia de ensino de Histria como transmisso, rumo idia de umsaber que s concretiza a sua necessidade se aplicvel e faz diferena nacapacidade do sujeito agir no mundo em sintonia com sua progressiva leiturade mundo (CERRI, 2010, p. 270).

    Com isso, possvel considerar que o ensino de Histria capaz de ajudar o aluno a

    abrir novas portas para a sua capacidade de pensar, refletir, definir e atribuir sentido a sua

    experincia do tempo. Com base no princpio de que a conscincia histrica um fenmeno

    social composta por diversos elementos, o papel do ensino de Histria ser um fator

    interveniente nesse fenmeno (CERRI, 2010).

    Cerri (2010, 2011) ainda argumenta que o conceito de conscincia histrica refora o

    princpio de que o trabalho didtico da Histria no est resumido apenas ao ensino do

    7Ideias ou conceitos substantivos podem ser entendidos como: agricultor, impostos, datas, eventos etc.8Ideias ou conceitos de segunda ordem podem ser entendidos como: narrativa, relato, explicao, evidncia etc.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    18/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    122

    passado, mas sim na articulao entre passado, presente e futuro. Mediante o conceito de

    conscincia histrica, entende-se que o valor educativo principal da Histria a formao da

    competncia narrativa, uma vez que ela exige reviso dos contedos e programaes do

    ensino de Histria.O quadro apresentado ao longo desse texto sugere uma alternativa para o

    enfrentamento das dificuldades que existem no campo do ensino e aprendizagem em Histria

    na EJA. Segundo Caimi (2009, p. 79) importante valorizar o conhecimento que os alunos j

    possuem e a maneira como eles mobilizam esses conhecimentos para estabelecer processos

    construtivos prprios, apropriando-se de ferramentas que lhes permitam pensar historicamente

    e dar sentido a sua experincia no tempo no contexto social em que vivem. Em suma, o

    ensino de Histria, no mbito das trs funes da EJA, s ter sentido quando estiver pautadono dilogo e no respeito s experincias dos alunos, bem como em suas ideias e pensamentos

    sobre a Histria.

    CONSIDERAES FINAIS

    Ao longo desse texto, lanou-se um olhar sobre a Resoluo CNE/CEB 01/2000 e o

    Parecer CNE/CEB 11/2000 no intuito de verificar o lugar ocupado pela EJA nesses

    documentos oficiais do governo e quais concepes e conceitos foram atribudos a essa

    modalidade de ensino. Merece destaque a concepo da EJA como um direito imperativo para

    todos que no puderem ter acesso escolarizao. Desse modo, a EJA passou a ser

    caracterizada por uma nova identidade conferida pelas funes de reparadora, equalizadora e

    qualificadora.

    Nessa direo, procurou-se abordar as possibilidades de articulao do ensino de

    Histria junto as rs funes da EJA estabelecidas no Parecer 11/2000. A anlise nos

    conduziu a pensar na importncia de se conhecer a histria da EJA, em perspectiva histrica,

    e tambm, conforme Caimi (2009, p. 79), a valorizar a experincia de vida dos alunos e seus

    conhecimentos, ideias sobre a Histria e o modo como mobilizam esses conhecimentos em

    funo de sua vida prtica no cotidiano. Conhecer o aluno com quem se trabalha, seja ele

    criana, jovem ou adulto, fundamental para que o trabalho docente obtenha sucesso.

    Por ltimo foi proposto uma abordagem do ensino de Histria, na EJA, articulado

    aos conceitos de conscincia histrica, competncia narrativa e literacia histrica, cuja

    reflexo nos mostrou que um ensino que visa dar voz s ideias dos alunos, valoriza os seus

    conhecimentos prvios e suas experincias de vida, certamente contribui decisivamente para a

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    19/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    123

    formao da conscincia histrica, abrindo assim, novas perspectivas de leitura, no apenas de

    textos escritos, mas sim do mundo.

    Em suma, trabalhar com o ensino de Histria, na EJA, tendo em vista a formao da

    conscincia histrica, remete-nos compreenso de que uma das funes do ensino deHistria consiste justamente na possibilidade de alunos e professores intervirem na realidade

    em que vivem a partir de dilogos estabelecidos entre o presente e o passado. Torna-se, pois,

    necessrio compreender a sala de aula como um espao propcio para o compartilhamento de

    conhecimentos, significados, memrias, experincias, expectativas e porque no, esperanas.

    REFERNCIAS

    ALVES, Ronaldo Cardoso.Aprender Histria com Sentido para a Vida: conscincia histricaem estudantes brasileiros e portugueses.2011. Tese (Doutorado). Universidade de so Paulo.Programa de Ps-graduao em Educao. So Paulo 2011.

    BAQUERO, Rute. Educao de Adultos. In: STRECK, Danilo; REDIN, Euclides;ZITKOSKI, Jaime. (Org.).Dicionrio Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica Editora,2009, p. 136-139.

    BERNARDIM, Marcio. Da escolaridade tardia educao necessria: estudo dascontradies da EJA em Guarapuava PR. 2006. Dissertao (Mestrado). UniversidadeFederal do Paran. Programa de Ps-graduao em Educao. Curitiba, 2006.

    BONETE, Wilian Junior.Ensino de Histria, Conscincia Histrica e a Educao de Jovense Adultos. 2013. Dissertao (Mestrado). Universidade Estadual de Londrina. Programa dePs-graduao em Histria. Londrina, 2013.

    BRANDO, Carlos. Mtodo Paulo Freire. In: STRECK, Danilo; REDIN, Euclides;ZITKOSKI, Jaime. (Org.).Dicionrio Paulo Freire. 2 Ed. Belo Horizonte: Autntica, 2009,p. 263-264.

    BRASIL. Conferncia Internacional sobre a Educao de Adultos (V: 1997: Hamburgo,Alemanha): Declarao de Hamburgo: agenda para o futuro. Braslia: SESI/UNESCO,1999.

    BRASIL. Conselho Nacional de Educao. Cmara de Educao Bsica. Resoluo n.01, de

    05 de out. 2000a.BRASIL. Lei n. 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases daeducao nacional.

    BRASIL. Ministrio da Educao. Conselho Nacional de Educao. Cmara de EducaoBsica. Parecer n. 11, de 10.05.2000b. Relator Prof. Carlos R. Jamil Cury. Dispe sobre asDiretrizes Curriculares Nacionais para a Educao de Jovens e Adultos. Braslia. MEC/SEF,2002.

    CAIMI, Flvia Eloisa. Histria escolar e memria coletiva: como se ensina? Como seaprende. In: ROCHA, Helenice Aparecida Bastos; MAGALHAES, Marcelo de Souza;GONTIJO, Rebeca. (orgs.) A escrita da histria escolar: memria e historiografia.Rio deJaneiro: Ed. FGV, 2009, p. 65-80.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    20/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    124

    CARLI, Solange Auxiliadora Souza. Polticas pblicas para a EJA (Educao de Jovens eAdultos) no sistema de ensino de Belo Horizonte no perodo de 1990/2000: ordenamentoslegais e efetivao institucional. 2004. Dissertao (Mestrado). Pontifcia UniversidadeCatlica de Minas Gerais. Programa de Ps-graduao em Educao. Belo Horizonte, 2004.

    CERRI, Luis Fernando. Didtica da Histria: uma leitura terica sobre a Histria na prtica.Revista de Histria Regional. Ponta Grossa, v. 15, p. 264-278, 2010.

    _____.Ensino de Histria e conscincia histrica. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2011.

    COSTA, Antonio Claudio Moreira. Educao de jovens e adultos no Brasil: novos programas,velhos problemas. Cadernos de Pesquisa: pensamento educacional, v. 4, p. 64-82, 2009.

    DI PIERRO, Maria Clara. A educao de jovens e adultos no plano nacional de educao:avaliao, desafios e perspectivas. Educao e Sociedade. Campinas, v. 31, n. 112, p. 939-959, jul/set. 2010.

    DIAS, Maria Aparecida Lima. Relaes entre lngua escrita e conscincia histrica em

    produes textuais de crianas e adolescentes.2007. Tese (Doutorado). Universidade de SoPaulo. Programa de Ps-graduao em Educao. So Paulo, 2007.

    FONSECA, Selva Guimares. Didtica e Prtica de ensino de histria: Experincias,reflexes e aprendizados.13 ed. So Paulo: Papirus, 2012.

    FREIRE, Paulo.Educao como Prtica da Liberdade.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

    _____.Educao e mudana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

    GEVAERD, Rosi Terezinha.A narrativa histrica como uma maneira de ensinar e aprenderhistria: o caso da histria do Paran. 2009. Tese (Doutorado). Universidade Federal doParan. Programa de Ps-graduao em Educao. Curitiba, 2009.

    HADDAD, Srgio; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarizao de Jovens e Adultos. RevistaBrasileira de Educao. So Paulo, n. 14, p. 108-130, mai./ago. 2000.

    ______.Ensino supletivo no Brasil: o estado da arte.Braslia: INEP, 1987.

    HUSBANDS, C. R. What is history teaching? language, ideas, and meaning in learningabout the past.Buckingham: Open Press University Press, 2005.

    LEE, Peter. Em direo a um conceito de literacia histrica. Educar. Curitiba, NmeroEspecial, p. 131-150, 2006.

    OLIVEIRA, Marta Kohl. Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem.In: RIBEIRO, Vera Masago (Org.) Educao de Jovens e Adultos: novos leitores, novas

    leituras. Campinas: Mercado de Letras; So Paulo: Ao Educativa, 2001.PAIS, Jos Machado. A conscincia histrica e identidade: os jovens portugueses numcontexto europeu.Oeiras: Celta: 1999.

    PAULA, Claudia Regina de; OLIVEIRA, Mrcia Cristina de. Educao de jovens e adultosao longo da vida.Curitiba: IBPEX, 2011.

    RIAL, Adriane Cristina Pires.Avaliao de Aprendizagem na Educao de Jovens e Adultos -Prticas correntes no Ensino Mdio, em Histria. 2007. Dissertao (Mestrado). Universidadede Santos. Programa de Ps-graduao em Educao. Santos, 2007.

    ROMO, Jos. Educao. In: STRECK, Danilo; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime.

    (Org.).Dicionrio Paulo Freire. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 2009, p. 133-136.

  • 7/25/2019 ARTIGO OFICIAL - FRONTEIRAS - REVISTA DE HISTORIA.pdf

    21/21

    Fronteiras: Revista de HistriaA Educao de Jovens e Adultos no Brasil: reflexes no Plano Legislativo e as contribuies do Ensino de Histria para a

    formao da conscincia histrica dos alunos - Wilian Junior Bonete

    Fronteiras: Revista de Histria | Dourados, MS | v. 17 | n. 30 | p. 105 - 125 | Jul. / Dez. 2015

    RSEN, Jrn. Razo histrica. Teoria da histria: os fundamentos da cincia histrica.Braslia: EdUnB, 2001.

    _____. Experincia, interpretao, orientao: as trs dimenses da aprendizagem histrica.In: SCHMIDT, Maria; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevo (Org.).Jrn Rsen e o Ensino de

    Histria. Curitiba: Editora UFPR, 2010b, p. 79-91._____. O desenvolvimento da competncia narrativa na aprendizagem histrica: umahiptese ontogentica relativa a conscincia moral. In: SCHMIDT, Maria; BARCA, Isabel;MARTINS, Estevo (Org.). Jrn Rsen e o Ensino de Histria. Curitiba: Editora UFPR,2010a, p. 51-77.

    SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formao do professor de histria e o cotidiano na sala deaula. In: BITTENCOURT, Circe M. F. (Org.). O saber histrico na sala de aula.So Paulo:Contexto, 2002, p. 54-66.

    SCORTEGAGNA, Paola Andressa. Anlise Histrica da Educao de Jovens e Adultos noBrasil.Anais online da VI Jornada do HISTEDBR. Campinas, FE/UNICAMP, 2005.

    RECEBIDO EM: 09/08/2015

    APROVADO EM: 26/11/2015