AVALIAÇÃO DO USO DA VITAMINA K COMO RASTREADOR DE … · 2015 . 2 ALLAN CARNEIRO DE SOUZA...

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE FARMÁCIA MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ALLAN CARNEIRO DE SOUZA AVALIAÇÃO DO USO DA VITAMINA K COMO RASTREADOR DE EVENTOS ADVERSOS HEMORRÁGICOS POR VARFARINA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE HOSPITAL GERAL E INSTITUIÇÃO ESPECIALIZADA EM CARDIOLOGIA Orientador: Dr. Evandro Tinoco Mesquita Co-orientador: Dra. Selma Rodrigues de Castilho NITERÓI 2015

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    UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

    FACULDADE DE FARMÁCIA

    MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DA

    ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

    ALLAN CARNEIRO DE SOUZA

    AVALIAÇÃO DO USO DA VITAMINA K COMO

    RASTREADOR DE EVENTOS ADVERSOS HEMORRÁGICOS

    POR VARFARINA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE

    HOSPITAL GERAL E INSTITUIÇÃO ESPECIALIZADA EM

    CARDIOLOGIA

    Orientador: Dr. Evandro Tinoco Mesquita

    Co-orientador: Dra. Selma Rodrigues de Castilho

    NITERÓI

    2015

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    ALLAN CARNEIRO DE SOUZA

    AVALIAÇÃO DO USO DA VITAMINA K COMO

    RASTREADOR DE EVENTOS ADVERSOS HEMORRÁGICOS

    POR VARFARINA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE

    HOSPITAL GERAL E INSTITUIÇÃO ESPECIALIZADA EM

    CARDIOLOGIA

    Dissertação apresentada à Faculdade de

    Farmácia da Universidade Federal Fluminense

    para obtenção do título de mestre no Programa

    de Pós-Graduação em Administração e Gestão

    da Assistência Farmacêutica.

    Orientador:

    Prof. Dr. Evandro Tinoco Mesquita

    Niterói

    2015

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    ALLAN CARNEIRO DE SOUZA

    Avaliação do uso da Vitamina K como rastreador de eventos adversos hemorrágicos por

    varfarina: um estudo comparativo entre Hospital Geral e Instituição Especializada em

    Cardiologia

    Dissertação apresentada à Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense como

    requisito para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Administração

    e Gestão da Assistência Farmacêutica.

    Aprovada em __ /__ /2015

    ORIENTADOR

    ___________________________________________________

    Prof. Dr. EVANDRO TINOCO MESQUITA – Orientador

    Universidade Federal Fluminense - UFF

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________

    Prof.ª Dra. CARLA VALÉRIA VIEIRA GUILARDUCCI-FERRAZ

    Universidade Federal Fluminense - UFF

    ____________________________________________

    Profa. Dra. ELISANGELA DA COSTA LIMA DELLAMORA

    Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

    Niterói

    2015

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    DEDICATÓRIA

    Aos meus pais, Maria da Conceição e César, (in memorian) pelo apoio incondicional e

    exemplo de vida.

    Á minha avó, Denair, pelo grande amor e carinho.

    Ás minhas irmãs, Iane e Giane, pela amizade e momentos felizes.

    Aos meus amigos, Rosemburg Vargas, Leandro Avellar, Jader Gadini, Orlienes Muniz, Régis

    Simionato, Isabela Laudares, Cristina Pinho, Palloma Sobrinho, Bruna Giestal, Juliane

    Bacellar e Lidiane Gomes por sempre serem fiéis e estarem presentes nas minhas vitórias,

    alegrias e tristezas.

    Ás minhas primas queridas, Amanda, Jaqueline e Jéssica, pelo carinho e presença fiel na

    minha vida.

    Aos meus tios, pela consideração, carinho e respeito.

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus, por permitir o meu crescimento profissional. Obrigado Meu Deus pela

    tua grandeza, pelo seu amor incondicional. Obrigado pelo carinho, pelo cuidado, por nunca

    desistir de mim, por ter permitido chegar até aqui e pela força que me destes nos momentos

    em que pensei em desistir.

    Ao professor e Doutor Evandro Tinoco Mesquita pela orientação e conhecimentos cedidos

    para que esse trabalho fosse concluído.

    À professora e Doutora Selma Rodrigues de Castilho por ter aberto às portas para mim me

    possibilitando viver este mundo acadêmico. Agradeço também pelos ensinamentos e

    conhecimentos cedidos para conclusão desta dissertação. Por fim sou grato pela paciência,

    confiança e amizade.

    Agradeço também à professora e Doutora Sabrina Calil Elias pela importante contribuição ao

    meu aprendizado acadêmico.

    Aos profissionais do Hospital Público de Macaé, incluindo os funcionários do arquivo

    médico. Agradeço em especial à minha coordenadora Thalita Ramalho de Oliveira, ao

    farmacêutico Igor Assis e aos auxiliares de farmácia que fizeram parte do meu plantão no

    período em que fiz a coleta de dados.

    A minha preceptora da residência no Instituto Nacional de Cardiologia Flávia Valéria dos

    Santos Almeida e a minha R1 Roseanne Marques Brasil pela amizade e cooperação.

    Á farmacêutica e amiga Cristina Pinho que foi para mim desde a época em que fui acadêmico

    no Hospital Municipal Souza Aguiar referência de profissional dedicada e competente.

    Agradeço também por ter me concedido a primeira oportunidade de emprego e pela amizade

    fiel que se estende por todo esse tempo.

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    À minha mãe, minhas irmãs e minha avó pelo apoio, amor e incentivo ao longo desses dois

    anos.

    Aos meus amigos citados na dedicatória pela amizade, respeito e companheirismo

    compartilhado ao longo do tempo.

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    Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou

    chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar, porque descobri, que no caminho

    incerto da vida, que o mais importante é o decidir."

    Cora Coralina

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    RESUMO

    O uso seguro de medicamentos faz parte do Programa Nacional de Segurança do Paciente. A

    moderna assistência farmacêutica no ambiente hospitalar lidera os processos de

    farmacovigilância e de boas práticas, particularmente em relação aos medicamentos de alto

    risco. A varfarina é um medicamento de baixo custo utilizado na prevenção de eventos

    tromboembólicos, porém apresenta baixo índice terapêutico podendo ocasionar sérias

    complicações hemorrágicas, inclusive acarretar hospitalização, portanto um exemplo de

    medicamento de alto risco. É importante se conhecer a efetividade da vitamina K como

    rastreador de EA (eventos adversos) causados por varfarina para entendermos a magnitude

    deste problema no ambiente dos pacientes atendidos pelo SUS. O objetivo deste estudo foi

    comparar a utilidade do uso da vitamina K como rastreador de eventos adversos hemorrágicos

    (EAH) em dois centros hospitalares (Hospital Geral x Hospital Especializado em Cardiologia)

    que atendem pacientes do SUS. O estudo foi realizado em dois centros: um hospital público

    de referência em cardiologia localizado na cidade do Rio de Janeiro (Hospital E) e um

    hospital público geral e de emergência do município de Macaé (Hospital G). O método dos

    rastreadores ou trigger tools foi aplicado para análise retrospectiva da utilização da vitamina

    K (fitomenadiona) como rastreador de eventos adversos hemorrágicos causados por varfarina.

    As principais variáveis determinadas no estudo foram: rendimento da vitamina K em detectar

    eventos, classificação dos eventos adversos a medicamentos (EAM) quanto à causalidade

    através do algoritmo de Naranjo e quanto ao grau de dano. Outros indicadores calculados

    foram taxa de eventos adversos como causa de admissão hospitalar e tempo médio para

    análise dos prontuários que foi determinado apenas no Hospital G. O uso da vitamina K foi

    avaliado em 46 prontuários no Hospital E e 54 prontuários no Hospital G. No Hospital G dois

    pacientes sofreram sangramentos pelo uso de varfarina, resultando assim em um rendimento

    de 3,7% (2/54) na capacidade da vitamina K em detectar eventos adversos hemorrágicos, bem

    inferior ao rendimento deste rastreador encontrado no Hospital E que foi de 30,4% (14/46).

    Na análise da causalidade dos danos hemorrágicos, todos os eventos adversos, identificados

    em ambos os hospitais foram classificados como prováveis após a aplicação do algoritmo de

    Naranjo. Grande parte dos EA identificados nos dois centros foram classificados como H,

    onde houve necessidade de medidas de suporte à vida como infusão de plasma e ou hemácias.

    No Hospital E a idade média dos pacientes que sofreram EA hemorrágicos foi 57,4 anos

    (dp=15,2). Em relação ao estudo realizado no Hospital G, os dois pacientes que apresentaram

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    EAH tinham idade superior a 70 anos. No Hospital E, em 50% (7/14) dos pacientes, a

    hemorragia foi a causa da internação. Enquanto no Hospital G os dois pacientes que sofreram

    EAH por varfarina foram internados devido a ocorrência do sangramento. No estudo realizado

    no Hospital E treze pacientes que sofreram EAH tinham RNI ≥ 6. O odds ratio (od) de EAH

    com RNI ≥ 6 foi de 24,9. No estudo do Hospital G não foi possível calcular o odds ratio, pois

    raramente havia registro dos valores de RNI. Conclusão. No Hospital G o uso da vitamina K

    como rastreador esteve pouco associado a eventos adversos hemorrágicos por varfarina.

    Enquanto no hospital cardiológico foi observada elevada associação.

    Palavras-chave: vitamina K, eventos adversos a medicamentos, varfarina, rastreadores,

    segurança do paciente.

  • 11

    ABSTRACT

    The safe use of medicaments is part of the Brazilian Patient Safety Programme. Modern

    pharmaceutical care in the hospital domain is the chief item in the processes of

    pharmacovigilance and good practices, particularly as regards high-risk medications.

    Warfarin is a low-cost medication used in the prevention of thromboembolic events, but has a

    low therapeutic index, and may cause severe haemorrhagic complications, including the need

    for hospitalisation, being therefore a high-risk medication. Knowing how effective vitamin K,

    as a trigger of haemorrhage Adverse Events (AEs) caused by warfarin, is important to

    understand the magnitude of the problem in the realm of the patients of the SUS (Brazilian

    Health System). The objective of this study was to compare the usefulness of the use of

    Vitamin K as a trigger of adverse haemorrhage events in two hospital centres (General

    Hospital vs a Cardiology Specialist Hospital) that care for SUS patients. The study was

    undertaken in two centres: a public Cardiology reference hospital in the city of Rio de Janeiro

    (Hospital E) and a public general and emergency hospital in the city of Macaé (Hospital G).

    The trigger tools method was applied in a retrospective analysis of the use of Vitamin K

    (phytomenadione) as a trigger of adverse haemorrhage events caused by warfarin. The main

    variables established in the study were: performance of the Vitamin K in detecting events

    (EAH), classification of the adverse drug events (ADEs) as regards the causality via the

    Naranjo algorithm, and as regards the damage level. Other pointers calculated were the rate of

    adverse events as cause for hospital admittance and mean time for the analysis of the medical

    records, done only at Hospital G. The use of Vitamin K was assessed in 46 medical records in

    Hospital E and in 54 medical records in Hospital G. The latter had two patients who

    underwent bleeding through the use of warfarin, thus yielding a 3.7% (2/54) performance rate

    for Vitamin K in detecting adverse haemorrhage events, well below the efficiency for this

    trigger as found in Hospital E, at 30.4% (14/46). In the analysis of causality of the

    haemorrhagic data, all the adverse events identified in both hospitals were rated as probable

    after the application of the Naranjo algorithm. A major part of the AEs identified in the two

    centres was rated as H, where there was a need to deploy life support measures, such as

    plasma and/or red blood cell infusions. The average age, in Hospital E, of the patients that had

    adverse haemorrhage events was 57.4 years (dp=15.2). The study done in Hospital G had two

    patients aged over 70 who experienced SHE. At Hospital E, 50% (7/14) of the patients had an

    haemorrhage as the cause for hospital admission. In Hospital G the two patients who

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    experienced a coumarin-related episode were admitted due to bleeding after the use of

    warfarin. In the study done at Hospital E thirteen patients who went through haemorrhage

    AEs had a RNI ≥ 6. The odds ratio for bleeding with a RNI ≥ 6 was of 24.9. On the other

    hand, in the study done at Hospital G it was not possible to calculate the odd ratio as there

    rarely was a record for the values of the RNI. The use of Vitamin K, as a trigger, at the

    General Hospital was little associated to adverse haemorrhage events due to warfarin. A

    substantial association was observed, however, at the Cardiology Hospital.

    Key words: Vitamin K, adverse drug events, warfarin, triggers, patient safety.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Classificação de dano segundo o NCCMERP Index (Institute for Healthcare

    Improvement), p. 55

    Tabela 2 Distribuição dos EAM do Hospital E conforme a faixa etária, sexo, tempo de

    internação, tipo de unidade de internação e indicação do anticoagulante (N(a)

    =14)., p. 65

    Tabela 3 Resumo dos resultados do Hospital E (N=46)., p. 66

    Tabela 4 Resumo dos resultados do Hospital G (N=54)., p. 67

    Tabela 5 Características dos eventos adversos hemorrágicos do Hospital E., p. 68

    Tabela 6 Características dos eventos adversos hemorrágicos do Hospital G., p. 69

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Evolução dos incidentes envolvendo o paciente (WHO, 2009), p.28

    Figura 2 Diagrama de Venn para incidentes na assistência à saúde (WHO, 2009)., p.

    29

    Figura 3 Fluxograma da obtenção dos indicadores propostos para o estudo., p. 53

    Figura 4 Tipos de hemorragia causada pelo uso de varfarina que implicou na utilização da

    vitamina K no grupo de pacientes do Hospital E (N=14)., p. 60

    Figura 5 Motivo do uso da vitamina K no grupo de pacientes que não sofreu eventos

    adversos no Hospital E (N=32)., 62.

    Figura 6 Tipos de anticoagulantes utilizados pelos pacientes do Hospital E (N=46)., 63

    Figura 7 Motivo do uso da vitamina K no grupo de pacientes que não sofreu eventos

    adversos no Hospital G (N=52)., 64

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Classificação dos erros de medicação (CASSIANI, 2005)., p. 30

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

    AIMS – Australian Incident Monitoring System

    AHCPR - Agency for Health-care Policy and Research

    ANVISA - Agencia Nacional de Vigilância Sanitária

    APSF – Australian Patient Safety Foundation

    CBA – Consórcio Brasileiro de Acreditação

    CEP - Comitê de Ética em Pesquisa

    CID - Classificação Internacional de Doença

    CNMM - Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos

    DP- Desvio-Padrão

    EA – Evento adverso

    EAM - Evento adverso a medicamento

    EAH – Evento Adverso Hemorrágico

    GGTES – Gerência Geral de Tecnologia em Serviço de Saúde

    HPM – Hospital Público Municipal de Macaé

    IHI - Institute for Healthcare Improvement

    INC – Instituto Nacional de Cardiologia

    IOM - Institute of Medicine

    JCAHO - Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations

    LMC – Leucemia Mielóide Crônica

    MS - Ministério da Saúde

    NCC MERP - The National Coordinating Council for Medication Error

    NPSA – National Patient Safety

    OD – Odds Ratio

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    OMS - Organização Mundial da Saúde

    OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde

    PNSP – Programa Nacional de Segurança do Paciente

    QAHCS – Quality in Australian Health Care Study

    RAM - Reação Adversa a Medicamento

    RDC – Resolução da Diretoria Colegiada

    RNI - Razão Normalizada Internacional

    RR – Risco relativo

    SNVS – Sistema Nacional de Vigilância Sanitária

    SUS - Sistema Único de Saúde

    UMC - Uppsala Monitoring Centre

    UTI - Unidade de Terapia Intensiva

    VIGIPÓS – Vigilância Pós Uso das Tecnologias em Saúde

    VPP – Valor Preditivo Positivo

    WHO - World Health Organization

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    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO, p. 20

    2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA, p. 23

    2.1 Anticoagulação Oral, p. 23

    2.2 Eventos adversos a medicamentos (EAM) e a Farmacovigilância, p. 24

    2.3 Segurança do Paciente, p. 26

    2.4 Segurança do Paciente no Brasil, p. 30

    2.5 Métodos de Monitoramento de Eventos Adversos, p. 33

    2.5.1 Notificação Espontânea, p. 33

    2.5.2 Revisão Restrospectiva de Prontuário, p. 34

    2.5.3 Entrevista, p. 35

    2.5.4 Trigger tool ou Método dos Rastreadores, p. 36

    3. OBJETIVOS, p. 50

    3.1 Objetivo geral, p. 50

    3.2 Objetivos específicos, p. 50

    4. METODOLOGIA, p. 51

    4.1 Cenário do estudo, p. 51

    4.1.1 Estudo realizado no Hospital Geral e de Emergência, p. 51

    4.1.2 Estudo realizado no Hospital de Referência em Cargiologia, p. 51

    4.2 Delineamento do estudo, p. 52

    4.3 Coleta de dados, p. 52

    4.4 Processamento e análise dos dados, p. 57

    4.5. Aspectos Éticos, p. 58

    5. RESULTADOS, p. 59

  • 19

    6. DISCUSSÃO, p. 71

    7. LIMITAÇÕES DO ESTUDO, p. 80

    8. CONCLUSÕES, p. 81

    9. IMPLICAÇÃO CLÍNICA, p. 82

    10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 83

    11. APÊNDICE, p. 102

    11.1 Apêndice 1: Formulário de Coleta de Dados, p.102

    11.2 Apêndice 2: Formulário de Análise de Causalidade de Reação Adversa pelo

    Algorítmo de Naranjo, p. 103

    12. ANEXOS, p. 104

    12.1. Anexo I: Parecer Consubstanciado do CEP do Instituto Nacional de

    Cardiologia, p. 104

    12.2 Anexo II: Folha de rosto do projeto de pesquisa submetido ao CEP do

    Instituto Nacional de Cardiologia, p. 105

    12.3. Anexo III: Parecer Consubstanciado do CEP do projeto de pesquisa

    realizado no Hospital Geral e de Emergência, p.106

    12.4. Anexo IV: Folha de Rosto do projeto de pesquisa submetido ao CEP da

    Universidade Federal Fluminense, p. 110

    12.5. Anexo V: Declaração da Instituição Co-participante, p. 111

    12.6. Anexo VI: Roteiro para Aplicação do Algorítmo de Naranjo. (NARANJO

    et al., 1981), p. 112

    12.7. Anexo VII: Fluxograma de Análise do Grau da Dano do Evento Adverso a

    Medicamentos (EAM) – NCCMERP Index, p. 116

    12.8. Anexo VIII: Relação de Rastreadores padronizada pelo Instituto for

    Healthcare Improvment (IHI) (GIFFIN e RESAR, 2009), p. 117

    12.9 Anexo IX: Aceite de Publicação dos Resultados do Hospital Especializado

    (Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada), p. 118

  • 20

    1. INTRODUÇÃO

    O uso seguro de medicamentos faz parte do Programa Nacional de Segurança do

    Paciente. A moderna assistência farmacêutica no ambiente hospitalar lidera os

    processos de farmacovigilância e de boas práticas, particularmente em relação aos

    medicamentos de alto risco. O desenvolvimento da farmacovigilância é hoje uma

    política que se consolida nas instituições hospitalares do país.

    A anticoagulação oral tem sido cada vez mais empregada na prevenção de

    fenômenos tromboembólicos em diversas situações clínicas (JACOBS, 2008). O

    alcance do RNI (Razão Normalizada Internacional) alvo e a manutenção do nível

    adequado da anticoagulação é uma preocupação constante, pois múltiplos fatores podem

    interferir neste objetivo terapêutico, como por exemplo, a presença de co-morbidades,

    interações medicamentosas, fatores genéticos, alimentação e adesão ao tratamento

    Torna-se imprescindível o controle cuidadoso em intervalos regulares, para evitar o

    aparecimento de eventos adversos (EA) (FIHN et al., 1996; SCHULMAN, 2003).

    O índice terapêutico da varfarina é estreito e seu uso requer cuidados especiais,

    inclusive com a alimentação. O potencial de interação medicamentosa deste fármaco é

    elevado, sendo os principais mecanismos a indução enzimática, a inibição de enzimas e

    a redução da ligação às proteínas plasmáticas. É importante ressaltar que as interações

    mais graves são aquelas que aumentam o efeito anticoagulante e o risco de sangramento

    (JACOBS, 2008).

    A notificação espontânea permanece o método mais utilizado e eficiente de

    identificação de reações adversas a medicamentos (RAM) na fase pós-comercialização,

    porém apenas 5% dos eventos adversos são identificados, sendo a subnotificação a

    principal limitação deste método (CULLEN et al., 1995).

    Embora a vigilância passiva (notificação espontânea) seja realmente valiosa, é

    necessário desenvolver atividades de vigilância ativa, as quais proporcionam maior

    sensibilidade para identificar, confirmar, caracterizar e quantificar possíveis riscos. As

    atividades de farmacovigilância ativa incluem a elaboração e desenvolvimento de

    estudos de utilização e segurança pós-registro (OPAS, 2011). Entre as estratégias

    usualmente empregadas, encontra-se a procura de eventos adversos em prontuários,

    prescrições médicas, exames laboratoriais ou através de entrevistas com pacientes e/ou

    prescritores.

  • 21

    A revisão retrospectiva de prontuário é outra abordagem para identificar eventos

    adversos a medicamentos (EAM). No entanto, apresenta o inconveniente de demandar

    muito tempo e recursos humanos (FRANKIN et al., 2010).

    O Institute for Healthcare Improvement (IHI) (2009) desenvolveu um método

    alternativo à revisão tradicional de prontuários, que emprega 74 rastreadores, incluindo

    uso de determinados medicamentos e antídotos, parâmetros laboratoriais, suspensão

    abrupta de algum medicamento e informações sobre o cuidado e a evolução clínica do

    paciente. A identificação de um rastreador pode sinalizar a ocorrência de algum possível

    evento adverso provocado por medicamento, permitindo então que uma investigação

    mais detalhada seja iniciada para verificar se ocorreu ou não dano ao paciente. Este

    método é conhecido como rastreadores ou trigger tools (GRIFFIN e RESAR, 2009;

    ROZICH, HARADEN e RESAR, 2003).

    O objetivo principal do método dos rastreadores consiste na quantificação, detecção

    e rastreamento do resultado dos eventos adversos, permitindo assim uma análise precisa

    dos danos em diferentes ambientes de cuidado. Os dados gerados por esta ferramenta

    podem ser usados para criar um ambiente médico seguro. Este método é

    economicamente viável, começando com abordagem manual, porém, a automação do

    processo facilita a sua execução, além de facilitar a implantação de um estudo

    prospectivo (RESAR, ROZICH e CLASSEN, 2003).

    A vitamina K é utilizada como antídoto para reverter eventos hemorrágicos

    causados por cumarínicos (JACOBS, 2008). Nos Estados Unidos foi realizado um

    estudo retrospectivo em que se empregou a vitamina K e o RNI > 3 visando à

    identificação de eventos adversos hemorrágicos por anticoagulante. Foram encontrados

    169 eventos. Setenta e quatro por cento destes resultaram em necessidade de infusão de

    plasma fresco congelado e 64,8 % dos sangramentos foram classificados como maior.

    Um total de 59,2% dos eventos foram responsáveis pelo menos parcialmente pela

    admissão hospitalar. O RNI médio dos pacientes que tiveram danos foi de 6,1. Quase 80

    % desses pacientes tinham terapia anticoagulante prescrita, mas apenas 60,0% tinham

    plano de acompanhamento em prontuário eletrônico (HARTIS, GUM e LEDERER,

    2005).

    A realização deste estudo buscou avaliar o uso da vitamina K como rastreador de

    eventos adversos hemorrágicos visando subsidiar seu uso como estratégia de

  • 22

    monitoramento ativo de efeitos adversos em serviços de saúde. É importante conhecer a

    efetividade da vitamina K como rastreador de EA hemorrágicos causados por varfarina

    para se entender a magnitude deste problema no ambiente dos pacientes atendidos pelo

    SUS.

  • 23

    2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

    2.1 Anticoagulação Oral

    Os anticoagulantes orais, também conhecidos por agentes cumarínicos, são

    antagonistas da vitamina K, um importante co-fator para a síntese hepática dos fatores

    de coagulação II (protrombina), VII, IX e X. Os representantes disponíveis no mercado

    brasileiro incluem a varfarina e a femprocumona. As indicações para terapia

    anticoagulante permanente incluem a prevenção primária de tromboembolismo na

    fibrilação atrial e em pacientes com próteses cardíacas, além da prevenção secundária

    de tromboembolismo venoso e síndromes coronarianas agudas. O controle laboratorial

    deve ser feito a cada um ou dois dias até que a Razão Normalizada Internacional (RNI)

    recomendada seja atingida. Quando o RNI estabilizar, o controle deve ser semanal e,

    após, mensal (SCHULMAN, 2003). O risco de eventos tromboembólicos está

    aumentado quando o RNI encontra-se abaixo do nível terapêutico e quando acima do

    mesmo, o risco de hemorragias aumenta dramaticamente. (EZEKOWITZ e FALK,

    2004).

    A varfarina é o quarto medicamento cardiovascular mais prescrito nos Estados

    Unidos. No entanto, em 1995 a Agency for Health-care Policy and Research (AHCPR)

    relatou que a varfarina é muito pouco utilizada para a prevenção de acidente vascular

    cerebral. O AHCPR observou que os médicos estão relutantes em receitar a varfarina,

    em parte porque eles não estão familiarizados com as técnicas para administrar o

    medicamento de forma segura e temem que o medicamento possa causar sangramento

    (HORTON, BRUCE e BUSHWICK, 1999).

    Os pacientes que tomam anticoagulantes por via oral têm com frequência valores de

    RNI fora do intervalo terapêutico, aumentando o risco de EA. O melhor controle da

    anticoagulação irá reduzir as taxas de eventos adversos hemorrágicos e

    tromboembólicos (OAKE et al., 2007). A taxa de danos hemorrágicos por pacientes que

    utilizam anticoagulantes é bastante elevada e grande parte deles é de alta gravidade

    (JACOBS, 2008). Muitos eventos adversos por anticoagulantes são evitáveis apesar de

    sua severidade. Os EA causados por este grupo de medicamentos podem potencialmente

    resultar em hospitalização, lesão permanente ou morte (LONG et al., 2010). Sendo

    assim, o elevado risco que este tipo de medicamento representa exige o

  • 24

    acompanhamento e a mensuração dos seus danos para que medidas sejam tomadas para

    preveni-los ou minimizá-los (OAKE et al., 2007).

    Em relação as características farmacocinéticas, a varfarina é uma mistura racêmica

    de esteroisômeros que se ligam 99% à albumina plasmática, sendo biotransformada no

    fígado e rins, com a subseqüente produção de metabólitos inativos, que são excretados

    pela urina. A meia-vida de varfarina racêmica varia de 20 a 60 horas e a duração do

    efeito é de 2-5 dias. A varfarina pode ser detectada no plasma, uma hora após a

    administração oral, e concentrações de pico ocorrem em 2-8 horas. O efeito de uma

    dose máxima ocorre em até 48 horas após a administração e dura cinco dias

    (SCHULMAN, 2003).

    Atua como um antagonista da vitamina K, inibindo redutases envolvidas na síntese

    de hidroquinona a partir do epóxido, particularmente a epóxido-redutase. A inibição da

    conversão cíclica da vitamina K induz a produção e a secreção hepática de proteínas

    descarboxiladas ou parcialmente carboxiladas, que apresentam 10 a 40% da atividade

    biológica normal (SCHULMAN, 2003).

    2.2 Eventos adversos a medicamentos e a Farmacovigilância

    Os eventos adversos a medicamentos (EAM) podem ser definidos como qualquer

    dano ou injúria resultante de uma intervenção clínica relacionada ao uso de

    medicamentos (Bates et al., 1995). Esta definição inclui os danos causados por reações

    adversas e erros de medicação.

    Os eventos adversos a medicamentos (EAM) podem ser causa, prolongar o tempo

    de internação ou contribuir para o óbito. Uma meta-análise estimou, em 1994, que um

    milhão de americanos foram internados em função de eventos adversos a

    medicamentos, tornando os EAM responsáveis por 4,7 % de todas as internações.

    (LEAPE, 1995).

    As reações adversas são definidas pela OMS como qualquer efeito prejudicial ou

    indesejado que se apresente após a administração de doses de medicamentos

    normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma

    enfermidade (WHO, 2013).

  • 25

    A Organização Mundial de Saúde (2002) definiu a farmacovigilância como a

    ciência responsável pela atividade de detecção, avaliação, compreensão e prevenção de

    efeitos adversos ou qualquer outro problema relacionado a medicamento.

    A determinação da correlação de causa-efeito entre o evento adverso e o

    medicamento é difícil de ser estabelecida, principalmente quando o medicamento é

    pouco conhecido ou o evento é resultado de idiossincrasia. A necessidade de se

    identificar e estabelecer a relação de causalidade de um EAM levou ao desenvolvimento

    de algoritmos e tabelas de decisão. (GIORDANI, 2011).

    Entre os algoritmos mais difundidos pode-se citar o de Karch e Lasagna (1977), que

    consiste de questões fechadas com respostas dicotômicas. A combinação dos resultados

    leva ao estabelecimento da força da relação causal. Deve-se considerar como limitação

    deste método, o fato de um evento ser julgado como definido apenas se houver re-

    exposição ao medicamento, com repetição do mesmo. Um grupo de pesquisadores

    utilizando critérios semelhantes, porém mais detalhados, atribuíram valores numéricos

    às respostas, cujo somatório indicaria a força da causalidade (NARANJO et al., 1981).

    O Programa Internacional de Monitoramento preconiza classificar os eventos como

    sugerido pela OMS (2000), ou seja, em definidos, prováveis, possíveis, improváveis,

    condicionais, não classificados, inacessíveis/ não classificado (GIORDANI, 2011).

    Uma revisão sistemática dos eventos adversos a medicamentos ocorridos em

    hospitais encontrou uma variação de 4,4 a 7,0 eventos por 100 pacientes/dia. Estes

    dados reforçam o elevado risco em que os pacientes estão submetidos devido ao uso de

    medicamentos (GIORDANI e ROZENFELD, 2009).

    Apesar dos poucos estudos sobre a frequência de EA em países em

    desenvolvimento e em fase de transição, um estudo transversal estimou a prevalência de

    EA em 58 hospitais situados nos seguintes países: Argentina, Colômbia, Costa Rica,

    México e Peru. A prevalência de EA foi de 10,5%, sendo 60% classificados como

    evitáveis. Este estudo analisou a internação de 11.379 pacientes (REIS, MARTINS e

    LAGUARDIA, 2013).

    No Brasil, uma revisão sistemática estimou que a incidência de EA no país foi

    7,6%, sendo 67% considerados evitáveis. Os eventos mais frequentes foram

    relacionados à cirurgia, seguido por aqueles associados a procedimentos clínicos.

    (Mendes et al., 2009).

  • 26

    O impacto dos custos dos eventos adversos para os sistemas de saúde costuma ser

    mensurado. Um estudo realizado na Alemanha estimou um gasto de €816 milhões de

    euros com internação de pacientes que sofreram EAM no ano de 2007, onde 30% destes

    danos poderiam ser evitados (STARK e JOHN, 2011). Outro estudo realizado nos

    Estados Unidos mostrou que as estimativas de custos associados com a morbidade e a

    mortalidade decorrentes de EAM ultrapassaram $177.4 bilhões dólares no ano 2000

    (STARK e JOHN, 2011).

    2.3 Segurança do Paciente

    Há uma imprecisão conceitual nos termos utilizados para denominar os efeitos

    negativos derivados da utilização dos medicamentos. O termo segurança do paciente

    aplica-se a iniciativas para evitar, prevenir e reduzir resultados adversos ocorridos a

    partir do cuidado à saúde (CASSIANI, 2005).

    A partir de 2000, a segurança do paciente foi inserida na agenda de pesquisadores

    do mundo inteiro e tornou-se internacionalmente reconhecida como uma dimensão

    fundamental da qualidade em saúde. Os EUA e vários outros países com sistemas de

    saúde distintos, dos quais se destacam Inglaterra, Irlanda, Austrália, Canadá, Espanha,

    França, Nova Zelândia e Suécia protagonizaram iniciativas como a criação de institutos,

    associações e organizações voltadas à questão da segurança do paciente (CASSIANI,

    2005).

    A publicação do livro To Err Is Human: Building a Safer Health System (Kohn,

    2000), pelo Insititute of Medicine (IOM), em 1999, chamou a atenção do mundo para

    questões relacionadas à segurança do paciente. O relatório foi baseado em diversos

    estudos que mostraram que os erros de medicação ocasionam 7.391 mortes por ano nos

    Estados Unidos. Cada paciente admitido num hospital sofrerá 1,4 erros de medicação

    durante sua hospitalização e a cada 1000 prescrições feitas poderão ser encontrados 4,7

    erros.

    Em 2003 a The Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations

    (Joint Commission, 2008), agência que regula a acreditação de serviços e sistemas de

    saúde, estabeleceu metas para a segurança do paciente. Ainda nos Estados Unidos, o

    Instituto for Healthcare Improvement (IHI) lançou, em 2004, a campanha The 100.000

    Lives, visando à redução em nível nacional das mortes evitáveis nos hospitais, durante

  • 27

    um período de 18 meses e posteriormente em 2006 foi lançada a campanha The

    5.000000 Lives que almejava uma redução de danos e mortes nos hospitais americanos

    nos próximos dois anos.

    Considerando a magnitude global do problema da segurança do paciente, a

    Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu em 2004 a Aliança Mundial para a

    Segurança do Paciente (World Alliance for Patient Safety) com a presença de vários

    países, inclusive o Brasil. O objetivo dessa iniciativa foi definir e identificar prioridades

    na área de segurança do paciente em diversas partes do mundo e contribuir para agenda

    mundial para a pesquisa no campo (CASSIANI, 2005).

    As deficiências do sistema de prestação de cuidados de saúde, em sua concepção,

    organização e funcionamento são apontadas como principais fatores responsáveis pela

    ocorrência de EA. Os seres humanos cometem falhas, portanto, erros são esperados.

    Sendo assim, é importante tratar os erros como consequências e não como causas. Os

    EA podem ser resultados de problemas na prática, produtos, processos ou sistemas.

    (REIS, MARTINS e LAGUARDIA, 2013).

    A fim de unificar as percepções internacionais das principais questões relacionadas

    à segurança do paciente e para facilitar a descrição, comparação, mensuração, controle,

    análise e interpretação, a OMS elaborou um documento sobre a estrutura conceitual

    envolvendo a segurança do paciente. Neste documento, a segurança do paciente é

    definida como a redução de riscos desnecessários associados à assistência em saúde até

    um mínimo aceitável (WHO, 2009).

    É importante ressaltar que um incidente ou erro pode envolver ou não o dano ao

    paciente. O incidente sem dano é aquele que atingiu o paciente, mas não causou evento

    adverso, como um medicamento administrado erroneamente a um paciente sem que

    nada aconteça ao mesmo. Enquanto o incidente com dano ou evento adverso é um

    incidente que atingiu o paciente e causou EA. A segurança do paciente também se

    preocupa com eventos que podem gerar um potencial para o dano. A OMS define

    circunstâncias notificáveis como aquelas em que não ocorreu o incidente, mas envolve

    evento com expressivo potencial para o dano ao paciente, como um desfibrilador sem

    manutenção, apresentando risco como a probabilidade de ocorrer incidente (WHO,

    2009b).

  • 28

    Alguns erros não resultam em incidentes ou eventos adversos, em geral são

    caracterizados como “quase falhas” ou “near miss” que possui uma definição dúbia

    quando se traduz, onde segundo o documento da OMS esse termo é definido como um

    incidente que não alcançou o paciente, por exemplo, uma bolsa de sangue conectada a

    um paciente errado, entretanto o erro foi detectado antes da infusão iniciar. Por outro

    lado, não seria um quase erro, pois no processo o erro aconteceu, apesar dele não ter

    atingido o paciente. Entretanto, este conceito ainda é utilizado por instituições de

    cuidado, inclusive nos manuais de acreditação da Joint Commission International (Joint

    Commission, 2008). A figura 1 mostra o resumo destes conceitos estruturados pela

    OMS, sendo o ponto mais crítico aquele que atinge o paciente e causa dano, ou seja, o

    evento adverso.

    Figura 1: Evolução dos incidentes envolvendo o paciente (Fonte;. Adaptado de WHO,

    2009).

    O diagrama de Venn abaixo demonstra a relação entre estes conceitos que

    envolvem a segurança do paciente.

  • 29

    Figura 2: Diagrama de Venn para incidentes na assistência à saúde (Fonte; adaptado de

    WHO, 2009b).

    Os erros são observados em todas as fases do sistema de medicação. Um estudo

    mostrou que trinta e nove por cento ocorrem durante a prescrição, 12% na transcrição,

    11% na dispensação e 38% durante a administração. Os profissionais da enfermagem e

    farmacêuticos são responsáveis pela interceptação de 86% dos erros de medicação

    relacionados a erros de prescrição, transcrição e dispensação, Apenas 2% são

    interceptados pelos pacientes (LEAPE et al., 1995). O quadro 1 apresenta a

    classificação para os erros de medicação.

  • 30

    Erros de prescrição Seleção incorreta do medicamento (de acordo com contra-indicação,

    alergias conhecidas e outros fatores); monitoração; dose; via de

    administração, concentração; velocidade de infusão; instruções de uso

    inadequadas feitas por médico; prescrição ilegível ou ordens que possam

    induzir a erro.

    Erros de omissão Não administração de uma dose ou mais de determinado medicamento ao

    paciente.

    Erros devido ao horário Administração do medicamento fora do intervalo de tempo pré-definido.

    Erros de dose Administração de dose maior ou menor do que a prescrita.

    Erros de administração Administração em outras formas que não a prescrita. Erros devido ao

    procedimento ou técnica inapropriados na administração do medicamento.

    Podem ser incluídas aqui doses administradas pela via incorreta (diferente

    da prescrita) ou pela via correta, mas no local errado (troca do olho/ouvido

    esquerdo pelo direito) e os casos em que o padrão de administração não é

    obedecido (ex.: velocidade de infusão).

    Medicamentos

    impróprios para uso

    Medicamento formulado ou manipulado incorretamente (casos de diluição

    e/ou reconstituição incorretas, misturas incompatíveis e armazenamento

    inadequado); administração de medicamentos expirados ou cuja

    integridade física ou química está comprometida (medicamentos com

    prazo de validade vencido ou armazenados incorretamente).

    Erros de adesão Um exemplo é o paciente que se recusa a seguir o regime terapêutico ou

    não aceita a administração de uma dose.

    Erros de transcrição Equívocos na transcrição da prescrição médica manual para o sistema de

    prescrição eletrônica.

    Erros de separação

    /dispensação

    São os desvios que ocorrem no momento da separação e dispensação dos

    medicamentos pelo serviço de farmácia (ex.: dose diferente, outra forma

    farmacêutica e apresentação, outro medicamento diferente do

    originalmente prescrito).

    Quadro 1: Classificação dos erros de medicação (CASSIANI, 2005).

    2.4. Segurança do Paciente no Brasil

    No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), criada no

    governo Fernando Henrique Cardoso em 1999 é a agência governamental que atua na

    área de segurança do paciente cuja função é a promoção da proteção da saúde da

    população. A Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde (GGTES/ANVISA)

    da ANVISA tem realizado as ações propostas pela Organização Mundial de Saúde

  • 31

    (OMS) que buscam a segurança do paciente, minimização dos riscos e a melhoria da

    qualidade em serviços de saúde. Estas ações incluem: a higienização das mãos; os

    procedimentos clínicos seguros; a segurança do sangue e hemoderivados; a

    administração segura de injetáveis e de imunobiológicos e a segurança da água e no

    manejo de resíduos (GOUVÊA e TRAVASSOS, 2010).

    O Brasil é um dos países que compõem a Aliança Mundial para a Segurança do

    Paciente (World Alliance for Patient Safety), estabelecida pela Organização Mundial de

    Saúde, em 2004. O principal propósito dessa aliança é instituir medidas que aumentem a

    segurança do paciente e a qualidade dos serviços de saúde, fomentado pelo

    comprometimento político dos Estados signatários (WHO, 2012). Isso despertou os

    países membros para o compromisso de desenvolver políticas públicas e práticas

    voltadas para a segurança do paciente, incluindo o Brasil (GOUVÊA e TRAVASSOS,

    2010).

    Duas iniciativas não governamentais merecem destaque no Brasil. A criação, em

    1998, do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), representante da Joint

    Commission International no Brasil, (CBA, 2008). E a criação, em 1999, da

    Organização Nacional de Acreditação (ONA), cujo objetivo é implantar processo

    permanente de avaliação e de certificação da qualidade dos serviços de saúde.

    O Brasil possui um sistema nacional de notificações, o NOTIVISA. Este é um

    sistema informatizado na plataforma web, previsto pela Portaria n° 1.660, de 22 de

    Julho de 2009, Portaria n° 529, de 1 de Abril de 2013,do Ministério da Saúde, e RDC n°

    36, de 25 de Julho de 2013, da ANVISA, e desenvolvido para receber as notificações

    de incidentes, eventos adversos (EA) e queixas técnicas (QT) relacionadas ao uso de

    produtos e de serviços sob vigilância sanitária. A ANVISA através do NOTIVISA

    registra os problemas relacionados ao uso de tecnologias e de processos assistenciais,

    por meio do monitoramento da ocorrência de queixas técnicas de medicamentos e

    produtos para a saúde, incidentes e eventos adversos, com o propósito de fortalecer a

    vigilância pós-uso das tecnologias em saúde, conhecida como VIGIPÓS, e na vigilância

    dos eventos adversos assistenciais (BRASIL, 2009).

    Como estratégia para concretizar a Vigilância Sanitária pós-uso e a comercialização

    de produtos (Vigipós), a ANVISA criou em 2002 a rede sentinela. Esta rede, composta

    atualmente por 192 hospitais, funciona como observatório no âmbito dos serviços para o

    http://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/apresenta_ea.htmhttp://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/apresenta_qt.htm

  • 32

    gerenciamento de riscos à saúde, em atuação conjunta e efetiva com o Sistema Nacional

    de Vigilância Sanitária (SNVS). Cada serviço que compõe a Rede possui uma Gerência

    de Risco, que representa a referência interna da Vigipós na sua instituição. Em conjunto,

    esses hospitais monitoram um conjunto de eventos adversos no atendimento aos

    pacientes (ANVISA, 2014).

    Em abril de 2013 com a publicação da Portaria Ministerial (MS) nº 529 de 01/04/13

    foi lançado na sede da OPAS/OMS no Brasil pelo Ministério da Saúde (MS), o

    Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), que tem como objetivo geral

    contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de

    saúde do território nacional (BRASIL, 2013).

    Ao todo seis protocolos vão orientar os profissionais na ampliação da segurança.

    São eles: cirurgia segura, prática de higiene das mãos em serviços de saúde, prevenção

    de úlceras por pressão, prevenção de quedas em pacientes hospitalizados, identificação

    do paciente e segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos (BRASIL,

    2013).

    O protocolo de identificação do paciente tem a finalidade de reduzir a ocorrência de

    incidentes. O processo de identificação deve assegurar que o cuidado seja prestado à

    pessoa para a qual se destina (BRASIL, 2013).

    O protocolo para prevenção de úlcera por pressão visa prevenir a ocorrência dessa e

    de outras lesões da pele, visto que é uma das consequências mais comuns da longa

    permanência em hospitais. Sua incidência aumenta proporcionalmente à combinação de

    fatores de riscos, entre eles, idade avançada e restrição ao leito (BRASIL, 2013).

    O protocolo de segurança na prescrição, uso e administração de

    medicamentos objetiva a promoção de práticas seguras no uso de medicamentos em

    estabelecimentos de saúde (BRASIL, 2013).

    O protocolo para cirurgia segura diz respeito ao estabelecimento de medidas a

    serem implantadas para reduzir a ocorrência de incidentes e eventos adversos e a

    mortalidade cirúrgica, possibilitando o aumento da segurança na realização de

    procedimentos cirúrgicos, no local correto e no paciente correto, por meio do uso da

    lista de verificação de cirurgia segura desenvolvida pela OMS (BRASIL, 2013).

    http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/identi_paciente.pdfhttp://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/upp_revisado.pdfhttp://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/seguran_medica.pdfhttp://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/seguran_medica.pdfhttp://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/prot_cirursegura.pdf

  • 33

    O protocolo para a prática de higiene das mãos em serviços de saúde fornece

    informações sobre a instituição e promoção da higiene das mãos nos serviços de saúde

    do país. Seu intuito é prevenir e controlar as infecções relacionadas à assistência à

    saúde, visando à segurança do paciente, dos profissionais de saúde e de todos aqueles

    envolvidos nos cuidados aos pacientes (BRASIL, 2013).

    O protocolo de prevenção de quedas é a sexta e última norma que tem como meta

    reduzir a ocorrência de queda de pacientes nos pontos de assistência e o dano dela

    decorrente, por meio da implantação/implementação de medidas que contemplem a

    avaliação de risco do paciente, garantam o cuidado multiprofissional em um ambiente

    seguro e promovam a educação do paciente, familiares e profissionais (BRASIL, 2013).

    No mesmo ano foi publicada a RDC 36/2013 que reitera a necessidade do

    monitoramento de eventos adversos para a garantia da segurança do paciente através da

    notificação destes. Esta RDC da Anvisa estabelece a obrigatoriedade de criação de

    Núcleos de Segurança do Paciente nos serviços de saúde e da notificação de eventos

    adversos associados à assistência do paciente (BRASIL, 2013).

    2.5 Métodos de Monitoramento de Eventos Adversos

    2.5.1 Notificação espontânea

    A notificação espontânea permanece o método mais utilizado e eficiente de

    identificação de novas reações adversas a medicamentos (RAM) na fase pós-

    comercialização (CULLEN, 1995). Porém, apenas 5% dos eventos adversos são

    identificados (BÉGAUD, 2002; CULLEN, 1995). Os bancos de dados de eventos

    adversos permitem uma visão mais ampla dos eventos adversos. Existem os internos aos

    serviços de saúde, em especial nos hospitais, ou de base mais abrangente, como alguns

    sistemas de caráter nacional.

    Os bancos de dados que armazenam as notificações de eventos adversos são

    importantes fontes de informações sobre os efeitos indesejáveis dos medicamentos. O

    sistema da National Patient Safety Agency (NPSA) é um dos mais conhecidos para

    notificação de eventos adversos do sistema de saúde do Reino Unido. No Brasil alguns

    grandes hospitais têm sistemas internos de notificação voluntária. A Agência Nacional

    http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/prot_higiene.pdf

  • 34

    de Vigilância Sanitária (ANVISA) lançou em 2009 o NOTIVISA que é um sistema

    informatizado na plataforma web criado para receber as notificações de eventos

    adversos (EA) e queixas técnicas (QT) relacionados a medicamentos e outros produtos

    como agrotóxicos e cosméticos.

    A maioria dos hospitais identifica os eventos adversos a medicamentos usando o

    método de notificação voluntária, mas esta abordagem carece de sensibilidade. (JHA et

    al., 1998). Porém é útil para identificar reações raras ou novas (WATT, 1992;

    BÉGAUD, 2002).

    A subnotificação é um grande problema da notificação espontânea e representa um

    obstáculo para hospitais que monitoram eventos adversos apenas por este método. A

    publicação de três estudos realizados na França mostrou a magnitude da subnotificação

    ao se comparar as reações notificadas com as obtidas através de relatos dos pacientes

    por monitoramento prospectivo, durante o mesmo período. Todos os estudos em

    questão mostraram taxas semelhantes, onde não mais do que 5% das reações adversas

    foram notificadas. É importante ressaltar que o sistema de farmacovigilância francês é

    considerado eficiente podendo ser comparado em termos de qualidade ao sistema de

    notificação dos Estados Unidos (BEGÁUD et al., 2012).

    Várias são as causas apontadas como obstáculos para notificação espontânea como:

    sobrecarga de trabalho, medo de punições, não reconhecimento da importância da

    notificação (KARSH et al., 2006). Métodos para identificar EAM usando dados de

    ensaios clínicos, registros médicos e bases de dados informatizadas dos usuários de

    medicamentos devem ser utilizados para complementar o sistema de notificação

    espontânea (TEJAL et al., 2003).

    2.5.2 Revisão Retrospectiva de Prontuário

    O método de revisão retrospectiva de prontuário é considerado o “padrão ouro”

    para a identificação de eventos adversos, porém tem sido criticado devido ao seu alto

    custo e limitações para o monitoramento da ocorrência de eventos adversos nos serviços

    de saúde (MURFF e al., 2003). A revisão de prontuários geralmente é realizada

    retrospectivamente em uma amostra aleatória de internações (MICHEL, 2003).

    http://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/apresenta_ea.htmhttp://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/apresenta_ea.htmhttp://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/apresenta_qt.htm

  • 35

    A revisão de prontuário identifica mais eventos adversos (EA), porém dependendo

    dos recursos, às vezes é inviável para a monitorização de rotina. Além disso, os

    registros médicos precisam ser lidos com detalhes para se evidenciar o dano (OTERO e

    DOMINGUEZ-FIL, 2000, FRANKIN et al., 2010;). As maiores críticas ao método

    estão relacionadas à sensibilidade alta para detecção de casos graves, mas com a

    possibilidade de subestimar alguns tipos de eventos adversos (MICHEL, 2003).

    Um estudo realizado na Austrália mostrou que uma combinação de

    acompanhamento de notificações espontâneas e revisão de registros médicos deram

    informações úteis sobre os eventos adversos. Os dois métodos se complementam nos

    tipos de eventos adversos que detectam e nas informações que cada um fornece. A partir

    da informação que é recolhida pelos dois métodos, é possível não só conhecer os

    eventos adversos, mas também saber por que eles ocorreram. (MALPASS, 1999).

    2.5.3 Entrevista

    As entrevistas aos pacientes por profissionais de saúde constituem importante

    método de monitoramento de eventos adversos, pois permitem que sejam obtidas

    informações diretas e de forma mais rápida, evidenciando questões que não são

    registradas em prontuários ou outros relatórios. Além disso, as entrevistas permitem

    identificar eventos adversos de menor gravidade que podem ter sido registrados durante

    a internação ou como fonte de informação sobre eventos que ocorrem após a alta do

    paciente. (FORSER et al., 2006).

    Este método é bastante útil na detecção de EAM em pacientes ambulatoriais. É

    importante ressaltar que embora os eventos adversos a medicamentos em pacientes

    internados atualmente recebam considerável atenção, relativamente pouco é conhecido

    sobre a incidência, severidade e prevenibilidade dos EAM em pacientes ambulatoriais.

    (HONIGMAN, 2001).

    Um estudo de coorte prospectivo em pacientes ambulatoriais observou que dos 661

    pacientes que responderam à entrevista, 162 (24,5%) apresentaram EAM, tendo sido um

    total de 181 eventos (27 por cada 100 pacientes). Além disso, 20 (11%) eram

    considerados evitáveis. Os eventos adversos a medicamentos são comuns nos cuidados

    primários e muitos são evitáveis, sendo o monitoramento e a comunicação importantes

    provedores para ajudar a prevenir os eventos adversos relacionados a medicamentos.

  • 36

    Uma poderosa estratégia de monitoramento de eventos adversos a medicamentos tem

    sido a participação do farmacêutico clínico com papel ativo na terapia de cuidado ao

    paciente. Este processo se dá através da utilização de formulários padronizados de

    coleta de dados visando o monitoramento simultâneo do resultado da terapia

    farmacológica em populações específicas de pacientes. A cuidadosa análise e

    interpretação dos dados clínicos trarão informações relevantes sobre o resultado da

    terapia medicamentosa. Este método pode ser aplicado por meio de consulta

    farmacêutica ao paciente que pode ser realizada em visita ao leito ou atendimento a

    pacientes ambulatoriais (TEJAL ET AL., 2003).

    Recentemente foi realizado um estudo observacional descritivo através de dados

    coletados em consultas mensais farmacêuticas e a partir de busca ativa em prontuário

    médico e eletrônico em pacientes com Leucemia Mielóide Crônica (LMC) portadores

    de cromossomo philadélphia positivo. No acompanhamento de 228 pacientes foram

    relatadas 227 reações adversas (214 eventos a cada 100 pacientes) não hematológicas ao

    Mesilanato de Imatinibe por 106 pacientes (46,7%). Deste total de 106 pacientes com

    queixa de reações adversas, 87 relataram melhora após intervenção do farmacêutico

    junto ao paciente ou à equipe de saúde. Este trabalho mostrou a importância da interface

    da farmacovigilância com a atenção farmacêutica realizada em pacientes ambulatoriais

    no monitoramento de EAM através de entrevista ao paciente (LIMA, ALMEIDA e

    QUEIROZ, 2010).

    O método de monitoramento de eventos adversos por entrevista ao paciente

    segundo Michel (2003) se mostrou efetivo e confiável. A maior limitação para seu uso

    está relacionada ao custo, o que não permitiria a incorporação na rotina dos serviços de

    saúde. Um estudo mostrou que o método de entrevista é o que mais detecta eventos

    adversos em pacientes ambulatoriais (30-50%), enquanto a revisão de registros (13%)

    (HONIGMAN et al., 2001).

    2.5.4 Método dos Rastreadores

    O método dos rastreadores ou trigger tool consiste em um método de

    monitoramento ativo de EAM baseado na utilização de marcadores de EAM.

    Introduzido por Jick, em 1974 foi padronizado pelo Institute for Healthcare

    Improvement (IHI) (2004), reeditado e atualizado por este mesmo instituto em 2009 e se

  • 37

    apresenta como alternativa à revisão tradicional de prontuários (RESAR, ROZICH e

    CLASSEN, 2003).

    O IHI padronizou 74 rastreadores, incluindo uso de determinados medicamentos e

    antídotos, parâmetros laboratoriais, suspensão abrupta de algum medicamento e

    informações sobre o cuidado e a evolução clínica do paciente. A identificação de um

    rastreador pode sinalizar a ocorrência de algum possível evento adverso provocado por

    medicamento, permitindo então que uma investigação mais detalhada seja iniciada para

    verificar se ocorreu ou não dano ao paciente (GRIFFIN e RESAR, 2009).

    Evidencias da contribuição do método dos rastreadores

    Vários autores consideram que o monitoramento através de rastreadores pode

    contribuir para a criação de um ambiente mais seguro no campo da utilização de

    medicamentos, por ser capaz de identificar, quantificar e classificar os danos causados

    por fármacos (RESAR et al., 2003; ROZICH et al., 2003; GRIFFIN e RESAR, 2009 e

    SCHILDMEIJER et al.,2013).

    Em 2003, um estudo descreveu o emprego de uma lista de 24 rastreadores em 86

    hospitais, divididos em 4 grupos com base no perfil de serviços prestados. Uma média

    de 2,68 EAM foi identificada para cada 1000 doses de medicamentos administradas. A

    maioria dos eventos (79,9%) envolveu a necessidade de intervenções, com danos

    temporários. No entanto, foram identificados eventos de maior gravidade, inclusive

    relacionados ao óbito do paciente. Os autores apontaram a possibilidade de uso dos

    rastreadores no monitoramento longitudinal de taxas de ocorrência de EAM como

    estratégia para o alcance de maior segurança clínica. Também enfatizam o bom

    desempenho dos profissionais na utilização da ferramenta, com investimento de uma

    hora de treinamento (ROZICH et al., 2013).

    Uma análise por especialistas foi realizada através da avaliação de 100 registros

    eletrônicos, selecionados aleatoriamente em 5 centros urbanos de atenção primária. Os

    autores apontaram a necessidade da adequação do método para a identificação de EAM

    não identificados anteriormente entre pacientes ambulatoriais. Entretanto, questionaram

    a adequação da aplicação método à rotina das unidades de atenção primária, sugerindo

    que sua aplicação poderia ser mais eficiente como ferramenta de auditoria (WET e

    BOWIE, 2009).

  • 38

    Outro estudo identificou a congruência entre diferentes métodos para identificação

    de EAM: (I) indicadores de segurança do paciente (PSI), desenvolvidos pela Agency for

    Healthcare Research and Quality, que se baseia na análise de códigos CID-9 em

    resumos de alta; (II) relato voluntário de eventos pelos provedores e (III) método dos

    rastreadores ou trigger tools, com confirmação pelo médico. Chama a atenção o fato de

    que apenas 6% dos 235 EAM foram identificados por todos os três métodos

    empregados no estudo. Em 27,7% das altas, o método dos rastreadores identificou um

    rastreador e apenas 17% destes casos foram também descritos pelos provedores. Os

    resultados encontrados são condizentes com outro estudo (O´LEARY, 2013), que

    sugere a combinação de métodos para avaliação da segurança do paciente visando

    melhorias internas (NAESSENS et al., 2009).

    O método dos rastreadores também foi utilizado em um estudo visando auxiliar o

    desenvolvimento de uma abordagem prática para a atenção primária em saúde visando

    envolver profissionais na questão da melhoria da segurança no uso de medicamentos. O

    trabalho foi realizado em seis unidades ambulatoriais de saúde, onde foram aplicados 39

    rastreadores para a revisão manual de relatórios. Os rastreadores identificados com mais

    frequência foram a suspensão do uso de um medicamento (VPP 26,3%), hospitalização

    (21,8%) e visita à emergência (14.9%). Cerca de 40 % dos EAM identificados foram

    considerados preveníveis (SINGH et al., 2009).

    O desempenho do método dos rastreadores foi avaliado em termos de

    confiabilidade para uso em estudos nacionais de determinação de taxa de EAM, através

    de um estudo retrospectivo envolvendo a revisão de uma amostra aleatória de 2008

    relatórios de 10 hospitais. Os resultados mostraram alta especificidade, moderada

    sensibilidade e confiabilidade favorável tanto intra quanto inter avaliadores. Desta

    forma, os autores concluíram pela adequação do uso da metodologia em futuros estudos

    baseados em registros hospitalares (SHAREK et al., 2011).

    Um estudo visando à comparação entre métodos de monitoramento de eventos

    adversos foi realizado por pesquisadores americanos. Este trabalho comparou a

    identificação de EAM através da aplicação do método dos rastreadores, da notificação

    voluntária em cada hospital, e da varredura com base nos indicadores propostos pela

    Agency for Healthcare Research and Quality’s Patient Safety Indicators, em 3 hospitais

    americanos. Ao todo, foram identificados 393 EAM, dos quais o método dos

    rastreadores identificou 354, a notificação voluntária identificou 4 EAM e os

  • 39

    indicadores de segurança do paciente dectaram 35 eventos. Os autores concluíram pela

    superioridade do método dos rastreadores frente aos outros dois métodos analisados

    (CLASSEN et al., 2011).

    Outro estudo comparativo também observou maior identificação de EAM através

    do método dos rastreadores em comparação a um sistema de notificação voluntária de

    um setor de reabilitação pediátrica. O autor apontou que 16 dos 17 EAM identificados

    não haviam sido relatados pela notificação voluntária (BURCH, 2011).

    Alguns autores compararam a identificação de EAM por três métodos diferentes no

    atendimento a pacientes com câncer, intra e extra-hospitalares: a busca de palavras

    chave em um banco de dados (The Danish Cancer Society), o método dos rastreadores e

    o relato de pacientes e cuidadores. Embora o método trigger tools tenha identificado

    260 eventos em 572 buscas, os autores ressaltam a limitação da ferramenta por ser

    genérica e desenhada para uso intra-hospitalar e sugerem a combinação de métodos

    como uma estratégia interessante para aumentar a compreensão sobre os riscos e dar

    suporte à ações preventivas (LIPCZAK et al., 2011).

    Por fim, outro estudo realizado um hospital universitário sueco também comparou

    o método dos rastreadores com a notificação espontânea. A utilização do método dos

    rastreadores permitiu a identificação de 33,2 EAM /100 pacientes-dia, enquanto a

    notificação voluntária registrou apenas 6,3% destes EAM (RUTBERG et al., 2014).

    O grau de concordância entre 5 especialistas de diferentes hospitais na identificação

    de EA pelo método dos rastreadores foi avaliado. Os especialistas foram treinados para

    o uso do método dos rastreadores, quanto à ocorrência de eventos adversos. O número

    de eventos identificados variou entre as 5 equipes, de 27,2 a 99,7 EA/1000 hospitais-

    dia. O nível de concordância quanto aos EA variou de 88 a 96%. Os autores

    consideraram que estes resultados não encorajam o uso de rastreadores para a realização

    de comparações entre hospitais diferentes, apontando que, para esta finalidade, são

    necessárias ações substanciais de treinamento, visando obter maior grau de

    concordância entre grupos de revisores (SCHILDMEIJER et al., 2012).

    Um trabalho empregou o método dos rastreadores como forma de identificar

    eventos adversos no processo de avaliação de um programa de melhoria da qualidade

    em atenção primária. O estudo envolveu diferentes braços de instituições que sofreram

    intervenções educativas para melhoria da qualidade (SINGH et al., 2012).

  • 40

    Alguns pacientes ambulatoriais foram monitorados quanto à ocorrência de EAM

    através da utilização de seis rastreadores laboratoriais para identificar EAM em

    pacientes adultos Um total de 516 pacientes foram acompanhados. Os autores

    apontaram a necessidade de que o método sofra algumas adaptações como a revisão do

    limiar de alguns rastreadores, bem como a inclusão de outros, para melhor adaptação à

    realidade ambulatorial (BRENNER et al., 2012).

    O método dos rastreadores também foi aplicado na avaliação da segurança de

    pacientes em dois hospitais da Palestina. Os autores identificaram que um em cada 7

    pacientes sofreu algum dano, 59,3% dos quais seriam preveníveis e 70,4% levaram ao

    aumento do tempo de internação. Os autores apontaram que o uso do método dos

    rastreadores permitiu identificar que os eventos adversos ocorrem em uma proporção 20

    vezes maior do que havia sido relatado até então (NAJJAR et al., 2013).

    O método dos rastreadores tem sido utilizado para determinação da incidência de

    EAM. Um estudo realizado em um hospital terciário do Rio de Janeiro empregou o

    método dos rastreadores e encontrou uma incidência de 14,4% de EAM (ROZENFELD

    et al., 2013).

    A lista de rastreadores do IHI foi emprega em um hospital de ensino Belga. O valor

    preditivo positivo (VPP) ou rendimento dos rastreadores variou de 0 a 0,67, com metade

    deles tendo VPP inferior a 0,2. (CARNEVALI et al., 2013). O mesmo método foi

    aplicado em um hospital de ensino na Coréia, tendo o rendimento dos rastreadores

    variado de 0 (zero) a 1 (HWANG et al., 2014).

    Alguns autores avaliaram uma série temporal de 6 anos em termos de frequência,

    gravidade e possibilidade de prevenção de EAM detectados através do método dos

    rastreadores em um hospital de urgência geriátrica. Os autores relataram a ocorrência de

    29,4 agravos físicos para cada 100 admissões e puderam observar a redução da

    ocorrência e da gravidade dos agravos ao longo do tempo. Entre as ações relatadas no

    período encontra-se o treinamento da equipe de saúde (SUAREZ et al., 2014).

  • 41

    Adaptação do Método:

    Rastreadores têm sido desenvolvidos para populações e ambientes de cuidado

    específicos, incluindo hospitais gerais, unidades cirúrgicas, pediátricas, unidades de

    tratamento intensivo e atenção primária (CHAPMAN et al., 2014), visando facilitar e

    viabilizar a sua implementação, bem como aumentar sua especificidade. De modo

    geral, os estudos consideram elegíveis para o monitoramento pacientes com 48 horas de

    internação (ROZICH et al., 2003 e ROQUE e MELO, 2012) ou mais (VENTURA et al.,

    2012 e KENNERLY et al., 2013). No entanto, há relatos de inclusão de pacientes com

    pelo menos 24 horas de internação (SUAREZ et al., 2014).

    As adaptações envolveram a seleção, a inclusão de rastreadores e a modificação dos

    patamares propostos. Um estudo ressaltou a importância da adaptação do método dos

    rastreadores proposto pelo IHI, às metas organizacionais e limitação de recursos de

    diferentes instituições de saúde para sua efetiva aplicação nestas unidades. O estudo

    utilizou uma amostra menor de pacientes, apenas um revisor seguido de uma análise no

    setor de Segurança do Paciente. Também compararam a taxa de EAM identificadas

    entre pacientes com menos de 3 dias de internação com a incidência de EAM nas

    internações com tempo superior à 3 dias ou mais, tendo observado cerca de 4 vezes

    mais EAM entre os pacientes com mais de 3 dias de internação (KENNERLY et al,

    2013).

    Alguns pesquisadores realizaram uma adaptação da metodologia proposta pelo IHI

    em um estudo feito num hospital público do Rio de Janeiro e com base em análise

    retrospectiva de 32 prontuários foram encontrados eventos adversos em 16%, utilizando

    38 critérios rastreadores (ROZENFELD et al., 2009).

    Outro estudo realizado no Brasil apresentou o processo da adaptação dos

    rastreadores para aplicação em hospital de cardiologia. Foi utilizado o método Delphi

    modificado para obter consenso através de um painel de especialistas composto por 10

    profissionais de saúde (4 enfermeiros, 2 farmacologistas, 1 farmacêutico e 3 médicos)

    visando á definição dos sinalizadores a serem utilizados. A partir da listagem de

    rastreadores do IHI foram selecionados 21 critérios de rastreamento que foram

    aplicados de forma retrospectiva em 112 prontuários para avaliar a ocorrência de EAM,

    tendo sido observada uma incidência de 14,3% de EAM (ROQUE e MELO, 2010).

  • 42

    Os mesmos autores do estudo citados no parágrafo acima aplicaram uma adaptação

    do método proposto pelo IHI em unidade hospitalar especializada em cardiologia, no

    Rio de Janeiro, tendo observado uma incidência de 14,3% de eventos adversos, e, em

    31,2% dos casos, houve a necessidade de intervenção para suporte de vida (ROQUE e

    MELO, 2012).

    Nos Estados Unidos um trabalho adaptou a listagem de rastreadores para uso em

    pacientes pediátricos. A revisão retrospectiva foi aplicada em uma amostra aleatória de

    960 prontuários de 12 hospitais pediátricos americanos. Foram identificados 107 EAM.

    A incidência de eventos adversos a medicamentos foi 11,1%. Este estudo também

    comparou o método com a notificação voluntária e concluiu que o método dos

    rastreadores é mais eficaz, uma vez que apenas 3,7 % dos eventos identificados através

    de marcadores foram detectados usando o método tradicional de notificação espontânea

    (TAKATA et al., 2008). A adaptação dos rastreadores à população pediátrica foi

    também objeto de vários outros estudos (TAKATA et al, 2008b; MATLOW et al.,

    2011; KIRKENDALL et al., 2012; MATLOW et al., 2012; VENTURA et al., 2012;

    SILVA et al., 2013; CALL et al., 2014 e CHAPMAN et al., 2014).

    O processo de adaptação do método dos rastreadores também foi realizado por

    pesquisadores canadenses que descreveram o processo de desenvolvimento e validação

    dos rastreadores específicos para a população pediátrica pela Canadian Association of

    Paediatric Health Centres (The Canadian Trigger Tool - CPTT), através do método

    Delphi e de uma análise de risco. Este processo conduziu à redução da relação proposta

    de 94 para 47 rastreadores (MATLOW et al., 2011).

    Outro hospital pediátrico teve os EAM monitorados pelo método dos rastreadores e

    também foi necessária uma adaptação do mesmo. A busca ativa foi feita em 240

    relatórios aleatórios representando 1206 pacientes-dia. Embora os autores apontem para

    a adequação da utilização do método dos rastreadores em unidades pediátricas,

    considerando que encontraram 2 a 3 vezes mais EAM que em estudos anteriores na área

    de pediatria, ressaltam que foram feitas modificações no método para torná-lo mais

    adequado aos eventos que ocorrem neste grupo de pacientes (KIRKENDALL et al.,

    2012).

    Um estudo realizado em um hospital de ensino no Brasil selecionou alguns

    rastreadores da lista do IHI e identificou 497 rastreadores em 177 prontuários. Os

  • 43

    rastreadores encontrados com mais freqüência foram: “antiemético” (72,1/100

    prontuários), “suspensão abrupta de medicamentos (70/100 prontuários) e “sedação

    excessiva, sonolência, torpor, letargia e hipotensão (34,6/100 prontuários). Os mais

    eficientes na sinalização de EAM foram “antagonista de benzodiazepínico,

    “antidiarréicos” e “rash cutâneo” (GIORDANI et al., 2012).

    A necessidade de desenvolvimento de rastreadores específicos para a população

    pediátrica e oncológica se faz necessária uma vez que vários rastreadores empregados

    apresentaram VPP baixo (CALL et al., 2014). Outro estudo também ressaltou a

    limitação do método dos rastreadores, por ser uma ferramenta genérica e desenhada

    para uso intra-hospitalar, sugerindo combinação de métodos como estratégia

    interessante para aumentar a compreensão sobre os riscos e dar suporte à ações

    preventivas. Segundo os autores, a melhoria da resposta nesta área deveria envolver

    ainda uma adaptação para o tratamento oferecido a pacientes não hospitalizados

    (LIPCZAK et al., 2011).

    No Brasil, recentemente este método foi utilizado em um estudo observacional

    prospectivo realizado em uma unidade pediátrica de tratamento intensivo. Foram

    utilizados rastreadores como suspensão abrupta de medicamentos, antídotos e exames

    laboratoriais para detecção de EAM. A identificação de 110 eventos adversos ocorreu

    após busca em 244 internações. Os autores puderam concluir após a realização deste

    estudo que o uso de muitos medicamentos, bem como a pouca idade destes pacientes

    favorece a ocorrência de EAM podendo resultar no aumento do tempo de permanência

    na UTI. O uso de marcadores como ferramenta de busca ativa mostrou-se importante

    para identificar EA em unidade de tratamento intensivo (SILVA et al., 2013).

    Um estudo selecionou 51 rastreadores específicos para pacientes cirúrgicos. Os

    autores relataram bom nível de concordância tanto inter quanto intra-avaliadores com

    97,8 a 98,5% de concordância. Comparado com o método tradicional de rastreadores, a

    nova ferramenta encontrou a ocorrência de mais 363 eventos, 18 EAM, 3 dos quais era

    preveníveis. Desta forma, os autores concluíram que a modificação na ferramenta a

    tornou uma boa alternativa, em particular para avaliar a segurança no uso de

    medicamentos em pacientes cirúrgicos (DE BOER et al., 2013).

    Sendo assim, a adaptação desta metodologia de busca ativa é muito importante para

    permitir a sua aplicação em diferentes ambientes de cuidados e grupos de pacientes,

  • 44

    além de permitir melhor sensibilidade e especificidade para os rastreadores, fator

    importante para a viabilidade da aplicação da ferramenta na rotina das unidades.

    Uso de sistemas informatizados para detecção dos rastreadores

    O potencial da aplicação de métodos automatizados de busca de informação tem

    sido descrito em várias áreas da saúde, inclusive na avaliação de prontuários e sistemas

    de informação em saúde para busca de eventos adversos (TEGEDER, 1999;

    HONIGMAN et al., 2001; DORMANN et al., 2000; DORMANN et al., 2004; JAH et

    al., 2008 e FOSTER et al., 2012).

    A utilização de programas de computador para identificação de rastreadores de

    eventos adversos mostrou-se importante facilitador para execução deste tipo de

    ferramenta de controle de risco (HWANG et al., 2008). O método trigger tool foi

    aperfeiçoado ao se utilizar sistemas informatizados para identificar os sinais através da

    geração de relatórios ou alertas. Sendo assim, a automação do processo pode simplificar

    a execução deste método, além de facilitar a implantação de um estudo prospectivo

    (Resar et al., 2003).

    Um estudo descreveu a criação de um sistema integrado de informação hospitalar

    que permite a detecção de múltiplas fontes de potenciais eventos adversos a

    medicamentos. Entre os sinais usados estão a suspensão abrupta de medicamentos,

    antídotos e determinados valores laboratoriais anormais. No final do dia, uma lista de

    eventos adversos em potencial era gerada e os prontuários revisados por um

    farmacêutico. Entre os 36.653 pacientes, foram identificados 731 eventos (2,0 EAM por

    100 pacientes), evidenciando uma taxa de 1,67%. Durante este mesmo período, apenas

    nove eventos adversos foram identificados através de métodos tradicionais de detecção.

    Os autores consideraram que a triagem de rastreadores ou sinais utilizando um sistema

    de informação hospitalar informatizado ofereceu um aumento do potencial de detecção

    de EA em pacientes hospitalizados (CLASSEN et al., 2005).

    O processo de desenvolvimento de uma ferramenta informatizada para a aplicação

    do método de rastreadores foi realizada para utilização em unidades de cuidado

    ambulatorial. Os autores apontaram o potencial dos avanços no processamento de

    linguagem natural e outras ferramentas de busca de informação para melhorar a

    capacidade de detecção dos rastreadores. Segundo eles, no futuro, os rastreadores

  • 45

    podem ser desenhados para detectar uma gama maior de EA usando os registros dos

    profissionais de saúde (MULL e NEBEKER, 2008).

    Pesquisadores de um estudo afirmaram que o desenvolvimento de processos

    automatizados proporciona aumento da eficiência e do potencial de aplicação da

    ferramenta na melhoria dos cuidados em saúde (NAESSENS et al., 2010). Esta

    contribuição foi também ressaltada pelos autores de outro estudo realizado em 2012, em

    função dos profissionais de saúde envolvidos na avaliação dos prontuários

    apresentarem, em sua maioria, tempo escasso para realização desta atividade

    (GIORDANI et al., 2012).

    Outro estudo desenvolveu um sistema automático para identificação de EAM

    através dos rastreadores naloxona para sobre-sedação por opióides e administração de

    glicose em bolus durante o uso de insulina, nos registros eletrônicos de um hospital. Os

    rastreadores foram identificados diariamente. Uma análise subsequente por um

    especialista foi implementada. Os autores concluíram que o uso de uma ferramenta para

    a identificação automática dos rastreadores, complementada pela análise em

    profundidade conduzida por especialistas, é útil para a identificação de alvos para

    intervenção e melhoria de processos (MUETHING et al., 2010).

    Através da avaliação de eventos adversos em uma rede integrada de cuidados em

    saúde nos Estados Unidos através do método dos rastreadores, os autores ressaltaram a

    facilidade de aplicar um gerenciador de banco de dados comercial, amplamente

    acessível, para analisar os rastreadores e a importância de uma ferramenta informatizada

    para a realização desta tarefa (GOOD et al., 2011).

    No entanto, o fato de que a informatização da busca pode implicar em altos custos e

    na necessidade de se ter prontuários eletrônicos como requisito (ROZICH et al., 2003).

    Neste sentido, sugere-se que em instituições com menos recursos pode ser utilizado uma

    abordagem manual, enquanto nas mais ricas a incorporação de produtos de software

    mais sofisticados pode ser interessante (Resar et al., 2003). Porém, é importante a busca

    de alternativas para facilitar a utilização do método dos rastreadores, como a coleta

    automática de parte dos rastreadores que pode ser obtida através da informatização da

    prescrição e dos exames laboratoriais (GIORDANI et al., 2012).

  • 46

    Rendimento ou Eficiência dos Rastreadores

    A determinação do rendimento ou valor preditivo positivo (VPP) dos rastreadores

    tem se mostrado bastante útil para análise de sua eficiência na detecção de danos

    causados por medicamentos. É importante ressaltar que o desperdício de tempo na

    revisão de prontuário pode ocorrer na utilização do método trigger tool, pois muitas

    vezes os rastreadores não estão relacionados a EAM, tendo baixo rendimento

    (LEVINSON, 2010; CARNEVALI et al., 2013 e HWANG et al., 2014). Sendo assim,

    vários estudos procuraram calcular o Valor Preditivo Positivo (VPP) ou rendimento

    (eficiência) dos rastreadores, ou seja, aqueles que uma vez identificados sinalizaram um

    número maior de possíveis eventos adversos.

    Um estudo aplicou os rastreadores na busca de EAM em prontuários eletrônicos de

    um hospital especializado, encontrando um VPP global de 16%. No entanto, alguns

    rastreadores mostraram um VPP bastante superior, como a hialuronidase, que teve VPP

    de 60% (CALL et al., 2014).

    A determinação da sensibilidade dos rastreadores em detectar eventos adversos

    pode ser útil para a seleção dos rastreadores empregados no monitoramento de

    determinados sistemas de saúde. Um estudo utilizou uma equipe mutidisciplinar para

    avaliar a sensibilidade dos rastreadores através do emprego da escala de Likert, onde a

    atribuição do valor 5 indica forte probabilidade do rastreador em detectar possíveis EA.

    Os resultados apontaram que a protamina e a vitamina K (fitomenadiona) que detectam

    eventos adversos hemorrágicos por heparina e varfarina respectivamente foram os

    rastreadores mais sensíveis (HANDLER et al., 2008).

    Os rastreadores com maior VPP devem ter prioridade de incorporação nos sistemas

    de rotina de monitoração das unidades de saúde. Outra conclusão do mesmo estudo é

    que pacientes que permanecem mais tempo internados devem ser monitorados mais de

    perto pela aplicação dos rastreadores. Carnevali e colaboradores (2013) também

    relatam que apenas seis rastreadores tiveram VPP maior que 50%, (infecção associada

    ao cuidado, qualquer complicação nos procedimentos, uso de medicamentos, retorno à

    cirurgia, ocorrência de qualquer complicação pós-operatória e intubação/reintubação) e

    quinze rastreadores não foram identificados (CARNEVALI et al., 2013). Outros

    autores também ressaltaram a grande variação do VPP entre os rastreadores

    (FRANKLIN et al., 2010; NAESSENS et al., 2010 e HWANG et al., 2014).

  • 47

    Em um estudo, a maioria dos rastreadores apresentou VPP inferior a 5%. Os

    autores enfatizaram o fato de 9 rastreadores terem sido responsáveis pela identificação

    de 94,4% dos EAM encontrados. Assim, os autores sugerem que a elaboração de uma

    lista mais enxuta pode contribuir para aumentar a aplicabilidade do método às unidades

    ambulatoriais (SINGH et al., 2009).

    Outro estudo calculou o valor preditivo positivo global (VPP) desta ferramenta

    utilizando a lista de rastreadores proposta pelo Institute for Healthcare Improvement

    (IHI), obtendo VPP de 40,1%. Este estudo também mensurou a média de tempo para

    concluir a avaliação da identificação de determinado rastreador que foi de 8,8 minutos

    (dp=5,7). Os autores puderam então concluir que o uso desta ferramenta mostrou-se

    eficaz e eficiente na detecção de possíveis EAM (MARCUM et al., 2013).

    Principais Vantagens e Limitações do método

    Uma importante vantagem do método se deve ao fato de não exigir recursos

    exorbitantes (RESAR et al., 2003 e ROZENFELD et al., 2010) e permitir a realização

    de estudos em tempo reduzido ao se utilizar uma amostra representativa de prontuários

    (ROZENFELD et al., 2010). A facilidade da aplicação do método foi ressaltada por

    vários autores (RESAR et al., 2003; ROZICH et al., 2003 e SCHILDMEIJER et al.,

    2013).

    O método dos rastreadores funciona bem para a identificação de eventos adversos a

    medicamentos, sua adaptabilidade a diversas especialidades é apontada por vários

    autores como uma de suas principais fortalezas (RESAR et al., 2003 e SCHILDMEIJER

    et al., 2013).

    Algumas limitações descritas para o método são a ausência de um padrão ouro

    (ROZICH et al., 2003 e GRIFFIN e RESAR, 2009) e a variação de resposta entre os

    avaliadores prejudicando a comparação entre diferentes estudos que utilizam estes

    marcadores na identificação de EA (ROZICH et al., 2003 e SCHILDMEIJER et al.,

    2013). Para reduzir esta subjetividade na avaliação dos registros pelos profissionais o

    IHI sugere que a análise dos eventos adversos deva seguir algumas regras. A equipe de

    avaliação deve constituir de, no mínimo, três profissionais. Dois revisores (por exemplo,

    médicos, enfermeiros e farmacêuticos) que analisam o prontuário em duplicata, de

    forma independente e um médico que não analisa os registros, mas autentica o consenso

    dos dois revisores primários do registro. Durante a revisão, o médico deve estar

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    disponível para responder as dúvidas que possam surgir (GRIFFIN e RESAR, 2009). Os

    analistas devem ter conhecimento e experiência clínica e precisam ser treinados na

    aplicação do método (MATLOW et al., 2005 e SCHILDMEIJER et al., 2013). Além

    disso, a equipe de revisão deve se reunir pelo menos uma vez ao mês para tratar e

    resolver as variações (GRIFFIN e RESAR, 2009).

    Ainda são necessárias medidas para aperfeiçoar o método dos rastreadores visando

    reduzir os falsos positivos e aumentar a sensibilidade do método (FRANKIN et al.,

    2010). É evidente a necessidade da realização de outros estudos que busquem uma

    padronização do método visando garantir maior reprodutibilidade na sua aplicação

    permitindo comparações mais efetivas entre diferentes estudos (SCHILDMEIJER et al.,

    2013).

    Outro problema do método dos rastreadores que também foi relatado é a baixa

    reprodutibilidade da avaliação de EAM por diferentes especialistas. Este fato aponta

    para a necessidade de treinamento para minimizar este problema (SCHILDMEIJER et

    al., 2013).

    Algumas mudanças metodológicas aliadas a um maior conhecimento por parte dos

    especialistas e a adaptação da ferramenta à identificaçã