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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
KLEBER DE SOUZA COSTA
HOMENS NA ENFERMAGEM: INSERÇÃO, VIVÊNCIA E
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
SÃO PAULO
2016
KLEBER DE SOUZA COSTA
HOMENS NA ENFERMAGEM: INSERÇÃO, VIVÊNCIA E
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Versão corrigida da Dissertação apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Gerenciamento em Enfermagem (PPGEn), da
Escola de Enfermagem da Universidade de
São Paulo para obtenção do título de Mestre.
Área de Concentração: Fundamentos e
Práticas do Gerenciamento em Enfermagem e
em Saúde
Orientador: Prof. Dr. Genival Fernandes de
Freitas
VERSÃO CORRIGIDA
A versão original encontra-se disponível na Biblioteca da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade de
São Paulo.
SÃO PAULO
2016
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Assinatura: _________________________
Data: ___/___/_____
Catalogação da Publicação (CIP)
Biblioteca “Wanda de Aguiar Horta”
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
Costa, Kleber de Souza
Homens na Enfermagem: inserção, vivência e trajetória
profissional. / Kleber de Souza Costa. -- São Paulo, 2016.
196 p.
Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Genival Fernandes de Freitas
1. Enfermeiros 2. Homens 3. História da Enfermagem 4.
História oral. I. Título.
Nome: Kleber de Souza Costa
Título: Homens na Enfermagem: inserção, vivência e trajetória profissional.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento em Enfermagem
da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre
em Ciências.
Aprovado em: ___/___/_____
Banca examinadora
Prof. Dr. ___________________________Instituição:____________________________
Julgamento:_________________________Assinatura:____________________________
Prof. Dr. ___________________________Instituição:____________________________
Julgamento:_________________________Assinatura:____________________________
Prof. Dr. ___________________________Instituição:____________________________
Julgamento:_________________________Assinatura:____________________________
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha família, que me apoiou em todas as minhas escolhas de
vida.
À minha mãe, Maria da Consolação de Souza Costa e ao meu pai, Rosalvo Coelho
Costa, meus exemplos de vida e que amo muito, me incentivaram quando decidi realizar o
curso de Enfermagem na EEUSP, e continuam me apoiando nas minhas escolhas pessoais e
profissionais.
À minha irmã, Laís de Souza Costa, também enfermeira, que compartilhou sua
vivência e experiências profissionais comigo, casada com meu amigo Kleber Fischer de
Oliveira Melo, me deram uma sobrinha linda, a Heloisa Fischer Costa.
À minha maravilhosa esposa que tanto amo, e me faz feliz todos os dias desde que a
conheci, Paula Akemi Nagai Costa, me apoiando e ajudando incansavelmente em todos os
momentos da vida, sem sua ajuda, nada disso seria possível.
Minha nova família, que me aceitou tão bem, como um novo filho, meus sogros,
Paulo Nagai, Suely Higa Nagai e meu cunhado Willian Akira Nagai.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS por iluminar minha vida, me fornecendo saúde e forças, com
oportunidades que me permitiram chegar até esse ponto da minha trajetória.
Ao meu amigo e orientador, Prof. Dr. Genival Fernandes de Freitas, que nessa
amizade, desde 2007, vem me orientando, guiando, com sabedoria e entusiasmo. Seus
esforços, conselhos e orientações, me fazem um enfermeiro cada vez melhor.
A minha esposa, que tanto amo, Paula Akemi Nagai Costa, me ajudou e
paralelamente trilhou os caminhos comigo, tirando minhas dúvidas, contribuindo com ideias e
uma excelente revisão ortográfica. Acompanhou todas as fases do projeto, ele também é seu.
Aos membros do Grupo de Pesquisa de História Ética e Legislação e companheiros da
Pós-Graduação, Ellen, Thais, Magali, Célia, Taka, Elaine, Juliana, Fabíola, Marcia,
Barbara e Vinícius, pela amizade, orientações, ajudas e momentos de aprendizagem.
Ao Hospital Sírio Libanês e meus amigos de lá, que me apoiaram e compartilharam da
minha vivência na profissão. Sou um enfermeiro melhor graças à instituição e às pessoas, que
me orientaram em diversos momentos como: Giane, Francine, Magali, Leonice e Silvia,
bem como meus amigos Graciliano e Angealine.
Agradeço a todos os participantes da pesquisa, os quais me confiaram suas histórias,
trajetórias e vivências na profissão. Muito obrigado.
Costa KS. Homens na Enfermagem: inserção, vivência e trajetória profissional [dissertação].
São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2016.
RESUMO
Introdução: Na Antiguidade, homens cuidavam dos doentes em períodos de guerras ou eram
religiosos movidos pela devoção e caridade. Após a profissionalização da Enfermagem, esta
se torna predominantemente exercida por mulheres e se mantém até os dias atuais. O homem
retorna à profissão devido à força física e separação de paciente por sexo, geralmente
trabalhando em Psiquiatria, Ortopedia, UTI e Urologia, entretanto, pouco se sabe sobre sua
inserção, vivência e trajetória profissional. Objetivo: Identificar os homens egressos da
Escola de Enfermagem da USP, desde sua fundação, descrever, analisar e discutir suas
vivências, estratégias de lutas, resistência e inserção na graduação e no trabalho. Método:
Trata-se de um estudo de natureza histórico-social, descritivo e exploratório, com coleta de
dados da inserção no serviço de graduação, abrangendo enfermeiros homens formados de
1950 a 1999. Utilizou-se como método da História Oral Temática para realização de
entrevistas semi-estruturadas, com posterior análise de conteúdo de Minayo. Optou-se pelo
referencial teórico de Pierre Bourdieu para compreender e discutir os achados, no que se
refere aos aspectos do campo, habitus e capital (simbólico, social, cultural e econômico).
Resultados: Dos 59 homens formados na EEUSP em cinco décadas, compreendidas de 1950
a 1999, foram encontradas informações relacionadas às proporcionalidades entre homens e
mulheres, nacionalidade, etnia, religião, idade de ingresso, bem como nacionalidades,
formação e profissão dos pais dos egressos. Foram realizadas 20 entrevistas, das quais foram
encontradas as motivações do ingresso, como a influência da Igreja, amigos, profissionais da
área e testes vocacionais. Na graduação, as lutas e resistência nos relacionamentos com alunas
e docentes, bem como dificuldades em realização de estágios de Ginecologia e Obstetrícia.
No trabalho, a maioria não apresentou dificuldades de inserção no mercado, tampouco
problemas de relacionamento com as equipes médicas. Conclusão: Este estudo possibilitou
uma melhor compreensão sobre o perfil dos homens na Enfermagem brasileira,
principalmente em São Paulo, revelando uma grande desproporcionalidade na questão do
gênero na Enfermagem, e destacando a trajetória de uma população pouco estudada, à
margem dos holofotes da profissão.
PALAVRAS-CHAVE: Enfermeiros, Homens, História da Enfermagem, História oral.
Costa KS. Men in Nursing: insertion, experience and professional career, [dissertation]. São
Paulo: School of Nursing, University of São Paulo; 2016.
ABSTRACT
Introduction: In ancient times, men took care of the sick in times of war or were religious
moved by the devotion and charity. After the professionalization of nursing, it becomes
predominantly performed by women and continues to the present day. The man returns to the
profession because of physical strength and patient separation by sex, usually working in
Psychiatry, Orthopedics, ICU and Urology, however, little is known about their insertion,
experience and professional career. Objectives: Identify graduates men of USP School of
Nursing, since its foundation, describe, analyze and discuss their experiences, fighting
strategies, resistance and insertion in graduation and work. Method: It is a study of social-
historical nature, descriptive and exploratory, with insertion of data collection in the
graduation service, covering men graduated nurses 1950-1999. It was used as a method of
thematic oral history to conduct semi-structured interviews, with subsequent Minayo content
analysis. We opted for the theoretical framework of Pierre Bourdieu to understand and discuss
the findings with regard to aspects of the field, habitus and capital (symbolic, social, cultural
and economic). Results: Of the 59 men graduated at EEUSP in five decades, ranging from
1950 to 1999, found information related to proportionalities between men and women,
nationality, ethnicity, religion, age of entry, and nationalities, education and profession of
parents of graduates. Were conducted 20 interviews, which were found the entrance
motivations, as the influence of the Church, friends, professionals and vocational tests. On
graduation, the struggles and resistance in relationships with students and teachers, as well as
difficulties in conducting of Gynecology and Obstetrics stage. At work, most did not present
integration difficulties on the market, either relationship problems with medical staff.
Conclusion: This study allowed a better understanding of the profile of men in Brazilian
Nursing, especially in São Paulo, revealing a large disproportion in gender issues in nursing,
and highlighting the trajectory of a population little studied in the margins of the profession
spotlight.
KEYWORDS: Nurses, Male; Men; History of Nursing; Oral History.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Pesquisa em Base de Dados ................................................................................... 23
Quadro 2 - Estudos Selecionados ............................................................................................ 23
Quadro 3 – Distribuição dos homens e mulheres formados na EEUSP. Décadas de 1940 a 90.
.................................................................................................................................................. 46
Quadro 4 - Categorias e subcategorias de acordo com as falas dos participantes. ................... 62
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição de homens formados por década, 1950 a 90. Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo (n=59) ...................................................................................... 48
Gráfico 2 - Caracterização de homens formados na EEUSP segundo a etnia referida. (N=59)
................................................................................................................................................. 49
Gráfico 3 - Caracterização de homens formados segundo religião referida até 1992. (N=59)
.................................................................................................................................................. 50
Gráfico 4- Caracterização da idade de formação dos homens na EEUSP. Décadas de 1950 a
90. ............................................................................................................................................. 51
Gráfico 5 - Caracterização dos homens formados na EEUSP segundo sua procedência.
(N=59). ..................................................................................................................................... 52
Gráfico 6 - Caracterização dos pais dos alunos homens formados na EEUSP segunda a
nacionalidade até 1992. (N=118) ............................................................................................. 54
Gráfico 7 - Caracterização dos pais dos alunos homens formados na EEUSP segundo
escolaridade até 1992. (N=38) .................................................................................................. 55
Gráfico 8 - Caracterização das mães dos alunos homens formados na EEUSP segundo
escolaridade até 1992. (N=38) .................................................................................................. 56
Gráfico 9- Caracterização dos pais dos alunos homens formados na EEUSP segundo atividade
laboral até 1992. (N=38) ........................................................................................................... 57
Gráfico 10 - Caracterização das mães dos alunos homens formados na EEUSP segundo
atividade laboral até 1992. (N=38) ........................................................................................... 58
Gráfico 11 - Formação acadêmica posterior a Graduação de Enfermagem. (N =20) .............. 59
Gráfico 12 - Ocupação profissional posterior a Graduação de Enfermagem. (N =20) ............ 61
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
1.1 REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................................... 22
1.2 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO ................................................................................... 27
2. OBJETIVOS ........................................................................................................................ 29
3. PERCURSO METODOLÓGICO ....................................................................................... 31
3.1 TIPO DE ESTUDO ....................................................................................................... 32
3.2 ASPECTOS ÉTICOS .................................................................................................... 33
3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ................................................................................. 34
3.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS ............................................................ 35
3.5 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................... 36
4. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................ 39
4.1 PIERRE BOURDIEU .................................................................................................... 40
5. RESULTADOS ................................................................................................................... 45
5.1 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DOS PARTICIPANTES ....................................... 46
5.2 SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS, DISCURSOS DOS PARTICIPANTES DA
PESQUISA ............................................................................................................................... 62
5.2.1 - Escolha pela Enfermagem: motivações e desafios ................................................ 64
5.2.2 - Percepções de familiares e amigos com relação à escolha profissional. ............... 66
5.2.3 - Ingresso na EEUSP: Ser homem no universo feminizado. ................................... 69
5.2.4 - Vivências durante a graduação: convivência entre docentes e alunos. ................. 72
5.2.5 – Percepção e experiências dos homens nas disciplinas e estágios. ........................ 75
5.2.6 - Campo do trabalho: Ser homem fez diferença? .................................................... 80
5.2.7 - Convivências com os pares no ambiente do trabalho e relações interpessoais com
os médicos. ....................................................................................................................... 85
6. DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 89
7. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 105
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 109
9. ANEXOS E APÊNDICES.................................................................................................. 121
ANEXO 1 – Aprovação do CEP da Escola de Enfermagem da USP. ............................... 122
ANEXO 2 - "Ficha Verde" ................................................................................................ 125
ANEXO 3 - Ficha de ingresso de 1950 a 1958 .................................................................. 126
ANEXO 4 - Ficha de ingresso de 1961 a 1976. ................................................................. 130
ANEXO 5 - Ficha de ingresso de 1977 a 1992. ................................................................. 132
ANEXO 6 - Ficha de ingresso de 1992 a 1999. ................................................................. 133
APENDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................ 134
APÊNDICE B - Lista dos homens formados na EEUSP de 1950 a 1999 ......................... 135
APÊNDICE C - Questionário Sociodemográfico .............................................................. 137
APÊNDICE D - Perguntas norteadoras ............................................................................. 137
APÊNDICE E - Orçamento Financeiro ............................................................................. 138
APÊNDICE F – Entrevistas Transcriadas ......................................................................... 138
APÊNDICE G - Cronograma ............................................................................................ 196
13
1. INTRODUÇÃO
14
1. INTRODUÇÃO
A Enfermagem é uma das ciências da área da saúde que, em parceria com outras
profissões, se dedica a promover, a manter e a restabelecer a saúde das pessoas. No Brasil,
atualmente, é uma profissão composta por enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem.
O enfermeiro é o profissional com ensino superior, responsável por gerenciar o trabalho da
equipe de Enfermagem, realiza certas atividades que requerem sua competência, como
passagem de sonda vesical de demora, sonda nasoenteral, curativos complexos, e medicações
de risco, como exemplo, quimioterápicos, entre outros. O técnico e auxiliar de Enfermagem
são profissionais de nível médio, que realizam funções básicas e intermediárias como troca de
fralda, banho no leito, aplicação de medicações, curativos simples, verificações dos sinais
vitais, entre outros procedimentos.
O mercado de trabalho pode absorver esses profissionais em diversos setores e
serviços de saúde, tanto públicos quanto privados, como atendimento domiciliar, em
ambulâncias ou serviços de resgate, unidades básicas de saúde, centros de saúde, escolas,
creches, na indústria, e em hospitais.
Nos hospitais e em outros serviços, a equipe de Enfermagem pode trabalhar em setores
como Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Centro Obstétrico, Centro Cirúrgico, Pronto-
Socorro, UTI, Gestão de Qualidade e Projetos, Pediatria, Psiquiatria, gerência, pesquisas, e
demais setores. É uma profissão eclética, que pode desempenhar suas funções em diversos
setores e possui muitas especialidades. Em alguns momentos, trabalha-se vinte e quatro horas
por dia, sete dias por semana, e 365 dias por mês, sendo este um trabalho contínuo e de
continuidade.
Das profissões da saúde, a Enfermagem é a mais populosa, chegando a mais de 1,8
milhões de trabalhadores em todo o Brasil, segundo a pesquisa Perfil da Enfermagem no
Brasil realizada pelo Conselho Federal da Enfermagem (COFEN) e pela Fundação Oswaldo
Cruz (FIOCRUZ) (2015) sendo a segunda maior do Brasil, perdendo apenas para os
metalúrgicos que estão próximos dos 2,5 milhões, segundo pesquisa do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE (2013).
Quando se consulta o conhecimento popular, ou até mesmo se questionados os
profissionais de saúde, é dito e percebido por muitos que a Enfermagem é uma profissão
exercida principalmente por mulheres, tanto no seu nível técnico e principalmente no nível
superior. A participação masculina na Enfermagem atual é de aproximadamente 15%,
abrangendo todas as classes de trabalho; quando se fala apenas de enfermeiros, esse número
15
cai para 12%, mesmo assim, isso representa um crescimento constante que vem se firmando,
mesmo que pequeno desde a década de 1990. (Cofen, Fiocruz, 2015)
Essa diferença entre homens e mulheres nem sempre ocorreu desta maneira. Na
antiguidade, "os cuidados", traduzidos hoje como cuidados de Enfermagem, eram praticados
por homens e mulheres, mas o primeiro principalmente em eventos de guerra, nos cuidados de
feridos, em surtos de doenças e no cuidado caritativo oferecido pela Igreja.
Podemos destacar as Cruzadas, um período em que expedições militares organizadas
pelo cristianismo no final do século XI, com o intuito de liberar e recuperar Jerusalém. Era
um caminho árduo com batalhas, com pouca provisão de alimentos, e sem precauções
sanitárias. Nessa época, começaram a surgir as ordens militares de Enfermagem que
cuidavam de feridos e enfermos que faziam essa peregrinação. (Oguisso, 2014a)
Os cuidados de Enfermagem nesse período medieval foram realizados basicamente
por homens que pertenceram à vida religiosa e a uma ordem militar, que possuía regras
rígidas de disciplina, hierarquia e obediência. Consistia em atender as necessidades
fisiológicas dos doentes, ministrar medicamentos da época, fazer curativos e cuidar da higiene
e alimentação. Eram feitos de forma laica ou executados de acordo com as orientações da
Igreja.
A Ordem de São João de Jerusalém, ou “Ordem dos Cavaleiros Hospitalares de São
João de Jerusalém”, foi uma das ordens de cavaleiros ou militares hospitalares mais
conhecidas, uma das primeiras de muitas ordens de cavalaria fundadas nos séculos XI e XII.
(Evans, 2004) Defenderam Jerusalém durante as cruzadas, depois ofereceram proteção para
peregrinos, construindo hospitais como o São João de Jerusalém, Santa Maria Madalena e
castelos em toda a Europa que serviram de ambos os alojamentos para peregrinos e locais
para cuidar dos doentes. (Oguisso, 2014a)
A Ordem dos Cavaleiros de Lázaro, formada por monges enfermeiros que se
dedicavam a tratamento de pessoas com lepra (hanseníase), os acolhiam em lugares ou
instituições conhecidas como Hospitais de São Lázaro ou Hospital Leprosária. A lepra era
temida e as pessoas portadoras eram afastadas da coletividade. (Tinoco, 2014)
Há também a participação de homens em ordem de Enfermagem não militares, como a
Ordem dos irmãos de Santo Antônio, fundada em 1095, que se dedicou às vítimas de
erisipela, uma doença de pele desfigurantes mais tarde chamada Fogo de Santo Antônio.
(Mericle, 1983; Donahue, 1985)
Na Europa Medieval, existia a Ordem dos Irmãos de Alexian (The Alexian Brothers),
formada por artesãos iletrados, que pregavam a palavra de Deus e cumpriram uma
16
necessidade vital na miséria urbana por prestação de cuidados de Enfermagem para mendigos,
leprosos, 'idiotas' e 'loucos'. Nos Estados Unidos da América, a ordem ficou conhecida pelo
seu cuidado para os doentes mentais, uma associação que continuou até o século XX, onde os
Alexians estabeleceram-se em escolas de Enfermagem para treinar homens em Enfermagem
psiquiátrica. (Kauffman, 1978)
Já na Espanha, São João de Deus cuidava dos desamparados, pessoas doentes e com
retardamento mental. Ele angariava doações para comprar medicações e alimentos, fundou em
Granada no início do século XV um hospital que se chamaria mais tarde de Hospital São João
de Deus (Chaverri 1995). Nesse hospital, cada paciente tinha sua própria cama, diferente dos
moldes da época em que vários compartilhavam a mesma cama, também foram separados os
pacientes que possuíam doenças contagiosas dos outros. Seu legado continuou com a Ordem
dos Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus. (Oguisso, 2014b; Freitas et al., 2016)
Na Itália, São Camilo de Lellis (1550-1614) formou uma companhia de homens para
socorrer os pobres doentes, sem qualquer compensação ou pagamento. Tornou-se padre
jesuíta em 1584, fez uso da cruz vermelha em sua batina e manto, com licença para professar
os votos de pobreza, castidade e obediência à Igreja. Fundou a Congregação dos Ministros
dos Enfermos, e cuidou das pessoas, em Roma, em um momento em que a fome e a epidemia
de peste assolavam a Europa, despertou interesse de homens e mulheres de várias classes
sociais para também cuidar dos necessitados. Criou-se também a ala feminina com as
Ministras dos Enfermos e as Filhas de São Camilo. São Camilo de Lellis foi canonizado em
1986 e declarado patrono e protetor dos enfermos e dos hospitais. Sua obra alcançou todos os
continentes, inclusive o Brasil, hoje em dia com Hospitais e Faculdades com seu nome.
(Oguisso, 2014b; Freitas et al., 2016)
Na França, São Vicente de Paulo (1576-1660) era sacerdote católico da Ordem de São
Francisco de Assis, junto com Luisa de Marillac, ambos com experiência em cuidado dos
doentes, fundaram uma escola para educar camponesas, no cuidado de pobres e doentes,
chamada Filhas de Caridade de São Vicente de Paulo, existente até hoje. Com o passar dos
anos, as Irmãs de Caridade se expandiram, cuidaram de vários hospitais, tanto na França,
como também em outros países. As Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo chegaram ao
Brasil em 1852, vieram trabalhar na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, devido às
epidemias de febre amarela e cólera. (Oguisso, 2014b)
No século 1500, havia omissão do Estado brasileiro em relação aos cuidados dos
doentes, sendo considerada uma ação caritativa, ligada à benevolência de padres e freiras de
ordens e congregações religiosas, como a Igreja Católica. O Padre jesuíta José de Anchieta
17
(1534-1587) foi o mais antigo precursor da Enfermagem pré-profissional brasileira,
oferecendo educação e saúde ao povo indígena e português. (Oguisso, Freitas, 2014; Pereira,
1991). As Santas Casas de Misericórdia desempenham sua função no cuidado dos doentes
desde 1543, quando fundada a primeira Santa Casa em Santos, até os dias atuais. No entanto,
até 1880 o cuidado dos doentes, sobretudo os pobres, era quase que exclusivo das referidas
instituições, as quais eram geridas por jesuítas e pelas irmãs de caridade (Geovanini et al.,
2010)
Esse período é caracterizado por uma prática da Enfermagem pré-profissional, com
expressiva presença masculina, considerando as ordens militares e a presença de homens na
Igreja no cuidado de doentes. Os hospitais, em sua maioria, eram geridos e comandados por
religiosos da Igreja, muitas vezes considerado como cuidado caritativo, não como trabalho, ou
profissão por quem exerciam os cuidados, perante a sociedade. Essas ordens militares foram
desaparecendo ou substituídas por outras instituições de acordo com as necessidades de cada
época e localidade.
Na Inglaterra, com a reforma protestante, os religiosos católicos foram expulsos dos
mosteiros e conventos, culminando numa grande crise e longa crise nos hospitais e assistência
aos pobres, já que eram estes os responsáveis pelo cuidado. A solução foi o recrutamento de
mulheres nas ruas e de prisões para cuidar dos doentes, sendo em sua maioria analfabetas e
pouco escrupulosas. Esse acontecimento ficou conhecido como período negro da
Enfermagem, retratado por Charles Dickens no início do século XVIII. (Oguisso, 2014a)
Nesse período, era difícil imaginar que um hospital era lugar para uma moça de
família rica e aristocrática. Porém, esse quadro mudou depois que Florence Nightingale
(1820-1910) conseguiu melhorar as condições do hospital que cuidava dos soldados feridos,
na guerra da Crimeia (1853-1856).
Devido à ineficiência do sistema de saúde inglês da época, poucos homens sem
treinamentos cuidavam dos soldados ingleses, que estavam feridos e em sofrimento devido à
negligência devido à falta de enfermeiros treinados. Outros países como Rússia e França
tinham suas próprias religiosas para atender seus feridos (Oguisso, 2014b)
Florence recrutou e treinou 38 mulheres entre religiosas anglicanas, leigas e católicas,
contrariando os oficiais e médicos, que achavam que mulheres na guerra eram inconvenientes.
Ao chegar, encontrou um hospital com as piores condições possíveis, com excesso de feridos,
muitos deitados no chão, falta de suprimentos alimentares e de higiene, e escassez de roupas e
material, com uma taxa de mortalidade de 40%. Em dois meses, depois de muito esforço,
colocou ordem no hospital, o que lhe valeu a reputação de administradora e reformadora de
18
hospitais e após seis meses, a taxa de mortalidade havia reduzido para 2%. (Oguisso, 2014c;
Porto, Barreira, Amorin, 2007)
Os soldados a amavam e respeitavam pelo conforto que lhe era oferecido, por ela e
pela equipe de Enfermagem. Ela ficou conhecida como a Dama da Lâmpada, devido à ronda
noturna que fazia com sua lâmpada, depois que os demais profissionais já haviam se
recolhido, para clarear o caminho e conseguir ver os soldados feridos, dando luz e esperança
aqueles que ali se encontravam. (Oguisso, 2014c)
Ao retornar da guerra, Florence se tornou uma figura popular nacionalmente, e seu
nome se tornou sinônimo de doçura, eficiência e heroísmo. Com seu trabalho, ela quebrou
preconceitos que existiam em relação a mulheres no exército, modificou a visão que a
sociedade tinha em relação à Enfermagem e estabeleceu uma ocupação útil às mulheres de
sua época (Oguisso, 2014c)
Nesse momento, o movimento da emancipação feminina já era presente na Europa,
considerando essa época a mesma da revolução industrial, a mulher foi modificando a
sociedade de maneira lenta e gradual, tanto no aspecto social, político, econômico e
educacional. A Enfermagem então surgiu como uma profissão digna que poderia ser exercida
por mulheres, ter remuneração salarial e seu sustento (Costa et al., 2009)
Florence recebeu fundo de pessoas proeminentes e soldados, e com isso fundou e
implantou a primeira Escola de Enfermeiras no Hospital Saint Thomas, em Londres, em 1860,
por Florence Nightingale, pois naquela instituição eram selecionadas somente mulheres para o
curso de Enfermagem. Esse modelo de ensino ficou conhecido posteriormente por
“nightingaleano” e orientava-se pelo regime de internato, ou seja, as alunas deviam residir na
Escola de Enfermagem. (Oguisso, 2014c). Obviamente que no século XIX havia uma moral
rígida, que separava homens e mulheres, era inconcebível, naquele regime de internato, a
presença masculina. Portanto, o homem passou a ser excluído da Enfermagem no modelo
nightingaleano. (Gastaldo, Meyer, 1989)
Esse período ficou conhecido como divisor entre Enfermagem pré-profissional, e
Enfermagem profissional, considerando o que Florence ensinava como modelo
nightingaleano. O ensinamento era em formato militar, com base em conhecimentos
científicos e aspectos morais, não mais era focado em preceitos da Igreja e suas doutrinas.
As enfermeiras eram formadas na escola para serem multiplicadoras de conhecimento,
e formar novas enfermeiras em regiões distritais. Eram convidadas para trabalhar em diversos
hospitais dentro e fora do país, e em geral dirigir e organizar serviços de Enfermagem.
Considerando a posição da Inglaterra como potência mundial na época e a decisão de criar
19
enfermeiras que multiplicavam seus ensinamentos, não é difícil entender como o modelo
nightingaleano foi difundido para muitos países com o passar dos tempos, tanto que em
quinze anos, muitos hospitais em todo mundo já requisitavam enfermeiras desse modelo para
serem geridos e abrir novas escolas. (Oguisso, 2014c)
Segundo Mott (1999) no Brasil, até o fim do século XIX, a Enfermagem era uma
profissão exercida por homens e mulheres, a mudança se deu na virada do século. Já nas
décadas finais do século XIX, alguns médicos eram a favor de que os enfermeiros deveriam
ser escolhidos entre "homens destros, sobretudo dóceis, e não por homens grosseiros, de
fisionomia desagradável, tirados da última classe da sociedade" (Mott, 1999, p. 331). O
mesmo recomendava que os enfermeiros fossem substituídos por enfermeiras da Santa Casa
de Misericórdia por serem estas mais competentes no serviço, seja pela educação, por ser
compadecerem dos males dos infelizes doentes, como por serem naturalmente dóceis.
Um pouco da visão do enfermeiro homem do século XIX pode ser visto no conto “O
enfermeiro” de Machado de Assis, que trata o enfermeiro em alguns momentos, de maneira
pejorativa como: "prestava para nada, dormiam muito, eram respondões e andavam ao faro
das escravas; dois eram até gatunos", entretanto, Procópio era um enfermeiro muito paciente e
trabalhador. (Machado de Assis, s.d.)
Além da figura do homem, médico, requerendo a presença da mulher, enfermeira,
como sua “auxiliar”, como parte do “corpo dócil”, aquela que daria sustentação à clínica, à
assistência dos corpos, que passam a ser disciplinados, observados e controlados pelo saber e
pelo poder médico (da enfermeira), sendo imprescindível, também, que ela (a enfermeira)
fosse “astuta observadora da evolução clínica do doente” e soubesse registrar cada etapa da
evolução do doente. (Nightingale, 1989)
Assim, a Medicina moderna ou científica requeria, portanto, a presença e ação da
mulher, enfermeira, não religiosa, dócil e subserviente ao homem, médico, detentor do poder
e da tomada de decisão em relação ao “corpus” da clínica (Miranda, 1999). À medida que o
hospital muda de configuração, deixando de ser uma instituição a que acorriam pobres
desesperançados para se tornar, segundo Foucault (2014), em um espaço de poder e de
ampliação e manifestação do saber e do poder do médico, tendo em vista a perspectiva da
cura e não mais a salvação da alma do doente.
Os hospitais, que antes tratavam a população de baixa renda, passam a atender pessoas
das classes mais favorecidas. Com o aumento do número de serviços de saúde e as mudanças
que estavam ocorrendo na prática médica já no início do século XX, passou a preconizar a
necessidade de formação de novos enfermeiros, sobretudo enfermeiras devido às qualidades
20
inatas do sexo feminino. Para os hospitais e casas de saúde, possuir um corpo de enfermeiras
treinadas passou a significar prestígio e sinônimo de bons serviços. (Mott, 1999)
Uma publicação em 1906 na Revista de Médica em São Paulo, Dr. Moisés Amaral
(1906 apud Mott, 1999, p. 353-4) afirma que:
"...a mulher deveria se dedicar à profissão da Enfermagem, pois ela sempre
foi chamada a velar ao lado do leito dos enfermos a contribuir com a sua paciência,
com a sua abnegação, e a sua suavidade ao êxito das prescrições médicas. Quem
melhor que o anjo do lar, com sua suavidade esquisita, com sua caridade inesgotável
saberá encontrar o consolo para dores humanas? À mulher cabe mais propriamente e
com muitos mais títulos consagrar-se a esta nobre e humanitária profissão de
enfermeira."
Nessa perspectiva, apesar da mulher ser a “candidata ideal” para a Enfermagem, a
instrução ou caminho para torná-la uma profissional competente gerava certo temor. Se por
uma vertente a pouca instrução acabava impedindo uma enfermeira de cumprir sua missão de
maneira satisfatória, por outro, se muito instruída, a mesma poderia apropriar-se da faculdade
do médico e dedicar-se à cura por sua conta. Para que isso não ocorresse, os cursos deveriam
formar técnicos capazes, onde a teoria se restringiria ao indispensável, preferindo-se os
exercícios práticos.
Segundo Bourneville (1903 apud Moreira, 2014, p. 154), o perfil desejado por
médicos franceses no final do século XIX e início do século XX era: "um profissional leigo, e
de preferência do sexo feminino; sua instrução seria elementar, mas com ensino teórico-
prático ministrado por médicos, a quem deveria ser leal, dócil devotado e submisso".
Com esse pensamento e com a propagação do modelo de ensino de Nightingale no
mundo, ocorreu o processo de feminização da Enfermagem, o homem foi sendo deixado de
lado nessa área, perdendo seu espaço no cuidado de doentes. Os médicos queriam substituir a
Enfermagem religiosa e empírica a qual respondia a seus superiores da Igreja, por uma
Enfermagem com conhecimentos científicos no cuidado, que responderiam a eles, não mais a
uma instituição maior. Assim foi ocorrendo gradativamente a laicização da Enfermagem
(Pereira 2008).
Considerando a profissionalização da Enfermagem no Brasil, a primeira escola a ser
fundada foi a "Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras" em 1890, ligada ao
Hospício Nacional de Alienados, com modelo educacional médico Francês. Permitia a
presença de homens, principalmente devido à força física no manejo dos doentes mentais.
Hoje é a atual Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO). (Moreira, 2014)
21
O modelo nightingaleano foi implantado originalmente no Brasil, no Hospital
Samaritano, na cidade de São Paulo, em 1894, quando se criou uma Escola para a formação
de enfermeiras, sob regime de internato, que visava formar apenas enfermeiras do sexo
feminino, sendo uma das matrons daquela Escola Senhorita Louise Madein (Mott, 1999).
Nessa ocasião, esse modelo foi considerado Nightingaleano puro, pois foi implantado por
enfermeiras inglesas formadas na Escola de Nightingale. (Mott, Tsunechiro, 2000)
Esse internato era regido por uma rígida hierarquia, aprendia-se a respeitar os médicos,
a Matron e as enfermeiras chefes. Com uma vigilância em relação aos comportamentos e à
moralidade, dentro e fora do hospital, as enfermeiras não podiam receber visita de "moços
solteiros" nem sair à noite sem licença prévia, nem eram aceitas enfermeiras casadas. Mesmo
recebendo moradia, alimentação, vestimentas e um salário de acordo com o grau de formação
(1º ano, 2º ano, 3º ano e formadas) as atividades hospitalares eram duras, com um período de
férias de duas semanas por ano e uma folga por mês. (Mott, 1999)
Posteriormente, já em um modelo de ensino nightingaleano anglo-americano, foi
fundada a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1923, hoje
conhecida como Escola de Enfermagem Anna Nery, da UERJ. Já em São Paulo, foi criada em
1938 a Escola Paulista de Enfermagem, vinculada à Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP). A diferença entre os modelos nightingaleano anglo-americano e o modelo
nightingaleano puro, e que o primeiro sempre buscou se filiar ao ensino em universidades,
enquanto o segundo dentro dos hospitais. (Oguisso, Freitas, 2014)
A quarta escola criada no modelo de Nightingale é a Escola de Enfermagem, da
Universidade de São Paulo - EEUSP, a escola em que desenvolvi esse trabalho. Foi criada
pelo Decreto-Lei n° 13.040, de 31 de outubro de 1942. Muitas marchas e contra-marchas
ocorreram até que se concretizasse a construção e início do funcionamento da EEUSP. As
fundações americanas Kellogg e Rockefeller foram essenciais para que a ideia da criação
dessa Escola se tornasse realidade e funcionasse (Carvalho, 1980).
Apesar de anexa à Faculdade de Medicina da USP, a EEUSP funcionava como se
fosse autônoma, com orçamento próprio, direção própria e corpo docente qualificado próprio.
Mas a anexação era um fator desfavorável em relação ao seu pleno desenvolvimento, pois era
representada pelo diretor da Faculdade de Medicina no Conselho Universitário, que nem
sempre considerava as necessidades da Escola ou atendia as reivindicações, talvez por falta de
argumentos ou de conhecimento mais aprofundado dos problemas (Carvalho, 1980).
22
Com gestões iniciadas para a desanexação, em 1956, a Faculdade de Medicina
concordou em dezembro de 1962 e foi efetivada pelo Decreto Estadual n. 42.809, de 20-12-
1963, que transformou a Escola de Enfermagem em estabelecimento de ensino superior.
A primeira turma se formou em 1946 com 16 diplomadas na EEUSP, mas a presença
masculina como aluno, firmou-se apenas em 1950, quando ocorreu a formatura do primeiro
homem, cujo nome é Benone da Silva Lima. (Costa, Freitas, 2009)
Entretanto, foi com a Reforma Universitária de 1968, que se possibilitou a inserção de
homens e mulheres, independentemente do curso. A seleção por gênero a um determinado
curso não ficava mais ligada a critérios de “vocação” ou comportamento considerado assim de
“boas maneiras”, e sim apenas pela aprovação no vestibular. (Fávelo, 2006; Martins, 2009)
No tópico seguinte, serão abordados os resultados de levantamentos feitos em bases de
dados atuais sobre a presença masculina na Enfermagem.
1.1 REVISÃO DA LITERATURA
Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram levantados trabalhos científicos que, em
seu resumo, abordassem a temática do homem na Enfermagem. Foram utilizados os seguintes
descritores em Português e em Inglês: Enfermeiros (Nurses, Male) e Homens (Men) com o
operador booleano AND, as buscas aconteceram de dezembro de 2015 até setembro de 2016.
Utilizaram-se as seguintes bases de dados para pesquisa: BDENF (Base de Dados da
Enfermagem), SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino
Americana e do Caribe de Ciências da Saúde), CINAHL- with Full Text (Cummulative Index
to Nursing & Allied Health Literature) entre outras bases como: repertório digital da UFRGS-
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, FURG - Universidade Federal do Rio Grande,
Revista Brasileira de Enfermagem, Revista de Enfermagem da Escola de Enfermagem da
USP. O número de trabalhos encontrados em cada base de dados pode ser observado no
Quadro 1.
23
Quadro 1 - Pesquisa em Base de Dados.
Bases de Dados Nº de trabalhos encontrados Sobre Homens na
Enfermagem
BDENF 25 4
SciELO 28 1
LILACS 56 5
CINAHL- with Full Text 381 13
Outras bases - 11
Dos trabalhos encontrados que invocam a temática dos homens na Enfermagem,
alguns são encontrados em mais de uma base de dados. Foram selecionados 12 artigos por
serem considerados, pelo pesquisador, como da maior relevância social, tendo em vista a
proposta do presente estudo. Os dados levantados estão em Português, Inglês e Espanhol. Não
foi realizada a delimitação temporal e foram escolhidos trabalhos preferencialmente com texto
completo que possibilitam aumentar os conhecimentos sobre a temática e subsidiar uma maior
discussão sobre os dados que foram encontrados nos resultados deste trabalho.
O resultado da pesquisa está apresentado sinteticamente no Quadro 2, em ordem
cronológica, seguidos com comentários de cada estudo:
Quadro 2 - Estudos Selecionados
Ano, Revista e Autor. Título Base de
dados
País
1980 - Ver. Esc. Enf.
USP – Tsunechiro MA
O estudante de Enfermagem do sexo
masculino: um problema para o
ensino de Enfermagem obstétrica?
- Brasil /
São Paulo
1989 - Dissertação
Mestrado, - Vargens
OMC
O homem enfermeiro e sua opção
pela Enfermagem
BDENF Brasil /
Rio de
Janeiro
24
Ano, Revista e Autor. Título Base de
dados
País
1991 - Acta Paul. Enf -
Pereira A
Reflexões sobre a evolução da
Enfermagem e o surgimento do
homem na profissão
LILACS Brasil/
São Paulo
1999 - Tese – Torres
RAM
Gênero e trabalho de Enfermagem:
inserção e condição dos enfermeiros
do sexo masculino
LILACS Brasil /
Fortaleza
2000 - Rev. bras. Enf.-
Santos CE, Takahashi
RT
Resgatando a trajetória profissional
do enfermeiro do sexo masculino:
um enfoque fenomenológico
BDENF/
LILACS/
SciELO
Brasil /
São Paulo
2004 - Journal of
Advanced Nursing -
Evans J
Men nurses: a historical and feminist
perspective
CINAHL Canadá
2008 - Dissertação
Mestrado - Pereira PF
Homens na Enfermagem,
Atravessamento de gênero na
escolha, formação e exercício
profissional
- Brasil /
Rio
Grande do
Sul
2009 - Cultura de Los
Cuidados - Costa KS,
Freitas GF
Perfil dos Homens Formados na
Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo (1950 -
1990)
CINAHL Brasil /
São Paulo
2009 - Journal of
Professional Nursing -
Saritas S, Karadag M,
Yildirim D
Students opinions about male nurses CINAHL Turquia
2012 - Journal of
Advanced Nursing -
Stanley D
Celluloid devils: a research study of
male nurses in feature films.
CINAHL Austrália
2014 - Journal of
Nursing Education
and Practice -
Christensen M,
“Nursing is no place for men” ― A
thematic analysis of male nursing
students experiences of
undergraduate nursing education
CINAHL Austrália/
Nova
Zelândia
25
Ano, Revista e Autor. Título Base de
dados
País
Knight J
2015 - British Journal
of Nursing -
Whiteside J, Butcher
D
‘Not a job for a man’: factors in the
use of touch by male nursing staff
CINAHL Inglaterra
O estudo de Tsunechiro (1980) discute sobre a dificuldades dos alunos da EEUSP em
realizar estágios teórico-práticos em Obstetrícia na década de 1970. A autora defende um
ensino igualitário sobre a temática entre homens e mulheres, pois no período do estudo,
muitos alunos homens foram impedidos de realizar estágios e realocados para outros campos,
causando muita insatisfação.
O trabalho de dissertação de mestrado de Vargens (1989) foi o primeiro no qual tive
contato com a temática do homem na Enfermagem, isso aconteceu no início da graduação, no
final do ano de 2007, e foi a partir dele que comecei a estudar sobre o tema. O estudo discorre
sobre cinco enfermeiros do estado do Rio de Janeiro, sua escolha profissional e a maneira
como ela ocorreu, discutindo assim algumas passagens do dia a dia desse trabalhador na
Enfermagem.
Já Pereira (1991) faz um excelente recorte sobre a Enfermagem pré-profissional, cujos
atributos são: abnegada, caridosa, vocacional, cuidada principalmente por religiosos, no
Brasil, padres jesuítas, como José de Anchieta. Comenta das dificuldades dos homens se
inserirem no mercado de trabalho, muitas vezes sendo deixado de lado por hospitais
particulares, e quando contratado, principalmente em setores como Psiquiatria, Neurologia,
Urologia, Ortopedia e Traumatologia, Reabilitação e Emergência, ditos por sua vantagem de
força muscular, raramente alcançam cargos de chefia, além do preconceito sociocultural.
A preocupação da inserção do homem enfermeiro no mundo feminino da Enfermagem
também foi explorada por Torres (1999). O autor entrevistou 16 enfermeiros no município de
Fortaleza procurando desvendar suas limitações na formação e em seus locais de trabalho,
procurando entender as condições que contribuem para permanência dos mesmos no mundo
feminino da Enfermagem.
26
Após dificuldades vivenciadas pelo autor no que se refere à inserção no mercado de
trabalho, Santos, Takarashi (2000) pesquisam a trajetória de enfermeiros de uma escola
pública com enfoque fenomenológico, abordando o momento da inserção e seus processos
seletivos, a relação de convivência no trabalho com a equipe de Enfermagem e médica, e as
relações entre enfermeiro e paciente no momento do cuidado.
Pela universidade de Dalhousie University, no Canadá, Evans (2004) faz um excelente
recorte da Enfermagem pré-profissional com ênfase na Europa, Canadá e Estados Unidos.
Discorre sobre a exclusão do homem na Enfermagem após a expansão do modelo de ensino
de Florence, suas repercussões na Inglaterra, Canadá e EUA. Discute sobre a dificuldade da
reinserção dos enfermeiros nesses países, dificuldades encontradas, bem como a organização
de classe dos enfermeiros.
Em outra abordagem, Pereira (2008) aborda o atravessamento de gênero na escolha,
formação e exercício profissional dos enfermeiros homens. Foram realizadas sete entrevistas
com enfermeiros do Rio Grande do Sul, seis da região de Porto Alegre e um do Nordeste do
Estado, sendo utilizadas análises baseadas na obra de Michel Foucault, procurando identificar
as dificuldades e facilidades de ser homem em um curso predominantemente feminino.
Em uma abordagem quantitativa, este estudo consiste em descrever o perfil dos
estudantes de Enfermagem no momento do ingresso na Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo com base nos sujeitos investigados por Costa, Freitas (2009).
Abordando dados sócio-demográficos como proporção entre homens e mulheres,
nacionalidade, etnia, entre outros temas, o tema será retomado nessa dissertação de mestrado
devido a novos dados coletados, bem como novas discussões sobre a temática.
Na Turquia, a presença masculina na Enfermagem é bem mais recente, sendo liberada
apenas em 2007 após uma nova lei sobre a Enfermagem. Saritas, Karadag, Yildirim (2009)
fazem um questionamento às estudantes mulheres das escolas de Enfermagem com relação ao
início e gradual aumento de homens na profissão, obtendo uma resposta positiva, porém
modesta, chegando a 61,7% de opiniões positivas sobre a existência de enfermeiros homens.
Percebe-se que a aceitação de cuidados por enfermeiros homens levaram tempo, tanto pelas
faculdades, quando pela população, devido à cultura do país.
Um estudo que trata não necessariamente da vivência do enfermeiro e sim de sua
imagem, é discutido no trabalho realizado por Stanley (2012). Este autor teve como objeto de
seu estudo treze filmes, os quais retratam a figura do enfermeiro homem, sendo doze dos
EUA e um espanhol. Em sua maioria, os filmes escolhidos por esse autor são do gênero de
comédia, tratando o enfermeiro de maneira negativa e estereotipada, de forma que se opõem à
27
masculinidade hegemônica, sendo representado como afeminado, homossexual, homicida,
agressivo, corrupto, preguiçoso ou incompetente. Poucos filmes mostram os enfermeiros em
papéis masculinos tradicionais, como profissionais competentes e autoconfiantes. Há um
perigo real na percepção do público sobre o tema, sendo cada vez mais difícil dissolver alguns
estigmas.
Outro estudo realizado por Christensen, Knight (2014) aponta cinco alunos de
graduação de uma universidade da Nova Zelândia, e que para eles, o fato de estarem na
Enfermagem é algo positivo, mesmo com a sensação solitária nesse mundo feminino, ser
único tem suas vantagens, superando estereótipos de homossexuais ou "predadores sexuais”
(ser homem em meio de tantas mulheres), é uma profissão que permite ao neozelandeses uma
estabilidade econômica, já que o país está passando por uma crise financeira. É uma carreira
flexível e com muitas promessas, possibilidades de viajar e sair da ilha para trabalhar em
outros países que falam inglês, como Austrália.
O artigo mais recentemente localizado foi o de Whiteside (2015), que trata de uma
revisão da literatura sobre os cuidados prestados pelos enfermeiros homens, e como esse tema
vem sendo abordado na universidade. Percebe-se que há um aumento, mesmo que pequeno,
de homens na Enfermagem do Reino Unido e dos Estados Unidos. Eles estão sendo atraídos
principalmente para trabalhos de gerenciamento, educação e áreas com maior concentração de
tecnologia e poucos cuidados ("high-tech, low-touch’). Essa escolha está ligada diretamente à
satisfação no trabalho, aumentam a autoestima e elevação na carreira institucional. Áreas de
cuidado integral geralmente são ditas como mais problemáticas para os homens.
Dito isso, o pesquisador possui algumas inquietações, como problema de pesquisa,
procurou investigar se:
- É possível discutir possíveis lutas e resistências, por parte dos homens, ao escolherem se
inserir no campo da Enfermagem?
- Como era ser homem na Enfermagem na vivência daqueles que estudaram na EEUSP?
- Como se dava a trajetória dos homens na Enfermagem?
1.2 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO
Inicialmente, a Enfermagem na USP era restrita às mulheres em regime de internato;
no entanto, décadas se passaram e ainda se observa uma desigualdade de gênero nesta
28
categoria profissional. Dessa forma, a motivação para a propositura desse trabalho advém da
busca do porquê da visível minoria masculina entre os profissionais de Enfermagem.
Observa-se atualmente que os papéis sociais do cuidar ainda são predominantemente
da mulher, não só das profissionais, como também nas famílias, cabendo à esposa e à filha a
tarefa de cuidadoras de crianças e idosos. Portanto, buscou-se entender a história de vida dos
enfermeiros, sua origem familiar e como se deu sua escolha pela profissão, formação
acadêmica e trajetória profissional.
Assim, o conhecimento dessas realidades possibilitará a compreensão da própria
identidade da profissão da Enfermagem, mormente sobre a construção de conhecimentos em
história de uma minoria na Enfermagem, que é o caso dos homens. Esse trabalho representará
uma contribuição para a história da Enfermagem, retratando a presença masculina nessa
profissão, não somente na EEUSP, mas também na Enfermagem como um todo.
Sabe-se que a memória coletiva, além de uma conquista, é também um instrumento e
um objeto de poder. (Certeau, 2005) Nessa perspectiva, o trabalho poderá assegurar
visibilidade e prestígio à boa parcela da população dos egressos da EEUSP, a qual se encontra
no esquecimento ou distante de serem vistos ou rememorados pela instituição ou pelos pares.
29
2. OBJETIVOS
30
2. OBJETIVOS
1. Identificar o perfil sócio demográfico dos homens formados da EEUSP.
2. Descrever as vivências dos homens egressos da Escola de Enfermagem da USP
durante a graduação e inserção no trabalho.
3. Analisar e discutir as possíveis estratégias de lutas/resistência na inserção do
homem na graduação da EEUSP e no trabalho
31
3. PERCURSO METODOLÓGICO
32
3. PERCURSO METODOLÓGICO
3.1 TIPO DE ESTUDO
Na presente investigação utilizou-se do método histórico, o qual leva em consideração
a complexidade das relações sociais e nestas as ações humanas, as quais são objeto do
historiador, pois este pretende estabelecer como se comportam no tempo as realidades
humanas, já que o objeto historiográfico contempla as múltiplas realidades do humano.
(Aróstegui, 2001)
Nessa direção, a história é sempre história de um coletivo, e não de indivíduos
isoladamente. Ademais, não é somente a consciência dos homens o fator determinante da
realidade social, mas o contrário, ou seja, a realidade é a determinante social e política da
consciência. Indubitavelmente, a história une valor à realidade e à consciência de si e do
coletivo. (Aróstegui, 2001)
“A História era e continua sendo uma expressão da identidade e por meio
dela tem-se obtido uma função: poder, ideologias sociais, políticas e religiosas, pois
o conhecimento histórico ligou-se, por vezes, às elites dominantes (nasceu atrelada
aos poderosos e a serviço destes); dando suporte ao nascimento do Estado moderno.
Logo, por não ser um conhecimento imparcial ou desinteressado, dificilmente se
constituiu em um conhecimento teórico. Por conseguinte, a história da historiografia
não se compreende desconectada do contexto geral das formas sociais e das ideias e
ideologias de cada momento” (Aróstegui, 2001, p. 31).
No presente estudo, pretendeu-se desenvolver um estudo histórico comprometido com
a realidade social de um coletivo, no caso os homens na Enfermagem, a partir de suas
vivências ou experiências em um dado cenário escolhido (a Escola de Enfermagem da USP):
suas histórias, trajetórias, inserções e lutas.
Foi utilizado a metodologia da História Oral Temática para a coleta dos depoimentos
dos participantes, sistematização, organização e discussão dos achados. Essa opção justificou-
se pelo fato de ser um estudo de natureza descritiva, histórico-social e exploratória e
possibilitar a expressão da subjetividade dos indivíduos.
Nessa direção, o método da História Oral é definido por Freitas (2006) como um
método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimentos articulados
entre si, no registro de narrativa da experiência humana. Para Meihy (2005) a História Oral de
Vida é o depoimento de um indivíduo acerca de sua experiência de vida. Para tanto, ao
utilizarmos essa metodologia, devemos conceder espaço para que o participante expresse com
a maior liberdade possível seus sentimentos e vivências, com o mínimo de interferência do
entrevistador.
33
Entretanto, não se busca nesse trabalho um retrato autobiográfico e sim apenas um
recorte temporal da vida dos participantes, e suas impressões em relação a fatos indagados
pelo pesquisador sobre a trajetória de vida de cada um, assim, procurando entender a memória
coletiva desta determinada população.
Segundo Freitas (2006) na História Oral Temática, a entrevista é realizada com um
grupo de pessoas, sobre um determinado assunto específico. Essa entrevista, que tem
característica de depoimento, não abrange necessariamente a totalidade da existência do
informante e sim um determinado momento da sua vida. Dessa maneira, os depoimentos
podem ser mais numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que
permite uma comparação entre eles, apontando divergências, convergências e evidências de
uma memória coletiva. Por conseguinte, optou-se pela História Oral Temática por se tratar de
momentos da vida profissional dos depoentes, participantes da pesquisa, mormente no que se
refere à escolha da profissão, a inserção acadêmica e profissional nesse campo (da
Enfermagem).
Já Luchesi e Lopes (2011) afirma que a História Oral tem como base produzir
conhecimento científico e não apenas obter relatos das experiências de vida dos sujeitos. Com
relação a isso, a História Oral possui três pressupostos inter-relacionados: pensar o passado a
partir do presente, na busca de entendimento do nosso tempo; dar atenção para a "outra
história", ou seja, o entrevistado fala do passado, posicionado do presente; e lembrar que a
narração é baseada na recordação e na rememorização de fatos acontecidos.
A História Oral se aproxima da ideologia da nova história, pois questiona a versão
oficial dos fatos e atribui significados sociais às histórias, ao cotidiano e a vida privada dos
entrevistados, dando voz a uma população que dificilmente chegaria aos holofotes.
Nos próximos tópicos, são apresentadas a coleta de dados na escola e à população-alvo
da investigação, além de discorrer sobre as fontes do estudo em história, mais especificamente
neste estudo. São também descritos os aspectos éticos e aqueles relacionados à coleta e à
análise dos dados quantitativo com a caracterização da população estudada, e dados
qualitativos em relação às entrevistas.
3.2 ASPECTOS ÉTICOS
O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil e após, encaminhado para
apreciação da Comissão de Ensino e Pesquisa e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola
de Enfermagem da USP sendo aprovado; CAAE: 43957015.0.0000.5392 (ANEXO 1). Os
34
participantes do estudo que foram encontrados para realização da entrevista foram
esclarecidos dos objetivos da pesquisa, sendo-lhes fornecido o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (APÊNDICE A), elaborado conforme as normas da Resolução Nº 466, de 12 de
dezembro de 2012, que versa sobre os aspectos éticos em pesquisas envolvendo seres
humanos. (Brasil, 2012) Cada participante recebeu uma cópia do citado termo, após sua
assinatura. Ressalta-se que foi garantido aos participantes o sigilo das informações, a
voluntariedade na participação e a possibilidade de interromper essa participação a qualquer
momento que julgar conveniente, sem quaisquer tipos de prejuízos.
3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO
Silva Junior (2011) esclarece que as variações ou permanências das proporções de
gêneros nas escolas podem ser adquiridas e estudadas com as listas de matrículas ou com a
lista de formados da instituição.
A população investigada foi constituída pelos homens formados na Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo nas décadas de 1950 a 1990. O primeiro homem
formou-se na referida Escola na década de 1950, cujo nome é Benoni de Souza Lima. A lista
dos egressos com o respectivo ano de formação encontra-se no APÊNDICE B.
Vale explicar que o trabalho visa discorrer sobre a trajetória e vivência dos formados
nesta Escola e no âmbito do trabalho. Assim, fez-se a delimitação das primeiras cinco décadas
da presença masculina na EEUSP. Como critérios de inclusão, foram incluídos aqueles
homens que aceitaram o convite para conceder entrevista de forma livre e espontânea e que se
formaram nesta escola no período delimitado acima. Para tanto buscou-se localizar cada um
dos formados, via serviço de graduação da EEUSP e suporte do Conselho de Enfermagem.
Após a aceitação do convite, o pesquisador deslocou-se em um raio de até 350
quilômetros para realizar entrevista, sendo a sua maioria realizada na região metropolitana de
São Paulo.
Foi possível localizar um único enfermeiro formado da década de 1950, o qual por
motivo de saúde debilitada concedeu sua entrevista por meio de carta, respondendo a todas as
indagações que foram encaminhadas, de acordo com o protocolo da pesquisa.
Não foi possível localizar nenhum enfermeiro formado na década de 1960. Na década
seguinte foram entrevistados sete enfermeiros. Nas décadas de 1980, foram nove; na década
de 1990, foram entrevistados três enfermeiros, totalizando vinte entrevistas realizadas.
35
3.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
Para definir quantos alunos se formaram por ano e quais são os nomes dessas pessoas,
o serviço de graduação forneceu ao pesquisador um documento que eles chamam de "ficha
verde", que contém algumas breves informações dos alunos. Essa ficha foi entregue desde o
início da escola, com a primeira turma formada em 1946 até o período estudado praticamente
com seu layout inalterado (ANEXO 2). Entretanto, em alguns anos, ocorreu o extravio destas
fichas, sendo então fornecida a lista dos alunos formados.
O perfil dos homens foi coletado através da ficha de inscrição preenchida no ato da
matrícula pelos alunos, entretanto foi percebido que nem todas as fichas de ingressos eram
iguais. Foram encontrados ao todo quatro modelos, com diferentes layouts e perguntas.
O primeiro modelo (ANEXO 3) foram encontrados nos alunos formados de 1950 a
1958, formado por quatro páginas, engloba inúmeras perguntas, desde informações do aluno e
de seus pais, até questões sobre: estudos anteriores, hábitos de vida, saúde, empregos
pregressos, recursos financeiros, motivos da escolha profissional; até pessoas conhecidas que
poderiam dar referências sobre o candidato. É o modelo mais completo, com
aproximadamente 31 categorias de perguntas, não parecendo com algo para ingressar na
universidade e sim como uma ficha de emprego. É voltado para o sexo feminino, facilmente
percebido na seguinte pergunta: "Está noiva".
Já o segundo modelo (ANEXO 4) foi encontrado nos formados de 1961 até 1976,
contendo duas páginas e um total de 21 categorias de perguntas. As informações abordadas
são, em sua grande maioria, muito parecidas com o primeiro modelo. As perguntas foram
reformuladas, retirado o tópico de pessoas de referência e colocadas informações sobre o
internato.
Em 2 de janeiro de 1943, a EEUSP iniciou suas atividades utilizando o regime de
internato, sob a direção de Edith Magalhães Fraenkel. O regime de internato funcionou na
EEUSP até 1973, quando foi substituído pelo modelo comum de estudo. (Carvalho, 1980) As
questões sobre o regime de internato só apareceram no segundo modelo encontrado e são
voltadas apenas ao sexo feminino, como pode ser visto na pergunta 15: "pretende ser Interna
ou Externa?".
O terceiro modelo (ANEXO 5) vigorou de 1977 a 1992, é constituído por apenas uma
página, percebe-se uma diminuição brusca das informações coletadas, fixando-se apenas em
informações referente ao estudante e seus pais.
36
Já o quarto modelo (ANEXO 6), iniciou-se em 1992 foi analisado até a última ficha
vista pelo pesquisador, no ano de 1999. As informações que esse modelo contém não foram
utilizadas nas categorias dos resultados do presente estudo, uma vez que se remetem a dados
de endereço dos alunos e de seus pais.
Depois de localizados os participantes, no momento da entrevista, foi entregue um
Questionário Sociodemográfico (APÊNDICE C), referente a dados complementares com
perguntas abrangendo idade no momento da entrevista; estado civil atual; profissão da
companheira/o se tiver; profissão dos filhos se tiver; cursos posteriores realizados,
considerando especialização e pós-graduação; e instituições que trabalhou e que função
desempenhou.
As entrevistas realizadas foram pautadas na História Oral Temática, seguida por um
roteiro de perguntas norteadoras semiestruturadas (APÊNDICE D), foi utilizado um gravador
de voz para registrar as entrevistas para posterior transcrição.
Para assegurar o anonimato dos participantes do presente estudo, os mesmos não
foram identificados nominalmente, mas sim pela numeração P1, P2, P3, etc, que
correspondem a Participante 1, Participante 2, Participante 3, e assim, sucessivamente
Para Luchesi e Lopes (2011), a maneira mais difundida e empregada para a coleta de
dados e a entrevista que se desenvolve em um processo de conversação entre o pesquisador e
o narrador. Desde 1960, essa prática se firmou com a utilização do gravador que congela
relatos, narrativas, depoimentos e falas, permitindo que sejam consultados e avaliados a
qualquer tempo, transformando a entrevista gravada em fonte primária para múltiplas
pesquisas.
3.5 ANÁLISE DOS DADOS
Os dados obtidos quantitativamente foram armazenados em planilha Eletrônica Excel
para o processamento. Para a análise, utilizaram-se recursos de computação por meio do
processamento no sistema Microsoft R Excel. Desse modo, os resultados serão apresentados
na forma de tabelas e figuras. O tratamento dos dados será realizado por meio da estatística
descritiva.
A análise das entrevistas foi feita com base na análise de conteúdo proposta por
Minayo (2014), sendo que na análise temática, a organização dos dados foi feita em três
polos cronológicos constituídos pela Pré-Análise, Exploração do Material e pelo Tratamento
dos Resultados Obtidos e Interpretação dos Conteúdos.
37
A pré-análise é a fase de organização propriamente dita, corresponde a um período de
intuições, mas tem por objetivo sistematizar as ideias inicias, de modo a conduzir a um
esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, em um plano de análise. Essa
primeira fase contempla os seguintes passos:
a) Leitura Flutuante: após a transcrição na íntegra das entrevistas e com os
depoimentos em mãos. Foram feitas releituras do texto a fim de captar as primeiras
impressões; A dinâmica entre as hipóteses iniciais, as hipóteses emergentes e as teorias
relacionadas ao tema tornarão a leitura progressivamente mais sugestiva e capaz de
ultrapassar à sensação de caos inicial.
b) Constituição do Corpus: após inúmeras releituras, foi demarcada e destacada a
importância do conjunto de elementos dentro do universo de documentos de análise, devendo
responder a algumas normas de validade qualitativa: Exaustividade: que o material contemple
todos os aspectos levantados no roteiro; Representatividade: que ele contenha as
características essenciais do universo pretendido; Homogeneidade: que obedeça a critérios
precisos de escolha quanto aos temas tratados, às técnicas empregadas e aos atributos dos
interlocutores; Pertinência: que os documentos analisados sejam adequados para dar resposta
aos objetivos do trabalho.
c) A formulação e reformulação de hipóteses e objetivos: uma hipótese é uma
afirmação provisória que nós propomos verificar, recorrendo aos procedimentos de análise.
Trata-se de uma suposição cuja origem é a intuição e que permanece em suspenso enquanto
não for submetida à prova de dados seguros. Também se fala em reformulação de hipóteses, o
que significa a possibilidade de correção de rumos interpretativos ou aberturas para novas
indagações.
A exploração do material consiste essencialmente em uma operação classificatória
que visa alcançar o núcleo de compreensão das entrevistas. Para isso, o investigador buscou
encontrar categorias que são expressões ou palavras significadas em função das quais o
conteúdo de uma fala foi organizado. Depois o investigador escolhe as regras de contagem,
uma vez que tradicionalmente a compreensão é construída por meio de codificações e índices
quantitativos. Depois disso, foi realizada a classificação e agregação dos dados, escolhendo as
categorias teóricas ou empíricas, responsável pela especificação dos temas.
No tratamento dos resultados obtidos e interpretados, foi proposto inferências e
interpretações, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente abrindo
outras pistas em torno de novas dimensões teóricas e interpretativas, sugeridas pela leitura do
material. Na análise dos depoimentos dos participantes, foi utilizada a técnica da
38
categorização temática, que é uma operação de elementos constitutivos de um conjunto, por
diferenciação e, seguidamente por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios
previamente definidos.
Dito isso, Cellard (2012) afirma que a maioria dos metodologistas concorda em dizer
que é a leitura repetida que permite, finalmente, tomar consciência das similitudes, relações e
diferenças capazes de levar a uma reconstrução admissível e confiável em relação ao contexto
e a problemática e de modo geral, é a qualidade das informações, a diversidade das fontes
utilizadas, das corroborações, das intersecções que dão sua profundidade, sua riqueza e seu
refinamento a uma análise.
Sobre a análise documental, cabe ressaltar a proposta de Saint-Georges (2006 apud
Silva Junior, 2011, p. 358) se assenta em três fases sucessivas e complementares:
1 - A crítica interna do documento - efetuar uma leitura atenta ao texto, procurando interpretá-
lo. (Credibilidade)
2 - A crítica externa ou crítica da testemunha - o que vai ser examinado já não é a mensagem,
o texto, mas os aspectos materiais do documento. (Autenticidade)
3 - A crítica do testemunho: "confirmar a informação" - confrontar o testemunho examinado
com outros testemunhos independentes do primeiro. (Triangulação)
Nesse processo mental de construção das unidades de significado e tematização dos
achados, cabe lembrar o que Tanaka (2001) propugna no sentido que é necessário que o
pesquisador atente nesse momento para que sua vivência e visão do mundo não interfiram no
processo interpretativo dos conteúdos, discutindo estritamente o demonstrado nas falas
destacadas dos sujeitos, procurando não inferir sob sua ótica.
39
4. REFERENCIAL TEÓRICO
40
4. REFERENCIAL TEÓRICO
As capacidades da memória são limitadas, podem alterar lembranças, esquecer fatos
importantes ou deformar acontecimentos. Entretanto, o registro dessas memórias é uma fonte
de saber preciosa, insubstituível em qualquer reconstituição referente a um passado distante.
Por isso, a importância do registro das vivências de uma determinada população em um
espaço e recorte de tempo, para registro de uma memória coletiva e formação de uma
identidade social. (Barreira, 1999)
A História Social ampliou consideravelmente a noção de documentos, de fato, tudo
que é vestígio do passado, tudo que serve de testemunho, é considerado documento ou
"fonte", inclusive um relatório de entrevista, ou anotações feitas durante uma observação.
Entretanto, a História Social mantém seu nexo básico de constituição, enquanto forma de
abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de diferenciação e individuação
dos comportamentos e identidades coletivos, sociais e vida cotidiana. (Castro, 1997)
4.1 PIERRE BOURDIEU
O presente estudo visa investigar a escolha do curso de Enfermagem de uma
determinada instituição de Ensino Superior, (re)construindo e problematizando a identidade
masculina presente na história da Enfermagem, em especial do homem durante a graduação
na EEUSP, levando-se em consideração o relacionamento com as professoras, familiares,
grupo de amigos, bem como a inserção profissional, e relacionamento entre médicos e
enfermeiros no ambiente de trabalho. Optou-se em utilizar o referencial teórico de Pierre
Bourdieu.
Bourdieu nasceu em 1930, em Denguin, França. Apesar de suas origens humildes,
graduou-se em Filosofia e desenvolveu diversos trabalhos de etnologia sobre a Argélia. No
entanto, é como sociólogo que o autor obteve destaque no mundo intelectual. Foi
homenageado pelo Collège de France e recebeu a medalha de ouro do Centre National de la
Recherche Scientifique (CNRS). Pierre Bourdieu criou uma obra original e complexa
acrescentando à reflexão teórica uma imensa variedade de instrumentos de investigação
(estatísticas, entrevistas, observações etnográficas, matérias históricas, etc.). (Araújo, 2006)
Segundo Moraes (2007), Pierre Bourdieu foi um dos principais intelectuais do século
XX. Professor de Sociologia no Colége de France, diretor da Escola de Altos Estudos em
41
Ciências Sociais e diretor da revista Actes de a Recherche en Sciences Sociales, suas
contribuições para o pensamento contemporâneo foram inúmeras, sempre com enfoque para
questões de educação, cultura, arte e, em seus últimos anos de vida, também para os estudos
de comunicação e política.
Bourdieu marcou o pensamento sociológico das últimas décadas tendo como
inspiração teórica os clássicos Durkheim, Max Weber e Marx, entre outros pensadores
contemporâneos, no que se refere à integração entre teoria e pesquisa empírica. Os estudos
produzidos por ele são hoje referenciais, dada a fertilidade de instrumentos conceituais para a
compreensão das estratégias de reprodução da sociedade, das lutas simbólicas travadas pela
apropriação de bens que, no plano cultural, são realizadas por agentes sociais que visam ao
monopólio da competência e do poder. (Miceli, 2013)
Bourdieu mostra que existe, tanto no sujeito, como no grupo, um “sistema de
disposições duráveis”, que compreende toda a formação que o indivíduo teve em sua história
de vida, podendo ser interpretada pelo capital simbólico que adquiriu e pelo conhecimento de
regras e normas sociais pelas quais procura conformar sua ação. Essa mediação entre o
indivíduo, que age segundo estruturas definidas, mas com margens que precisam ser fechadas
pessoalmente, e a realidade social que se estabiliza, é proporcionada pelo habitus.
(Bonnewitz, 2003)
O estudo do habitus de um indivíduo ou grupo permite uma análise sobre as suas
práticas e representações, na medida em que estas são objetivamente regulamentadas e
reguladas, ocasionando a reprodução das relações direcionada por escolhas de valores, como
descreve Bourdieu:
"[...] Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas [...]; mas
são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de
visão e divisão, gostos diferentes. Fazem diferenças entre o que é bom e o que é
mau, entre o que é bem e o que é mal, entre o que é distinto e o que é vulgar, etc.,
mas não são os mesmos." (Bourdieu, 1994 apud Bonnewitz, 2003, p. 83).
Assim, o conceito de habitus que ele desenvolveu em suas obras corresponde a uma
matriz determinada pela posição social do indivíduo que lhe permite pensar, ver e agir nas
mais variadas situações. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos políticos,
morais e estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver
estratégias individuais ou coletivas. (Miceli, 2013)
O conceito de campo, seja de qualquer especificidade, supõe a presença de hierarquias
entre os agentes de um mesmo campo e entre campos diferentes. Nesta disposição hierárquica
entre os agentes, perpassam aspectos relacionados à origem de classe, trajetória escolar,
42
acúmulo de bens expresso em capital simbólico acumulado, conjunto de habitus, estilo de
vida e grau de legitimidade de um campo em relação a outros.
A noção de campo desenvolvida por Bourdieu constitui-se em uma referência
metodológica que visa orientar o modo de construção do objeto no processo de organização
da pesquisa e indica a necessidade de pensar o mundo social de maneira relacional.
Os campos se caracterizam por espaços sociais, mais ou menos restritos, onde as ações
individuais e coletivas se dão dentro de uma normatização, criada e transformada
constantemente por essas próprias ações. Dialeticamente, esses espaços, ou estruturas, trazem
em seu bojo uma dinâmica determinada e determinante, na mesma medida em que sofrem
influências – e, portanto, modificações – de seus atores. Devendo ser entendidos
relacionalmente no conjunto social; diferentes campos relacionam-se entre si originando
espaços sociais mais abrangentes, conexos, influenciadores e influenciados ao mesmo tempo.
(Araújo, 2006)
Há também o capital cultural, que pode ser percebido em três formas: (Nogueira,
Catani, 2015)
O estado incorporado sob a forma de disposições duráveis do organismo. Sua
acumulação está ligada ao corpo, exigindo incorporação¸ demanda de tempo, pressupõe um
trabalho de inculcação e assimilação. Esse tempo necessário deve ser investido pessoalmente.
O estado objetivado é constituído na forma de bens culturais, como livros, quadros,
dicionários, computadores; transmissíveis de maneira relativamente instantânea. Todavia, as
condições de sua apropriação específica submetem-se às mesmas leis de transmissão do
capital cultural em estado incorporado.
O estado institucionalizado refere-se aos títulos e certificados escolares que, da
mesma forma que dinheiro, guardam relativa independência ao portador do título. Essa
certidão de competência, é possível colocar a questão das funções sociais, do sistema de
ensino e de entender as relações que mantém o sistema econômico.
O capital social é um conjunto de recursos (atuais e potenciais) que estão ligados à
posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas, em que os agentes
se reconhecem como pares ou vinculados a determinados grupos. Esses agentes são dotados
de propriedades comuns, e também encontram-se unidos através de ligações permanentes e
úteis. Assim, o volume de capital social que uma pessoa possui, depende da extensão da rede
de relações que pode ou consegue mobilizar e do volume de capital (econômico, cultural ou
simbólico), que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. (Nogueira, Catani,
2015)
43
O capital econômico é encontrado em diferentes formas como fatores de produção
(terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens econômicos (dinheiro, patrimônio, bens
materiais). Pode ser acumulado, reproduzido e ampliado por meio de estratégias específicas
de investimento econômico ou de investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de
relações sociais que podem possibilitar o estabelecimento de vínculos economicamente úteis a
curto e longo prazo. (Bonamino et al., 2010)
Portanto, optou-se pelos conceitos de Pierre Bourdieu, por acreditar que este
possibilitou a problematização acerca da identidade do ser homem no contexto cultural,
levando-se em conta os valores (habitus) e capitais (cultural, simbólico, econômico, social,
inseridos no campo dos saberes e das práticas da Enfermagem, mais especificamente no
campo da formação profissional, conforme se pretende apropriar e trazer na discussão dos
dados.
44
45
5. RESULTADOS
46
5. RESULTADOS
5.1 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DOS PARTICIPANTES
O perfil dos homens obtido a partir das fichas de ingresso dos alunos na Escola de
Enfermagem da USP e no Questionário Sociodemográfico respondido por 20 participantes,
permite observar que no momento da entrevista 35%(7) estava na faixa etária de 40 a 49 anos;
40%(8) entre 50 a 59 anos, 20%(4) entre 60 a 69 anos e apenas 5%(1) era maior que 70 anos.
Após analisar todas as fichas verdes e listas de presença, foi possível catalogar quantos
formados havia em cada ano, quantos por década e o total de formados no período estudado,
entre homens e mulheres. Somente com os nomes em posse do pesquisador foi possível
localizar os formados para a realização das entrevistas. Segue abaixo o quadro de homens e
mulheres por década:
Quadro 3 – Distribuição dos homens e mulheres formados na EEUSP. Décadas de 1940
a 90.
Década Homens % Mulheres % Total
1940 0 0.00 109 100.00 109
1950 5 2.20 222 97.80 227
1960 5 1.60 308 98.40 313
1970 14 2.63 518 97.37 532
1980 13 1.84 695 98.16 708
1990 22 3.69 574 96.31 596
Total 59 2.37 2426 97.63 2485
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP, 2015
A porcentagem de enfermeiros formados na EEUSP variou de 1,60% a 3,69%, em
comparação ao número de mulheres formadas por década, a média no período estudado foi de
2,37% de homens para 97,63% de mulheres. Na pesquisa realizada por Oliveira (2010) com
base nos dados do Censo Demográfico do IBGE de 2000, dos enfermeiros existentes, 9,61%
são homens e 90,39% eram mulheres. Sabemos que a Enfermagem é uma profissão exercida
predominantemente por mulheres, mas a porcentagem da EEUSP é muito menor que a média
47
do estado de São Paulo na atualidade, segundo a pesquisa Cofen, Fiocruz (2015), sendo que
os enfermeiros de São Paulo representam 12,8% enquanto as enfermeiras são 86,6%.
O contingente masculino tem aumentado gradativamente e lentamente desde a década
de 1990 na Enfermagem. A pequena presença masculina pode ser inferida pelo fato de a
EEUSP ser uma escola de período integral, com um dos vestibulares mais rígidos do país,
ficando um grande período no regime de internato para moças, até 1973. (Silva, Freitas,
Nakamura, 2010). Como muitos homens procuram trabalhar e estudar ao mesmo tempo,
devido a necessidades de ser provedores nos lares, este pode ser um fator impeditivo para seu
ingresso e permanência no curso de Enfermagem, explicando talvez, o baixo número de
estudantes da época.
Também deve estar associado ao fato da Enfermagem ser uma profissão
predominantemente feminina, sendo difícil para os primeiros homens ingressarem nesse
curso, considerando aspectos culturais e sociais da época. Tal fato é elucidado por um
comentário de um jornal da época, mais precisamente na década de 1940, da Faculdade de
Medicina da USP (FMUSP), acerca do ingresso de um rapaz no curso de Enfermagem da
referida Escola de Enfermagem da USP. O texto do jornal trata o fato nestes termos:
“Congratulamo-nos com o sexo forte por ter, enfim, conseguido lançar uma cabeça
de ponta na E.E.(fazendo menção à Escola de Enfermagem da Universidade de São
Paulo), pois acaba de ingressar na mesma um moço (Homem, mesmo!!!). A notícia,
como era de se esperar causou preocupações entre os galãs, namorados ou noivos e
mesmo entre os neutros. Porém, a reportagem na sala 4048 acaba de apregoar a
seguinte notícia tranquilizadora: “o rapaz é distinto e ‘externo’!!!” (upa!?!). K.K”.
(O bisturi, 1947).
O Gráfico 1 ilustra a porcentagem a quantidade de homens formados por década. Do
total de 59 enfermeiros, há uma estabilidade nas duas primeiras décadas do estudo, com cinco
formados cada, já nas décadas de 1970 e 80, também há uma estabilidade, porém com um
contingente maior, sendo 14 e 13 homens respectivamente. Já na década de 1990, ocorreu um
aumento para 22 formandos. Considerando que a primeira turma formou-se em 1946, no
período de 54 turmas formadas até 1999, a presença masculina é de 1,09 homens por turma.
48
Gráfico 1 – Distribuição de homens formados por década, 1950 a 90. Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo (n=59).
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP, 2015.
Em relação à cor de pele, etnia ou origem ética referida, o Gráfico 2 a seguir ilustra a
presença de quatro pessoas de etnia negra (7%), das quais, apenas um tem origem no Brasil,
os outros três são alunos de intercâmbio de Angola e Moçambique. Os negros na Enfermagem
são esquecidos e deixados de lado, desde a época da Florence, são desconhecidas as histórias
de vida de mulheres e homens negros no que se refere à vocação, à ascensão social (ou não) e
às relações étnicas no âmbito da profissão da Enfermagem e do sistema de saúde. Entre
enfermeiros homens e mulheres, hoje em São Paulo, 5,6% são negros. (Cofen, Fiocruz, 2015)
Dos enfermeiros de cor morena ou parda são quatro (7%); três de cor amarela
(descendentes de orientais, 5%), e 48 são consideradas brancas abrangendo 81%. Em relação
a pessoas graduadas em Enfermagem, do Estado de São Paulo, 18,9% são pardas e 71,1% são
brancos. A Pesquisa do Cofen, Fiocruz (2015) não diferenciou os descendentes de orientais
dos demais grupos de etnias. Em uma análise comparativa dos censos brasileiros demonstra
que a população amarela decresceu, no período de 1940 a 2000, da ordem de 0,6% (242.319)
para 0,4% (716.583). (Werneck, Vieira, 2007)
49
Gráfico 2 – Caracterização de homens formados na EEUSP segundo a etnia
referida. (N=59)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
Considerando a informação sobre escolha religiosa declarada pela população estudada
encontrada no Gráfico 3, percebe-se que a maioria dos estudantes se declararam católicos, em
torno de 49%, entretanto o número de “Não se Aplica” é grande, ficando em 40%, devido ao
fato que essa informação foi excluída na ficha de ingresso após o ano de 1992. Importante
citar que também há presença de outras religiões, dois protestantes, um adventista, um
muçulmano, um espírita e um kardecista que faz parte do grupo dos espíritas. Dos 29 alunos
que informaram ser católicos, cinco ou eram padres, ou tiveram seus cursos custeados pela
igreja, marcando ainda certa influência da religião no cuidado de Enfermagem.
Segundo dados do IBGE, em 1970 havia 91,8% de brasileiros católicos, em 2010 essa
fatia passou para 64,6%. Quem mais cresceu foram os evangélicos, que, nesses quarenta anos
saltaram de 5,2% da população para 22,2%. O segmento dos sem religião também cresceu
50
percentualmente, de 7,4% em 2000, chegando a 8% da população em 2010. Os espíritas
mantém o 3º lugar contendo 1,3% em 2000 e 2% da população em 2010. (IBGE 2010)
Gráfico 3 - Caracterização de homens formados segundo religião referida até 1992.
(N=59)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
No gráfico 4, para obter a idade da formação, foi utilizado o ano de nascimento de
cada aluno e o ano de sua conclusão da graduação. Percebe-se que a maioria dos homens se
forma entre os 20 e 30 anos. A média de idade de formação é 27,4 anos, isso remete que
muitos alunos homens não entraram diretamente após a conclusão do ensino médio, pois
muito provavelmente vários desses exerceram atividades remuneradas antes do início da
formação.
A média da idade dos homens ao ingressarem na EEUSP deve estar perto dos 23 anos,
enquanto estima-se que com as mulheres, a média da idade é mais baixa, em torno de 18 anos.
Os dois alunos que se formaram com mais idade, 43 e 55 anos respectivamente, são alunos de
intercâmbio, provenientes de Angola.
51
Gráfico 4- Caracterização da idade de formação dos homens na EEUSP. Décadas de
1950 a 90.
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
Em relação à procedência dos formados, foi encontrada uma variável interessante por
revelar uma diversidade de federações e alunos nascidos em outros países. O Gráfico 5 mostra
grande maioria composta por alunos provenientes do Sudeste. Esse fato é explicado pela
localidade da EEUSP no Estado de São Paulo, o qual forneceu 37 alunos, ou 63% de todo o
contingente. Minas Gerais contribuiu com cinco alunos, 8% do total. A Pesquisa do Cofen,
Fiocruz (2015) refere que dos enfermeiros, entre homens e mulheres, que residem em São
Paulo, 73,5% são do próprio estado, enquanto 4,7% são de Minas Gerais, sendo esses os
maiores provedores de enfermeiros do Estado de São Paulo.
A região Sul conta com cinco alunos, sendo dois do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina e um do Paraná. O Nordeste contribuiu com seis, distribuídos em dois da Bahia e
Pernambuco e um do Maranhão e Paraíba. Apenas um é proveniente do Norte, advindo da
Amazônia.
De outros países, quatro são de países provenientes de língua portuguesa, sendo que
os dois de Angola e o de Moçambique são provenientes por intercâmbio e um de Portugal,
não sendo o idioma uma das maiores barreiras. O aluno proveniente do Peru já possuía
residência no país, não sendo possível saber sua familiaridade com o idioma. Então
aproximadamente 93% dos alunos formados eram nascidos no Brasil e 7% são de outros
países. No estado de São Paulo, entre homens e mulheres enfermeiros 98,7% são brasileiros e
0,5% são estrangeiros. (Cofen, Fiocruz, 2015)
0
5
10
15
20
25
20-24 25-29 30-34 35-39 40-49 50+
52
A realidade da EEUSP, de ter maioria dos estudantes de São Paulo, não é diferente a
proporção de enfermeiros no Brasil. Nosso país abrange 26 estados federativos, e o número de
enfermeiros que estão no estado de São Paulo equivale a 25,42% de todos os enfermeiros do
Brasil. (Cofen, Fiocruz, 2015) Isso se deve também à grande concentração de Escolas de
Enfermagem na região Sudeste que corresponde a 43% do total, e dessas, 36,73% se
encontram no Estado de São Paulo. (Erdmann, Fernandes, Teixeira, 2011)
Gráfico 5 - Caracterização dos homens formados na EEUSP segundo sua procedência.
(N=59)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
Em relação à nacionalidade dos pais dos alunos, visto do Gráfico 6, a maioria possuía
pais brasileiros, sendo 55, equivalente a 47% do total, oito pais eram falecidos no momento
do ingresso, não sendo possível saber suas nacionalidades. Dentre os outros, dois pais eram
italianos, quatro japoneses, três portugueses, dois libaneses, quatro angolanos e dois
moçambicanos.
53
Cabe lembrar que esse levantamento dos pais dos alunos somente foi possível até o
terceiro modelo de ficha de ingresso que vai até 1992, uma vez que o quarto modelo, excluiu
essa pergunta, por isso o 33% de “Não se Aplica” não é possível saber a nacionalidade,
mesmo que muito provavelmente, em sua maioria, sejam brasileiros. Os gráficos abaixo
correspondentes a grau de instrução e profissões, não abordou a maioria dos alunos da década
de 1990.
No Brasil, o auge da imigração internacional ocorreu entre 1891 e 1900, associado
principalmente ao fluxo europeu no pós-guerra. O censo de 1940 revelou a presença de 1,406
milhão de estrangeiros (3,4 % da população brasileira). Sessenta anos depois, o Brasil tinha
683,8 mil imigrantes residentes. A proporção, que incluem estrangeiros e naturalizados, caiu
para 0,4% da população.
De 1880 a 1930 chegaram ao país cerca de 5 milhões de imigrantes. De 1950 a 1959,
203,4 mil pessoas vieram para o país, quase metade (43,6%) originária da Europa. O Censo de
2000 mostrou que 495 (9%) dos 5.507 municípios brasileiros tinham japoneses,
principalmente em São Paulo e no Paraná; e que 6,1% tinham portugueses, especialmente Rio
de Janeiro e São Paulo. O Sudeste alcançou quase o dobro da média nacional na proporção de
estrangeiros que escolheram o País para morar antes do censo de 1940. O maior peso foi dado
pelo Estado de São Paulo, que desde o fim do século 19 atraiu grande quantidade de
imigrantes europeus. O Nordeste praticamente não atraiu imigrantes até 1940. (Werneck,
Vieira, 2007).
54
Gráfico 6 - Caracterização dos pais dos alunos homens formados na EEUSP segunda a
nacionalidade até 1992. (N=118)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
O Gráfico 7 refere-se ao grau de instrução dos pais dos formados no momento da
matrícula. Segundo a LDB - Lei de Diretrizes e Bases vigente em 1961, o Ensino Primário (1º
grau) corresponde aos quatro primeiros anos de ensino, o Ensino Secundário (2º grau) se
dividia em dois ciclos: o ginasial, com mais 4 anos, e colegial, este era subdividido em duas
modalidades: o curso clássico e o curso científico, os quais tinham duração de três anos e
tinham como objetivo preparar o aluno para o Ensino Superior. Já a partir da LDB de 1971, na
denominação 1º grau, ocorreu a junção do Primário com o Ginásio, e o 2º grau ou Médio,
correspondia ao colegial e ao ensino profissionalizante. (Souza, 2008; Rodrigues, 2012)
55
Optou-se nos gráficos 7 e 8 pela utilização dos termos Primário, Secundário / Médio e
Superior, por ser estes, os utilizados nas três fichas de ingresso até 1992, sendo que depois
essa pergunta foi excluída na quarta ficha.
Desses pais, 24 possuíam apenas o Ensino Primário (63%), 21% ou oito completaram
o Ensino Secundário/Médio e apenas um chegou ao Ensino Superior, cinco ou eram falecidos
ou não foi informado. Em relação à atualidade, é notada a enorme diferença de gerações, pois
entre homens e mulheres enfermeiros, 36,2% dos pais tem Ensino Primário, 22,4% com
Secundário ou Médio e 31,2% têm pais com Ensino Superior. (Cofen, Fiocruz, 2015)
Gráfico 7 - Caracterização dos pais dos alunos homens formados na EEUSP segundo
escolaridade até 1992. (N=38)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP, 2015
Em relação às mães, a diferença é ainda maior. O Gráfico 8 demonstra que 81% ou 31
das mães concluíram o ensino Primário, 8% ou 3 o ensino Secundário/ Médio, nenhuma o
Ensino Superior, uma mãe não possui instrução e três eram falecidas ou não foi informada.
Atualmente, 43,3% das mães dos enfermeiros e enfermeiras possuem o Ensino Primário,
26,5% o Ensino Médio, 18% o Superior e 10,7% não tem instrução. (Cofen, Fiocruz, 2015)
Esse resultado revela que a procedência familiar da população estudada reflete um
ambiente com baixa escolaridade e a graduação em Enfermagem pode representar uma
maneira de ascender em níveis educacional e social. Como refere Bourdieu, com essa
graduação, pode ocorrer um aumento de capital cultural e capital simbólico por parte dessas
famílias e indivíduos. (Nogueira, Catani, 2015)
56
Gráfico 8 - Caracterização das mães dos alunos homens formados na EEUSP segundo
escolaridade até 1992. (N=38)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP, 2015
Quando se considera a distribuição das atividades laborais dos pais dos enfermeiros
formados, no momento da matrícula, os achados mostraram que a maioria exercia profissões
que não necessitavam de uma escolaridade além do Primário, à exceção de um pai que
possuía o Ensino Superior, no caso, Medicina. Das profissões que mais foram encontradas
foram as de agricultor e comerciante, seguidas de motorista e funcionários públicos, como
observado no Gráfico 9.
57
Gráfico 9- Caracterização dos pais dos alunos homens formados na EEUSP segundo
atividade laboral até 1992. (N=38)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
Quanto às mães, no Gráfico 10 constatou-se um grande predomínio das donas de casa,
ou prendas domésticas, indicando que a renda desses lares era, em sua maioria, proveniente
dos pais, algo muito comum nas décadas estudadas. Outro fato é a grande presença da função
de domésticas, seguida por uma representante de costureira, agricultora e professora, sendo
que essa última, provavelmente, possuía o Ensino Médio.
Na América Latina, entre 1960 e 1990, o quantitativo de mulheres economicamente
ativas mais que triplicou, passando de 18 milhões para 57 milhões. No Brasil, o aumento da
participação feminina no âmbito do trabalho passa de 13,6% em 1950, para 26,9% em 1980,
atingindo 47,2% no final da década de 1990. Entretanto, a maior parte dos empregos
femininos continua concentrada em serviços domésticos, administrativos, na área social, na
educação e em saúde. (Wermelinger et al., 2010)
58
Gráfico 10 - Caracterização das mães dos alunos homens formados na EEUSP segundo
atividade laboral até 1992. (N=38)
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP, 2015
Agora serão analisados somente os dados do Questionário Sociodemográfico, que foi
entregue no momento da entrevista e respondido por 20 enfermeiros. Destes, um é formado na
década de 1950, nenhum foi encontrado para entrevista na década de 1960, sete são da década
de 1970, nove da década de 1980 e três da década de 1990.
O Gráfico 11 demonstra a formação acadêmica dos enfermeiros até o momento da
entrevista, 90% (18) referiram ter realizado especialização, pós-graduação do tipo lato sensu,
sendo que destes, metade possuía de duas a cinco especializações. Em relação à stricto sensu,
40%(8) possuíam mestrado, 30%(6) doutorado, sendo que um deles era doutorado direto e
outros 15%(3) com pós-doutorado.
Cabe ressaltar que dois participantes que fizeram doutorado e pós-doutorado não
foram na área da Enfermagem, mas são professores de Ensino Superior para cursos da área da
Saúde.
Em relação a outras graduações, foram encontrados cursos como: Licenciatura em
Enfermagem, Filosofia, Teologia, Direito, Medicina, Pedagogia. Desses cursos posteriores,
somente o que realizou Medicina, não exerceu a Enfermagem. Os cursos de Filosofia e
Teologia foram realizados por egressos que eram padres e os demais cursos, por pessoas que
seguiram a área acadêmica e direito especializado em saúde.
Na pesquisa realizada pelo Cofen, Fiocruz (2015), que envolve enfermeiros e
enfermeiras, 73,2% dos profissionais possuem especialização, 11,3% mestrado, 5,9%
59
doutorado e 0,7% pós-doutorado. 8,4% outras graduações, e dentre elas, Direito e Pedagogia
estão entre as mais encontradas.
A proporção de mestrado e doutorado dos egressos é de quatro a cinco vezes maior
que a média do Estado de São Paulo. Isso reflete a realidade da instituição formadora que
incentiva a continuidade do estudo na modalidade stricto sensu, tendo esta os maiores e mais
antigos programas de mestrado e doutorado do país, de 1973 e 1989 respectivamente.
(Universidade de São Paulo, 2011)
Gráfico 11 - Formação acadêmica posterior a Graduação de Enfermagem. (N =20)
Fonte: Questionário sociodemográfico, 2015-2016
Quando se fala de trajetória profissional, cada pessoa possui uma que é diferente das
demais, depende muito das oportunidades que se faz presente e de nossas escolhas. No gráfico
12, foi apresentado por quais áreas esses enfermeiros trabalharam em algum momento da vida
até o momento da entrevista, separado em grupos em comum aos participantes.
Grande parte do grupo referiu trabalhar como enfermeiro assistencial após a formação,
85%(17) exerceram suas funções em hospitais públicos, privados e demais serviços de saúde,
desde o início da profissão até, em alguns casos, o momento da entrevista. Dos três (15%) que
não referiam ser enfermeiros assistências, um (5%) se formou médico não exercendo a
Enfermagem e dois (10%) trabalharam apenas em Ensino Superior.
90%
40%
30%
15%
30%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Especialização
Mestrado
Doutorado
Pós- Doutorado
Outra Graduação
60
Após serem enfermeiros assistenciais, 64%(13) referiram ocupar cargos de liderança
em hospitais públicos e privados, como coordenadores de Enfermagem, chefes de unidade e
administradores hospitalares. Uma pequena porção 20%(4) referiu trabalhar em áreas de
Saúde Pública como secretários, subsecretários, secretário adjunto de saúde, tanto de
municípios do Estado São Paulo e de outros Estados, como na esfera do Governo Estadual de
São Paulo.
Em relação a trabalhos nos conselhos de classe da Enfermagem, apenas dois (10%)
referiram essa participação, sendo que um deles era agente fiscal em um COREN de outro
estado, e outro foi presidente e vice-presidente do conselho de São Paulo. Dois (10%)
referiram possuir empresa própria, uma na área de certificação hospitalar e outro na área de
treinamentos em saúde. Um único enfermeiro referiu trabalhar com diretor executivo na área
industrial, em empresas que produzem insumos para a área da saúde.
Outra área que agrupa um grande número de enfermeiros homens é a docência,
35%(7) referiram em algum momento lecionar e acompanhar estágios em escolas técnicas,
mas quando se fala em ensino superior, esse número sobe para 50%(10) em docência em
Instituições de Ensino Superior - IES privada e 25%(5) em IES pública.
A docência em IES acontece principalmente quando o enfermeiro já tem uma vivência
na profissão e procura por melhores cargos e salários e um melhor status social e profissional.
Isso é evidenciado no trabalho de Whiteside (2015) sobre enfermeiros homens na Inglaterra
que procuram áreas de gerenciamento, educação e outras com forte presença de tecnologia
como a Unidade de Terapia Intensiva - UTI. Esse fato também é evidenciado nas falas dos
enfermeiros entrevistados, que serão discutidas nos próximos tópicos, referindo um maior
reconhecimento social e profissional como professor em IES, do que como enfermeiro
assistencial.
61
Gráfico 12 - Ocupação profissional posterior a Graduação de Enfermagem. (N =20)
Fonte: Questionário sociodemográfico, 2015-2016
Dos enfermeiros que eram casados ou têm união estável, a profissão das companheiras
(os) que mais foi encontrada foi a de enfermeira sendo referido por cinco (25%) entrevistados,
seguida de duas professoras (10%) e as demais formam citadas apenas uma vez:
instrumentadora, terapeuta ocupacional, administradora, médica, advogada, publicitária,
fisioterapeuta e do lar (5%).
Em relação aos filhos, alguns ainda eram menores de idade, e os que já apresentavam
idade superior a 18 anos e já trabalhavam, tinham as seguintes profissões, citadas apenas uma
vez cada: psicólogo, engenheiro, pedagoga, sociólogo, linguista, profissional de audiovisual,
enfermeiro, fisioterapeuta, medica, veterinária, técnica de edificações, filósofo, advogada,
produtora cultural e médica.
Um fato curioso é que apenas um filho seguiu os passos do pai e se tornou enfermeiro,
esse era um homem e se formou na EEUSP em um período posterior à proposta deste estudo.
Uma discussão mais ampla no que tange a comparação entre a população da pesquisa
e os enfermeiros da atualidade não foi possível porque a pesquisa realizada pelo Cofen,
Fiocruz (2015), a mais atual em relação ao perfil da Enfermagem, mesmo que demonstra um
aumento no contingente masculino, suas categorias estão considerando sempre ambos os
sexos.
85%
65%
20%
10%
10%
5%
35%
50%
25%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%
Enfermeiro Assistencial
Enfermeiro Gestor Hospitalar
Enfermeiro Gestor de Serviços Públicos
Conselho de Classe da Enfermagem
Empresa Própria
Industrial na área da Saúde
Docente Nível Técnico
Docente IES Privada
Docente IES Pública
62
5.2 SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS, DISCURSOS DOS
PARTICIPANTES DA PESQUISA
As vinte entrevistas realizadas atenderam as indagações propostas no estudo e ao
objeto do estudo, de forma bastante pertinente e aprofundada através do relato de experiências
dos participantes, ao discorrem sobre as questões do homem na escolha e inserção na
Enfermagem.
O Quadro 4 apresenta as categorias e subcategorias, uma sistematização dos resultados
das entrevistas realizadas com os egressos homens da EEUSP. A seguir serão apresentadas as
falas e suas categorias e subcategorias correspondentes.
Quadro 4 - Categorias e subcategorias de acordo com a fala dos participantes.
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
1- Escolha pela
Enfermagem:
motivações e desafios
A: Influência de superiores da igreja.
B: Indicações e sugestões de amigos e conhecidos.
C: Influência do exército e motivação política.
D: Outras escolhas até a Enfermagem.
E: Cuidando de parentes, escolhendo a profissão.
F: Influência dos testes vocacionais e guia do estudante.
G: Problemas financeiros influenciando na escolha da profissão.
2 - Percepções de
familiares e amigos
com relação à
escolha profissional.
A: Demonstração favorável de familiares e amigos.
B: Como se comportava o pai, perante a escolha da Enfermagem
pelo filho.
C: Repulsões e visões distorcidas.
3 - Ingresso na
EEUSP: ser homem
no universo
feminizado.
A: Estranhamentos ao adentrar na EEUSP
B: Moradias na universidade.
C: Ser homem na Enfermagem, preconceitos e desavenças.
D: As dificuldades financeiras.
E: Lócus de transformações pessoais
4 - Vivências durante
a graduação:
convivência entre
A: Relacionamentos positivos com alunas e docentes.
B: Embates e discordâncias com as docentes e colegas.
C: Visão favorável à presença masculina.
63
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
docentes e alunos.
5 – Percepção e
experiências dos
homens nas
disciplinas e estágios.
A: Percepção positiva com as disciplinas.
B: Algumas ressalvas em relação a conteúdos disciplinares.
C: Estágios realizados satisfatoriamente, mas com muitas lutas e
conquistas.
D: Aulas teóricas e estágios modificados por conta do ser homem.
E: Habilitação em Obstetrícia: um problema para o ingresso dos
homens.
F: Dificuldades nos estágios por conta da resistência das
instituições e docentes.
G: Estágios extracurriculares durante a graduação.
6 - Campo do
trabalho: Ser homem
fez diferença?
A: Ofertas de emprego na época e a inserção do homem.
B: Empregabilidade em alta por meio de convites e
recomendações.
C: Empregos na área de ensino.
D: Oportunidades fora da região metropolitana de São Paulo.
E: Oportunidades na área industrial.
F: A remuneração e a profissão.
G: Ser homem no mercado de trabalho.
H: Exclusões em processos seletivos.
I: Não exercendo a Enfermagem.
7 - Convivências com
os pares no ambiente
do trabalho e
relações
interpessoais com os
médicos.
A: Relação com enfermeiras e técnicos de Enfermagem.
B: Convivência positiva com os médicos na prática.
C: Relação com médicos jovens.
D: Desavença com equipe médica e percepção sobre médicos
antigos.
Para assegurar o anonimato dos participantes da pesquisa, eles foram identificados a
seguir pela letra P seguida do número correspondente, de 1 a 20.
64
5.2.1 - Escolha pela Enfermagem: motivações e desafios
Nesta categoria, é possível perceber que a escolha profissional pode acontecer por
diversos motivos, desde a influência da igreja, como a indicação de conhecidos e amigos de
seu convívio social. Em alguns casos por motivações externas como a influência do exército e
do cenário político nacional.
Nem sempre a Enfermagem foi à primeira escolha, assim o egresso passou por outras
opções até a Enfermagem, há casos também do cuidado de parentes doentes ter influenciado a
escolha da profissão, bem como a influência de testes vocacionais e do esclarecimento da
profissão através do guia do estudante. As condições financeiras também influenciaram a
escolha do curso e da universidade.
Uma pequena amostra dessa diversidade de possibilidades na escolha da profissão
pode ser vista a seguir:
A: Influência de superiores da igreja.
Os capitulares foram favoráveis à formação de enfermeiros e administradores
hospitalares, já que médicos já havia muitos no Brasil e acabou propondo que ao
invés de Medicina, fizéssemos o curso de Enfermagem. Dado os pesos das razões
colocadas, aceitamos as propostas. P3
A minha opção pela Enfermagem se introduziu no contexto de vida religiosa, no
qual fui introduzido desde a infância e a adolescência. (...). Era primeira e única
opção, não tinha nenhum pensamento ou vontade em fazer medicina. Achava
interessante a questão de cuidar do paciente, a Enfermagem fazia melhor interação e
aproximação do cuidado com o paciente do que qualquer outra carreira. P1
B: Indicações e sugestões de amigos e conhecidos.
Devo lhe dizer que a minha preocupação era achar uma escola de bom padrão. Foi
quando médicos e amigos me indicaram a Escola de Enfermagem da Universidade
de São Paulo. P3
Na minha família havia um médico importante da área de Ginecologia e Obstetrícia
da USP e uma das minhas avós era auxiliar de Enfermagem. (...). Ela conhecia
inúmeras enfermeiras importantes do HC, dentre elas uma das fundadoras do
sistema COREN e COFEN, e um dos enfermeiros formados aqui na EEUSP, me
apresentou enquanto estava indeciso sobre qual profissão escolher. P2
Um vizinho, que morava perto de casa e que era auxiliar de Enfermagem aqui no
HC, me indicou e perguntou por que eu não fazia Enfermagem. Ele me mostrou a
escola (EEUSP), eu pensava que Enfermagem fosse nível médio, e eu já tinha nível
médio, foi então que ele me disse que era curso superior, então no ano seguinte eu
fiz o vestibular, entrei e fiz a faculdade. P4
65
Um vizinho que tinha feito faculdade de Enfermagem na Faculdade de Guarulhos, a
antiga FIG, e ele me dizia que Enfermagem era legal, que a gente cuida dos
pacientes também. (...). Eu até prestei Medicina em Mogi, prestei na Medicina do
ABC, ia fazer, claro só que não ia passar. (...). Como Enfermagem na USP era de
graça, acabei fazendo e não estou arrependido nem um pouco. P18
Havia passado em Medicina. Quando fui assistir a uma palestra de uma enfermeira
no Centro Universitário São Camilo a convite de amigas, descobri que eu estava no
curso errado, queria cuidar de gente, não apenas dar um diagnóstico, queria mais,
queria esse contato com o ser humano, ver a evolução dele durante a internação e me
apaixonei. Foi nesta ocasião que decidi largar o curso de Medicina e fazer a
faculdade de Enfermagem. P11
Fiz o cursinho, passei na Escola de Enfermagem da USP como primeira opção,
passei também em Ribeirão Preto e em outras quatro faculdades como a FZL
(Faculdades da Zona Leste), PUC, UNISA e em outra que não lembro o nome, optei
em fazer na Escola de Enfermagem da USP pela própria referência da faculdade. P7
C: Influência do exército e motivação política.
Apesar da pouca idade, desde a adolescência sempre tive interesse pela política.
Levado por colegas, amigos e alguns primos, e na época morando no interior, fazia
parte do movimento de resistência contra a ditadura militar. (...). Além do meu gosto
pessoal e uma tendência pela profissão, tinha o fato de que acreditávamos na época,
que um dia, nós iríamos partir para uma guerrilha, uma revolução, e haveria
necessidade de um pessoal de Enfermagem ligado ao movimento político, então daí
a escolha. P9
Minha escolha pela Enfermagem ocorreu durante o serviço militar, tinha 18 anos,
fiquei quatro anos na aeronáutica. Durante um teste vocacional, foi então sugerido a
área de Enfermagem, fiz primeiro o curso de auxiliar de Enfermagem em
Guaratinguetá, na Escola de Sargento da Aeronáutica. (...). Eu prestei o vestibular e
passei, acabou sendo a primeira escolha por buscar um encaminhamento
profissional, por já ser auxiliar de Enfermagem eu queria fazer a faculdade, ser
enfermeiro para mim era uma ascensão. P7
D: Outras escolhas até a Enfermagem.
Minha primeira opção que era Medicina. (...). Cheguei a prestar algumas vezes o
vestibular, tentando o ingresso na Medicina da USP, só que fracassei. Na segunda
oportunidade, pensando melhor, fiz a opção pela Escola de Enfermagem da USP e
consegui um resultado bom, e quando me tornei acadêmico do curso superior de
Enfermagem. P6
Tinha primeiro a pretensão de fazer Medicina, tentei um ano ou dois, e depois e
busquei algo que tivesse próximo a isso, que eu pudesse me adaptar, e que eu
achasse que fosse adequado para fazer também. Tive então nesse ano como primeira
opção o curso de Enfermagem, prestei USP e PUC na época, entrei nas duas e
obviamente eu optei por fazer USP. P5
A minha primeira escolha na verdade não foi Enfermagem, já estava trabalhando na
Enfermagem como auxiliar de Enfermagem. A priori, eu prestei Medicina, não
passei, no outro ano prestei Enfermagem na FUVEST, como passei e já estava na
área, resolvi fazer e não me arrependo de ter feito. P17
Eu tinha um desejo muito grande por fazer duas atividades, unir a parte de
Enfermagem junto a atividades de Engenharia, e na época não existia esse curso.
66
(...). Por isso escolhi em fazer Enfermagem, fiz também Física para poder entender
da parte de engenharia. (...). Quando eu tive essa ideia foi muito boa, mas na prática,
não deu certo porque veio a questão de jubilamento. (...). Terminei o curso de
Enfermagem, essa foi minha opção, não foi difícil para eu escolher. P8
E: Cuidando de parentes, escolhendo a profissão.
Minha avó precisava de ajuda para se alimentar, estava confusa. (...). O quadro foi se
deteriorando, houve a necessidade de fazer os cuidados no leito, eu ajudava minha
mãe, aquilo foi chamando minha atenção, o ato de cuidar de alguém. (...). Meu avô
teve fogo selvagem, também precisava de ajuda devido à confusão, recebia morfina,
dar os remédios nos horários certos, eu comecei a gostar dessa rotina. P10
Meus avós estavam doentes, sempre tive uma tendência a exercer cuidados a outras
pessoas, sempre fui próximo das pessoas no sentido de auxilio, no cuidado direto.
(...). Tive oportunidade de cuidar dos dois, tanto no hospital como em casa, P12
Um ano antes de entrar na faculdade, eu perdi meu avô, e ele ficou internado no
hospital da cidade, com sonda nasogástrica, sonda vesical, máscara de oxigênio. (...).
Me causou muita curiosidade de saber o que significava tudo aquilo, isso que me
despertou a vontade. P16
F: Influência dos testes vocacionais e guia do estudante.
No cursinho, peguei o guia do estudante, e vi qual era a carreira que fazia esse
cuidado que eu gosto e me identifiquei com a Enfermagem, pois falava que era um
cuidado das pessoas, indivíduos, família e da comunidade. Na semana seguinte teve
um teste vocacional no cursinho, eu fiz e deu primeiro lugar Enfermagem, então
optei, ali não tive dúvida que eu queria ser enfermeiro. P10
G: Problemas financeiros influenciando na escolha da profissão.
Minha família não tinha condições de pagar uma universidade particular. (...).
Enveredei pela Medicina e Enfermagem, mas por conta do auxílio da família que era
muito simples, tive que optar por um curso que desse uma qualificação e tivesse
condição de levar o curso, acabei optando pela Enfermagem. P12
A minha primeira opção era Medicina, como eu não tinha opção de fazer uma
faculdade privada, pois não poderia pagar a mensalidade, só poderia fazer USP. Meu
pai era operado, sempre estudei em escola pública, fiz Enfermagem. P4
Queria entrar na USP por questões financeiras, pois minha família não poderia arcar
uma faculdade particular. Um dos professores do cursinho me orientou a fazer
Enfermagem ao invés da Medicina. P20
5.2.2 - Percepções de familiares e amigos com relação à escolha profissional.
Ao optar por fazer Enfermagem, os egressos se depararam com inúmeras
manifestações de familiares e amigos em razão da escolha. Em alguns momentos, percepções
67
de aceitação, incentivo, apoio e orgulho eram evidenciados, entretanto o pai dos egressos era
um familiar relutante em relação às escolhas, com críticas ou opiniões neutras.
Contudo, fica evidente que essa percepção era exposta de maneira negativa, com
dúvidas por parte da família e amigos do motivo desses homens escolherem a Enfermagem,
considerando a profissão como feminina, desconhecendo e desmerecendo a profissão
considerando-a subalterna, omitindo a escolha no convívio social, desencorajando o aluno a
continuar e questionando por que não medicina. Esses discursos podem ser percebidos a
seguir:
A: Demonstração favorável de familiares e amigos.
Minha família, parentes e amigos não fizeram qualquer reparo pelo fato de eu estar
cursando Enfermagem. P3
A reação de parentes, amigos e conhecidos que não tinha relação com a parte
política foi boa. P9
Quanto aos meus pais, aceitaram muito bem, incentivaram, e praticamente, viram
todo o meu desenvolvimento, inclusive notava-se muito orgulho, em ter um filho
estudando na USP, então isso me fortificou bastante para a conclusão do meu curso.
P6
Em relação à escolha, não tive nenhuma dificuldade, nem com família, nem comigo,
nem com parentes, com ninguém, acho que foi uma coisa mais ou menos tranquila.
P5
Meus pais, não tive tantos problemas, sempre me apoiaram nas minhas decisões,
então não tive esse conflito de falarem que era um curso inferior, não tinha esse
estigma. P11
Em relação à minha família, adoraram minha escolha porque fui um dos primeiros a
entrar em uma universidade pública. P19
O restante da família não tinha essa visão, sempre tive muito apoio para fazer o
curso, até porque a empregabilidade do curso era ótima. P12
Meus amigos gostaram muito, porque achavam que lá ia ter muita mulher, e
poderiam ir lá paquerar na Escola de Enfermagem, eu realmente não senti nenhum
tipo de crítica, nem de valorização. P2
B: Como se comportava o pai, perante a escolha da Enfermagem pelo filho.
Meu pai nunca se colocou nem a favor, nem contra, ele achava que era eu mesmo
que tinha que decidir, sem que ninguém fizesse pressão. P2
Meu pai não gostou muito da minha escolha, dizia que era coisa de mulher, tinha
essa visão. Eu fui explicando que não era assim, e com o tempo ele foi
compreendendo e foi vendo que realmente não era o que ele pensava. P4
68
Meu pai não entendia de jeito nenhum, porque eu viria de tão longe para estudar
Enfermagem aqui na USP, sendo que ele poderia me ajudar a fazer um curso perto
de casa como Odontologia em Araraquara ou Agronomia em Jaboticabal. Não foi
uma reação muito boa, perguntava, por que não Medicina, sendo que ele ajudaria
mesmo fazendo muito esforço, não éramos ricos e sim de classe médica baixa. Ele
era marceneiro, com uma pequena fábrica de móveis, se propunha até fazer um
esforço extra, desde que eu fosse médico, esse transtorno durante um bom tempo até
haver essa aceitação. Perguntou-me até na véspera se eu ia mesmo, eu já havia
prestado e passado, então disse que sim. P9
Meu pai era médico e eu não tive nenhuma dificuldade com isso. P8
Meu pai não influenciou na minha escolha porque eu já tinha saído de casa e minha
mãe já era falecida. P1
Meu pai sempre falava que queria chamar o filho dele de doutor e eu falava que para
eu alcançar o sucesso profissional eu não precisava ser chamado de doutor. Por parte
dele sempre tinha essa ideia de querer me ver médico, P12
C: Repulsões e visões distorcidas.
Em relação à minha família, eu lembro apenas uma irmã chegou a comentar que eu
estava fazendo uma profissão que era somente para mulheres. P6
Na minha casa fui bem aceito pela família, em algumas áreas sociais, talvez. O fato
de estar fazendo Enfermagem era pouco colocado, mais tinha sim um preconceito
muito grande em relação à masculinidade, mas também isso nunca me afetou, ou
preocupou, foi natural. P8
Já alguns familiares não entendiam porque eu deixaria de ser doutor para ser
enfermeiro, então referi que era minha opção e eles entenderam. P11
A reação da família, considerando pai e mãe, foi muito negativa. (...). Queria uma
profissão na área de biológicas, em saúde, pois queria cuidar de pessoas, sabia disso
muito forte. Começou então aquele questionamento: porque não Medicina. Eu
respondia que Medicina não cuida, na minha visão naquela época, coloquei dessa
forma. P10
Os demais parentes agiram com muito estranhamento, achavam que tinha escolhido
essa profissão para sair de casa e mudar para São Paulo. Disse que não, escolhi essa
profissão porque eu quero essa profissão, então a reação da família, amigos e
parentes foi muito difícil. Essa grande aversão do início foi suavizando com o
tempo, não na graduação, somente após. P10
Chegou um determinado momento que impus um limite, porque ninguém falava que
"Eu" fazia Enfermagem na USP, todos falavam que fazia USP. Até o dia que eu
conversei com meus amigos e com minha família e disse: "se vocês têm orgulho de
ter um filho ou amigo aluno da USP, eu também tenho orgulho, mas USP não é
profissão, não vou ser Uspólogo, eu vou ser enfermeiro, então tem que colocar qual
é a profissão que eu estou falando, que eu estou fazendo Enfermagem na USP,
porque se falta a profissão, eu sou o quê, estudante?". Naquele momento percebi que
as pessoas entenderam que eu tinha o sentimento também de tristeza por eles não
aceitarem, por que era minha profissão. Por várias vezes eu conversei com meus
pais, "de quem é a profissão, quem é que vai trabalhar, sou eu ou são vocês? Se
vocês acham que eu tenho que fazer Medicina porque vocês querem, façam vocês
Medicina, eu quero fazer Enfermagem". Aos poucos eles foram entendendo, até que
as cobranças amenizaram, mas o aceitar veio só depois de formado. P10
69
Meus amigos também acharam estranho, mas expliquei que era uma profissão
normal como qualquer outra, também sempre quis trabalhar em hospital, trabalhar
com doente, alguns ainda achavam estranho, mais a maioria reagiu bem P4
Posso dizer que na época em que fiz a escolha, as pessoas achavam meio esquisito
no meu grupo de amigos, perguntavam se era curso superior, se era o tal "enfermeiro
padrão", para facilitar eu dizia que era o padrão, não tive dificuldade com isso. P8
Como todos (os amigos) já estavam encaminhados, eles nunca demonstraram
preconceito, pelo menos nunca ninguém falou nada para mim. P2
A dificuldade em relação à família, amigos e parentes, foi maior em relação ao
motivo, porque fazer faculdade de Enfermagem, na visão deles, era tido como uma
atividade subalterna, uma atividade técnica. Sempre questionavam porque eu não
fazia uma faculdade de outra formação de outra carreira que fosse mais voltado a
essa minha capacidade, já que eu tinha condições de passar na USP porque não
escolher outra carreira, foi minha maior dificuldade. P7
Em relação aos amigos, éramos todos do interior de São Paulo. Viemos para capital
e fui o único a escolher Saúde, meus amigos escolheram Jornalismo, Arquitetura e
Moda. Começaram com uma história sobre o porquê escolhi uma profissão que
ninguém conhece e falavam que quando eu me formar, não poderíamos mais ser
amigos porque eu trabalharia de final de semana. Eu respondi prontamente que
agora eles já conheciam, pois eu havia entrado e brinquei dizendo que todos iríamos
trabalhar no final de semana no primeiro emprego, um varando a noite de sábado
fazendo móveis planejados que tem que entregar na segunda, outro iria passar
sábado e domingo de plantão, fumando como um louco esperando uma notícia lá na
redação sábado e domingo à noite. P10
Minha família não queria que eu fizesse faculdade de Enfermagem, eles tinham
condições de pagar por outra universidade particular, um outro curso como
Medicina, pois eles queriam que eu fizesse Medicina. P16
Lembro que não houve dificuldade ou resistência dos companheiros seminaristas,
nem dos padres, mas pelo local que eu iria fazer, eles queriam Faculdade São
Camilo e não na USP. Meus supervisores achavam que a USP era "perigosa", por
ser uma instituição muito liberal e os professores terem uma postura não religiosa, e
já no São Camilo não, o quadro docente era voltado para aquela ideologia católica.
P1
5.2.3 - Ingresso na EEUSP: Ser homem no universo feminizado.
No momento do ingresso e durante a faculdade, os egressos referiram sempre se
impressionar com a desproporcionalidade entre homens e mulheres em sala de aula, algumas
vezes um único aluno por ano. Praticamente todas as professoras na escola de Enfermagem
eram mulheres, diferente das aulas da Cidade Universitária que os professores eram homens.
Algumas vezes os alunos homens eram lembrados e colocados em evidência, outras
eram generalizados e esquecidos, sendo referidos no feminino pelas professoras. Embates e
preconceitos por ser homem sugiram em alguns momentos, bem como dificuldade de moradia
e financeira. Mas foi referido como a universidade foi importante para a construção pessoal
dos indivíduos.
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A: Estranhamentos ao adentrar na EEUSP
Ao ingressar na escola, confesso que no início me senti um pouco constrangido, por
ser o único homem entre mais de 50 mulheres. Mas logo me acostumei, porque me
ajudavam a quebrar o gelo. P3
Quando cheguei à EEUSP, confesso que tive um impacto quando vi muitas
mulheres e nenhum homem, pois na minha cabeça não era uma profissão feminina,
era uma profissão como outra qualquer, eu não tinha essa dimensão de quanta
mulher e quantos homens. (...). Confesso que fiquei um pouco mexido com essa
questão, mas ao longo do próprio primeiro ano isso já tinha sido superado. P2
No que se refere a dificuldades, no caso em relação da adaptação ao curso e
preconceitos que não só a sociedade trazia, mas preciso ser muito sincero e honesto,
dizer que eu me sentia também um pouco preconceituoso em relação a isso, mas,
com o decorrer do curso, como sempre tive oportunidade de ocupar posição de
destaque, sendo bastante solicitado pelos colegas para o trabalho em conjunto, isso
foi mudando. P6
Tínhamos três homens na sala que entrou naquele ano, éramos a turma que mais
tinha presença masculina e não tive dificuldades nesse sentido. A turma de dois anos
anteriores possuía dois, a gente sequer conseguia montar um time de futebol, não
conseguia fazer nada nesse sentido. P5
Eu vinha de dois universos distintos, e isso foi interessante. Na aeronáutica nós
éramos 80 alunos na classe e todos homens, na aeronáutica o quadro de Enfermagem
era 100% masculino, não existia técnica e auxiliares mulheres, porque nessa época o
serviço militar não entrava mulher. (...). Então saía de um universo 100% masculino
para um universo praticamente 100% feminino. Foi um impacto muito grande, pois
na lista de aprovados constava o meu nome e de mais dois numa classe de 80 alunos,
então éramos três homens numa classe com mais 77 mulheres. P7
Outro fato interessante nessa época também, que na faculdade não havia nenhum
enfermeiro professor, todas eram mulheres da área da Enfermagem no campus de
pinheiros, já na Cidade Universitária, nas aulas de Anatomia, Bioquímica,
Fisiologia, entre outras, os professores eram homens. P7
Em relação em ser homem na Enfermagem, não tive dificuldade, mas foi estranho
porque era muita mulher, mas não senti que teve uma barreira dos pares. Foi
interessante porque acabava tendo um destaque, sempre muito brincalhão, muito
extrovertido, fui fazendo amizade, e até que foi bom porque faz bem para o ego,
todo mundo te conhece, todo mundo sabe quem é você pelo nome. Hoje pego o
álbum de formandos e tem gente que eu não lembro o nome, mas todo mundo
lembra o meu provavelmente. P10
A prática de atividade física era obrigatória no CEPE, e desde o segundo semestre
da faculdade, eu comecei a fazer parte da Congregação, do CTA da universidade,
Centro Acadêmico, sempre fui muito engajado. Tinha muita responsabilidade e não
estava acostumado com o nível de cobrança da USP. (...). Você tem muita liberdade,
mas ao mesmo tempo você tem que ter muita responsabilidade. P12
Não chegou a ser problema, mas causava algum desconforto, porque na faculdade,
tudo que se referia a alguma coisa que fosse do gênero masculino, a gente era
colocado em evidência e destaque. Nas aulas, a gente não conseguia passar
71
despercebido, se uma colega faltava, outra pessoa assinava a lista para ela e isso
passava com tranquilidade, mas, já para mim isso nunca aconteceu. P7
B: Moradias na universidade.
Teve um período longo que morei clandestinamente no subsolo da faculdade, nessa
época nem as moças moravam mais lá, foi quando cancelaram o internato. (...).
Ficávamos em torno de cinco a seis alunos, alguns por problemas financeiros e
outros por comodidade, pois alguns moravam muito longe e tinham dificuldades de
chegar sete horas. (...). Nós apagávamos todas as luzes e ficávamos lá embaixo no
escuro, tinha suas complicações. P9
Acabei fazendo o que todos os alunos que moram do outro lado da cidade de São
Paulo fazem para ir para a cidade universitária. Fiquei de favor nos apartamentos do
CRUSP e tentava as bolsas de transporte e alimentação, e foi assim durante o
primeiro ano inteiro. P12
C: Ser Homem na Enfermagem, preconceitos e desavenças.
Com relação a ser homem na Enfermagem teve alguns problemas, às vezes, você era
olhado até com desconfiança a respeito da masculinidade, tinha essa visão
preconceituosa. (...). Nunca houve nada grave, dava para levar numa boa, nada que
atrapalhou o curso. Muitas brincadeiras pelos engraçadinhos da Medicina, que se
achavam semideuses, às vezes tinham algumas brincadeiras de mau gosto, mas nada
que não desse para suportar. P9
Em relação às professoras, eu observei na época, alguns preconceito em relação ao
outros colegas, comigo não, isso talvez pelo fato de eu ser nikkey também, os
professores sempre me ajudaram P6
O grande preconceito que existia na época era com a Enfermagem, muito mais do
que com o sexo, claro que sempre se tem alguma dificuldade nesse sentido, da
própria origem da Enfermagem, da busca, o preconceito em relação a ser
homossexual por estar fazendo Enfermagem. P5
Ficava muito tempo em biblioteca, quebrando cabeça, e meu ajuste social com as
pessoas da USP foi uma coisa complexa, vim de uma família simples, com um
linguajar um pouco mais simples, foi uma transformação pessoal muito intensa, pois
você acaba encontrando pessoal que mora em Pinheiros, Vila Madalena, de outras
regiões. Minha família de ascendência nordestina, então eu nada acostumado com a
região de Pinheiros, ir para barzinho e essa coisa toda, teve muito conflito de
comportamento social e outras coisas. P12
Éramos em poucos rapazes, as professoras tinham a atitude de chamar sempre de
alunas de meninas, o que incomodava muito. (...). Quando as professoras colocavam
todos os estudantes no feminino e no plural, eu achava que era uma agressão e me
sentia muito incomodado. P1
Uma característica interessante é que todas as professoras sempre se referiam as
alunas como enfermeiras, “nós enfermeiras”, e depois me olhavam e se corrigiam,
“nós enfermeiros” e isso foi uma característica muito típica, mas isso não chegou a
ser problema. P7
D: As dificuldades financeiras.
72
Então começou a segunda batalha, depois que entrei na universidade, o curso era
integral, eu tinha que continuar ajudando a família, e eu não tinha condição de me
manter na faculdade. Foi uma correria muito grande, fazia muito bico de digitação,
consegui bolsas no COSEAS, bolsa transporte, bolsa alimentação, bolsa moradia.
P12
E: Lócus de transformações pessoais
Durante o curso, a própria universidade me ajudou a mudar muito minha maneira de
falar, a maneira de ser, aprender outro idioma, lembro que no segundo ano já entrei
no Cepel, na faculdade de educação, já aprendia inglês e ia praticando, isso me
ajudou muito também. O meu comportamento, enquanto ser humano, isso é uma
coisa que devo muito à universidade, principalmente à USP, o meu comportamento
enquanto acadêmico mudou muito, e isso refletiu muito na vida pessoal, houve uma
transformação minha como ser humano, não só como aluno que foi lá atrás de um
diploma para ter uma condição profissional, foi mais que isso. P12
Eu e meu irmão que se formou em história na USP, fomos os dois primeiros a
alcançar o nível superior da família inteira, parte de mãe e pai. Então o linguajar, os
recursos, a forma tanto do ponto de vista financeiro quanto cultural e outras coisas,
houve mudanças. P12
5.2.4 - Vivências durante a graduação: convivência entre docentes e alunos.
Nessa categoria, ficou evidenciado a relação interpessoal entre os egressos e as alunas
e docentes, interações positivos e de respeito mútuo, bem como a visão favorável a presença
masculina na Enfermagem. Foram registrados embates com alunas e professoras, grupos
fechados entre as alunas, professoras que não sabiam lidar, ou demonstrava não gostavam da
presença do homem em sala de aula e na profissão.
A: Relacionamentos positivos com alunas e docentes.
Quanto ao relacionamento, as minhas relações com colegas de curso, professoras,
professores e médicos do hospital, funcionários, foram boas e sem dificuldades. P3
Com as colegas de classe a relação era muito boa, claro que tinha preferências e
divergências, mas nunca tive problema nenhum com colegas de classe, pelo
contrário, muito apoio, entrosamento, nenhum namoro. Nunca namorei com
nenhuma colega de classe, mas nos dávamos muito bem, fazíamos vários programas
juntos. Foi muito bom, muito agradável esse convívio durante a graduação em
relação a isso. P2
Nunca tive dificuldades de conviver com as colegas, a gente se ajudava, inclusive no
primeiro ano, tínhamos uma pesquisa que precisávamos ler um livro em italiano, e
por saber um pouco de italiano, fiz a tradução para as colegas, então posso dizer que
não houve problemas. P4
A relação com as colegas e professoras era bem normal, particularmente não tive
problema nenhum, nada que pudesse interferir no relacionamento. P9
73
Com relação às professoras, respeito muito, admiro, acho que uma delas foi das
maiores enfermeiras que o Brasil já teve, a Dra. Wanda, na época, responsável pela
cadeira de fundamentos. P9
Não posso deixar de falar da Dra. Wanda de Aguiar Horta. (...). Não esqueço até
hoje o quanto é importante essa dedicação, o carinho de um professor em relação a
um aluno. P6
Uma das poucas professoras que se sobressaía era a Wanda Horta, espetacular essa
mulher, tinha uma visão de futuro fantástica e algumas outras que eram também
talentosas, sabiam muito de ciência. P18
Em relação às alunas e professoras foi bastante tranquilo, primeiro pelo fato de eu
ser nikkey, que já é por si só reservado, principalmente em seu comportamento
social. (...). Em relação aos colegas, sempre fui respeitado, nunca tive problemas
assim de relacionamento, eu achei muito tranquilo. P6
Tinha um bom relacionamento com a maioria das professoras e funcionárias, eu não
entendo que eu tenha tido dificuldades nesse sentido não. P5
O relacionamento com as colegas e professoras foi tranquilo, não tive nenhuma
dificuldade. (...). Como eu era o único homem da turma, várias coisas que em uma
universidade, as mulheres são mais recatadas, eu era tido como parte integrante do
grupo, nunca tive nenhuma dificuldade ou nenhum tipo de segregação, nada, nem
com professor, nesse sentido muito bem, correu tudo muito bem. P8
Nunca tive problemas de relação com as professoras, distinção ou segregação, nunca
fui colocado de lado, ou retirada da sala para fazer um exame físico, não aconteceu
em nenhum momento no campo de estágio. Também nunca tive problema, pelo fato
de ser homem. As colegas inclusive solicitavam sempre que eu participasse
exatamente para ter o meio termo, principalmente quando envolviam pacientes
homens, então elas gostavam sempre que eu ficasse participando. P7
Acabava sempre bastante solicitado para ajudar nos procedimentos pelas colegas,
provavelmente pelo fato de ter trabalhado em hospital e ter experiência como
técnico de Enfermagem. Acabava sendo tratado de uma forma diferenciada pelo fato
de ser homem e isso me gerou muitas oportunidades de aprendizado. P7
Por trabalhar durante a noite, eu era muitas vezes ajudado pelas colegas do sexo
feminino. Sabendo que eu vinha cansado do plantão, muitas delas me ajudavam,
inclusive levando adiante o curso na hora de estudar, na hora de rever matéria, até na
hora que tirava alguns cochilos na hora dos intervalos, na hora do almoço, elas me
acordavam, fui bastante ajudado. P17
O relacionamento e a convivência entre os grupos e as "panelinhas" era muito
tranquila. (...). Mesmo um currículo que fazia integração com alunos de turmas
diferentes, isso foi muito gostoso, porque criávamos vínculos maiores com os
veteranos, isso foi muito bacana, foi bem interessante, um relacionamento bom. P12
Acho que pela minha posição de estar no CTA, na extensão ou na congregação, os
professores me viam com um olhar diferente, um aluno engajado e interessado,
também não deixava de estudar. Eles viram o esforço que fiz, e isso me rendeu bons
frutos depois, de ter referência na hora de procurar emprego, os professores me
recomendarem para fazer pós em vários lugares.
P12
Confesso também que a relação com as professoras e com as colegas da graduação
foi muito boa, sempre ocorreu muito bem tanto comigo, como com os outros colegas
74
homens, nunca ocorreu nenhuma situação que marcasse ou que gerasse
constrangimentos, ou mesmo isolamento em situações, nunca vi nem senti isso. P20
Outras professoras eram excelentes, tinham uma formação boa, algumas eram
autoritárias demais, como é a Enfermagem, outras, muito mais abertas e
democráticas, mas acho que de uma maneira geral foi razoável. P5
B: Embates e discordâncias com as docentes e colegas.
Já com algumas professoras acho que não foi bem assim, algumas delas não sabiam
muito bem como lidar com homens na graduação, era uma experiência nova para
algumas docentes. (...). Não tinham o hábito de trabalhar com homens, para ela era
um fato novo, eu confesso que para algumas estranharam muito e eu também
estranhei muito a forma como elas lidavam com os homens da graduação. P2
Demonstrava claramente certa dificuldade em aceitar homem na Enfermagem. (...).
Acho que ela (Amália de Carvalho) olhava a profissão como um campo feminino e
os homens eram intrusos, eu senti um pouco isso às vezes, como se o homem
estivesse se intrometendo em uma profissão que é própria da mulher, do cuidar,
sendo isso uma característica feminina, pensando "o que esse cara veio fazer aqui,
tendo tantas outras profissões masculinas", elas passavam um pouco disso, sendo
isso uma interpretação minha, claro. Entretanto, nunca me senti perseguido ou
ameaçado, nunca percebi isso. P2
As professoras davam a impressão de não gostar de ter homens aqui na faculdade,
olhavam a gente de uma maneira desconfiada. P4
Com as companheiras de sala, o relacionamento era muito bom, com exceção de um
pequeno grupo que não gostava de homens na sala e dificultava nossa existência até
o último ano, alguns amigos levavam essa rixa na brincadeira ou não davam bola, eu
ficava muito bravo, mas não brigava, tinha a postura de um seminarista. P1
Raras professoras agiam em um regime quase ditatorial, desde o momento que se
entrava na sala de aula, no acompanhamento de estágio, elas determinavam as
coisas, desde as roupas, o modo de falar e de se portar com paciente, Uma
comunicação não verbal de dar medo, tínhamos que assumir uma postura artificial.
Naquela época não tinha tanta democracia com o aluno, para poder se manifestar,
dizer algumas coisas, as coisas vinham prontas de cima para baixo. P1
A professora do curso de Fundamentos de Enfermagem me chama de lado e me diz
que eu era boca dura, que iria ter dificuldade na Enfermagem porque eu era crítico,
eu criticava. P14
As professoras, algumas, eu senti um pé atrás, até ouvi que eu não deveria me
formar, existia sim, não um preconceito, mas uma defesa de espaço, "esse é o espaço
da mulher, espaço não pode ter homem". Isso mexia comigo, mas eu sabia que tinha
passado no vestibular, a vaga é minha não tem como me tirar. Fui em frente, não me
deixei abater, mas não vou dizer que não chorei, que não fiquei triste. Como é que
alguém pode me julgar só pelo fato de ser um homem que escolheu uma profissão
que historicamente é feita por mulheres, é como se um homem não pudesse
demonstrar carinho para ninguém. Uma foto de um pai segurando um filho é uma
forte expressão de carinho hoje, extremamente bonita, então como se o homem não
tivesse afeto, então é isso que me chamava atenção. Fiz até um período de terapia na
época da faculdade, questionava isso, será que o homem não pode ter afetividade,
sendo que afetividade e sexualidade, são duas coisas completamente diferentes, será
que o homem não pode ter o afeto. A minha resposta foi sim, me resolvi e na
profissão porque homem pode ter afeto, homem pode fazer o cuidar com carinho.
P10
75
Para escolha dos campos de estágios, existia um ranking de notas dos alunos, não sei
como está isso hoje, você utilizava a média ponderada, e desse ranking você
escolhia com qual professor você faria o TCC e o campo de estágio, e isso trazia
uma briga enorme entre os alunos. Hoje como docente, acho isso abominável, você
ranquear os alunos, estabelecendo um espírito de competitividade maluco. Nas
matérias optativas também era assim, gente acordava cedo, para ir ao serviço de
graduação, pegava fila para poder tentar se matricular. Vejo isso de uma maneira
completamente antipedagógica, é estimular demais essa competitividade, mas na
época não existia essa visão. P12
Tivemos alguns problemas, pois nós éramos somente em seis homens, sendo que
dois eram angolanos, de uma cultura bem diferente. Então sentíamos algumas
dificuldades desde aceitação pelo grupo das mulheres, que acabavam tendo o "clube
da Luluzinha", mas acabamos conquistando nosso espaço e ficamos bem entrosados
com os grupos. P11
Um fato que incomodava as professoras, era devido à minha utilização de barba,
sempre usei barba, e isso se intensificou nos estágios de Centro Cirúrgico. P13
C: Visão favorável à presença masculina
Era visto até com satisfação, muitas veteranas ficaram muito contentes, diziam que
precisava entrar mais alunos homens, as professoras mais novas, apoiavam muito, já
as antigas viam com certa reserva. P9
5.2.5 – Percepção e experiências dos homens nas disciplinas e estágios.
Foi evidenciado a percepção positiva dos egressos em relação às disciplinas e o
conteúdo oferecido pela universidade, também foram apontados conteúdos e metodologias
que, segundo eles, poderiam ser melhor apresentados ou de maneira diferente. Os estágios,
algumas vezes ocorriam de maneira tranquila, entretanto teve alguns momentos de embates
entre alunos, docentes e instituições, principalmente nos cuidados as mulheres como
Ginecologia e Obstetrícia.
Alguns não conseguiram fazer certos estágios, sendo encaminhados para outras áreas
como Urologia e Administração, outros referiram o impedimento de realizarem habilitação
em Obstetrícia. Houve egressos que conseguiram realizar estágios extracurriculares em
instituições públicas ou privadas fora do horário de aula da faculdade. Fatos estes que podem
ser vistos a seguir.
A: Percepção positiva com as disciplinas.
A formação proporcionada pelo curso de Enfermagem da nossa escola era bastante
séria e as disciplinas eram muito pertinentes. P3
O curso foi bom, tive matérias boas sempre de acordo com o curso, achei que tudo
ocorreu naturalmente. P4
76
As disciplinas profissionalizantes, da parte de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica,
foram boas mesmo. Na época de estudante, não valorizava isso, fui valorizar depois
que caí no mercado de trabalho e trabalhando junto com outros profissionais percebi
o quanto sabíamos mais que outros profissionais de outras faculdades. P9
Do ponto de vista de formação, a escola cumpriu com o objetivo dela, apesar de eu
discordar de algumas coisas, mas aquilo que ela propôs de formação, ela forneceu. A
escola ofertou bons estágios, certos hospitais, formação, então tudo isso foi
determinado. P8
As disciplinas eram bastante consistentes, e a grade curricular era bastante grande,
uma coisa interessante da época era o conceito da interdisciplinaridade. Nos
fazíamos muitas disciplinas com outras graduações, como a Odontologia, Nutrição e
a Medicina. Eram classes muito grandes, que eles aproveitavam e juntavam de 2 a 3
cursos, sendo todas as disciplinas do tronco básico até o segundo ano. P7
Um conteúdo extremamente rico, profundo, os professores eram os melhores, os
mestres nas áreas de conhecimento dado, porém não se tinha muito a explicação e
articulação, ninguém se preocupava em fazer isso conosco, quem fazia essa ponte
dos conhecimentos era cada um consigo mesmo. P1
O corpo docente da EEUSP era excelente na minha época; as pessoas que
ensinavam eram bem preparadas, experientes. P15
Tivemos um currículo de aproximadamente cinco mil horas, integral, uma carga
horária e disciplina que supriam muito as nossas necessidades, passávamos o dia na
faculdade. (...). Estávamos no currículo antigo e este supriu bem as nossas
necessidades, tínhamos um currículo que atendia as expectativas do mercado de
trabalho, tanto que recém-formados já estávamos empregados. P11
Uma coisa que me chamou muito a atenção é o cientificismo com o que a gente era
ensinada, uma base teórica muito forte, uma preocupação em passar o conhecimento
com referências. P12
B: Algumas ressalvas em relação a conteúdos disciplinares.
Por exemplo, a Dra. Vanda de Aguiar Horta, que fazia aproximações entre os sinais
vitais com questões fisiológicas. Entretanto, nem todos os professores tinham essa
visão, acho que até hoje é ainda fragmentado, não permitindo a maioria dos alunos
fazer essa aproximação entre a teoria e a prática.P2
Acho até que, pelo regime ser militar, nós éramos aproveitados como mão de obra,
ta certo que a gente fazia uma faculdade pública, de graça, sem pagava nada, mas
também era usado como mão de obra no hospital das clínicas. P9
Em relação às disciplinas, várias vezes eu achei bastante deficitário, não que seja
ruim. Depois que você sai da faculdade, trabalhando e conhecendo outras pessoas,
outros colegas, você percebe que nossa formação foi muito boa na verdade,
comparativamente, mas em vários momentos durante a graduação, muitas coisas
ficaram para trás e muitas coisas poderiam ter sido melhor exploradas, assim como a
própria qualidade de alguns professores da época. P5
Acabei achando que era uma carga excessiva para assuntos que acabavam sendo
repetidos, poderiam ser ampliados um pouco mais para vemos outras coisas. O
estudo era bastante sério, bastante consistente, mas com uma carga teórica muito
intensa. Isso parecia ser na época uma característica do curso, muito teórico com
poucas oportunidades práticas de aprendizado. P7
77
O currículo da EEUSP era um currículo hospitalocêntrico, formato biomédico,
pautado na doença. Aprendi tanto sobre hipertensão, diabetes e várias doenças e
como cuidar delas, para depois vir à saúde preventiva e comunitária, querendo que a
pessoa não adoeça, isso deu um parafuso na minha cabeça. Achei que tinha que ser
primeiro abordar o que é doença, mas me ensinar a evitar para depois me ensinar a
cuidar, achei que foi inverso, eu achei que me ensinou a cuidar primeiro, então ficou
muito forte que eu tenho que ir para hospital, para depois aprender a evitar. P10
A grade curricular, achava fraquíssima em termos de conhecimento científico, nós
passamos uma época estagiando com o auxiliar de Enfermagem, que fazia sondagem
vesical, dilatação da uretra, porque não tinha uma professora que acompanhasse a
gente. Em Pediatria, o curso inteiro foi focado em ludoterapia. P18
Uma coisa é que os veteranos, eles te passam muita coisa, mas sua tomada de
decisão ela não passa por uma orientação. Não sei quanto a isso lá agora, mas na
universidade em que trabalho, você tem um tutor para te orientar pedagogicamente,
que caminhos seguir. Senti falta disso lá na USP, não tem uma orientação
pedagógica como a tutoria, ninguém te mostra como passar o caminho das pedras.
P12
Acho que a USP era muito teórica. (...). A gente tinha um volume de matéria
espetacular, mas prática era pouquíssimo. Vim conhecer uma UTI depois de
formado, então achava o currículo desatualizado, muito aquém das minhas
necessidades e muito aquém das minhas expectativas. P18
C: Estágios realizados satisfatoriamente, mas com muitas lutas e conquistas.
Sobre os estágios, acho que a minha exposição à Ginecologia e Obstetrícia, Doença
Sexualmente Transmissível, nunca tive nenhum tratamento, nenhuma limitação por
ser homem. Fomos para o Amparo Maternal, que pertencia à Paulista (UNIFESP),
na época tivemos acesso, fiz parto, tive atividade, nunca tive nenhuma segregação
por ser do sexo masculino, a escola me atendeu nisso, esse problema não tive. P8
Outra professora, como exemplo a Maria Alice que ainda é professora na escola, me
apoiou no Amparo Maternal, me senti totalmente à vontade ao acompanhar o estágio
no berçário. P1
Alegamos na época à diretora que se os bombeiros e os guardas podiam fazer partos,
porque nós, os enfermeiros, não podíamos fazer. Os alunos anteriores não tiveram
essa oportunidade, eles fizeram estágios de urologia, um absurdo, como se homem
não pudesse aprender isso. (...). Algumas professoras se sensibilizaram com esse
argumento, e acabamos fazendo estágio no amparo maternal. Tive oportunidade de
fazer parto até com episiotomia, acabei fazendo toda a tramitação, até mais que
muitas colegas mulheres. Isso foi uma coisa superada por nós, por nossa insistência,
por nossa forma de fazer valer nossos direitos como alunos.P2
Uma das professoras de Obstetrícia fornecia treinamento para que policiais fizessem
parto de emergência, e se elas treinavam homens policiais, por que nós, enquanto
profissionais, não poderíamos fazer? P13
Nós batemos o pé, e naquela época a Escola de Obstetrícia que era no HC, foi
incorporada aqui na Enfermagem, e as professoras eram um pouco mais abertas.
Elas então lutaram e conseguimos fazer estágio em Obstetrícia lá no amparo
maternal, sala de parto, pois aqui no HC eles não permitiam que homens fizessem
estágio de Obstetrícia. Quer dizer, o médico obstétrico pode fazer e enfermeiro não
podia.P4
Até as próprias professoras tinham um pouco de dificuldade de conquistar para
gente o espaço, elas tentavam ser mais políticas para não perder o campo de estágio.
78
Elas eram participativas e acreditavam na inserção do enfermeiro homem. Nós
brigamos bastante e conquistamos o campo com muita negociação, batemos o pé e
conseguimos realizar os partos e as competências estabelecidas na disciplina,
ficando mais tranquilo no final, foi trabalhoso, desgastante, sendo que poderia ser
uma coisa encarada com mais naturalidade. P11
A disciplina de Obstetrícia foi a disciplina que eu mais odiei, porque não gosto de
Obstetrícia, não que eu tivesse sentido alguma diferença por ser homem, fiz estágio
em Ginecologia, as professoras faziam a gente cheirar aqueles “paninhos” para saber
os diferentes cheiros do lóquios. Fiz parto. (...). Não tive problema nenhum por ser
homem, fazia tudo que as meninas faziam sem ter nenhuma dificuldade. P16
Em relação aos estágios, fiz todos, mas não consegui realizar todos os
procedimentos. (...). Consegui fazer estágios de Ginecologia e Obstetrícia sem
problemas, fiz parto, cuidei de recém-nascido, fiz estágio voluntário no mês de
julho, pré-natal, fiz indução do parto fiz vários procedimentos, eu não tive esse
problema, mas quando demonstrei a intenção de fazer a especialização, eu fui
exortado a não fazer. Até queria fazer, mas fui convidado a não fazer. Fiz em Saúde
Pública, na Assistência Comunitária e Preventiva da Saúde da Mulher e da Criança.
P10
D: Aulas teóricas e estágios modificados por conta do ser homem.
As aulas teóricas de Obstetrícia e Ginecologia, assisti todas, mas em lugar de estágio
dessas disciplinas, fiz o estágio de Administração de Enfermagem e prolonguei os
estágios de Saúde Pública e de Psiquiatria. Porém, fiz o estágio de Prematuros e
Berçário. P3
Éramos um grupo de cinco rapazes, e quando fomos fazer estágio de Obstetrícia,
quiseram enviar os enfermeiros para fazer estágio em Urologia, tinham medo por
parte das mulheres estarem nuas, e do risco de assédio, na minha visão era sim
preconceito. P2
No momento de realizar os estágios em Obstetrícia, as professoras não queriam que
nós, homens, fizéssemos estágio em Obstetrícia, elas queriam que nos voltássemos a
fazer estágio em Urologia. P4
Os estágios voltados à Saúde da Mulher, os rapazes eram poupados de certas
atividades, e a meu ver, até com razão(...). Fui dispensado de algumas atividades que
pudessem trazer constrangimento ao paciente ou ao aluno. (...). E isso é tão
verdadeiro, que em todos os anos da minha profissão nunca senti falta de algum
conhecimento ligado à Obstetrícia, Ginecologia, que eu não pudesse resolver, então
eu acredito que foi bom. P6
E: Habilitação em obstetrícia: um problema para o ingresso dos homens.
Fiz estágios de Ginecologia e Obstetrícia, e lembro que não era minha opção, mas
lembro muito bem que não se podia fazer habilitação em Obstetrícia, a faculdade
proibia homem de fazer. Então o médico podia fazer e se tornar obstetra e o
enfermeiro não poderia fazer essa habilitação. (...). Então eu fiz estágio de
Obstetrícia, sem problema nenhum, deixo essa ressalva. P5
Uma vez eu questionei se não havia a possibilidade de fazer habilitação em
Obstetrícia, e uma das professoras na época, que era uma das chefes da Obstetrícia e
professora, disse que para Medicina não havia problema, mas para a Enfermagem
sim. Eu argumentei que não via problema; mas a referida professora insistia,
dizendo que o próprio paciente não aceitava o homem (enfermeiro), só o médico. P1
79
Só não fiz habilitação em Obstetrícia porque as professoras chegaram em mim e me
disseram que não adiantava eu fazer, pois se a enfermeira mulher já não tem campo
para trabalhar na Obstetrícia pois os médicos absorvem, o enfermeiro homem não
vai ter campo nenhum.P18
F: Dificuldades nos estágios por conta da resistência das instituições e docentes.
Eu questionava um pouco a limitação que era apresentada somente para a área
assistencial, pois gostava de cuidados na área da alta complexidade e não era muito
bem vindo isso na escola, foi por isso que sentia um pouco de dificuldade. Naquela
época, a onda ou a moda do momento era Saúde Pública, era o forte da escola, então
não fazia parte da área nobre da escola, digamos, que eu estava fazendo uma parte
que não era muito bem requerida. P8
Tive dificuldade na área obstétrica e ginecológica, embora houvesse a oportunidade
de frequentar os mesmo campos de estágios que as meninas, acho que as professoras
não nos possibilitaram as mesmas oportunidades que elas. (...). Ficávamos de certa
forma, pelo olhar ou postura da professora, um pouco apartado, constrangido. P1
Tinha uma resistência muito grande para deixar que o homem fizesse parto. Na
ocasião existia mesmo certa resistência por parte das próprias professoras, a maioria
mulheres, em homem fazer Obstetrícia. Em relação à Ginecologia, a resistência era
do próprio hospital. P13
Percebíamos também um pouco de dificuldade em alguns campos de estágios, pois a
figura do enfermeiro homem era pouco evidenciada. Às vezes, tínhamos algumas
limitações que tentavam nos impor, nós conquistamos e derrubamos um pouco
desses tabus. P11
Eu senti muito tabu na disciplina da Saúde da Mulher principalmente na Obstetrícia,
onde no campo de estágio tínhamos a presença das parteiras, que na época cuidavam
das alas e elas não queria deixar os homens realizarem os partos, pois tinham muita
influência e barraram algumas atividades dificultando nosso trabalho. P11
Uma professora de Ginecologia e Obstetrícia me bloqueou porque eu estava com um
porta-agulha na mão para realizar uma episiotomia, em outro momento me barrou
no toque em uma paciente para avaliar a evolução de um trabalho de parto. Chegou
a dizer que se eu me formasse, iria abrir um consultório no interior e iria para um
exercício ilegal da Medicina. P14
Poucos lugares que eu tive estágio em que o pessoal tinha algum olhar diferente, eu
já conversava logo, e dizia que não era homossexual logo de cara, para evitar
qualquer tipo de diferenciação e se fosse não teria nada demais naquele contexto,
isso aconteceu na São Camilo, avisei logo a equipe de cirurgia. P5
Que eu me lembre, talvez até não tivesse participado do estágio na Ginecologia.
Essa dificuldade ocorria pela instituição de ensino, hora também pela própria
instituição na qual ocorria o estágio. P17
Na prática repercutia muito na dificuldade da transposição do teórico para a prática.
O quanto da teoria poderia nos auxiliar se tornava um empecilho, pois na prática
tudo aquilo que era belo e até o ideal. Teoricamente, não tinha aplicação, por falta de
recursos de material e/ou humano, só que essa ponte ninguém fazia com a gente. P1
80
G: Estágios extracurriculares durante a graduação.
Conversamos com a gerente geral de Enfermagem do Hospital Oswaldo Cruz da
época, que nos liberou a estagiar na Terapia Intensiva. Fizemos algumas provas,
fomos avaliados pelos professores da escola, e por eu já ser auxiliar de Enfermagem,
juridicamente, eu podia exercer a profissão como tal. Foi nos dado a chance, sendo
assim valioso, ou seja, durante a escola toda, eu tive a oportunidade de trabalhar. P8
Não tive problemas em realizar estágios de Ginecologia e Obstetrícia no amparo
maternal, realizei, na época, em trono de 17 partos, foi uma oportunidade muito boa
que eu tive, sendo este um campo de estágio muito acessível. Um grupo de alunas e
eu frequentávamos o campo de estágio fora do horário de estágio normal. Saíamos
da faculdade às 17h e ficávamos no Amparo Maternal até às 22 horas ajudando as
enfermeiras e os técnicos nos partos. P7
Éramos estagiários durante a faculdade no Hospital Oswaldo Cruz, desde o 3º, 4º
semestre P11
5.2.6 - Campo do trabalho: Ser homem fez diferença?
Ao se formarem, diversos egressos pontuaram a facilidade de conseguir empregos,
alguns associaram esse fato pelo fato de ser homem, outros não. Foram empregos em diversas
áreas como hospitais públicos, privados, na região metropolitana de São Paulo e no interior,
áreas de ensino e até áreas industriais, alguns por meio de convites e recomendações.
Há também casos de exclusões em processos seletivos pelo fato de ser homem ou por
ter uma religião diferente da instituição contratante, bem como a relação entre o emprego e a
remuneração salarial.
A: Ofertas de empregos na época e a inserção do homem.
Nunca me faltou emprego. Logo que formado, fui convidado a trabalhar na cidade
do Rio de Janeiro, para fazer parte de um grupo de voluntários que estava
preparando a população moradora de favela. P3
Quando me formei, tinha muita oferta de emprego, nem consegui colar grau, pois
precisava trabalhar logo, já estava casado, fui trabalhar no HC como enfermeiro logo
de cara. P2
Nunca tive dificuldade de arrumar emprego, nunca fiquei um dia desempregado na
Enfermagem, nada. Embora tenha mudado até que intensamente de empregos, locais
de trabalhos, cidades diferentes, eu nunca fiquei desempregado, mesmo porque a
busca era minha, eu que ia buscar coisas novas quando não estava satisfeito, queria
algo melhor, algo diferente. P2
Para conseguir trabalho, bastei simplesmente atravessar a rua e ir trabalhar no
Hospital das Clínicas. (...). Comecei a trabalhar na Psiquiatria do HC. P9
81
Se Deus existiu, e existe, eu fui abençoado. Porque nesses 35 anos que eu trabalhei,
nunca pedi serviço, nunca precisei bater em uma instituição para pedir serviço, isso
para mim é uma benção de Deus. Sempre fui convidado, através dos colegas mais
tarde, ou através de outras pessoas que talvez longinquamente estivessem ali naquele
momento. Portanto, nesta vinda para interior do Estado de São Paulo, para mim não
foi aventura. P6
Terminei o curso de graduação, eu fiz o curso de habilitação de Saúde Pública em
seguida e comecei no ano seguinte. Minha opção foi pela área de Saúde Pública
desde o início. Depois prestei um processo seletivo no município de Araraquara, fiz
também habilitação em docência, então terminei o curso de habilitação em Saúde
Pública em uma sexta e comecei a trabalhar na segunda-feira em Araraquara. P5
Quando terminei a escola, basicamente eu tinha convites para trabalhar, fui direto
para o INCOR. (...). já tinha na verdade, três ou quatro empregos em Terapia
Intensiva quando eu me formei, que eu poderia trabalhar, mas isso se deve não à
grande demanda de mercado, mais sim pela minha inserção que já vinha de três anos
anteriores lidando, conhecendo as pessoas, tendo contato com chefes de serviços.
(...). Nem fiquei desempregado, eu já saí do estágio, e já tinha convite para trabalhar,
inclusive no próprio Oswaldo Cruz. Trabalhei na Dersa, eu já trabalhava em pronto
socorro, trabalhei na UTI. P8
Minha inserção no mercado de trabalho foi fácil, pois quando me formei, o mercado
estava muito positivo em relação à contratação, bastante receptivo, tinha uma
absorção muito grande de profissionais, então não tive problemas de dificuldades de
trabalhar. P7
Não tem como negar que as coisas eram mais fáceis, não tinha as escolas
particulares que tem hoje, então, qualquer porta que você batia, elas se abriam. Vou
confessar que com o diploma da USP, abri todas as portas que eu quis, não tinha
como negar, era real. P16
A inserção foi o mais fácil possível. Na época, nós éramos convidados a nos inserir
nas instituições, as melhores, com excelência do cuidado, com a melhor
Enfermagem de São Paulo até mesmo do País. P1
Você encontrava colegas que tinham sido chamados por duas ou mais instituições e
tinham dúvidas de onde iria trabalhar, uns pensavam no salário, outros nas
oportunidades de crescimento, outro porque achava bonito o hospital, ou no que
ficava mais perto de casa. P1
Você escolhia o hospital que você queria trabalhar, naquele tempo quando eu me
formei era isso. (...). Pode-se dizer que enfermeiro com o diploma da USP qualquer
porta era aberta, trabalharia em qualquer lugar que eu quisesse. P18
Foi extremamente fácil a inserção no mercado de trabalho, tanto que a maioria já era
estagiário durante a faculdade no Hospital Oswaldo Cruz, desde o terceiro e quarto
semestre. Quando me formei, fui absorvido pelo próprio Hospital Oswaldo Cruz, eu
não fiquei nem procurando emprego. A grande maioria das minhas colegas não
conseguiu entrar no Oswaldo por causa do número de vagas, mas entraram no Sírio,
Santa Catarina, Nove de Julho, então muitos já tinham inserção rápida no mercado
de trabalho. P11
Minha inserção no mercado de trabalho foi rápida, já saí empregado, na época o HC
era o grande consumidor da EEUSP, na verdade existia até uma preferência pelos
alunos da USP. (...). Fiquei nove meses na Psiquiatria do HC, depois fui para a UTI
do INCOR. P19
Até parece brincadeira, mas em relação ao mercado de trabalho foi muito rápido.
P10
82
B: Empregabilidade em alta por meio de convites e recomendações.
Naquela época era de praxe que quando o pessoal se formava, a diretora de
Enfermagem do HC vinha até à escola e fazia o convite para que nós fôssemos
trabalhar lá no HC. Eu aceitei o convite e fui trabalhar, queria ficar lá só por pouco
tempo e no fim fiquei por 25 anos, e estou com saudades agora que estou
aposentado. P4
Eu lembro que uma das diretoras dessas instituições, no caso era o Oswaldo Cruz,
fez uma palestra na escola com a turma do quarto ano. Ao término, parabenizando-a,
ela me convidou a ir ao hospital e trabalhar com eles. P1
Antes de me formar, uma professora me convidou para ser docente na Escola de
Enfermagem da USP. P13
Quando me formei, precisava ajudar a família, ajustei e distribuí meu currículo.
Vários hospitais me chamaram, fui bem nas provas, mas quando chegava na parte de
experiência profissional, eu mostrava que eu tinha passado no HU, no HC e em
outros locais. (...). Um dos hospitais em que fiz prova e a pessoa que fez entrevista
me disse que eu tinha uma recomendação de alguém que me viu na EEUSP, ai
comecei a trabalhar nesse hospital.
P12
C: Empregos na área de ensino.
Como queria a área de ensino, sai do HC em 1978, e vim para uma Universidade de
renome (Unicamp) no interior de São Paulo. P2
Acabei atuando de uma forma completa na área de Educação e Saúde. Em termos
profissionais, de carteira assinada, cheguei a trabalhar no hospital, UTI, em escolas
superiores de renome, escolas de formação de nível técnico e principalmente, eu
tenho conhecimento em praticamente todo o Estado, pelas palestras que eu tenho
proferido nesses longos anos. Percebi assim a importância de um enfermeiro
educador. P6
Quando eu ia dar aula na pós-graduação, na São Camilo, sempre me apresentava
como professor, e ia ministrar determinadas disciplinas, falava da questão de ser
enfermeiro. P7
Depois de um tempo na profissão, fui para a área acadêmica, até para ter uma
melhor aceitação no meu grupo social, isso facilitava explicar o que eu fazia, era
professor de Enfermagem em Universidade, já que alguns tinham dificuldade de
entender o que o enfermeiro fazia, não precisava mais ficar explicando. Se hoje é
difícil explicar qual é o papel do enfermeiro, 30 anos atrás era mais difícil. (...). Para
mim e para minha família, isso foi considerada uma ascensão, uma melhoria na
minha qualidade de vida, tanto fazer Enfermagem como ser professor, e em alguns
momentos na gestão, sendo administrador de alguns hospitais. P7
D: Oportunidades fora da região metropolitana de São Paulo.
Tive a possibilidade de encarar um interior do estado de São Paulo, onde muitos
colegas e muitos profissionais chegaram a dizer que eu estava louco de voltar para
83
cá. E no fim eu desafiei e graças a Deus consegui também um destaque por décadas,
dentro da realidade, tanto do trabalho hospitalar, como no trabalho acadêmico, onde
eu desenvolvi nas cidades ao norte do Paraná, Ourinhos, Marília e Bauru. P6
E: Oportunidades na área Industrial.
Acabei fazendo carreira na indústria, e todo o conhecimento que possuía, tinha um
valor inestimável para a indústria. Acho que podia contribuir muito, principalmente
do ponto de vista de terapia intensiva, existia uma infinidade de empresas que
davam valor extraordinário ao meu conhecimento, área de prótese, na área de
cirurgia, na área de equipamentos de monitorização, no desenvolvimento de
respiradores e ventiladores que existiam. Toda a parte de monitorização existia na
terapia intensiva, e consequentemente, toda a área de equipamentos na área médica.
(....). eu tinha um respeito muito grande como profissional, que eu era o elo de
contato com a área comercial e a necessidade do médico, a utilidade do produto,
então isso dava para mim uma posição de destaque, na operação dentro da
companhia, isso acabou fazendo minha carreira mudar um pouco de atividade. P8
F: A remuneração e a profissão.
Uma diferença grande no financeiro, que para gente faz muita falta, e nos obriga
muitas vezes ter mais de um emprego para poder se manter e se a gente quiser ficar
nessa área. A grande dificuldade é que a remuneração é muito baixa para gente,
mesmo quando você está em um cargo de secretário de saúde que, antigamente era
ocupado por médico. Acho que os enfermeiros vêm ocupando um espaço muito
grande, pois é um dos melhores profissionais para estar na gestão do serviço público
de saúde, por que tem uma visão ampla da saúde. P5
Eu diria que na maioria dos países que eu tive oportunidade fora do Brasil, ela tem
um destaque maior que ela tem no Brasil, em termo de valorização monetária, de
valor na sociedade, é umas das profissões mais bem respeitadas em vários países,
acima do médico para você ter uma ideia, na relação familiar, uma coisa muito
importante, ou seja, ela é reconhecida socialmente, como algo de valor, não é uma
segunda profissão. P8
Vi oportunidade mais na Enfermagem do que no seminário. Um dos motivos é que
continuando seminarista, ganhando bem como eu ganhava, um dos melhores salários
de São Paulo, tinha que dar todo o meu salário para o seminário. Se eu quisesse
comprar um sapato, tinha que pedir permissão, me sentia muito humilhado, também
não sentia vocação, aquela coisa de ser chamado por Deus, eu nunca senti. Por isso
continuei na Enfermagem. P1
Depois que me formei, acabei ficando arrimo da família inteira, por conta de
trabalho, remuneração, isso foi muito tranquilo. Então teve um reconhecimento
rápido depois de formado. P12
G: Ser homem no mercado de trabalho
O fato de ser homem, a meu ver, sempre facilitou a inserção, tanto que quando eu
entregava currículo, as pessoas já me chamavam para trabalhar. (...). Eu poderia não
me preocupar muito porque eu sabia que o mercado me absorveria. P7
Acho que essas facilidades existiam pelo fato de ser homem numa classe
estritamente feminina, então o fato de ser homem ajudou bastante a inserção no
84
mercado de trabalho, não prejudicou pelo menos, e hoje eu não consigo ver essa
facilidade. P7
No Hospital Oswaldo Cruz fui o primeiro enfermeiro homem dentro da Unidade de
Terapia Intensiva. (...). Percebia que os médicos tinham uma relação de confiança
mais com os homens, era um pouco mais fácil esse olhar. Depois de um ano eu
passei para ser encarregado da UTI e fiquei lá por uns 14 anos. P11
O sexo masculino tem um potencial de crescimento e uma demanda grande dentro
da área, porque temos um número grande de técnicos homens, mas poucos
procurando essa ascensão dentro da carreira. Acho que fortaleceria mais a categoria,
sendo mais heterogênea, mudaria o aspecto de competição e união da categoria. P11
Agora em relação ao passado, o que me chama atenção é que a Enfermagem é uma
profissão que precisa fazer o contrário. A maioria das profissões precisou ter a
entrada da mulher, e a Enfermagem estava precisando ter a entrada do homem para
ter uma identidade mais clara, um espaço maior. Vejo esse movimento agora, um
número maior de homens e isso têm sido positivo para a Enfermagem. Porém ela
ainda é uma profissão os familiares falam: “por que não Medicina”? "enfermeiro
padrão". Eu costumo brincar que eu fiz Enfermagem fora do padrão, não o padrão da
Ana Neri. P10
H: Exclusões em processos seletivos.
Teve até um caso que amigas de turma me chamaram para participar do processo
seletivo de um grande hospital privado do Estado de São Paulo, chegando à sala do
processo seletivo a avaliadora perguntou o que eu estava fazendo ali, pois aquela
instituição não aceitava enfermeiros homens em seu quadro de colaboradores. P11
Um hospital que é vinculado a uma entidade religiosa, e eu sou espírita, tinha
passado na prova, já havia feito estágio nesse hospital, estava tudo certo, e no
momento do preenchimento dos dados, eu coloquei na minha ficha a minha religião
espírita. Veio uma freira do RH conversar comigo, dizendo que queriam muito que
eu trabalhasse lá, mas daquele jeito não dava, que eu teria que retirar minha opção
religiosa da ficha, eu recusei e só não fui para a delegacia ou para o conselho
regional porque respeitava a instituição e sabia que aquilo os prejudicaria, fiquei
muito bravo na época.P12
I: Não exercendo a Enfermagem.
Não fiquei na profissão porque eu percebi que teria que comprar uma briga todo dia,
teria que brigar dentro de uma hierarquia feminina, todo dia voltar para casa com dor
de cabeça, porque não ia ser enxergado como profissional, mas como um
competidor. Então, para não comprar esse tipo de briga, eu optei por fazer outra
profissão, fiz Medicina. As barreiras colocadas eram muito altas, intransponíveis
para minha pessoa. P14
Não me inseri no mercado de trabalho voltado para a Enfermagem, porque ao
término da graduação em Enfermagem, procurei um professor da Medicina, na
intenção de ingressar na pós-graduação e ele me orientou a fazer o doutorado direto
na área de Anatomia. Foi o que fiz, ou seja, realizei todo o processo seletivo e fui
selecionado. P15
Não cheguei a exercer a Enfermagem depois de formado, tanto que depois que
paguei a primeira anuidade do COREN, seis meses depois já estava no doutorado,
passei no doutorado direto em Anatomia no ICB, percebi que não exerceria a
85
profissão. (...). Hoje sou professor de Neurociência, já terminei meu doutorado e
meu pós-doutorado. P20
5.2.7 - Convivências com os pares no ambiente do trabalho e relações interpessoais com
os médicos.
Já no momento da prática, há relatos da convivência entre os egressos e a equipe de
Enfermagem, alguns positivos e outros embates. Sobre a equipe médica, também há
percepções de relações positivas com os médicos jovens e os mais antigos, como também
relatos de divergências com alguns deles. Essa relação acontece de maneiras diferentes entre
as pessoas, essa interação pode ser vista nas falas a seguir.
A: Relação com enfermeiras e técnicos de Enfermagem.
A universidade estimula o sujeito a ser pesquisador, e não necessariamente
educador. (...). Então quando eu falo sobre minhas dificuldades hoje, não são com os
acadêmicos e nem com os médicos e sim com a forma como eu percebo o ensino
dentro da graduação e com as colegas. P2
Algumas vezes mais simpáticos, outros com olhar de interrogação ao meu respeito.
Quando tomava algum tipo de decisão, alguns auxiliares me questionavam, sentia
que estavam me testando, enfrentei as situações sem crise. P1
No trabalho, a relação com as enfermeiras era um pouco mais difícil na época, por
ser uma profissão predominantemente feminina. A aceitação da presença masculina
no grupo era vista com ressalvas, um pouco mais de dificuldade de conquista de
espaço, de mostrar a competência. P11
No começo, há necessidade de você se firmar naquela identidade de ser enfermeiro,
mesmo não tendo experiência de ser enfermeiro, também não fui técnico, esses
macetes, essa fórmula dos técnicos de te convencerem das coisas, de falar algo para
você e diferente para outras pessoas, te testar no conhecimento, enfim, foi muito
tenso, essa maturidade enquanto chefe de equipe foi difícil.P12
Percebo que quando você se insere no mercado profissional, alguns colegas
enfermeiros têm uma aproximação e tentam te ajudar, mas vai depender de como
você pede ajuda, de como você se engaja. Alguns nem ligam para você, falam que se
você já é enfermeiro, para você se virar, mas a grande maioria te ajuda e são
preocupados. P12
Algo que não muda é o espírito das pessoas, realmente querer se enfermeiro,
fazendo parte de uma equipe multiprofissional, quando você é esforçado os outros te
ajudam. Quando você vê algum engajado que busca recursos é natural da nossa
cultura ajudar quem faz por merecer, quem é interessado, se quer ver o outro crescer.
Não consigo ver uma competitividade maléfica na nossa profissão, bem é isso que
eu vejo, essa filosofia da colaboração é muito forte. P12
B: Convivência positiva com os médicos na prática.
86
Sempre me relacionei bem, sempre tive um nível de respeito, eles sempre me
respeitaram. Eu acho que o médico é uma profissão muito cooperativa, eles se
protegem, quando eles percebem que eles podem receber algum tipo de perda, eles
se fecham e batalham juntos. P2
Minha relação com os médicos sempre foi boa na parte profissional, muito boa na
verdade, até por se tratar de um Hospital Universitário, conhecia muitos dos médicos
que estavam lá, eram residentes na época em que fazia estágio há um ou dois anos.
Com os médicos mais graduados, também era muito boa, tanto que um professor de
renome me tirou do Hospital das Clínicas para ser enfermeiro chefe e posteriormente
diretor do Sanatório Bela Vista, pois ele tratava seus pacientes particulares lá. P9
Abriram portas para o reconhecimento e para também um trabalho integral. Hoje já
não vejo mais problemas. O médico já não consegue trabalhar sem enfermeiro e
vice-versa. Então essa interdependência é tão forte que não existe mais hospital que
não tenha diretoria de Enfermagem. Antigamente não existia nada disso. Então eu
acredito que a evolução fez com que o mercado mudasse bastante para melhor. P6
Em relação aos médicos, sempre houve na verdade diferença em tudo, na relação, no
salário. Às vezes você tem uma relação melhor com profissionais médicos, me
parece que eles respeitam mais quando é homem enfermeiro, pelo menos a vivência
que eu tive. P5
A relação de médicos e enfermeiros era muito boa, eu lidava com muitos. (...). Se
tinha um grande respeito da parte médica, mas acho também que fazíamos por
merecer, porque o time era muito bem preparado, éramos cobrados pelo
conhecimento. P8
Nunca tive privilégio por ser homem, ou mesmo acho que nenhuma das colegas de
trabalho teve diferença de tratamento por ser mulher. Nunca percebi isso no grupo
em que eu convivi. P8
Como eu fui trabalhar na parte assistencial, os médicos me respeitavam muito, eles
não respeitavam o enfermeiro administrativo, diziam que só cuidavam dos papéis.
Trabalhava na UTI, e tinha uma relação muito boa com os médicos, a gente se
respeitava mutuamente. P18
Minha relação com os médicos foi muito interessante, muitas vezes os próprios
médicos me tratavam como se eu fosse médico, eles chegavam ao plantão,
começavam conversar, discutir caso, e depois perguntavam minha especialidade, e
eu respondia que era enfermeiro, eles achavam que eu era colega, que era médico,
sempre foi muito positiva. P7
Com muitos outros me relacionava muito bem, percebia que com aqueles que
estavam preocupados com a assistência e faziam um bom trabalho, a gente
conseguia fazer uma atividade paralela sem nenhum prejuízo. P7
Com relação aos médicos, tive um ótimo relacionamento. Quando tive problemas,
foram da ordem de posicionamento mesmo, na grande maioria médicos acham que
os enfermeiros deveriam obedecer às ordens médicas, e eu só obedeço a ordem
médica se ela é feita com critério, coisas que eu acho que eu não devo fazer eu não
fazia. P18
Relação com os médicos, enquanto aluno era de muito respeito, tanto no HU quanto
no HC, perguntavam quem era o professor, tinha aproximação, diálogo. P1
C: Relação com médicos jovens.
87
Os médicos jovens, recém-formados, ou recém-admitidos no hospital eram mais
receptivos, respeitavam mais as normas institucionais, eram interessados em
entender o funcionamento institucional, as relações estavam mais abertas ao diálogo.
P1
Os médicos mais novos te veem como membros de uma equipe multiprofissional.
Quando me formei, tinham poucos médicos mais jovens, mas lembro de que na
época em que estava lecionando durante o dia e realizando plantão no hospital
durante a noite, existia muito mais médicos de uma geração mais nova que queriam
discutir o caso e passar visita juntos, discurso muito mais multiprofissional. P12
Com os médicos mais novos que vinham se formando pela própria USP, já que a
Faculdade de Medicina é aqui em frente, já nos conheciam, então a relação foi
ficando mais amável. Conhecíamos muitos médicos e ficava cada vez mais fácil o
contato. P4
D: Desavença com equipe médica e percepção sobre médicos antigos.
Tive apenas um problema em toda minha vida com um médico, em um hospital
público em que eu era o responsável pelo Pronto Socorro, como enfermeiro. Foi
uma discussão um pouco mais ríspida com um médico residente que questionou as
condutas que tinha tomado em relação à Enfermagem, ele foi muito grosseiro e eu
respondi à altura, tivemos uma briga, quase saímos pelas vias de fato físicas, abri um
processo administrativo e um boletim de ocorrência contra ele, no final ele acabou
tendo um monte de prejuízos. P2
Em relação aos médicos, os mais antigos, se achavam os todos poderosos e a
Enfermagem para eles era a ralé, então havia certa animosidade. P4
Para alguns médicos, em algumas situações causava um pouco de estranheza, o fato
de lidar com o enfermeiro homem. P7
Tive alguns embates com os médicos de tentarem fazer algumas inserções, alguns
tipos de tratamento que eles julgavam ser normal para com as mulheres e comigo
impactava, então tive alguns atritos bastante interessantes na vida. Eles chegavam e
queriam fazer alguma coisa, eu dizia que não dava para fazer devido a algum
motivo, eles diziam que estavam mandando e eu falava que não estava mandando
nada porque eu não era subordinado deles. P7
Percebo que os médicos só tinham como ainda tem, não só a questão de tentar
dominar tecnicamente, mas também tem uma questão de gênero, que não é só uma
relação de homem e mulher, que na cultura que nós vivemos ou há vinte anos era
mais intenso, a mulher se subordinava mais a questão masculina, uma questão mais
de machismo do que trabalhar na assistência. Percebi que alguns embates foram
criados justamente por isso, achavam que pelo fato de eu ser enfermeiro eu me
subordinaria, e eu não me subordinava, daí acontecia alguns atritos. P7
Os médicos mais antigos eram mais resistentes, apresentavam mais dificuldade,
principalmente sobre as mudanças, orientação e adesão às novas normas
institucionais.P1
Acho que no passado, o médico conhecia o papel do enfermeiro melhor do que hoje
e vice-versa, hoje a relação está mais desgastada. O enfermeiro conquistou espaço
no mercado de trabalho, e isso vem, de certo modo, gerar uma rivalidade entre
médico e enfermeiro. P17
A relação entre médicos e enfermeiros, no início era muito difícil. Existia um
"pânico" quando o médico chegava e eu não sentia isso, não entendia. Tanto que
88
tinha uma plantonista, e quando algum paciente tinha uma parada ou alguma
intercorrência e o plantonista não aparecia, eu pedia para a auxiliar descer e bater na
porta do plantonista, e caso ele se recusasse a subir, eu dizia que iria ligar para a
direção do Hospital. Usava o organograma, me lembrava das aulas de gestão da
faculdade. P10
Os médicos mais antigos sabem que precisam de você para o paciente ficar bem.
(...). Pediam algo e iam embora, não se tinha uma discussão clínica. P12
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6. DISCUSSÃO
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6. DISCUSSÃO
Pouco se sabe sobre as motivações que levaram os homens a retornar ao universo da
Enfermagem após o processo de profissionalização. Em São Paulo, na Escola de Enfermagem
da USP, o primeiro homem a ingressar foi Benone Souza Lima, em 1947.
Proveniente de Guarajá-Mirim, Amazônia, diferente de um público de alunas,
mulheres em sua maioria brancas, de famílias nobres da capital e do interior de São Paulo,
Benone, por sua vez, era um rapaz de origem humilde, que já exercia a Enfermagem de
maneira prática, o que lhe garantia o sustento. Com a graduação nessa área, Benone poderia
exercer a profissão não só com conhecimentos com base científica, mas com grande
abnegação e piedade, que era um perfil presente nos seus discursos, segundo Campos,
Oguisso (2008).
Não foi possível localizá-lo para o presente estudo, entretanto, como demonstrado no
trabalho de Campos, Oguisso (2008), esse discurso remete a uma pessoa que opta pela
Enfermagem como uma possibilidade de crescimento pessoal, profissional e intelectual, não
deixando de lado a forte conotação religiosa, demonstrando a influência da igreja na
profissão. Tanto que outros dois participantes diretamente ligados à igreja realizaram o curso.
(P1, P3), pois eram membros de ordens religiosas voltadas ao cuidado de pessoas enfermas.
A escolha pela profissão, expressa na primeira categoria, se dava por motivos como
a qualidade do ensino oferecido pela EEUSP, recomendação de amigos, vizinhos, médicos,
profissionais técnicos e enfermeiros que trabalhavam no Hospital das Clínicas, parentes que já
trabalhavam na área da saúde, e testes vocacionais realizados em cursinhos pré-vestibulares,
bem como consulta ao guia do estudante. Alguns já eram técnicos de Enfermagem, assim
optaram pela realização da faculdade (P2, P3, P4, P7, P10, P17, P18).
Muitos relataram que possuíam a vontade de realizar Medicina, (P4, P5, P6, P12, P15,
P17, P18, P20), entretanto por motivos financeiros, dificuldade de passar no vestibular, e após
tentativas sem sucesso, optaram pela Enfermagem que possuía um vestibular menos rigoroso,
comparativamente. Contudo, o P11 começou a estudar Medicina, mas durante a realização do
curso, após uma palestra de uma enfermeira, descobriu que as funções que gostaria de
desempenhar como o contato direto com o paciente eram realizadas pela Enfermagem, assim,
abandonou o curso de medicina e realizou o curso de Enfermagem.
O cuidado direto de parentes em momento de doença despertou o interesse pela
profissão em pelo menos dois participantes. O sentimento de fazer o bem ao próximo, se
91
identificar com a rotina dos cuidados e a procura de conhecimento técnico científico para os
cuidados realizados, fizeram os participantes optarem pela profissão (P10, P12, P16).
O participante P9, todavia, foi o que apresentou os motivos mais destoantes da
população estudada, referindo além da vontade de realizar o curso de Enfermagem, mas
também a necessidade de um profissional de Enfermagem atuar no cuidado dos colegas,
primos e amigos caso houvesse uma guerrilha, uma revolução armada, nos movimentos de
resistência contra a ditadura militar. Ele referiu que isso nunca se concretizou após formado, e
em nenhum momento referiu participar do Movimento Nacionalista Revolucionário, um
grupo de brasileiros que se opunham ao regime militar de 1964, com participante em diversos
Estados e também no interior de São Paulo. (Almeida, 2014)
Os problemas financeiros no momento da escolha da profissão, e também durante a
graduação, foram evidenciados pelos participantes, tanto por aqueles da capital e os vindos do
interior, as famílias não podiam arcar com as despesas, e o fato da faculdade não cobrar
mensalidades também pesou na decisão. Como já discutido nos dados quantitativos, a maioria
dos pais e mães dos egressos eram de origem humilde, com nível estudo primários e médio, e
profissões que não exigiam ensino médio em sua maioria (P4, P12, P18, P20).
Para Bourdieu, as chances do ingresso e continuação do ensino superior estão
diretamente ligadas ao capital cultural do pai, da mãe, dos avós paternos e maternos, bem
como a residência no momento dos estudos. A própria entrada na universidade já é um
mecanismo de seleção, acontecendo na EEUSP inicialmente por entrevista, após, através do
vestibular, a partir de 1968. O acesso ao ensino superior é o resultado de seleção direta e
indireta, pesando o rigor desigual sobre os sujeitos das diferentes classes sociais. (Nogueira,
Catani, 2015)
A seleção sofrida é desigualmente severa, as vantagens ou desvantagens sociais
escolares estão diretamente ligadas à origem social. Se considerarmos as desigualdades
socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a
equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta, e que em toda a sociedade
onde se proclama os ideais democráticos, ela protege melhor os privilegiados. (Nogueira,
Catani, 2015)
Do momento da opção pela profissão, até o sucesso na aprovação no vestibular, trouxe
sentimentos distintos nos familiares, parentes e amigos dos participantes, isso pode ser
evidenciado na segunda categoria, em que alguns relataram apoio da família, até orgulho de
um filho adentrar na USP, o fato que para muitos, foram os primeiros a conseguir este feito
em suas respectivas famílias (P3, P6, P9, P19).
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Outras famílias agiram de maneira mais comedida, (P3, P5, P9, P11, P12) não
interferindo na escolha dos egressos, não dificultando sua decisão e demonstrando certa
satisfação pelo feito, incluindo amigos que achavam que pelo fato de ser um curso com
muitas mulheres, teriam chances de paquera nas festas (P2).
O fato de ser aluno da USP era visto com bons olhos pela percepção da maioria dos
participantes, exceto por um participante, no qual os superiores da igreja desejavam que a
Enfermagem fosse feita na Universidade São Camilo, mas o estudante se recusou e fez USP
(P1).
Entretanto, o lado negativo foi mais referenciado pelos participantes, já que esse
assunto trouxe muitas memorias conflituosas e reflexões sobre o tema. Muitos familiares
questionavam o motivo desses homens optarem pela Enfermagem, que no contexto social da
época, dito por alguns, era subalterna e extremamente feminina (P7). Se tinham capacidade de
passar no vestibular da USP, porque não optaram por realizar a Medicina. Percebe-se que o
fato de realizar uma profissão sem prestígio social e feminina estava em segundo plano, e sim
o fato dos egressos não realizarem a Medicina, uma profissão conceituada, masculina, isso
intrigava e incomodava os familiares, queriam ter um filho “doutor”, não um enfermeiro (P9,
P10, P16).
Esse conflito foi intenso, principalmente no momento da entrada e no início do curso,
e muitos tiveram embates para justificar sua escolha. Em alguns encontros familiares, o fato
dos egressos passarem ou realizarem o curso de Enfermagem não era divulgado ou omitido
(P8). Esses embates foram se suavizando com o tempo, mas com muitas lutas, explicações,
correções da visão distorcida da profissão (P10).
Os amigos também questionavam, mas com menos intensidade, diziam que mesmo
com a boa empregabilidade da profissão, a amizade ficaria abalada pelo fato dos enfermeiros
trabalharem finais de semana, ficando difícil os encontros, além de brincadeiras em relação a
sexualidade dos mesmos (P4, P7, P8, P10).
Isso ocorre porque, durante um grande período, o trabalho do enfermeiro foi
comparado ao de uma mãe ou de uma religiosa, e assim, é erroneamente interpretado pela
sociedade. (Pereira, 1991)
Essa visão das famílias, amigos e da sociedade como um todo é reforçada também,
entre outros aspectos, devido à maneira que os enfermeiros homens são retratados nos filmes.
Em sua maioria representações com estereótipos afeminados, homossexuais, preguiçosos,
incompetentes ou que apresentaram baixo desempenho; e em alguns casos, homicidas e
corruptos, remetendo a profissionais ruins e frustrados, muitas vezes em filmes de comédia.
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Poucos filmes retratam essa figura em papéis masculinos tradicionais, como profissionais
competentes e autoconfiantes. (Stanley, 2012)
Segundo Pereira (2008), os homens que atuam em áreas ditas como femininas, com é
o caso da Enfermagem, estabelecem relações conflituosas com familiares e amigos, devido às
normas de gênero serem diferentes do “normal” masculino, que essas pessoas esperam das
profissões.
Os pais dos egressos, dentro do contexto familiar, eram os mais críticos em relação à
escolha. Estes questionavam o motivo da escolha, a distância de residência à universidade
para realizar o curso de Enfermagem, sendo que poderia realizar outros mais conceituados
perto da residência (P9). Muitos questionavam o motivo de não realizar Medicina, pois
quereriam ter um filho médico. Tanto que P9 e P10 tiveram inúmeros diálogos com os pais,
questionando o fato de que se eles queriam ter um filho médico, porque eles próprios não
fizeram Medicina.
Esse conflito gerava grande descontentamento nos participantes, mas como eles
mesmos disseram, foi o tempo que suavizou a visão dos pais, bem como o sucesso
profissional alcançado por cada um dentro da profissão que fez com que os familiares
diminuíssem ou parassem as críticas em relação à escolha (P4, P9, P10).
O momento do ingresso desses estudantes na EEUSP, bem como o início das
percepções com a universidade são expressos na categoria três. Muitos não imaginavam que
a profissão era predominantemente feminina e se demonstraram surpresos com essa dicotomia
(P2, P3). Como exemplo, P7 vinha de ambientes completamente masculinos como a
aeronáutica, e quando chegou e ficou em sala de aula com muitas alunas, sentiu-se
constrangido e deslocado.
Relataram a dificuldade de encontrar outros estudantes homens, sendo em algumas
ocasiões, eram os únicos em sala de aula. Tinham dificuldades para montar times nos esportes
e achavam estranhas as aulas da Enfermagem serem oferecidas por professoras mulheres,
enquanto outras matérias ministradas na cidade universitária eram apresentadas por
professores homens (P5, P7).
As dificuldades financeiras estavam presentes durante a universidade, tanto que as
bolsas do COSEAS (Coordenadoria de Assistência Social), de alimentação, transporte e
moradia ajudaram alguns egressos (P12), bem como algumas moradias no CRUSP (Conjunto
Residencial da USP), e outros chegaram a “morar” na faculdade de Enfermagem por esse
motivo, ou por comodidade no fim do período de internato. Moravam muito longe da
Universidade e possuíam horários rígidos de aula e estágios (P9).
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Contudo, ao entrar no curso, se depararam com o fato de ser a minoria, em muitos
casos, os únicos homens no lugar. Percebiam certo preconceito, ou pela classe social, pelo
fato de ser nordestino, ou pela própria visão preconceituosa do homem na profissão, sendo
que questões de masculinidade eram recorrentes, tanto nas integrantes da faculdade, como de
outros cursos como a Medicina (P9, P12).
O questionamento sobre a sexualidade, também foi relatado por alunos homens do
curso de Enfermagem da Nova Zelândia, os mesmos se tornam alvos fáceis para as
brincadeiras, tanto das mulheres colegas de sala, quanto as famílias e amigos. Dizendo que se
não fossem homossexuais, os mesmos teriam um estereótipo de “predador”. (Christensen,
Knight, 2014)
Professoras referiam muitas vezes aos alunos no feminino, algumas se corrigiam e
lembravam-se dos rapazes na sala (P7), outras já continuavam falando no feminino, pelo fato
da sala ter maioria feminina, os alunos viam isso como uma agressão (P1). Entretanto, esse
quadro foi mudando a partir de 1968, com a reforma universitária, em que homens e mulheres
passam a ter maior flexibilidade nas escolhas e ingressos nas diferentes carreiras profissionais.
Assim, não só na Enfermagem, mas também em outras áreas, referenciar uma profissão em
ambos os gêneros, se fez necessário. Assim, a Enfermagem passou a ser referenciada em
ambos os gêneros, tanto nas referências faladas, quanto nas escritas. (Padilha, Vaghetti,
Brodersen, 2006)
Como a Enfermagem, enquanto profissão estruturada como feminina, possui pré-
requisitos sociais e culturais de gênero, produzindo representações de bondade, amor,
delicadeza, abnegação, caridade e emoção. Já profissões “ditas” masculinas, possuem
atributos abrangendo a racionalidade, a inteligência e o pensamento lógico. Essas
características, quando em lados opostos, podem gerar desconfiança, descréditos e em vários
casos, preconceitos. (Pereira, 2008)
Mesmo nas dificuldades, alunos relataram grande crescimento pessoal e cultural,
participando das atividades extras que a Universidade oferecia, estudando em bibliotecas e se
esforçando nas atividades propostas. Esse crescimento, as novas experiências, geraram o
aumento do capital cultural por meio do estado incorporado, o qual vem sob a forma de
disposições duráveis do organismo, demanda de tempo, pressupõe um trabalho de inculcação
e assimilação, do esforço individual para aquisição de novos conhecimentos. (Nogueira,
Catani, 2015)
Dito isso, houve mudanças no modo de falar, no linguajar utilizado entre as pessoas e
a família. A linguagem universitária é muito distante da língua efetivamente falada pelas
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diferentes classes sociais, não se pode conceber educandos iguais em direitos e deveres frente
à língua universitária e frente ao uso universitário da língua. (Nogueira, Catani, 2015)
Contudo, boa parte desses estudantes era desprovida do capital cultural da
Enfermagem. Já não possuíam os pré-requisitos da profissão pelo fato de serem homens,
existindo então uma lacuna entre o que é pedido e o que pode ser oferecido. Se ninguém
ajuda, e se a pessoa não se esforça terrivelmente, as chances de fracasso são enormes. Precisa
se esforçar muito para chegar a um resultado mediano. (Luigi, 2009)
A vivência com as alunas e professoras era fundamental, conforme atesta a categoria
quatro. Nesse sentido, existiam relacionamentos harmoniosos, com bom entrosamento,
ajudas mútuas (P2, P3, P4. P5, P7, P12, P17, P20), principalmente quando o estudante já
possuía o técnico de Enfermagem, assim servindo como referência para o grupo (P7, P17). O
fato de ser homem em meio a tantas mulheres, deixava alguns com papel de destaque, sendo
difícil passar despercebido em sala de aula, mesmo para os mais tímidos (P6). As professoras
mais novas, segundo alguns egressos, viam com satisfação a presença dos homens em sala de
aula (P9).
A professora mais lembrada por sua dedicação, conhecimento, carinho com os alunos
e visão de futuro, foi Wanda de Aguiar Horta (P6, P9, P18). Esta professora formou-se na
EEUSP em 1948. Fez doutorado e Livre Docência pela Escola de Enfermagem Anna Nery, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, e desde 1974 foi professora adjunta da EEUSP. Além
de professora admirada, também contribuiu muito para o crescimento da Enfermagem
Brasileira através publicações e palestras dentro e fora do Brasil. (Pires, Méier, Danski, 2011)
Entretanto, para muitas professoras, principalmente para as mais antigas de formação,
o manejo com alunos homens não acontecia com facilidade. Para muitas, essa era uma
experiência nova (P2), já que na prática, eram escassos os enfermeiros homens, além do fato
de que quando as professoras se formaram, a presença masculina era muito inferior à da
população estudada.
A trajetória dos professores constrói a forma de como eles veem a escola e a profissão
e essa foi a única forma apresentada. Não compreendem a dificuldade e as diferenças dentro
da escola e/ou agem como se não existisse, porque são incapazes de perceber, sendo assim
excludentes. (Luigi, 2009)
Claramente algumas professoras tinham dificuldades no manejo com alunos homens.
Segundo alguns egressos (P1, P2, P4), os homens eram vistos como intrusos em uma
profissão que deveria ser exclusivamente feminina, até ocorria empecilho o fato de usar barba
em sala de aula e em estágios (P13). Eram exigentes, tanto com as posturas, repreendendo
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alunos em sala de aula, como a roupa que era usada em campos de estágios, exigindo assim,
um modo artificial nos diálogos com os pacientes (P1, P14).
Para Bourdieu, nada escapa ao julgamento do docente na hora de avaliar o produto do
trabalho discente. Para além dos critérios internos de avaliação de um determinado tipo de
conhecimento (domínio do campo, vocabulário técnico, entre outros) levam-se em conta,
sobretudo, critérios externos tais como: postura corporal, maneiras, aparência física, dicção,
sotaque, estilo da linguagem oral e escrita, cultura geral. (Nogueira, Catani, 2015)
Cada aluno é diferente por si só, com diferentes maneiras de pensar, ver e agir nas
mais variadas situações. Assim, o habitus também se traduz na maneira como cada um
enfrenta os embates na vida cotidiana, as relações na faculdade, dia a dia nos estágios,
frustrações e méritos, de acordo com os valores de cada um, permitindo criar ou desenvolver
estratégias individuais ou coletivas, no modo de agir e se portar. (Miceli, 2013; Luigi, 2009)
O campo dos estágios e disciplinas foi explorado na categoria cinco. Esta demonstrou
resultados de maior embate e discussão, sobre o modo de pensar, agir e lidar com os
estudantes homens.
Referido por muitos (P1, P3, P4, P9, P7, P11, P12, P15), as disciplinas tinham um
conteúdo sério, denso e rico, voltados principalmente para a parte prática em hospitais e
atenção básica. Era um conteúdo pertinente ao que os alunos esperavam na faculdade e
também pela qualidade das professoras, muitas dessas, ditas as melhores em suas áreas.
Entretanto, ficava a ressalva de que os conteúdos não conversavam entre si, alguns
com uma carga horária excessiva e outros repetidos. Para P18, o conteúdo foi fraco, faltava
conhecimento científico, com carga horária muito teórica e pouca prática, e esta quando
acontecia, em alguns momentos, não era acompanhada pela docente, e sim por um auxiliar de
Enfermagem. Foi relatado que a matéria de Pediatria era inteiramente focada em ludoterapia.
Algumas professoras se mantinham distantes dos alunos, com regimes de diálogos
rígidos, não existia um trabalho de tutoria e muitos alunos recorriam aos colegas veteranos
para conseguir ultrapassar as dificuldades que se apresentavam (P1, P2, P7, P12).
A escassez de modelos masculinos de enfermeiros, docentes, ou mesmo os
acadêmicos era evidente, havia uma falta de enfermeiros tutores e como referências. Os
estudantes que tiveram a sorte de ter outros homens nas atividades acadêmicas, transcorreram
as etapas com mais facilidade. (Christensen, Knight, 2014)
Já em relação aos estágios, ocorreram experiências tanto positivas, como negativas,
sendo que as práticas mais apontadas foram de Ginecologia e Obstetrícia. Alguns referiram
conseguir fazer os estágios voltados para a Saúde da Mulher sem dificuldade, sempre
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amparados pelas professoras e pelas colegas, até em estágios voluntários fora do período de
aula. (P7, P8, P10, P15).
Esse fato foi estudo por Tsunechiro (1980), por alguns integrantes desta mesma
população. Para o aceite dos alunos homens nos campos de estágios de Saúde da Mulher, foi
realizado um esforço de todo pessoal envolvido no processo: do próprio estudante, da
docente, as colegas de classe, dos médicos e dos funcionários do hospital e/ou maternidade.
O estudante desenvolveu a maioria das atividades assistenciais com uma colega ou
com um docente; porém, nas atividades mais “embaraçosas”, como exemplo curativo de
episiorrafia, o estudante apenas auxilia no processo. (Tsunechiro 1980)
Em contradição, para alguns, essa realidade não era a apresentada (P1, P11, P13, P17).
Isso já se iniciava na faculdade, quando alguns alunos conseguiram fazer as matérias teóricas,
porém, no momento dos estágios, eram “convidados’ a realizar em campos de Urologia,
Psiquiatria, Administração e Saúde Pública pelas próprias professoras (P2, P3, P4).
Segundo Tsunechiro (1980), os hospitais utilizados para o ensino de campo desta
disciplina não permitiam o estágio de estudantes masculinos; alegavam, para fundamentar a
recusa, que as pacientes (gestantes, parturientes, e puérperas) não aceitavam ser assistidas por
eles e que a prática da Enfermagem Obstétrica não era necessária para homens.
Segundo os próprios egressos, algumas professoras ajudavam os alunos na tentativa de
realizarem os estágios, entretanto, agiam de maneira “política” até para não perderem os
campos de estágio para as próximas turmas (P11). Já os egressos lutaram por realizar os
estágios, com muita negociação, tanto na EEUSP, como nas instituições (P4, P11). Alguns
chegaram à diretora com o seguinte argumento: “se os bombeiros e os guardas podiam fazer
partos, porque nós, os enfermeiros, não podíamos fazer? ” (P2). Já P13 refere que “uma
professora de Obstetrícia fornecia treinamento para que policiais fizessem parto de
emergência, e se elas treinavam homens policiais, por que criavam empecilhos para os alunos,
já que estes seriam profissionais?”
Depois das lutas, muitos referiram as conquistas, realizando os estágios. O HC não
permitiu que alunos homens de Enfermagem realizassem seus estágios no setor de Obstetrícia
na época, somente os médicos poderiam. Então foi conseguido o estágio no Amparo Maternal
(P4). Poucos relataram dificuldades vindas das professoras, e essas quando aconteciam, eram
por procedimentos que elas não permitiam os estudantes de realizar.
Foi também elucidado o desencorajamento por parte das docentes, quando os egressos
referiram vontade de realizar a habilitação em Obstetrícia, ou elas diziam que esse não era um
campo para o homem trabalhar, ou a própria faculdade proibia os homens de fazer. Outra
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professora chegou a referir que “se no campo, a enfermeira obstetra enfrentava concorrência
do obstetra médico, imagina o homem, não iria ter campo nenhum. ” (P1, P5, P18).
Observa-se que sempre quando os alunos conversam com as professoras sobre uma
intenção de entrar na área da Saúde da Mulher, há sempre uma dificuldade, um
desencorajamento, uma restrição aos alunos homens. Essa barreira pode ser tanto um modo de
preservar o aluno em relação a uma área com dificuldade de acesso, ou até mesmo uma defesa
de espaço, como sendo esta uma área na Enfermagem estritamente exercida por mulheres.
Para P14, uma professora chegou a ponto de dizer que se ele se formasse, iria abrir um
consultório no interior e exercer a Medicina na ilegalidade relacionado à Saúde da Mulher.
Com relação a estágios extracurriculares, foram citados o estágio em Obstetrícia
desenvolvido no campo de estágio do Amparo Maternal (P7), e outro no Hospital Alemão,
Oswaldo Cruz – HAOC, este último, demonstrando grande satisfação pelos egressos (P8,
P11). Ambos permitiam que estudantes exercessem suas atividades fora do horário de aula da
Universidade, sendo que o segundo ainda era remunerado. (Pires, 2006)
Após a formação, o acesso ao mercado de trabalho foi a temática na categoria seis.
Diferente da atualidade, que há uma dificuldade na busca pelo primeiro emprego,
principalmente pelo número excessivo de enfermeiros formados e disponíveis no mercado de
trabalho, até pela grande quantidade de faculdades, os egressos entrevistados referiram não
terem sofrido qualquer concorrência (P1, P8, P7).
Foi unânime a afirmação dos egressos que a inserção do mercado de trabalho foi fácil
e rápida (P1, P2, P3, P5, P6, P7, P9, P11, P16, P18, P19). Diferente da dificuldade do acesso à
universidade, após a formação, alguns enfermeiros relataram que sofreram assédio das
instituições para trabalhar, antes mesmo de colarem grau, podiam escolher em que lugar
trabalhar, levando em conta o salário, a distância de casa ou as chances de subir na carreira
(P1, P2, P8, P16, P18).
Vale ressaltar que a inserção no mercado de trabalho foi o ponto mais descontraído da
entrevista com os participantes. Apesar de diversas dificuldades que tiveram que passar
durante a graduação, o momento do acesso ao mercado de trabalho foi algo menos
preocupante. Muitos optaram por trabalhar em empregos públicos (P2, P3, P4, P5, P9, P16,
P18, P19), principalmente no complexo HC e suas unidades, e também em áreas de saúde
coletiva tanto no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro. Outros foram para hospitais privados,
que aceitavam homens em seu quadro de enfermeiros, como é exemplo o HAOC (P1, P8,
P11, P18).
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Além dos concursos e entrevistas, alguns relatam que suas trajetórias como alunos
dedicados durante a graduação e em estágios extracurriculares renderam-lhes bons frutos, no
fato destes serem indicados por professoras da escola e enfermeiras formadas para vagas de
empregos nas instituições (P1, P4, P8, P12, P13).
Para Bourdieu, essa rede de influência, de comunicação, de pessoas que te
possibilitam uma maior facilidade em seus desafios, nada mais é do que o aumento do capital
social. Essa rede durável de relações possibilitou uma maior facilidade na entrada no mercado
de trabalho para alguns egressos, assim aumentando significativamente o capital econômico
dos mesmos. (Nogueira, Catani, 2015)
O fato de terem se tornado enfermeiros com o diploma da USP e de não haver um
número excessivo de escolas particulares na época, segundo P16 e P18, foi um fator
determinante no acesso ao trabalho. Segundo eles, com o diploma da USP, qualquer porta era
aberta, poderia escolher o local que gostaria de trabalhar.
De acordo com os dados obtidos do Censo da Educação Superior do INEP (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) de 2007, com relação ao
quantitativo de concluintes da graduação em Enfermagem, tem-se que no ano de 2001
concluíram o curso 7.139 enfermeiros; em 2003 foram 11.252; em 2005 foram 19.968 e em
2007 foi o número extraordinário de 32.616 enfermeiros concluintes do curso de graduação
em Enfermagem no Brasil. Essa evolução revela um crescimento de 356,87% de 2001 a 2007.
(Oliveira, 2010)
Esse aumento está diretamente ligado ao número de faculdades privadas abertas no
decorrer dos anos. Em 1991, havia 61 faculdades de Enfermagem de origem pública,
chegando a 93 em 2004, com um aumento de 52,45%, já as faculdades de origem privada, em
1991, havia 45, chegando a 322 em 2004, um expressivo aumento de 615,55%.
Proporcionalmente, esse aumento foi maior nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. (Haddad
et al., 2006)
O diploma garante benefícios materiais e simbólicos, portanto, quanto mais raro é o
diploma em uma determinada área, o investimento pelo egresso em questão de tempo e
esforço, mais provavelmente será possível a conversão do capital escolar em capital
econômico. (Nogueira, Catani, 2015)
Dos alunos que, em algum momento, elencaram trabalhar em unidades hospitalares, as
mais citadas foram unidades de Pronto Socorro, UTI, Centro Cirúrgico e Psiquiatria (P1, P2,
P6, P8, P9, P10, P11, P18, P19). Essa representação é consonante nos artigos sobre a temática
100
estudada, na qual os enfermeiros homens procuram áreas de trabalho mais masculinas,
tentando fugir do aspecto feminino que a profissão carrega historicamente. (Pereira, 2008)
Pode-se inferir que os espaços dos homens estão limitados ainda por um número
reduzido de profissionais e pelo preconceito sociocultural, que determina a sua não
participação em áreas tipicamente ditas femininas como: setores de Ginecologia, Obstetrícia,
Pediatria e Berçário. (Pereira, 1991)
Entretanto, os enfermeiros são historicamente bem aceitos em blocos cirúrgicos,
Pronto Socorro, UTI, unidades de Psiquiatria, Neurologia, Urologia, Ortopedia e
Traumatologia e Reabilitação. Geralmente sendo remetido a características como a força
muscular, não se valorizando a competência e o conhecimento. (Pereira, 2008)
Essa tentativa de minimizar o estigma de uma profissão tida como feminina também é
vista em estudantes de Enfermagem da Nova Zelândia, que procuravam realizar atividades
para provar e reforçar sua masculinidade, por exemplo: jogar rugby, escalada de montanha, e
no extremo, usar um anel de casamento, apesar de ser solteiro. (Christensen, Knight, 2014)
Para alguns egressos, o fato de ser homem na Enfermagem facilitou o ingresso no
mercado de trabalho, até pela sua escassez (P7, P11). E se em alguns casos não facilitou,
também não atrapalhou, até pelo fato da rapidez da inserção desses enfermeiros (P2, P5, P6).
Entretanto, foi relatado por dois participantes episódios de exclusão: um por ter
religião espírita e outro pelo fato de ser homem. O primeiro foi barrado no processo seletivo
de um hospital católico, sendo referido que, “se quisesse trabalhar aquela instituição, deveria
retirar a opção religiosa da ficha de contratação”, o caso ocorreu com P12, que se negou a
omitir sua religião. O segundo caso de exclusão ocorreu com P11, que foi excluído do
processo seletivo de um grande hospital privado de São Paulo, pois na época não se
contratava enfermeiros homens naquela instituição. Pereira (1991) já afirmava que alguns
hospitais privados tinham discriminação na contratação de enfermeiros.
Considerando que a maioria das escolas e ofertas de emprego em instituições com
mais prestígio e maiores salários, estão nas capitais e em suas regiões metropolitanas, P6 foi
um desbravador. Isso porque ele saiu do interior de São Paulo, filho de pais meeiros, veio à
capital, estudou e retornou para o interior para trabalhar. Como ele mesmo cita, para muitos
isso era uma loucura, já que as oportunidades eram escassas e as melhores ofertas estavam na
capital. Sendo ele único com um diploma da USP no interior, foi bem-sucedido em sua
trajetória profissional, e em nenhum momento se arrependeu de tal escolha.
Para Bourdieu, as pessoas residentes em cidades do interior são esquecidas, tanto pelos
governantes, como pelos gerenciadores de recursos, já que as maiores oportunidades, em
101
questão de volume, sempre estarão mais presentes na capital, ficando para o interior as
faculdades menos conceituadas, os empregos com menor remuneração, e nesse contexto,
quem tem um diferencial, terá uma maior probabilidade de se acender socialmente, com
aumento de capital simbólico e econômico. (Luigi, 2009)
Outra área bastante explorada pelos egressos foi a do ensino, tanto técnico, mas
principalmente superior, público e privado, na capital e no interior de São Paulo. Como já
discutido nos dados quantitativos, dos vinte enfermeiros participantes do estudo, 35%(7)
referiram em algum momento lecionar e acompanhar estágios em escolas técnicas, 50%(10)
em Instituições de Ensino Superior - IES privado e 25%(5) em IES público.
Pelo fato da profissão preconizar uma educação contínua aos integrantes da equipe de
Enfermagem, educação ao paciente e familiares, e cada vez mais, preconizar uma saúde
baseada em evidência científica, alguns egressos procuraram crescer e se especializar na
profissão, realizando cursos, mestrado e doutorado.
Esse investimento se fez necessário, já que em alguns casos, a remuneração era baixa
(P5). Além de reconhecimento profissional, também está diretamente ligado à questão
financeira. Com o aumento desse capital cultural e simbólico, ocorreu um ganho de capital
econômico, facilitando aceitação de familiares com relação à profissão.
Para muitos, o ensino em IES, foi um crescimento profissional e pessoal, uma vez que
além de serem enfermeiros de profissão, eram professores universitários (P2, P6, P7). Se
como enfermeiros, não necessariamente conseguiam um prestígio social, sendo professores
universitários ocorria uma ascensão social e uma maior qualidade de vida, visto que
enfermeiros trabalham, em sua maioria, por escalas e em finais de semana, e isso raramente
acontecia com professores.
Já P8, referiu trabalhar na área industrial após alguns anos de formação até os dias
atuais. Considerando as áreas assistenciais e de ensino as mais exploradas pelos enfermeiros,
trabalhar no seguimento industrial abre precedente para futuros enfermeiros que não querem
trabalhar nas áreas tradicionais. Esse participante, reuniu os conhecimentos obtidos na
universidade e no ramo assistencial, fazendo as áreas da Saúde e Engenharia e Marketing
conversarem entre si.
Ele trabalhou em diversas empresas de insumos hospitalares, em áreas de vendas,
desenvolvimento, gerência e gestão, conseguindo auxiliar a adequação dos produtos às
necessidades médicas, tanto em cirurgias e exames diagnósticos. Pode-se dizer que foi um dos
pioneiros nesse ramo, considerando sua época de formação, e a escassez de profissionais
102
referências, assim quebrando paradigmas e fornecendo novas oportunidades de áreas de
trabalho para os profissionais da saúde.
A profissão se torna atraente para os homens, uma vez que há uma variedade de
trabalhos podendo permitir uma transição entre as especialidades, com possibilidades de
progressão na carreira, considerando áreas assistênciais, acadêmicas, gestão e indústria.
(Christensen, Knight, 2014)
Dos três participantes do trabalho que não se inseriram em trabalhos relacionados a
Enfermagem, dois deles tiveram trajetórias muito parecidas. Tanto P15 e P20 realizaram a
graduação de Enfermagem e passaram em processos seletivos para doutorado direto. Ambos
realizaram doutorado em áreas voltadas à Anatomia, e se tornaram professores universitários
nessa especialidade, um se formando pela Faculdade de Medicina na Universidade de São
Paulo, e outro pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – ICB-
USP.
Contudo, P14 foi quem apresentou a trajetória mais atípica. Referiu se sentir acuado e
repreendido em diversas situações pelas docentes, tanto por seu modo de pensar e agir em sala
de aula, quanto por sua dinâmica em estágios de Saúde da Mulher. Uma professora de
Ginecologia e Obstetrícia o bloqueou, ou impediu de realizar procedimentos nas pacientes,
isso o fez repensar sua situação perante a profissão.
Essa dinâmica da graduação e uma oferta de emprego que o participante julgou
“avessa”, o fizeram mudar de profissão, seguindo para uma nova graduação, realizando
Medicina e exercendo a profissão como cirurgião. Disse que pela organização da Enfermagem
da época, teria que gerenciar conflitos, devido à hierarquia feminina, não seria visto como um
profissional e sim como um competidor, então como as barreiras impostas eram
intransponíveis, escolheu assim sair da profissão.
A evasão profissional ocorre em todas as profissões, é preocupante devido ao tempo e
recursos gastos na formação de um trabalhador. Na Enfermagem, mesmo com a baixa
remuneração, essa não é a mola propulsora para o abandono. Há em excesso na profissão
como: submissão, impotência, cobrança, estresse, burocracia, competitividades entre os
enfermeiros. Falta na profissão: prestígio, reconhecimento, remuneração digna, condições de
trabalho, autonomia, perspectiva de futuro. (Secaf, Rodrigues, 1998)
O abandono da Enfermagem não está baseado em um só ponto crítico ou em uma
situação específica, mas há também um conjunto de circunstâncias, como o modo de cada
indivíduo lidar com os problemas pessoais e de convívio, as minúcias da formação, da
103
estrutura do social e do sistema de saúde. Todos esses fatores culminaram na mudança de
profissão.
O âmbito inicial no processo do trabalho e suas relações de equipe, principalmente
com a equipe médica foram abordados na categoria sete. Esse convívio aborda os primeiros
anos profissionais, normalmente, aqueles em que as relações ainda são mais frágeis, há uma
defesa de espaço, um aprendizado em lidar com as hierarquias dentro e fora da Enfermagem.
Quando se é um enfermeiro recém-contratado e recém-formado, além de lidar com os
conflitos pessoais, também se lida com os conflitos interpessoais, do dia a dia.
Em relação ao convívio com a equipe de Enfermagem, a primeira dificuldade está em
se firmar na figura do enfermeiro, sem ter experiência de trabalhar como enfermeiro. É uma
profissão que se encontram pessoas de várias faixas etárias, exercendo a mesma função,
independentemente do tempo de formação; portanto, o recém-formado quando encontra um
enfermeiro mais experiente, ou um técnico com muitos anos de profissão, tem seu
conhecimento e postura testados. (P1)
Mesmo que na época de formação, alguns enfermeiros referiram que a aceitação por
parte das enfermeiras era mais difícil pela própria falta de enfermeiros homens e pela
dificuldade de aceitação da presença masculina como enfermeiro graduado, devido ao fato de
a profissão ser predominantemente feminina, principalmente nos cargos de liderança, sendo
difícil conquistar espaço e demonstrar competência. (P11)
Os dados revelam que essas barreiras dependem do modo como o enfermeiro se
comporta no âmbito do trabalho. Caso ele demonstre interesse, se esforce e trabalhe com
muita competência e dedicação, é natural que a equipe se sensibilize e te ajude, diminuindo
assim as barreiras da equipe de Enfermagem e da equipe multiprofissional. (P12)
Os resultados dessa categoria revelam, ainda, que o enfermeiro pode se tornar a
referência para os outros, tanto de maneira positiva, quanto negativa. O seu esforço,
dedicação, competência e sucesso profissional podem servir de exemplo e referência para
outros profissionais, assim possibilitando novos leques de trabalho para as pessoas no futuro.
Agora com relação ao relacionamento com a equipe médica, majoritariamente ocorreu
de maneira satisfatória, sempre demonstrando grande respeito entra os enfermeiros homens e
as equipes. (P1, P2, P5, P6, P7, P8, P9, P18). Na visão de P8, o mesmo não percebia diferença
de relacionamento entre enfermeiros e enfermeiras pela equipe médica. Já P5 achava que os
médicos respeitavam mais quando eram enfermeiros homens.
Esse respeito e convivência mais pacífica se davam principalmente com os médicos
mais jovens de profissão, uma vez que respeitavam mais facilmente as normas institucionais,
104
eram abertos ao diálogo, já que estavam inseridos em uma formação acadêmica cada vez mais
multiprofissional no cuidado do paciente. (P1, P4, P12)
Sobre o convívio com os médicos mais antigos, havia geralmente aquele
distanciamento no que tange à discussão clínica, o cuidado integrado do paciente e a
dificuldade de aceitar as regras institucionais. Para alguns enfermeiros, havia um “medo” do
corpo de Enfermagem em lidar com a figura do médico. (P10)
O que se percebe é que os homens enfermeiros, posicionavam-se e seguiam os
organogramas institucionais, porém se recusavam a realizar atividades e desempenhar o que
não concordavam, não tolerando desrespeitos e agressões verbais em muitos casos. (P1, P2,
P4, P7, P12)
Para P7, o fato de lidar com enfermeiros homens causava um pouco de estranhamento
para os médicos, uma vez que estavam acostumados a lidar principalmente com mulheres,
enfermeiras e essas dificilmente se posicionavam de maneira contraditória.
Segundo alguns depoimentos, quando o médico encontrava um enfermeiro homem,
achava que essa subordinação estaria implícita, entretanto, ao se posicionar com uma ideia
contrária, ou mesmo de não acatar todas as vontades médicas, isso gerava alguns atritos.
Contudo, após o embate e defesa de posições, o que se via era um respeito mútuo, uma vez
que se pela via da imposição não funcionava, a melhor maneira era o diálogo. (P1, P2, P7)
Após alguns embates iniciais, os médicos respeitavam a presença do enfermeiro, ou os
conflitos relacionais eram minimizados, algo que raramente aconteceria com as enfermeiras.
(P2) A questão do gênero, o modo de pensar e até mesmo por cordialidade, essa interação
entre médicos e enfermeiros ocorria de maneira respeitosa. (P1, P6)
105
7. CONCLUSÃO
106
7. CONCLUSÃO
O presente estudo possibilitou compreender uma parcela das dificuldades e lutas que
são enfrentadas por homens que optam por realizar a graduação e se inserir no campo da
Enfermagem. A primeira barreira foi a escolha profissional, a qual teve repercussão no círculo
familiar e de amigos.
A percepção e o grau de instrução de familiares e amigos influenciaram diretamente
no modo como estes encararam a escolha dos homens pela carreira da Enfermagem. Para
Stanley (2012), há um perigo real sobre a percepção da população sobre a imagem dos
enfermeiros e sua contribuição para o cuidado de Enfermagem, pois esta pode ser prejudicada
por retratos negativos, que estão vinculados a filmes, séries, novelas e outros conteúdos
televisivos e de imprensa.
As principais dificuldades apontadas pelos participantes, durante a graduação,
consistiram na falta de preparo das intituições em receber esses alunos homens, no
relacionamento entre alguns docentes em sala de aula e em estágios de Ginecologia e
Obstetrícia, voltados à Saúde da Mulher e na falta de modelos a serem seguidos por eles.
É preciso reconhecer que os estudantes homens, ao serem restringidos ou excluídos da
experiência teórico-prática da Obstetrícia, se sentissem frustrados e rejeitados, quase sempre
com sentimento de revolta. (Tsunechiro, 1980)
Em síntese, cabe pontuar qual é o papel da escola como uma instituição que deveria
funcionar como um fator de mobilidade social. Entretanto, ela funciona, por vezes, como um
dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência da legitimidade às
desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural, e o dom social tratado como um dom
natural, a promessa da ascensão social através do mérito. (Nogueira, Catani, 2015)
Sabe-se que historicamente, a Enfermagem profissional se inseriu no bojo do modo de
produção capitalista e se construiu no processo de feminização e de divisão social e técnica do
trabalho, no contexto do século XIX. (Gastaldo, Meyer, 1989). Nessa perspectiva, a
instituição formadora (a Escola) foi-se preparando para perpetuar aquele modelo e, por
conseguinte, ao se deparar com o “diferente” nesse universo, houve resistências à presença do
homem, dificuldades estas que exigiram, por vezes, enormes esforços para conseguirem
superar tais resistências.
Ainda no tocante dos dados dessa pesquisa, vale ressaltar a inexistência de dados no
setor de graduação da Escola de Enfermagem da USP sobre os alunos homens que evadiram o
curso, durante sua formação, ou posteriormente. Nessa direção, alguns participantes
107
revelaram que alguns (homens) ficaram pelo caminho e os que se formaram representam o
sucesso pelo esforço, pois venceram desafios, que foram sendo sinalizados por vários deles.
Corroborando a ideia acima, conclui-se que o sucesso excepcional de alguns
indivíduos que escapam ao destino coletivo dá uma aparência de legitimidade à seleção
escolar, e dá crédito ao mito da escola libertadora junto àqueles próprios indivíduos que ela
eliminou, fazendo crer que o sucesso é uma simples questão de trabalho e de dons. (Nogueira,
Catani, 2015)
Aqueles que conseguiram passar por todas as barreiras da graduação, em sua maioria,
conseguiram trabalhar e ascender economicamente e socialmente, seguindo por diversas áreas
dentro e fora da profissão. Tal fato tornou-se, nos dizeres de alguns participantes, um fator de
orgulho para muitas famílias, apesar de vários participantes revelarem não terem tido o apoio
unânime de seus familiares ou amigos no momento da escolha pela profissão.
É possível concluir que ao escolherem a Enfermagem como profissão, os homens
estudados tornaram-se referências para novos ingressantes na área, tanto na instituição
formadora, como nas organizações em que eles se inseriram no mercado de trabalho, além do
seu círculo social.
Conclui-se que há necessidade de se rediscutir o papel das instituições formadoras na
Enfermagem, bem como das entidades de classe, como Conselhos e Associações, mormente
no que tange no trabalho incessante para garantir e ampliar a visibilidade do que é a
Enfermagem e quem são os seus atores sociais. Com isso, acredita-se que seja possível
contribuir para atrair mais homens e mulheres para o trabalho na área da Enfermagem,
inclusive, erradicando certos mitos acerca de quem a exerce.
Espera-se que o estudo realizado possa contribuir para a construção de propostas mais
realistas e afirmativas de inclusão do homem na profissão, assegurando visibilidade a parcelas
invisíveis das trajetórias profissionais dos homens na Enfermagem. O estudo resgatou as
vivências, lutas, conquistas e sucessos alcançados pelos participantes, em épocas ou décadas
passadas, em que tal presença, por vezes, era vista ou sentida com algumas ressalvas.
Por outro lado, vale apontar que o estudo não se esgota, cumprindo um dos deveres do
pesquisador no sentido de provocar inquietações novas a quem se dedica à temática e abrindo
novas possibilidades para o avanço e o aprofundamento para outras pesquisas.
108
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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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120
121
9. ANEXOS E APÊNDICES
122
9. ANEXOS E APÊNDICES
ANEXO 1 – Aprovação do CEP da Escola de Enfermagem da USP.
123
124
125
ANEXO 2 - "Ficha Verde"
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
126
ANEXO 3 - Ficha de ingresso de 1950 a 1958
127
128
129
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
130
ANEXO 4 - Ficha de ingresso de 1961 a 1976.
131
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP, 2015.
132
ANEXO 5 - Ficha de ingresso de 1977 a 1992.
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
133
ANEXO 6 - Ficha de ingresso de 1992 a 1999.
Fonte: Serviço de Graduação da Escola de Enfermagem da USP,2015
134
APENDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
I. Registro dos esclarecimentos do pesquisador aos participantes da pesquisa
Eu, Kleber de Souza Costa, Aluno de Mestrado da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo, venho convidá-lo a participar de uma pesquisa sobre
"TRAJETÓRIA DOS HOMENS NA ESCOLA DE ENFERMAGEM DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO". Esta pesquisa tem por objetivos descrever o dia-a-dia
dos alunos na EEUSP e analisar as estratégias destes para se adequarem ao sistema
estabelecido pela EEUSP, demarcando as transformações e suas influências sobre a vida
acadêmica, no período de 1950 a 1999, bem como sua inserção na vida profissional.
Para tanto, será realizada uma entrevista, que deverá ser gravada, em dia e horário
definidos de acordo com a disponibilidade do participante do estudo. A entrevista será
confidencial, sigilosa e o seu depoimento estará sob a nossa responsabilidade.
O conteúdo da entrevista será utilizado apenas para a realização do estudo, podendo os
resultados serem apresentados em eventos e publicados em revistas científicas. A participação
dos participantes do estudo será totalmente voluntária, podendo os mesmos deixá-lo a
qualquer momento que desejarem. A entrevista pode causar desconforto aos participantes,
uma vez que remete às memórias pessoais. Caso aceite participar desta pesquisa, solicito a
sua assinatura no item II deste documento.
Desde já agradeço a sua atenção e coloco-me à disposição para quaisquer
esclarecimentos sobre a pesquisa. O meu telefone para contato é (11) 98668-8142.
Conforme as normas da Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, que versa
sobre os aspectos éticos em pesquisas envolvendo seres humanos, o documento será
disponibilizado em duas vias, ficando uma delas com o participante.
São Paulo, de de 2015.
_____________________________________
Pesquisador
II. Autorização do Participante
135
Compreendo o objetivo desta pesquisa e concordo em participar de forma voluntária
da mesma, entendendo que as informações serão confidenciais, que não haverá identificação
nominal e que não sofrerei qualquer tipo de sanção ou prejuízo, caso desista de participar
deste estudo. Declaro, ainda, que ao ser convidado a participar desta pesquisa, todos os
esclarecimentos foram prestados pelo pesquisador.
O Telefone e e-mail do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo são: (11) 3061-7548 e [email protected].
São Paulo, de de 2015.
__________________________________
Participante
APÊNDICE B - Lista dos homens formados na EEUSP de 1950 a 1999
Ano de formado Nome
1950 Benoni de Souza Lima
1955 Edvaldo Dias Lima
1955 Nestor Constantino
1957 Lydio Milani
1958 Nilson Bazei
1961 Oswaldo Vieira Filho
1963 Aldemar Domingos Inforzato
1963 Glycon José Bernardes
1966 Ivo Gelain
1966 Bernardo Antônio
1971 Ramiro Carlos Pastore
1972 Amilton Alves Teixeira
1972 Koichi Tamaki
1974 Ivan Martins de Souza
1974 Laércio de Marchi
1974 Mauro Antônio Pires Dias da Silvia
1976 Eder Francisco Bagliotti
1976 Erling Sriubas
1977 Carlos Eduardo Sacchi
136
Ano de formado Nome
1977 Lineu Kikuo Mizutani
1977 Luiz Antonio de Freitas
1978 Antonio de Almeida Gramacho
1978 Silvio Augusto Margarido
1978 Silvio Conrado
1981 Eduardo Sandini
1981 Nelson Francisco Annunciato
1982 Alfredo Luiz Jacomo
1982 Antonio Roberto Stivalli
1983 Charles de Freitas Ferreira
1984 Paulo Cesar Lisboa
1985 Antonio Sergio Rodrigues
1985 Roberto Karcher
1986 Américo Bez Júnior
1986 Paulo Domingos Garbellotto
1987 Agostinho Rodrigues Bertelo
1988 Genival Fernandes de Freitas
1988 Mohamed Abdul Hadi
1992 Carlos Alberto dos Santos
1992 David Biala
1992 Élio Alves da Costa
1992 Gaspar Adão Mateus
1992 Ritávio Santana Fagundes
1992 Sergio Martins Lopes
1994 José Luiz Guareschi
1995 André Luis Tavares Dolor
1995 Ivaldo Antônio dos Santos
1995 Josenaldo Pereira da Silva
1995 Rogério Yudi Mitushima
1996 João Clímaco Vieira
1996 Marcelo Chanes
1997 Luis Carlos da Costa
1997 Marcos Aurélio dos Santos
1997 Marcos Roberto Sandoval
1997 Ramiro Fernandes Pedro
1998 Adriano Aparecido Bezerra Chaves
1998 Elsio Ivan Palacios Varillas
1998 Fábio Eduardo Custódio da Silva
1999 Antonio Carlos Bezerra
1999 Valdir Ferreira de Oliveira
137
APÊNDICE C - Questionário Sociodemográfico
Idade:
Estado civil atual:
Naturalidade:
Profissão da companheira/o:
Profissão dos Filhos: (se tiver)
Cursos posteriores realizados e o ano de conclusão (especialização, pós-graduação):
Instituições que trabalhou, função e por quanto tempo:
APÊNDICE D - Perguntas norteadoras
- Conte como se deu sua opção pela Enfermagem? Como foi a reação da família amigos e
parentes em relação a escolha?
- Como era ser homem ao ingressar no curso de Enfermagem na EEUSP na sua época?
- Como era sua relação entre as estudantes mulheres e com as professoras?
- Qual a sua impressão em relação às disciplinas / estágios ministrados na EEUSP?
- Como se deu a sua inserção no mercado de trabalho como enfermeiro?
- Conte como era a relação entre médicos e enfermeiros homens na sua vivência?
- Algo mais que gostaria de compartilhar?
138
APÊNDICE E - Orçamento Financeiro
O trabalho não acarretou nenhum ônus financeiro aos participantes, sendo utilizados
os próprios recursos dos investigadores responsáveis no que se refere a traslado, bem como
transcrição, impressão e digitação dos documentos originais (entrevistas).
Gastos aproximados no período do estudo são:
DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE VALOR UNITÁRIO VALOR TOTAL
Caderno 2 R$ 10,00 R$ 20,00
Pastas 8 R$ 10,00 R$ 80,00
Envelopes 30 R$ 2,00 R$ 60,00
Pen Drive 2 R$ 50,00 R$ 100,00
Xerox 500 R$ 0,20 R$ 100,00
Gravador de áudio 1 R$ 140,00 R$ 140,00
Gastos com
translado
20 R$ 50,00 R$ 1000,00
Impressões 1500 R$ 0,50 R$ 750,00
Encadernações
Impressões
8 R$ 50 R$ 400,00
Total R$ 2650,00
APÊNDICE F – Entrevistas Transcriadas
Participante 1
Meu pai não influenciou na minha escolha porque eu já tinha saído de casa e minha
mãe já era falecida. A minha opção pela Enfermagem se introduziu no contexto de vida
religiosa, no qual fui introduzido desde a infância e a adolescência. Eu, na verdade, já estava
vivendo como seminarista antes mesmo de fazer Enfermagem.
Lembro bem que na época os meus superiores do convento, reitores do seminário,
cogitavam da possibilidade de alguns seminaristas ou padres irem para missões
139
principalmente para a África. Por conta dessa situação, dessa possibilidade, eles sugeriram
que nós fizéssemos Enfermagem, Medicina, Odontologia, Assistência Social, até Psicologia.
O mais valorizado era o curso de Enfermagem, chegaram a sugerir que fosse feito na
Faculdade São Camilo, porque já era da mesma ordem, eu era camiliano. Não queria fazer a
Enfermagem na Faculdade São Camilo, mas eu já estava decidido que eu queria fazer
Enfermagem, quem sabe precisaria desse conhecimento como missionário. Fiz o vestibular da
FUVEST sem autorização do superior. Quando contei o resultado, ele ficou um pouco
revoltado, chateado comigo, mas terminou aceitando. Nunca tentei outro curso, como
Medicina ou Odontologia, já tinha o curso de Filosofia. A Enfermagem era primeira e única
opção, não tinha nenhum pensamento ou vontade em fazer Medicina. Achava interessante a
questão de cuidar do paciente, a Enfermagem fazia melhor interação e aproximação do
cuidado com o paciente do que qualquer outra carreira. Lembro que não houve dificuldade
ou resistência dos companheiros seminaristas, nem dos padres, mas pelo local que eu iria
fazer, eles queriam Faculdade São Camilo e não na USP. Meus supervisores achavam que a
USP era "perigosa", por ser uma instituição muito liberal e os professores terem uma postura
não religiosa. Já no São Camilo não, o quadro docente era voltado para aquela ideologia
católica.
Superada essa dificuldade inicial, não tive muitos problemas no seminário, entretanto
ao chegar à escola sim. Éramos em poucos rapazes, as professoras tinham a atitude de
chamar sempre de alunas, de meninas, o que incomodava muito. Eu sempre estive em um
ambiente de homens, no seminário e na faculdade de Filosofia. Agora em um ambiente que
tinha muitas mulheres, na Enfermagem. Quando as professoras colocavam todos os estudantes
no feminino e no plural, eu achava que era uma agressão e me sentia muito incomodado.
Um belo dia, questionei a professora Tamara Cianciarullo, depois da aula dela, no
corredor, sobre essa forma de tratamento, e expressei meu desconforto. Não adiantou. Na aula
seguinte ela continuou chamando de meninas a turma.
Com as companheiras de sala, o relacionamento era muito bom, com exceção de um
pequeno grupo que não gostava de homens na sala e dificultava nossa existência até o ultimo
ano, alguns amigos levavam essa rixa na brincadeira ou não davam bola, eu ficava muito
bravo, mas não brigava, tinha a postura de um seminarista.
Raras professoras agiam em um regime quase ditatorial, desde o momento que se
entrava na sala de aula, no acompanhamento de estágio, elas determinavam as coisas, desde as
roupas, o modo de falar e de se portar com paciente, Uma comunicação não verbal de dar
medo, tínhamos que assumir uma postura artificial. Naquela época não tinha tanta democracia
140
com o aluno, para poder se manifestar, dizer algumas coisas, as coisas vinham prontas de
cima para baixo. Havia um único professor homem que era o Silvio Margarido, de Saúde
Coletiva, e a maioria das professoras tinha uma postura mais amena.
Em relação à formação, achei bastante consistente. Entretanto, lembro-me que havia
um núcleo básico de Farmacologia, Bioquímica, Anatomia, entre outras. O conteúdo das
disciplinas era extremamente fragmentado, onde usaríamos esse conhecimento, de que modo,
o quanto a gente poderia utilizar isso no futuro como profissionais. Era difícil articular este
conteúdo com a Enfermagem, isso me incomodava muito. Um conteúdo extremamente rico,
profundo, os professores eram os melhores, os mestres nas áreas de conhecimento dado,
porém não se tinha muito a explicação e articulação, ninguém se preocupava em fazer isso
conosco, quem fazia essa ponte dos conhecimentos era cada um consigo mesmo.
Os professores eram bons, mas eram bons naquilo que eles sabiam ensinar, e os alunos
tinham que saber tudo e fazer todas as pontes sozinhos, isso era a maior dificuldade da
formação. Acho que isso existe até hoje, mas naquela época era muito clara essa divisão e
fragmentação dos saberes. Na prática repercutia muito na dificuldade da transposição do
teórico para a prática. O quanto da teoria poderia nos auxiliar se tornava um empecilho, pois
na prática tudo aquilo que era belo e até o ideal. Teoricamente, não tinha aplicação, por falta
de recursos de material e/ou humano, só que essa ponte ninguém fazia com a gente.
Os cenários de prática do enfermeiro são diversos, são ricos, são especializados até por
demais. No começo da carreira profissional, eu me entendia como um generalista, como ainda
hoje se forma um generalista, mas pouquíssimo seguro para chegar e atuar como enfermeiro.
Eu sentia que tinha uma bagagem de conhecimento grande, mas não sabia muitas vezes o
quanto isso ia facilitar ou dificultar a prática. Porque o cenário de prática exigia do enfermeiro
além do conhecimento técnico com uma postura, não tinha essa postura de enfermeiro ainda
quando recém-formado.
Precisava adquirir essa postura e mais ainda sentir-me seguro com o fazer da
assistência e o cuidado. Uma coisa era aprender na sala de aula, no laboratório com a
supervisão dos enfermeiros monitores, outra é estar sozinho como profissional na frente do
paciente com situações fáceis, sobretudo em situações de grande conflito, tomada de decisão
rápida, por conta do risco que o paciente está correndo.
Tive dificuldade na área obstétrica e ginecológica. Embora houvesse a oportunidade
de frequentar os mesmo campos de estágios que as meninas, acho que as professoras não nos
possibilitaram as mesmas oportunidades que elas. As alunas lidavam com as pacientes
141
sozinhas ou podiam ver a professora fazendo o exame, como o toque vaginal ou no trabalho
de parto.
Ficávamos de certa forma, pelo olhar ou postura da professora, um pouco apartados,
constrangidos. Uma vez eu questionei se não havia a possibilidade de fazer habilitação em
Obstetrícia, e uma das professoras na época, que era uma das chefes da Obstetrícia e
professora, disse que para Medicina não havia problema, mas para a Enfermagem sim. Eu
argumentei que não via problema; mas a referida professora insistia, dizendo que o próprio
paciente não aceitava o homem (enfermeiro), só o médico.
Eu senti aquilo como uma forma de exclusão, praticamente ela me dizia que eu não
teria chance, que seria bobagem eu querer isso. Não basta ter vontade, você não terá chance e
o paciente não vai te aceitar. Não adiantava eu argumentar, que a palavra e a postura dela
eram desfavoráveis, o não verbal dizia que não. Eu achei que talvez eu precisasse desse
conhecimento, se fosse para África em missão e precisasse fazer parto, não fui, ficava
preocupado de talvez algum dia precisar fazer um parto e não saber, achava que o
conhecimento da graduação nesse quesito era muito aquém das minhas necessidades, quase
ínfimo. Outra professora, como exemplo a Maria Alice que ainda é professora na escola, me
apoiou no Amparo Maternal, me senti totalmente à vontade ao acompanhar o estágio no
berçário.
Sobre o mercado de trabalho, a inserção foi o mais fácil possível. Na época, nos
éramos convidados a nos inserir nas instituições, as melhores, com excelência do cuidado,
com a melhor Enfermagem de São Paulo, até mesmo do País. Eu lembro que uma das
diretoras dessas instituições, no caso era o Oswaldo Cruz, fez uma palestra na escola com a
turma do quarto ano. Ao término, parabenizando-a, ela me convidou a ir ao hospital e
trabalhar com eles.
Levei meu currículo que não dava uma página, não tinha nada de publicação, mesmo
porque na época a gente não era aluno que fazia pesquisa. Fiz a prova, considerei tranquila,
tinha que escrever sobre os cuidados de Enfermagem em pacientes cardiopatas. Uma semana
depois eu fui chamado, e uma enfermeira da educação continuada elogiou muito a caligrafia e
o conteúdo da prova.
Éramos poucos enfermeiros a cada ano, o número de escolas era menor do que hoje e
a procura pelo profissional enfermeiro era maior do que a oferta de enfermeiros ao mercado.
Você encontrava colegas que tinham sido chamados por duas ou mais instituições e tinham
dúvidas de onde iria trabalhar, uns pensavam no salário, outros nas oportunidades de
142
crescimento, outro porque achava bonito o hospital, ou no que ficava mais perto de casa, era
bem diferente de atualmente sem dúvida.
A relação com os médicos, enquanto aluno era de muito respeitoso, tanto no HU
quanto no HC, perguntavam quem era o professor, tinha aproximação, diálogo, lembro que
participávamos de discussão de caso e o médico professor dizia para ficarmos à vontade e
perguntar quando tivermos dúvidas, participávamos, discutíamos, os professores da
Enfermagem e da Medicina se completavam e havia um respeito muito grande.
Depois de formado, os primeiros anos não foram fáceis, porque eu não tinha o
professor da retaguarda, eu era o enfermeiro. Quando se é recém-formado, os outros
enfermeiros, os técnicos e auxiliares de Enfermagem, médicos e a instituição, não sabiam da
minha competência, do que era capaz, não sabiam como eu ia me relacionar com o paciente,
tampouco com eles, então era um pé na frente e outro atrás.
Algumas vezes mais simpáticos, outros com olhar de interrogação ao meu respeito.
Quando tomava algum tipo de decisão, alguns auxiliares me questionavam, sentia que
estavam me testando, enfrentei as situações sem crise. Não tive problemas de relacionamento
porque tinha certo que a base para qualquer relacionamento era a comunicação, dialogo,
abertura. A relação com os médicos foi sendo construída passo a passo.
Os médicos jovens, recém-formados, ou recém-admitidos no hospital eram mais
receptivos, respeitavam mais as normas institucionais, eram interessados em entender o
funcionamento institucional, as relações estavam mais abertas ao diálogo. Os médicos mais
antigos eram mais resistentes, apresentavam mais dificuldade, principalmente sobre as
mudanças, orientação e adesão às novas normas institucionais.
Durante meu emprego como enfermeiro no hospital, eu ainda era seminarista, tinha
um vínculo vitalício com a Igreja, mas decidi sair e mudei minha vida. Vi oportunidade mais
na Enfermagem do que no seminário. Um dos motivos é que continuando seminarista,
ganhando bem como eu ganhava, um dos melhores salários de São Paulo, tinha que dar todo o
meu salário para o seminário. Se eu quisesse comprar um sapato, tinha que pedir permissão,
me sentia muito humilhado, também não sentia vocação, aquela coisa de ser chamado por
Deus, eu nunca senti. Por isso continuei na Enfermagem.
143
Participante 2
Na década de 1970, a Enfermagem era uma profissão pouco conhecida. Na minha
família havia um médico importante da área de Ginecologia e Obstetrícia da USP e uma das
minhas avós era auxiliar de Enfermagem. Minha avó começou a trabalhar no hospital por
intermédio do meu tio e se tornou auxiliar de Enfermagem, sem fazer curso nem nada naquele
tempo, simplesmente foi enquadrada como auxiliar de Enfermagem.
Ela conhecia inúmeras enfermeiras importantes do HC, dentre elas uma das
fundadoras do sistema COREN e COFEN, e um dos enfermeiros formados aqui na EEUSP,
me apresentou enquanto estava indeciso sobre qual profissão escolher. Tinha o sonho de ser
piloto da aeronáutica porque fiz a academia da força aérea, também tinha uma tendência para
a área biológica como Medicina ou Biologia.
Quando minha avó me mostrou a Enfermagem, eu comecei achar que era uma
profissão interessante, porém os enfermeiros que conheci naquela época tinham uma relação
mais administrativa e gerencial do que uma relação de cuidado. Eram muito poucos
enfermeiros homens, somente conhecia o Glaycon formado na EEUSP e outro da Adventista
que foi trabalhar nos barcos para atender as populações ribeirinhas.
Entretanto, entendi que era o enfermeiro que dirigia as questões de saúde e não
necessariamente cuidava, então me interessei e optei por fazer vestibular. Na época, quando
fui colocar a opção na FUVEST, coloquei Enfermagem e passei na primeira chamada. Posso
dizer então que foi por influência da minha avó materna. Meu pai nunca se colocou nem a
favor, nem contra, ele achava que era eu mesmo que tinha que decidir, sem que ninguém
fizesse pressão.
Meus amigos gostaram muito, porque achavam que lá ia ter muita mulher, e poderiam
ir lá paquerar na Escola de Enfermagem, eu realmente não senti nenhum tipo de crítica, nem
de valorização. Fazia parte de um grupo muito grande de rapazes, pois fazíamos muitos
esportes, nadava no clube de regatas do Tietê, e naquela mesma época que eu prestei
vestibular, um deles fez Engenharia no ITA, uma dita profissão masculina, outro fez
Economia na USP e eu fui fazer Enfermagem na USP. Como todos já estavam encaminhados,
eles nunca demonstraram preconceito, pelo menos nunca ninguém falou nada para mim, acho
que eles nem ligaram se era isso que eu queria, o problema era meu e eles não estavam nem aí
para isso.
Quando cheguei à EEUSP, confesso que tive um impacto quando vi muitas mulheres e
nenhum homem, pois na minha cabeça não era uma profissão feminina, era uma profissão
144
como outra qualquer, eu não tinha essa dimensão de quanta mulher e quantos homens.
Procurei me identificar com os homens que tinham e para minha surpresa éramos em cinco
rapazes. Eu confesso que fiquei um pouco mexido com essa questão, mas ao longo do próprio
primeiro ano isso já tinha sido superado.
Era uma gozação, as pessoas estranhavam, pois paralelo ao curso de Enfermagem,
tinha o curso de Obstetrícia, que não tinha homens. O vestibular era junto, se optava na
FUVEST por Obstetrícia ou por Enfermagem, e aí era muito mais mulher ainda. Como no
curso de Obstetrícia não era permitido o ingresso de homem e nos outros anos da
Enfermagem havia dois homens no segundo ano, nenhum no terceiro e no quarto ano estava
se formando um padre, então dos poucos homens que se tem e ainda tem padre, realmente
causou uma certa estranheza esse fato de ter uma quantidade muito pequena de homens.
Fui me acostumando com o tempo e no final vai aprendendo a raciocinar como mulher
também. Tem essa questão do raciocínio masculino e feminino, embora eu seja homem e
tenha uma lógica mais masculina, mais racional, acho que se vai aprendendo a raciocinar
como mulher e aprendendo a trabalhar, acredito nisso. Essa feminilização não quer dizer
mudança de opção sexual, são coisas distintas, vamos dizer que a inteligência emocional vai
se tornando um pouco mais feminina.
Com as colegas de classe a relação era muito boa, claro que tinha preferências e
divergências, mas nunca tive problema nenhum com colegas de classe, pelo contrário, muito
apoio, entrosamento, nenhum namoro. Nunca namorei com nenhuma colega de classe, mas
nos dávamos muito bem, fazíamos vários programas juntos. Foi muito bom, muito agradável
esse convívio durante a graduação em relação a isso.
Já com algumas professoras acho que não foi bem assim, algumas delas não sabiam
muito bem como lidar com homens na graduação, era uma experiência nova para algumas
docentes. Quando me formei na década de 70, o papel da enfermeira era muito mais rígida, a
formação em si era muito mais rígida e as docentes eram muitos mais enclausuradas na
docência da própria escola, não tinham o hábito de trabalhar com homens, para ela era um
fato novo, eu confesso que pra algumas estranharam muito e eu também estranhei muito a
forma como elas lidavam com os homens da graduação.
Um exemplo disso foi quando fui ao Congresso Brasileiro de Enfermagem em 1977, o
primeiro congresso que eu fui e naquele tempo tinha a Associação Brasileira de Enfermagem,
que fazia uma homenagem à enfermeira do ano. Naquele ano a enfermeira homenageada foi a
professora Amália de Carvalho, uma ex-professora de muito prestígio da EEUSP. Ela e sua
irmã, Anáide de Carvalho, foram de grande impacto para a Enfermagem brasileira e possuem
145
inúmeras publicações. E essa professora, como ela ia ser homenageada, eu fui lá prestigiá-la,
e quando teve a fila de comprimentos, eu fui vê-la.
Ela me falou algo muito interessante, sendo ela uma das professoras que demonstrava
claramente uma certa dificuldade em aceitar homem na Enfermagem. Muito educada como
conduzia as relações, disse que me estimava como ex-aluno, e achava que eu possuía um
grande potencial como professor e como ser humano e que eu poderia ajudar muito a
Enfermagem, mesmo sendo homem. Eu acho que ela olhava a profissão como um campo
feminino e os homens eram intrusos, eu senti um pouco isso às vezes, como se o homem
estivesse se intrometendo em uma profissão que é próprio da mulher, do cuidar, sendo isso
uma característica feminina, pensando "o que esse cara veio fazer aqui, tendo tantas outras
profissões masculinas", elas passavam um pouco disso, sendo isso uma interpretação minha,
claro. Entretanto, nunca me senti perseguido ou ameaçado, nunca percebi isso.
Na classe, nós insistimos em fazer parte desse cuidado da parte puerperal e pré-natal,
pois queríamos ter os mesmos tipos de ensinamento que todos os enfermeiros(as) tinham.
Alegamos na época à diretora que se os bombeiros e os guardas podiam fazer partos, porque
nós, os enfermeiros, não podíamos fazer. Os alunos anteriores não tiveram essa oportunidade,
eles fizeram estágios de urologia, um absurdo, como se homem não pudesse aprender isso.
Com isso, algumas professoras se sensibilizaram com esse argumento, e acabamos
fazendo estágio no amparo maternal. Tive oportunidade de fazer parto até com episiotomia,
acabei fazendo toda a tramitação, até mais que muitas colegas mulheres. Isso foi uma coisa
superada por nós, por nossa insistência, por nossa forma de fazer valer nossos direitos como
alunos.
Agora evidentemente, tinha alguns estágios que eu achava que era muito frágil. Me
lembro de um estágio que achei muito fraco na área de Pediatria, eu não achava que a gente
dava cuidado para a criança, ficava pegando a criança no colo, dando de mamar para a
criança, eu achava muito superficial, não precisava ser enfermeiro de nível superior para fazer
alguns tipos de coisa.
Achava desconexo o que era aprendido nas áreas básicas, como Bioquímica, em
relação às aulas de especificidades de Enfermagem, sentia que as aulas eram muito
compartimentadas, como se fossem gavetas no cérebro onde se aprendiam Anatomia,
Fisiologia. Alguns professores até tentavam fazer esses vínculos, por exemplo, a Dra. Vanda
de Aguiar Horta, que fazia aproximações entre os sinais vitais com questões fisiológicas.
Entretanto, nem todos os professores tinham essa visão, acho que até hoje é ainda
146
fragmentado, não permitindo a maioria dos alunos fazer essa aproximação entre a teoria e a
prática.
Nós estudávamos muito, era um curso que exigia muitas horas de trabalho, um curso
intenso, com uma carga horária extremamente densa. Praticamente dormia na escola, aulas de
segunda a sexta no período da manhã e tarde, e quando tinha estágios, almoçávamos correndo,
não dava tempo nem para refletir, para juntar os conteúdos das áreas fundamentais com as
áreas específicas da Enfermagem.
Quando me formei, tinha muita oferta de emprego, nem consegui colar grau, pois
precisava trabalhar logo, já estava casado, fui trabalhar no HC como enfermeiro logo de cara.
Como queria a área de ensino, saí do HC em 1978, e vim para uma universidade de renome
(Unicamp) no interior de São Paulo. No meu tempo não tinha esta questão de dificuldade,
pois havia boas faculdades públicas e boas faculdades particulares como a Santa Casa e a
Faculdade Adventista.
O que talvez pudesse acontecer é que já que Enfermagem é um mundo pequeno, se
você não se enquadrasse, pudesse talvez gerar um pouco de dificuldade se você não tivesse
um padrão de excelência que as pessoas entendiam, você não conseguia emprego porque as
pessoas passavam o “telegrama” muito rápido, se fulano de tal é bom ou não. Particularmente,
nunca tive dificuldade de arrumar emprego, nunca fiquei um dia desempregado na
Enfermagem, nada. Embora tenha mudado até que intensamente de empregos, locais de
trabalhos, cidades diferentes, eu nunca fiquei desempregado mesmo porque a busca era
minha, eu que ia buscar coisas novas quando não estava satisfeito, queria algo melhor, algo
diferente.
Minha relação com os médicos sempre foi relativamente tranquila, tive apenas um
problema em toda minha vida com um médico, em um hospital público em que eu era o
responsável pelo Pronto Socorro, como enfermeiro. Foi uma discussão um pouco mais ríspida
com um médico residente que questionou as condutas que tinha tomado em relação à
Enfermagem, ele foi muito grosseiro e eu respondi à altura, tivemos uma briga, quase saímos
pelas vias de fato físicas, abri um processo administrativo e um boletim de ocorrência contra
ele, no final ele acabou tendo um monte de prejuízos.
Fora isso, sempre me relacionei bem, sempre tive um nível de respeito, eles sempre
me respeitaram. Eu acho que o médico é uma profissão muito cooperativa, eles se protegem,
quando eles percebem que eles podem receber algum tipo de perda, eles se fecham e batalham
juntos, coisa que eu não vejo na Enfermagem, então as minhas questões com a Medicina não
foram especificamente com o médico, foram mais questões políticas de trabalho, de co-
147
funções coletivas, embates coletivos, particularmente com os médicos a única coisa que me
lembro foi essa questão.
Na verdade o maior problema que tenho são com as colegas. Foram embates de
entendimento de como é o trabalho, de respeito mútuo em trabalhos diferentes. Por exemplo,
na academia, quem não publica é quase um “párea”, existe uma tendência de achar dentro da
academia de que quem não pesquisa é incompetente, e eu acho que isso tem de ser revisto,
porque mesmo que a pesquisa seja muito boa, nem sempre o pesquisador está qualificado para
ensinar. A condição de ensinar é diferente da condição de pesquisa, embora a universidade
incentive ensino, pesquisa e extensão, quem faz um curso de mestrado e doutorado não
aprende a ensinar, porque quem vai aprender a ensinar, teoricamente, são as profissões
pedagógicas.
Hoje existem doutores, muito bem formados na pesquisa que não necessariamente têm
interesse em ensinar, eles têm interesse em fazer pesquisa, ensinam por obrigação, não se
envolvem. Eu fui um cara que vim pra faculdade com outra lógica, a de ensinar, não de fazer
pesquisa, porém acabei fazendo pesquisa, mesmo porque ela faz parte do processo de ensinar.
Então hoje eu faço pesquisa para manter atualizada minha lógica de ensino, mas eu não sou
pesquisador, eu falo que sou educador, eu faço pesquisa para manter minhas relações
educacionais em dia.
A universidade estimula o sujeito a ser pesquisador, e não necessariamente educador,
por isso que eu acho que as graduações estão cada vez piorando mais, embora você tenha
pessoas muito bem informadas com títulos de doutor, não necessariamente são esses que estão
dando aula, eles estão preocupados com suas próprias graduações, com suas formações, com
seus “papers”, com suas viagens, galgar cargos dentro da universidade, não necessariamente
preocupados com o ensino da graduação. Então por isso mesmo na escola pública, o ensino
está se empobrecendo, contraditoriamente a formação de qualidade do corpo docente, então
quando eu falo sobre minhas dificuldades hoje, não são com os acadêmicos e nem com os
médicos e sim com a forma como eu percebo o ensino dentro da graduação, com as colegas.
Participante 3
A Ordem Camiliana, fundada por São Camilo de Lellis em 1581, está no Brasil desde
1922. O objetivo específico da Ordem é o trabalho pastoral no campo da saúde,
principalmente junto à população pobre. Eis a história do meu envolvimento com a
Enfermagem.
148
Em 1954, um padre da província camiliana brasileira, antes de viajar para Roma,
perguntou-me e a outros dois companheiros, se aceitaríamos fazer o curso de Medicina. Nós
três aceitamos prontamente. No mesmo instante deu-nos ordem para que nos preparássemos
para o vestibular.
Um mês depois, o Padre Provincial voltou de Roma e, em reunião da comunidade
religiosa, nos disse que no Capítulo Geral se instituiu a preparação profissional dos religiosos
da Ordem Camiliana. Disse que os capitulares foram favoráveis à formação de enfermeiros e
administradores hospitalares, já que médicos já havia muitos no Brasil e acabou propondo que
ao invés de Medicina, fizéssemos o curso de Enfermagem. Dado os pesos das razões
colocadas, aceitamos as propostas. O primeiro a fazer o curso fui eu. Os outros foram
ingressando na escola anos depois.
Minha família, parentes e amigos não fizeram qualquer reparo pelo fato de eu estar
cursando Enfermagem. Eu mesmo nunca tive nenhum preconceito quanto a homem exercer
esta profissão. Devo lhe dizer que a minha preocupação era achar uma escola de bom padrão.
Foi quando médicos e amigos me indicaram a Escola de Enfermagem da Universidade de São
Paulo.
Acabei escolhendo esta escola pelas seguintes razões: era a mais próxima do bairro da
Pompéia, onde eu morava, e estava a uma quadra da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo. Também ficava ao lado do maior hospital da capital paulista, o Hospital das
Clínicas, tinha uma boa biblioteca e muitos recursos didáticos, além de dispor de professores
da Faculdade de Medicina para aulas médicas teóricas.
Ao ingressar na escola, confesso que no início me senti um pouco constrangido, por
ser o único homem entre mais de 50 mulheres. Mas logo me acostumei, porque me ajudavam
a quebrar o gelo. Havia dois alunos homens que estavam no segundo ano, e tinha as reuniões
da JUC (Juventude Universitária Católica), que reuniam estudantes de Enfermagem e
Medicina.
A formação proporcionada pelo curso de Enfermagem da nossa Escola era bastante
séria e as disciplinas eram muito pertinentes. Os conhecimentos aprendidos me levaram muito
também nas atividades do setor social e nas capelanias hospitalares que me foram destinadas.
Quanto ao relacionamento, as minhas relações com colegas de curso, professoras, professores
e médicos do hospital, funcionários, foram boas e sem dificuldades.
Tive um relacionamento especial com um grupo de médicos das equipes de Nossa
Senhora que fui conhecendo nos estágios. As aulas teóricas de Obstetrícia e Ginecologia,
assisti todas, mas em lugar de estágio dessas disciplinas, fiz o estágio de Administração de
149
Enfermagem e prolonguei os estágios de Saúde Pública e de Psiquiatria. Porém, fiz o estágio
de Prematuros e Berçário.
Em relação ao trabalho, nunca me faltou emprego. Logo que formado, fui convidado a
trabalhar na cidade do Rio de Janeiro, para fazer parte de um grupo de voluntários que estava
preparando a população moradora de favela da Praia do Pinto, que iria tomar posse de suas
novas casas em Vila Kennedy (1959). Terminada a transferência da população, retornei a São
Paulo para ajudar na organização do Hospital São Camilo da Vila Pompéia (1960).
Em 1961, fui convidado para assumir a Direção do Departamento de Saúde da
Conferência dos Religiosos do Brasil, no Rio de Janeiro, onde fiquei até 1970. Em 1971, me
enviaram à Macapá (AP) para organizar e administrar o Hospital São Camilo e São Luiz, que
acabaram de ser doados aos Camilianos por um industrial italiano.
Em 1972, fui trabalhar na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), nos
setores da Pastoral Social (Pastoral da Saúde, Pastoral do Menor, Pastoral das Migrações e
Pastoral Carcerária), onde permaneci até fins de 1979. Em dezembro de 1979, fiz um
trabalho de Saúde Pública, na localidade de Bom Sucesso (SC), para debelar uma infestação
de mosquitos “borrachudos”.
Em 1982, meus superiores pediram meu retorno às atividades da ordem, para trabalhar
na formação e educação dos Seminaristas: Iomerê – SC (1983-1984); Sinop – MT (1985-
1986); Pinhais – PR (1987-1998); Caçador – SC (1999-2008). Digo que a repercussão do
curso de Enfermagem me propiciou uma série de oportunidades. Posso dizer que foi para mim
uma “caixa de ferramentas” que proporcionou muitas facilidades. Sem Enfermagem, é
impossível uma Medicina humana e uma vida sadia. Espero que a EEUSP continue excelente
e preparando grande número de enfermeiros e enfermeiras.
Participante 4
A minha primeira opção era Medicina, como eu não tinha opção de fazer uma
faculdade privada, pois não poderia pagar a mensalidade, só poderia fazer USP. Meu pai era
operado, sempre estudei em escola pública, e também eu não consegui entrar em Medicina.
Um vizinho, que morava perto de casa e que era auxiliar de Enfermagem aqui no HC,
me indicou e perguntou porque eu não fazia Enfermagem. Ele me mostrou a escola (EEUSP),
eu pensava que Enfermagem fosse nível médio, e eu já tinha nível médio, foi então que ele me
disse que era curso superior, então no ano seguinte eu fiz o vestibular, entrei e fiz a faculdade.
150
A minha mãe já era falecida, meu pai não gostou muito da minha escolha, dizia que
era coisa de mulher, tinha essa visão. Eu fui explicando que não era assim, e com o tempo ele
foi compreendendo e foi vendo que realmente não era o que ele pensava.
Meus amigos também acharam estranho, mas expliquei que era uma profissão normal
como qualquer outra, também sempre quis trabalhar em hospital, trabalhar com doente, alguns
ainda achavam estranho, mais a maioria reagiu bem.
Algumas pessoas que não eram da faculdade olhava a gente de maneira diferente,
porque no ano que eu entrei, tinha eu e um colega que depois desistiu. Então fiquei único no
meio de 59 mulheres. As professoras davam a impressão de não gostar de ter homens aqui na
faculdade, olhavam a gente de uma maneira desconfiada.
Minha graduação foi difícil, pois em 1970 tive que trancar matrícula por motivos
monetários. Voltei em 1972. O curso foi bom, tive matérias boas sempre de acordo com o
curso, achei que tudo ocorreu naturalmente.
Entretanto, na época, no momento de realizar os estágios em Obstetrícia, as
professoras não queriam que nós, homens, fizéssemos estágio em Obstetrícia, elas queriam
que nos voltássemos a fazer estágio em Urologia. Nós batemos o pé, e naquela época a Escola
de Obstetrícia que era no HC, foi incorporada aqui na Enfermagem, e as professoras eram um
pouco mais abertas. Elas então lutaram e conseguimos fazer estágio em Obstetrícia lá no
amparo maternal, sala de parto, pois aqui no HC eles não permitiam que homens fizessem
estágio de Obstetrícia. Quer dizer, o médico obstétrico pode fazer e enfermeiro não podia.
Nunca tive dificuldades de conviver com as colegas, a gente se ajudava, inclusive no
primeiro ano, tínhamos uma pesquisa que precisávamos ler um livro em italiano, e por saber
um pouco de italiano, fiz a tradução para as colegas, então posso dizer que não houve
problemas.
Em relação à inserção no mercado de trabalho, naquela época era de praxe que quando
o pessoal se formava, a diretora de Enfermagem do HC vinha até à escola e fazia o convite
para que nós fôssemos trabalhar lá no HC. Eu aceitei o convite e fui trabalhar, queria ficar lá
só por pouco tempo e no fim fiquei por 25 anos, e estou com saudades agora que estou
aposentado.
Eu sempre gostei de trabalhar com o doente, já as professoras aqui da escola achavam
que nós enfermeiros deveríamos ser chefes de clínica. Nunca fui a favor, eu sempre gostei de
trabalhar diretamente com o doente, o máximo cheguei a encarregado, não quis aceitar chefia,
porque não gosto de trabalho burocrático.
151
Em relação aos médicos, os mais antigos, se achavam os todos poderosos e a
Enfermagem para eles era a ralé, então havia uma certa animosidade. Entretanto já com os
médicos mais novos que vinham se formando pela própria USP, já que a Faculdade de
Medicina é aqui em frente, já nos conheciam, então a relação foi ficando mais amável.
Conhecíamos muitos médicos e ficava cada vez mais fácil o contato.
Participante 5
Quando terminei o colégio, tinha primeiro a pretensão de fazer Medicina, tentei um
ano ou dois, e depois e busquei algo que tivesse próximo a isso, que eu pudesse me adaptar, e
que eu achasse que fosse adequado para fazer também. Tive então nesse ano como
primeira opção o curso de Enfermagem, prestei USP e PUC na época, entrei nas duas e
obviamente eu optei por fazer USP.
Em relação à escolha, não tive nenhuma dificuldade, nem com família, nem comigo,
nem com parentes, com ninguém, acho que foi uma coisa mais ou menos tranquila.
Quando entrei na USP, tínhamos três homens na sala que entrou naquele ano, éramos a
turma que mais tinha presença masculina e não tive dificuldades nesse sentido. A turma de
dois anos anteriores, possuía dois, a gente sequer conseguia montar um time de futebol, não
conseguia fazer nada nesse sentido.
O grande preconceito que existia na época era com a Enfermagem, muito mais do que
com o sexo, claro que sempre se tem alguma dificuldade nesse sentido, da própria origem da
Enfermagem, da busca, o preconceito em relação a ser homossexual por estar fazendo
Enfermagem. Em poucos lugares que eu tive estágio em que o pessoal tinha algum olhar
diferente, eu já conversava logo, e dizia que não era homossexual logo de cara, para evitar
qualquer tipo de diferenciação e se fosse não teria nada demais naquele contexto, isso
aconteceu na São Camilo, avisei logo a equipe de cirurgia.
Os funcionários nos tratavam muito bem, de uma maneira até diferenciada, até nos
protegiam um pouco, uma caminho facilitado. Fiz parte da comissão de graduação na época, e
tinha um bom relacionamento com a maioria das professoras e funcionárias, eu não entendo
que eu tenha tido dificuldades nesse sentido não.
Em relação as disciplinas, várias vezes eu achei bastante deficitário, não que seja ruim.
Depois que você sai da faculdade, trabalhando e conhecendo outras pessoas, outros colegas,
você percebe que nossa formação foi muito boa na verdade, comparativamente, mas em
vários momentos durante a graduação, muitas coisas ficaram para trás e muitas coisas
152
poderiam ter sido melhor exploradas, assim como a própria qualidade de alguns professores
da época.
Na época, um diretor da Medicina que vinha para Enfermagem, até que se formassem
mestres e doutores para poder assumir a direção da escola, e para isso muitas professoras
tiveram suas teses de uma maneira muito ruim, muito fraca, sem uma aplicação adequada, e
portanto a formação era um pouco deficitária pelo que a gente tinha de expectativa.
Outras professoras eram excelentes, tinham uma formação boa, algumas eram
autoritárias demais, como é a Enfermagem, outras, muito mais abertas e democráticas, mas
acho que de uma maneira geral foi razoável.
Fiz estágios de Ginecologia e Obstetrícia, e lembro que não era minha opção mas me
lembro muito bem que não se podia fazer habilitação em Obstetrícia, a faculdade proibia
homem de fazer. Então o médico podia fazer e se tornar obstetra e o enfermeiro não poderia
fazer essa habilitação. Não era minha opção de habilitação, mas se fosse eu teria brigado na
época, não sei se foi ou não corrigido, "se não é constrangedor para um médico, eu não vejo
porque seria para um enfermeiro", então eu fiz estágio de Obstetrícia, sem problema nenhum,
deixo essa ressalva.
Quando terminei o curso de graduação, eu fiz o curso de habilitação de Saúde Pública
em seguida e comecei no ano seguinte. Minha opção foi pela área de Saúde Pública desde o
início. Depois prestei um processo seletivo no município de Araraquara, fiz também
habilitação em docência, então terminei o curso de habilitação em Saúde Pública, em uma
sexta e comecei a trabalhar na segunda-feira em Araraquara.
Como enfermeiro já havia feito o serviço de municipalização dos serviços de saúde.
Uma colega e eu assumimos dois centros que estavam sendo formados, centros municipais.
Trabalhei lá por quase três anos, prestei concurso para o estado e fui aprovado, depois para os
antigos projetos de assistência integradas de saúde, vim para Rio Claro para assumir o centros
de saúde um do estado, foram todos sequenciais.
Trabalhava CLT, prestei concursos e virei estatutário, assumi dentro da secretaria do
município com cargo de diretor na parte de Vigilância, trabalhei um tempo. Após voltei a
trabalhar pelo Estado, eu sou concursado pelo Estado. Às vezes eu me afasto para trabalhar
nos municípios. Em Rio claro, eu acabei me afastando, depois de trabalhar um ano e meio
como diretor de vigilância, e passei a ser secretário municipal de saúde, fiquei de 1998 a 2004
como secretário municipal de saúde.
Terminando isso eu voltei para o Estado, fiquei como diretor de planejamento do DRS
de Piracicaba, assumindo às vezes, a direção do DRS substituindo a diretora. Fiquei por sete
153
anos, me afastei e fui para São Bernardo do Campo, assumindo um cargo de diretor de
vigilâncias, periódicos, sanitários, zoonoses, saúde do trabalhador e ambiental. Saí em
dezembro de 2013 para assumir a Secretaria de Saúde de Leme até fevereiro de 2014. Após,
me transferi para Jundiaí sendo subsecretário adjunto. Na verdade sem nenhuma interrupção,
nesses trabalhos, sempre saindo de um entrando no outro.
Na verdade, tenho gasto a maior parte do meu tempo em formação, trabalhei um
pouco como enfermeiro em Araraquara, em Rio Claro, e depois assumi mais a área de gestão,
ou como secretário ou como diretor, mas trabalhando mais como gestor de saúde.
Em relação aos médicos, sempre houve na verdade diferença em tudo, na relação, no
salário. Às vezes você tem uma relação melhor com profissionais médicos, me parece que
eles respeitam mais quando é homem enfermeiro, pelo menos a vivência que eu tive. Eu
nunca entendi que nós tínhamos que ter algum tipo de disputa com eles em termo de
conhecimento, em termos de conduta, mas sempre estava trabalhando no sentido que a gente
estivesse construindo um sistema de saúde que pudesse estar voltado para a população, com
técnica adequada, com humanidade.
Hoje está muito em moda a questão da humanização, como se não fôssemos humanos
para tratar, mas precisa ser trazido isso, às vezes alguns conflitos nesse sentido. Sempre
respeitoso, adequado, senti a diferença que tem no mercado, na valorização do profissional
médico em detrimento do profissional de Enfermagem, que tem um trabalho super
importante. Uma diferença grande no financeiro, que pra gente faz muita falta, e nos obriga
muitas vezes ter mais de um emprego para poder se manter e se a gente quiser ficar nessa
área. A grande dificuldade é que a remuneração é muito baixa para gente, mesmo quando
você está em um cargo de secretário de saúde que, antigamente era ocupado por médico.
Acho que os enfermeiros vêm ocupando um espaço muito grande, pois é um dos melhores
profissionais para estar na gestão do serviço público de saúde, por que tem uma visão ampla
da saúde.
Participante 6
Na minha época, na década de 60 para 70, a Enfermagem era opção de profissão
considerada para mulheres. Minha primeira opção era Medicina, educado num ambiente
familiar, filhos de imigrantes. Meus pais eram meeiros, pequenos agricultores. Então sempre
ele dizia pra mim “Filho, se você quiser desenvolver na vida, não é comprar sítio, nem
comprar fazenda, é estudar”, sempre ouvi isso. Morando em um sítio, de dez a doze
154
quilômetros de uma cidade, não só pela localização, mas também pelas condições
econômicas, na época era praticamente inviável. Cheguei a prestar algumas vezes o
vestibular, tentando o ingresso na Medicina da USP, só que fracassei. Na segunda
oportunidade, pensando melhor, fiz a opção pela Escola de Enfermagem da USP e consegui
um resultado bom, e quando me tornei acadêmico do curso superior de Enfermagem.
No que se refere a dificuldades, no caso em relação da adaptação ao curso e
preconceitos que não só a sociedade trazia, mas preciso ser muito sincero e honesto, dizer que
eu me sentia também um pouco preconceituoso em relação a isso, mas, com o decorrer do
curso, como sempre tive oportunidade de ocupar posição de destaque, sendo bastante
solicitado pelos colegas para o trabalho em conjunto, isso foi mudando.
Quando começou a aula prática, a confiança que eu percebia dos pacientes, tanto
crônicos ou pacientes cirúrgicos, e assim por diante, era uma coisa realmente apaixonante. No
segundo ano eu já me despi desse preconceito pessoal e dediquei profundamente aos estudos.
Em relação à minha família, eu lembro apenas uma irmã chegou a comentar que eu
estava fazendo uma profissão que era somente para mulheres, eu não lembro de ter refutado,
porque eu tinha um ponto de vista um pouco diferente. Agora quanto aos meus pais, aceitaram
muito bem, incentivaram, e praticamente, viram todo o meu desenvolvimento, inclusive
notava-se muito orgulho em ter um filho estudando na USP, então isso me fortificou bastante
para a conclusão do meu curso.
Ao me formar, tive a possibilidade de encarar um interior do estado de São Paulo,
onde muitos colegas e muitos profissionais chegaram a dizer que eu estava louco de voltar
para cá. E no fim eu desafiei e graças a Deus consegui também um destaque por décadas,
dentro da realidade, tanto do trabalho hospitalar, como no trabalho acadêmico, onde eu
desenvolvi nas cidades ao norte do Paraná, e Ourinhos, Marília, e Bauru.
Teve uma época, no auge da minha carreira, que eu cheguei a ser convidado para
proferir palestras em cidades distantes, onde jamais eu teria imaginado, participar em
atividades, em Araçatuba, Araraquara e assim por diante. Isso fez com que a minha profissão
se tornasse, assim, uma profissão gratificante, embora a profissão de enfermeiro sendo a
segunda opção na minha carreira, na minha vida.
Em relação às alunas e professoras foi bastante tranquilo, primeiro pelo fato de eu ser
nikkey, que já é por si só reservado, principalmente em seu comportamento social. Como o
curso era voltado mais para estudos, que exigia a dedicação, concentração, porque a exigência
da época era muito grande, o aluno tinha que saber, não era coisa assim de fingir que sabe
não.
155
Lembro de uma prova de Microbiologia que eu passei muito apuro, porque mesmo
estudando de uma forma muito relevante, eu consegui a nota mínima para passar, que dizer,
que a coisa assim não adiantava fingir que sabia, tinha que saber.
Em relação aos colegas, sempre fui respeitado, nunca tive problemas assim de
relacionamento, eu achei muito tranquilo, e mesmo em relação às professoras, eu observei na
época alguns preconceitos em relação a outros colegas. Comigo não, isso talvez pelo fato de
eu ser nikkey também, os professores sempre me ajudaram. Se eu citar alguns nomes, fica até
ingrato, mas eu não posso deixar de falar da Dra. Wanda de Aguiar Horta.
Esta professora, realmente posso dizer que ela pegou na minha mão para fazer o
primeiro curativo da minha vida, na aula de Fundamentos de Enfermagem. Então eu não
esqueço até hoje o quanto é importante essa dedicação, o carinho de um professor em relação
a um aluno, e eu jamais imaginei que um dia também seria um professor. E eu procurei fazer
exatamente da maneira que aprendi com a Dra. Wanda, lógico, nunca chego e nem chegarei
perto dela, pela grandeza que ela foi dentro da Enfermagem.
As disciplinas eram divididas, a parte profissionalizante ou básica era ministrada em
locais diferentes em relação a disciplinas da área de Enfermagem. Eu sempre me preocupei
com a fundamentação científica e o cuidado de Enfermagem, me preocupava tanto que um dia
eu lembro que a professora disse que eu não estava fazendo curso de Medicina e sim de
Enfermagem. Retruquei, dizendo que quem não sabe se fundamentar, vai cuidar de uma
forma prejudicada.
Sempre dei valor à parte da fundamentação científica para cada cuidado que o
enfermeiro ou a Enfermagem prestasse em relação àquele doente. Porque sempre me
preocupava era aquela visão de que o indivíduo aprenderia ou aperfeiçoaria não apenas
assistindo, mas fundamentando-se. Antigamente uma coisa empírica era válida, mas hoje não,
acredito que quanto mais fundamentado for a teoria em relação à parte científica, sairá
profissionais de melhor gabarito.
Os estágios voltados à Saúde da Mulher, os rapazes eram poupados de certas
atividades, e a meu ver, até com razão. Há procedimentos que não são desnecessários para a
formação do enfermeiro homem no caso. Porque eu lembro que eu fui dispensado de algumas
atividades que pudessem trazer constrangimento ao paciente ou ao aluno. Mas de forma geral,
o que era importante foi feito, aprendi a fazer parto, o pré-natal, observar quaisquer sinais ou
sintomas de anomalia, acredito que da maneira como foi oferecido o curso foi suficiente. E
isso é tão verdadeiro, que em todos os anos da minha profissão nunca senti falta de algum
156
conhecimento ligado à Obstetrícia, Ginecologia, que eu não pudesse resolver, então eu
acredito que foi bom.
Se Deus existiu, e existe, eu fui abençoado. Porque nesses 35 anos que eu trabalhei,
nunca pedi serviço, nunca precisei bater em uma instituição para pedir serviço, isso para mim
é uma benção de Deus. Sempre fui convidado, através dos colegas mais tarde, ou através de
outras pessoas que talvez longinquamente estivessem ali naquele momento. Portanto, nesta
vinda para interior do Estado de São Paulo, para mim não foi aventura.
Acabei atuando de uma forma completa na área de Educação e Saúde. Em termos
profissionais, de carteira assinada, cheguei a trabalhar no hospital, UTI, em escolas superiores
de renome, escolas de formação de nível técnico e principalmente, eu tenho conhecimento em
praticamente todo o Estado, pelas palestras que eu tenho proferido nesses longos anos.
Percebi assim a importância de um enfermeiro educador.
O enfermeiro é, acima de tudo, um educador, do que executor. Não podemos deixar
jamais de lado a parte da educação à saúde e só para você ter uma ideia, eu cheguei a fazer
mais de 600 palestras ao longo desses anos com certificado e tudo.
No final da década de 1970, nossa região não tinha enfermeiros, não existia um
trabalho em equipe, de interdependência entre profissionais, de profissional médico e
enfermeiro, porque maioria dos profissionais de Enfermagem, era auxiliar e atendentes de
Enfermagem, técnico nem existia. Porém, depois de uns 15 a 20 anos na região, eu comecei a
notar um trabalho bastante interessante, não só com intercomunicação, mas também com
interdependência, já criando serviços dentro do hospital, onde o enfermeiro era responsável
por uma função, diretor clínico responsável de outra função.
Assim, abriram portas para o reconhecimento e para também um trabalho integral.
Hoje já não vejo mais problemas. O médico já não consegue trabalhar sem enfermeiro e vice-
versa. Então essa interdependência é tão forte que não existe mais hospital que não tenha
diretoria de Enfermagem. Antigamente não existia nada disso. Então eu acredito que a
evolução fez com que o mercado mudasse bastante para melhor.
Hoje falo das coisas que eu fiz, até com bastante orgulho. Porque somente assim que
eu consegui chegar ao trabalho como eu cheguei. Então isso é gratificante.
157
Participante 7
Minha escolha pela Enfermagem ocorreu durante o serviço militar, tinha 18 anos,
fiquei quatro anos na aeronáutica. Durante um teste vocacional, foi então sugerido a área de
Enfermagem, fiz primeiro o curso de auxiliar de Enfermagem em Guaratinguetá, na Escola de
Sargento da Aeronáutica. No decorrer do técnico, tive a oportunidade de ver como funcionava
o serviço, os hospitais e unidades básicas de saúde, isso atendendo aos militares.
Foi uma coisa natural, ao me formar eu fui promovido a cabo. No ano seguinte eu
prestei o vestibular e passei, acabou sendo a primeira escolha por buscar um encaminhamento
profissional, por já ser auxiliar de Enfermagem eu queria fazer a faculdade, ser enfermeiro
para mim era uma ascensão. Tive dificuldades em relação a passar, pois meu colegial era
voltado para ensino técnico, para instrumentos eletroeletrônicos, então precisei fazer cursinho,
acabei sendo beneficiado porque a aeronáutica tinha um convênio com o Colégio Objetivo
que fazia o preparatório para o vestibular.
Fiz o cursinho, passei na Escola de Enfermagem da USP como primeira opção, passei
também em Ribeirão Preto e em outras quatro faculdades como a FZL (Faculdades da Zona
Leste), PUC, UNISA e em outra que não lembro o nome, optei em fazer na Escola de
Enfermagem da USP pela própria referência da faculdade.
Da minha família, eu fui o único que fui para o lado da saúde, era o filho caçula e fui o
primeiro que me formei em relação aos meus irmãos mais velhos, e aos meus primos. Mesmo
assim, a dificuldade em relação à família, amigos e parentes, foi maior em relação ao motivo,
porque fazer faculdade de Enfermagem, na visão deles, era tido como uma atividade
subalterna, uma atividade técnica. Sempre questionavam porque eu não fazia uma faculdade
de outra formação de outra carreira que fosse mais voltado a essa minha capacidade, já que eu
tinha condições de passar na USP porque não escolher outra carreira, foi minha maior
dificuldade.
Por eu já conhecer a profissão e os papéis do técnico, auxiliar e enfermeiros da época,
isso facilitou bastante o meu encaminhamento dentro do curso. Foi uma escolha consciente,
voltada também para a questão de Obstetrícia, acreditava no início que eu poderia ao me
formar optar pelo ramo da Obstetrícia, tanto que quando se escolhia a carreira vinha como
Enfermagem e Obstetrícia. Quando você se formava, no diploma já vinha como enfermeiro e
obstetra, então se eu quiser trabalhar em obstetrícia, eu tenho o diploma correspondente nisso,
imagino que era uma característica dos diplomas nos anos 80.
158
Eu vinha de dois universos distintos, e isso foi interessante. Na aeronáutica nós éramos
80 alunos na classe e todos homens, na aeronáutica o quadro de Enfermagem era 100%
masculino, não existia técnica e auxiliares mulheres, porque nessa época o serviço militar não
entrava mulher. A única mulher que tinha era uma professora, que tinha a patente equiparada
ao cargo de capitão, e todos os outros enfermeiros que eram subordinados a ela e eram civis.
Então saia de um universo 100% masculino para um universo praticamente 100%
feminino. Foi um impacto muito grande, pois na lista de aprovados constava o meu nome e de
mais dois numa classe de 80 alunos, então éramos três homens numa classe com mais 77
mulheres. Outro fato interessante nessa época também, que na faculdade não havia nenhum
enfermeiro professor, todas eram mulheres da área da Enfermagem no campos de pinheiros, já
na Cidade Universitária, nas aulas de anatomia, bioquímica, fisiologia, entre outras, os
professores eram homens.
Não chegou a ser problema, mas causava algum desconforto, porque na faculdade,
tudo que se referia a alguma coisa que fosse do gênero masculino, a gente era colocado em
evidência e destaque. Nas aulas, a gente não conseguia passar despercebido, se uma colega
faltava, outra pessoa assinava a lista para ela e isso passava com tranquilidade, mas, já para
mim isso nunca aconteceu, tanto que os outros dois colegas frequentaram o primeiro ano com
muita irregularidade, já estando no ano seguinte em “DP”, e eu carregue do segundo ano até a
formação sempre sozinho, e isso era sempre relembrado.
Uma característica interessante é que todas as professoras sempre se referiam as alunas
como enfermeiras, “nós enfermeiras...”, e depois me olhavam e se corrigiam: “nós
enfermeiros” e isso foi uma característica muito típica, mas isso não chegou a ser problema. O
interessante é que com o contato com muitas mulheres, a gente passa a encarar o
mundo/universo feminino com um outro olhar, o que é bem diferente de trabalhar só com
homens, então eu vivi essa dicotomia.
Durante a faculdade, continuei trabalhando na aeronáutica, eu continuei sendo militar.
Estudava durante a semana e dava plantão ao sábados e domingos fazendo 36 horas seguidas.
Entrava no sábado as 7 da manhã e saía no domingo as 19 horas. O outro técnico ficava de
segunda a sexta e folgava de final de semana. Com isso a gente convivia com essa dicotomia,
durante a semana 100% contato feminino e no final de semana 100% contato masculino. Não
chegou a ser problema consegui me relacionar bem com os dois grupos.
Nunca tive problemas de relação com as professoras, distinção ou segregação, nunca
fui colocado de lado, ou retirada da sala para fazer um exame físico, não aconteceu em
nenhum momento no campo de estágio. Também nunca tive problema, pelo fato de ser
159
homem. As colegas inclusive solicitavam sempre que eu participasse exatamente para ter o
meio termo, principalmente quando envolviam pacientes homens, então elas gostavam sempre
que eu ficasse participando.
Acabava sempre bastante solicitado para ajudar nos procedimentos pelas colegas,
provavelmente pelo fato de ter trabalhado em hospital e ter experiência como técnico de
Enfermagem. Acabava sendo tratado de uma forma diferenciada pelo fato de ser homem e
isso me gerou muitas oportunidades de aprendizado.
Não tive problemas em realizar estágios de ginecologia e obstetrícia no amparo
maternal, realizei, na época, em trono de 17 partos, foi uma oportunidade muito boa que eu
tive, sendo este um campo de estágio muito acessível. Um grupo de alunas e eu
frequentávamos o campo de estágio fora do horário de estágio normal. Saiamos da faculdade
às 17h e ficávamos no Amparo Maternal até às 22 horas ajudando as enfermeiras e os técnicos
nos partos.
Nessa época era muito comum o parto ser feito pelos técnicos ou pelas parteiras que
não tinham formação, ajudávamos muito e tínhamos a oportunidade de fazer os partos. Hoje é
impensável o aluno fazer o estágio sem o enfermeiro ou professor junto, mas na época era
usual, tanto que muitos alunos da faculdade arrumavam empregos à noite como auxiliar de
Enfermagem sem ter COREN, só pelo fato de estar estudando.
Hoje é impossível porque a legislação não permite, mas na época no início da década
de 1980 era usual, inclusive boa parte das minhas colegas, trabalhavam como auxiliar de
Enfermagem no próprio no Hospital Universitário sem registro de COREN. De manhã cedo
as professoras da escola carimbavam todos os procedimentos que elas faziam, porque elas
davam plantão a noite, 12 horas por 36 horas, das 19 às 7 da manhã e a gente iniciava os
estágios as 7 da manhã em pediatria ou centro cirúrgico, e as próprias professoras da
faculdade acabavam chancelando todos os registros, os cuidados que elas acabavam
desempenhando durante a noite. Uma coisa que hoje é impensável, a legislação nossa não vai
por esse caminho. Na época era mais flexível.
As disciplinas eram bastante consistentes, e a grade curricular era bastante grande,
uma coisa interessante da época era o conceito da interdisciplinaridade. Nós fazíamos muitas
disciplinas com outras graduações, como a odontologia, nutrição e a medicina. Eram classes
muito grandes, que eles aproveitavam e juntavam de 2 a 3 cursos, sendo todas as disciplinas
do tronca básico até o segundo ano.
Já a partir do 3º ano, íamos para a parte de doenças infecto contagiosas no Emilio
Ribas e ficávamos um semestre, em obstetrícia no amparo maternal e ficávamos outro
160
semestre, administração, pediatria, saúde mental e ficava de uma a duas disciplinas por
semestre. Acabei achando que era uma carga excessiva para assuntos que acabavam sendo
repetidos, poderiam ser ampliados um pouco mais para vemos outras coisas. O estudo era
bastante sério, bastante consistente, mas com uma carga teórica muito intensa. Isso parecia ser
na época uma característica do curso, muito teórico com poucas oportunidades práticas de
aprendizado.
Muitas colegas se formaram sem saber fazer uma série de procedimentos, pois durante
a graduação não tiveram oportunidade. Eu tive devido meu serviço, fazia punção venosa,
sondagem vesical, curativos, passagem de sonda naso enteral, tudo isso com muita destreza
porque tinha isso na minha pratica profissional, as alunas que só estudavam tinham poucas
oportunidades.
Percebi durante a vida profissional, que isso facilitou muito minha vida na hora de
fazer a gestão de equipe. Se você não sabe como se faz um cuidado, fica muito difícil você
gerenciar uma equipe para fazer o cuidado. Isso causou em algumas pessoas um impacto
muito grande na hora de se inserirem no mercado de trabalho como enfermeiras.
Minha inserção no mercado de trabalho foi fácil, pois quando me formei, o mercado
estava muito positivo em relação a contratação, bastante receptivo, tinha uma absorção muito
grande de profissionais, então não tive problemas de dificuldades de trabalhar. Durante a
graduação eu fiz um estágio curricular no Metro, tanto que me formei e quando surgiu a vaga
eu entrei. O fato de ser homem, a meu ver, sempre facilitou a inserção, tanto que quando eu
entregava currículo, as pessoas já me chamavam para trabalhar, recusei vários serviços e hoje
até me arrependo, porque na época eu achava que essas oportunidades me fizeram ficar um
pouco mais leniente em relação ao trabalho. Eu poderia não me preocupar muito porque eu
sabia que o mercado me absorveria.
Na formatura que ocorreu no Palácio do Governo Estado, do lado do Hospital Albert
Einstein, alguns amigos falaram que iam entregar currículo lá porque ele contrata muito
facilmente quem sai da USP, eu pensei nisso e depois fui trabalhar no Einstein em 1996.
Lembro também que o Oswaldo Cruz era um hospital que era campo de estágio para gente, e
a Gerente de Enfermagem que era uma pessoa muito conhecia, Dona Loren Marques me disse
na hora que eu estava acabando o estágio, que quando eu me formasse para ir lá que eles me
contratariam, um convite, e acho que essas facilidades existiam pelo fato de ser homem numa
classe estritamente feminina, então o fato de ser homem ajudou bastante a inserção no
mercado de trabalho, não prejudicou pelo menos, e hoje eu não consigo ver essa facilidade.
161
Minha relação com os médicos foi muito interessante, muitas vezes os próprios
médicos me tratavam como se eu fosse médico, eles chegavam ao plantão, começavam
conversar, discutir caso, e depois perguntavam minha especialidade, e eu respondia que era
enfermeiro, eles achavam que eu era colega, que era médico, sempre foi muito positiva. Para
alguns médicos, em algumas situações causava um pouco de estranheza, o fato de lidar o
enfermeiro homem.
Uma oportunidade em sala de aula, quando eu ia dar aula na pós-graduação, na São
Camilo, sempre me apresentava como professor, e ia ministrar determinadas disciplinas,
falava da questão de ser enfermeiro, e alguns deles não entendiam isso, vinham me questionar
qual era minha formação, algum falavam que eu não parecia enfermeiro, porque eles tinham a
visão do enfermeiro como um técnico, do enfermeiro como um auxiliar de Enfermagem.
Acabava tendo isso em questão.
Tive alguns embates com os médicos de tentarem fazer algumas inserções, alguns
tipos de tratamento que eles julgavam ser normal para com as mulheres e comigo impactava,
então tive alguns atritos bastante interessantes na vida. Eles chegavam e queriam fazer alguma
coisa, eu dizia que não dava para fazer devido a algum motivo, eles diziam que estavam
mandando e eu falava que não estava mandando nada porque eu não era subordinado deles.
Percebo que os médicos só tinham como ainda tem, não só a questão de tentar
dominar tecnicamente, mas também tem uma questão de gênero, que não é só uma relação de
homem e mulher, que na cultura que nós vivemos ou a vinte anos atrás era mais intenso, a
mulher se subordinava mais a questão masculina, uma questão mais de machismo do que
trabalhar na assistência. Percebi que alguns embates foram criados justamente por isso,
achavam que pelo fato de eu ser enfermeiro eu me subordinaria, e eu não me subordinava, daí
acontecia alguns atritos.
Mas com muitos outros me relacionava muito bem, percebia que com aqueles que
estavam preocupados com a assistência e fazer um bom trabalho, a gente conseguia fazer uma
atividade paralela sem nenhum prejuízo.
Depois de um tempo na profissão, fui para a área academia, até para ter uma melhor
aceitação no meu grupo social, isso facilitava explicar o que eu fazia, era professor de
Enfermagem em Universidade, já que alguns tinham dificuldade de entender o que o
enfermeiro fazia, não precisava mais ficar explicando. Se hoje é difícil explicar qual é o papel
do enfermeiro, 30 anos atrás era mais difícil.
162
Para mim e para minha família, isso foi considerada uma ascensão, uma melhoria na
minha qualidade de vida, tanto fazer Enfermagem como ser professor, e em alguns momentos
na gestão, sendo administrador de alguns Hospitais.
Participante 8
Referente à escolha, eu tinha um desejo muito grande por fazer duas atividades, unir a
parte de Enfermagem junto atividades de Engenharia, e na época não existia esse curso, você
tinha que ter uma formação na área Médica e uma formação na parte de Engenharia. Tive a
opção de fazer Biomedicina ou fazer Enfermagem, mas a Biomedicina não me dava o contato
com o paciente, não me dava todo o conhecimento que eu esperava, por isso escolhi fazer
Enfermagem.
Fiz também Física para poder entender da parte de Engenharia, porque a Faculdade de
Física me dava acesso às optativas da Poli (politécnica da USP), quando eu tive essa ideia foi
muito boa, mas na prática, não deu certo porque veio a questão de jubilamento, a limitação de
44 créditos. O mais importante para mim era terminar a faculdade de Enfermagem porque ter
o restante não me habilitaria em entender essa parte essencial, eu poderia fazer em outro
momento. Eu segui, terminei o curso de Enfermagem, essa foi minha opção, não foi difícil
para eu escolher.
Meu pai era médico e eu não tive nenhuma dificuldade com isso, posso dizer que na
época em que fiz a escolha, as pessoas achavam meio esquisito no meu grupo de amigos,
perguntavam se era curso superior, se era o tal "enfermeiro padrão", para facilitar eu dizia que
era o padrão, não tive dificuldade com isso. Na minha casa fui bem aceito pela família, em
algumas áreas sociais, talvez. O fato de estar fazendo Enfermagem era pouco colocado, mais
tinha sim um preconceito muito grande em relação à masculinidade, mas também isso nunca
me afetou, ou preocupou, foi natural.
O relacionamento com as colegas e professoras foi tranquilo, não tive nenhuma
dificuldade, na verdade assim, pode ser até jocoso, eu era considerado uma mulher entre as
meninas. Como eu era o único homem da turma, várias coisas que em uma universidade, as
mulheres são mais recatadas, eu era tido como parte integrante do grupo, nunca tive nenhuma
dificuldade ou nenhum tipo de segregação, nada, nem com professor, nesse sentido muito
bem, correu tudo muito bem.
Do ponto de vista de formação, a escola cumpriu com o objetivo dela, apesar de eu
discordar de algumas coisas, mas aquilo que ela propôs de formação, ela forneceu. A escola
163
ofertou bons estágios, certos hospitais, formação, então tudo isso foi determinado. Eu
questionava um pouco a limitação que era apresentada somente para a área assistencial, pois
gostava de cuidados na área da alta complexidade e não era muito bem-vindo isso na escola,
foi por isso que sentia um pouco de dificuldade. Naquela época, a onda ou a moda do
momento era Saúde Pública, era o forte da escola, então não fazia parte da área nobre da
escola, digamos, que eu estava fazendo uma parte que não era muito bem requerida.
Sobre os estágios, acho que a minha exposição à Ginecologia e Obstetrícia, Doença
Sexualmente Transmissível, nunca tive nenhum tratamento, nenhuma limitação por ser
homem. Fomos para o Amparo Maternal, que pertencia à Paulista (UNIFESP), na época
tivemos acesso, fiz parto, tive atividade, nunca tive nenhuma segregação por ser do sexo
masculino, a escola me atendeu nisso, esse problema não tive.
Já estava inserido no mercado de trabalho mesmo durante a escola. Uma colega de
turma e eu tivemos a sorte de pedir um estágio no Hospital Oswaldo Cruz, na Terapia
Intensiva e sermos aceitos. Fizemos a função do que seria de um auxiliar de Enfermagem na
época, de um técnico para terapia intensiva. Como já era auxiliar de Enfermagem antes de
entrar na faculdade de Enfermagem, isso me habilitava a trabalhar como técnico, e se criou o
estágio remunerado pelo CIEE (Centro Integrado de Ensino Escola).
Conversamos com a Dona Loren, gerente geral de Enfermagem do Hospital Oswaldo
Cruz da época, que nos liberou a estagiar na Terapia Intensiva. Fizemos algumas provas,
fomos avaliados pelos professores da escola, e por eu já ser auxiliar de Enfermagem,
juridicamente, eu podia exercer a profissão como tal. Foi nos dado a chance, sendo assim
valioso, ou seja, durante a escola toda, eu tive a oportunidade de trabalhar.
Quando terminei a escola, basicamente eu tinha convites para trabalhar, fui direto para
o INCOR. Também teve um hospital que me convidou, chamava-se Unicor, que acabou
falindo e fechou, mas eu já tinha emprego, já tinha na verdade, três ou quatro empregos em
Terapia Intensiva quando eu me formei, que eu poderia trabalhar, mas isso se deve não à
grande demanda de mercado, mas sim pela minha inserção que já vinha de três anos
anteriores lidando, conhecendo as pessoas, tendo contato com chefes de serviços. Eu era um
eterno estagiário, quando terminei a escola, basicamente, eu estava colocado no emprego.
Nem fiquei desempregado, eu já saí do estágio, e já tinha convite para trabalhar, inclusive no
próprio Oswaldo Cruz. Trabalhei na Dersa, eu já trabalhava em Pronto Socorro, trabalhei na
UTI.
A relação de médicos e enfermeiros era muito boa, eu lidava com muitos. Como
estagiário era muito positiva, e na Terapia Intensiva na atuação do enfermeiro tem grande
164
respeito, considerando a observação, a análise, participação de visita, conduta, era uma equipe
de verdade, qualquer coisa que ponha em risco a vida, atuação nossa é íntima com o médico,
parada cardíaca, em urgência, medicação rápida, as condutas todas requerem uma habilidade,
tínhamos um valor muito grande. Atentávamos a todo sinal e sintoma alterado, alguma
indicação de complicação, arritmia, tudo acontecia, se tinha um grande respeito da parte
médica, mas acho também que fazíamos por merecer, porque o time era muito bem preparado,
éramos cobrados pelo conhecimento.
Nunca tive privilégio por ser homem, ou mesmo acho que nenhuma das colegas de
trabalho teve diferença de tratamento por ser mulher. Nunca percebi isso no grupo em que eu
convivi.
Acabei fazendo carreira na indústria, e todo o conhecimento que possuía, tinha um
valor inestimável para a indústria, acho que podia contribuir muito, principalmente do ponto
de vista de terapia intensiva, existia uma infinidade de empresas que davam valor
extraordinário ao meu conhecimento, área de prótese, na área de cirurgia, na área de
equipamentos de monitorização, no desenvolvimento de respiradores e ventiladores que
existiam, toda a parte de monitorização, existia na terapia intensiva, e consequentemente, toda
a área de equipamentos na área médica.
Existia uma infinidade de oportunidade para eu fazer, então eu vi assim um mundo
totalmente novo para eu atuar a qual a escola não me deu, uma consequência, e eu tinha um
respeito muito grande como profissional, que eu era o elo de contato com a área comercial e a
necessidade do médico, a utilidade do produto, então isso dava para mim uma posição de
destaque, na operação dentro da companhia, isso acabou fazendo minha carreira mudar um
pouco de atividade.
Eu não deixei mesmo quando eu fui trabalhar, comecei minha carreira na Johnson &
Johnson, continuava dando meu plantão de domingo, continuava fazendo atendimento no
Pronto Socorro, e mesmo depois que parei de trabalhar nisso, eu fui fazer trabalho voluntário
na mesma atuação, foram atividades que acho mais fáceis, atividades de resgate, coisas assim
que me sentia muito útil fazendo.
Eu diria que na maioria dos países que eu tive de oportunidade fora do Brasil, ela tem
um destaque maior que ela tem no Brasil, em termo de valorização monetária, de valor na
sociedade, é umas das profissões mais bem respeitadas em vários países, acima do médico
para você ter uma ideia, na relação familiar, uma coisa muito importante, ou seja, ela é
reconhecida socialmente, como algo de valor, não é uma segunda profissão.
165
Participante 9
Minha opção pela Enfermagem foi inusitada, apesar da pouca idade, desde a
adolescência sempre tive interesse pela política. Levado por colegas, amigos e alguns primos,
e na época morando no interior, fazia parte do movimento de resistência contra a ditadura
militar.
Além do meu gosto pessoal e uma tendência pela profissão, tinha o fato de que
acreditávamos na época, que um dia, nós iríamos partir para uma guerrilha, uma revolução, e
haveria necessidade de um pessoal de Enfermagem ligado ao movimento político, então daí a
escolha. Deixei de lado na época outras profissões como Agronomia, até Odontologia que
poderia ser outra opção relacionada à saúde, e optei pela profissão de Enfermagem que
poderia ser útil até para o movimento da época.
A reação de parentes, amigos e conhecidos que não tinha relação com a parte política
foi boa. Meu pai não entendia de jeito nenhum, porque eu viria de tão longe para estudar
Enfermagem aqui na USP, sendo que ele poderia me ajudar a fazer um curso perto de casa
como Odontologia em Araraquara ou Agronomia em Jaboticabal. Não foi uma reação muito
boa, perguntava porque não Medicina, sendo que ele ajudaria mesmo fazendo muito esforço,
não éramos ricos e sim de classe médica baixa. Meu pai era marceneiro, com uma pequena
fábrica de móveis, se propunha até fazer um esforço extra, desde que eu fosse médico, esse
transtorno durante um bom tempo até haver essa aceitação. Perguntou-me até na véspera se eu
ia mesmo, eu já havia prestado e passado, então disse que sim.
Inicialmente fiquei alojado na casa de um parente, depois passei para uma pensão nas
ruas próximas da faculdade, fiquei alguns meses. Alguns amigos, após o colegial, ficaram no
meu município de origem para fazer o tiro de guerra. Quando terminaram, vieram para São
Paulo e montamos uma república próxima a Universidade Mackenzie. Teve um período longo
que morei clandestinamente no "subsolo" da faculdade, nessa época nem as moças moravam
mais lá, foi quando cancelaram o internato. Ficávamos em torno de cinco a seis alunos,
alguns por problemas financeiros e outros por comodidade, pois alguns moravam muito longe
e tinham dificuldade de chegar sete horas, aliás, sete horas já ter passado na faculdade e estar
dentro do Hospital das Clínicas. Ficava muito mais fácil estar lá do que fazer uma viagem,
entretanto tinham alguns transtornos como entrar e sair à noite disfarçadamente, a faculdade
fechava às 22 horas, então umas 20 horas a 20 horas e meia, nós apagávamos todas as luzes e
ficávamos lá embaixo no escuro, tinha suas complicações.
166
Com relação a ser homem na Enfermagem, teve alguns problemas. Às vezes, você era
olhado até com desconfiança a respeito da masculinidade, tinha essa visão preconceituosa.
Apesar de hoje as condições serem muito melhor que antigamente, nunca houve nada grave,
dava para levar numa boa, nada que atrapalhou o curso. Muitas brincadeiras pelos
engraçadinhos da Medicina, que se achavam semideuses, às vezes tinham algumas
brincadeiras de mau gosto, mas nada que não desse para suportar.
A relação com as colegas e professoras era bem normal, particularmente não tive
problema nenhum, nada que pudesse interferir no relacionamento. Era visto até com
satisfação, muitas veteranas ficaram muito contentes, diziam que precisava entrar mais alunos
homens, as professoras mais novas apoiavam muito, já as antigas viam com certa reserva.
Minhas amigas, principalmente as japonesas, pegavam no pé para estudar mais, e
acabei passando. Na realidade tive uma única dependência durante o curso todo, que foi de
Estatística, a aula era de sábado e na época, na república em que eu morava tinha um amigo
que levava o pessoal para fazer festa e eu acabava perdendo a hora da aula. Fiz o curso no
tempo certo e tive muita dificuldade nas matérias básicas, pois não fiz cursinho, passei direto.
Meu colegial do interior era do Estado e razoavelmente muito bom e muita coisa que o
pessoal tinha visto no cursinho, eu não tinha visto, principalmente as matérias ligadas à
Química, como Microbiologia e Bioquímica, tive que correr atrás. Mesmo assim eu consegui
passar o primeiro semestre sem levar nenhuma dependência, todas as matérias básicas eu
consegui pelo menos a nota mínima.
Com relação às professoras, respeito muito, admiro, acho que uma delas foi das
maiores enfermeiras que o Brasil já teve, a Dra. Wanda, na época, responsável pela cadeira de
fundamentos. Entretanto, acho até que pelo regime ser militar, nós éramos aproveitados como
mão de obra, está certo que a gente fazia uma faculdade pública, de graça, sem pagar nada,
mas também era usado como mão de obra no Hospital das Clínicas.
Acho que para você aprender a arrumar uma cama, você não precisaria ficar de 4 a 6
meses arrumando cama numa clínica ou dando banho no leito, poderia aproveitar esse tempo
longo com outras preocupações, que levasse a um aprendizado mais científico. A justificativa
é que, para você saber mandar, você precisa saber fazer, mas a partir de um momento que
você arruma uma cama e dá um banho de leito duas a três vezes, você não precisaria ficar sua
vida inteira fazendo isso.
O resto das disciplinas foram muito bem oferecidas, tivemos o privilégio de fazer
Microbiologia e Histologia na Faculdade de Odontologia na cidade universitária, fizemos
bioquímica na Faculdade de Química, Fisiologia e outra disciplina que não me lembro com a
167
turma de Medicina experimental. Antigamente a Faculdade de Medicina tinha dois cursos, o
tradicional e o experimental que depois foi instinto, então fazíamos o curso sentado lado a
lado com os estudantes de Medicina, o que era passado para eles de Fisiologia, era passado
para nós, era um aprendizado bem puxado, considero bem pertinente, foi muito bom.
As disciplinas profissionalizantes, da parte de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica,
foram boas mesmo. Na época de estudante, não valorizava isso, fui valorizar depois que caí
no mercado de trabalho e trabalhando junto com outros profissionais percebi o quanto
sabíamos mais que outros profissionais de outras faculdades. Percebia quando vinham me
perguntar coisas que eu achava elementar, não sabia como conseguiam se formar sem saber
coisas básicas, por isso acho que minha formação foi boa.
Para conseguir trabalho, bastei simplesmente atravessar a rua e ir trabalhar no Hospital
das Clínicas. A princípio, apesar de eu ter feito habilitação em Saúde Pública, a minha opção
no HC era para Clínica Cirúrgica e Queimados, entretanto, no primeiro dia me colocaram em
uma sala com um monte de livros para fazer não lembro o quê. Então depois eu pulei fora,
pois vi que era um trabalho completamente burocrático.
Conversei com a diretora da Psiquiatria do HC, que desde a época dos estágios já me
conhecia e convidava. Então, no dia seguinte, comecei a trabalhar na Psiquiatria do HC.
Recentemente lá, levei um susto quando precisei ver papelada de aposentadoria e ver a
diferença de como era antigamente. Era uma masmorra, era bem feio, bem precário e como
está hoje.
Minha relação com os médicos sempre foi boa na parte profissional, muito boa na
verdade, até por se tratar de um Hospital Universitário, conhecia muitos dos médicos que
estavam lá, eram residentes na época em que fazia estágio há um ou dois anos. Com os
médicos mais graduados, também era muito boa, tanto que um professor de renome me tirou
do Hospital das Clínicas para ser enfermeiro chefe e posteriormente diretor do Sanatório Bela
Vista, pois ele tratava seus pacientes particulares lá.
Participante 10
A família do meu pai construiu um prédio em uma cidade do interior de São Paulo de
três andares. No primeiro andar morava a mãe do meu pai, e na época, ela foi diagnosticada
com arteriosclerose. Minha mãe cuidava da minha avó paterna, e eu ajudava, estava com 16 a
17 anos. Minha avó precisava de ajuda para se alimentar, estava confusa, se trancava no
banheiro e em alguns momentos não conseguia sair da cama.
168
Quando o quadro foi se deteriorando, houve a necessidade de fazer os cuidados no
leito, eu ajudava minha mãe, aquilo foi chamando minha atenção, o ato de cuidar de alguém.
Achava bonito essa entrega, de trabalhar com alguém num cuidado que tinha toque, que supre
as necessidades. Quando minha avó morreu, vieram morar os pais da minha mãe, e meu avô
teve fogo selvagem, uma doença rara a qual ele possuía várias bolhas no corpo, também
precisava de ajuda devido à confusão, recebia morfina, dar os remédios nos horários certos, eu
comecei a gostar dessa rotina.
No cursinho, peguei o guia do estudante, e vi qual era a carreira que fazia esse cuidado
que eu gosto e me identifiquei com a Enfermagem, pois falava que era um cuidado das
pessoas, indivíduos, família e da comunidade. Na semana seguinte teve um teste vocacional
no cursinho, eu fiz e deu primeiro lugar Enfermagem, então optei, ali não tive dúvida que eu
queria ser enfermeiro.
A reação da família, considerando pai e mãe, foi muito negativa. Eu tenho uma prima
que é bióloga, até professora da USP, fez o mestrado e doutorado fora. Eles queriam que eu
fosse igual à minha prima, biólogo, que fizesse o mestrado e o doutorado fora. Biologia está
dentro da Enfermagem, só que nós não entramos em áreas como Botânica, falei com minha
mãe que planta não era comigo, tive um cacto que morreu seco. Queria uma profissão na área
de biológicas, em saúde, pois queria cuidar de pessoas, sabia disso muito forte. Começou
então aquele questionamento: porque não Medicina. Eu respondia que Medicina não cuida, na
minha visão naquela época, coloquei dessa forma.
Em relação aos amigos, éramos todos do interior de São Paulo. Viemos para capital e
fui o único a escolher Saúde, meus amigos escolheram Jornalismo, Arquitetura e Moda.
Começaram com uma história sobre o porquê escolhi uma profissão que ninguém conhece e
falavam que quando eu me formar, não poderíamos mais ser amigo porque eu trabalharia de
final de semana. Eu respondi prontamente que agora eles já conheciam, pois eu havia entrado
e brinquei dizendo que todos iríamos trabalhar no final de semana no primeiro emprego, um
varando a noite de sábado fazendo móveis planejados que tem que entregar na segunda, outro
iria passar sábado e domingo de plantão, fumando como um louco esperando uma notícia lá
na redação sábado e domingo à noite.
Fui mostrando para eles que recém-formado em qualquer profissão vai trabalhar em
final de semana. Ainda brincava com eles dizendo que iríamos nos encontrar no hospital, já
que todos fumavam e continuariam fumando, chegando infartados no hospital e eu os
recepcionaria. Já os demais parentes agiram com muito estranhamento, achavam que tinha
escolhido essa profissão para sair de casa e mudar para São Paulo. Disse que não, escolhi essa
169
profissão porque eu quero essa profissão, então a reação da família, amigos e parentes foi
muito difícil. Essa grande aversão do início foi suavizando com o tempo, não na graduação,
somente após.
Chegou um determinado momento que impus um limite, porque ninguém falava que
"Eu" fazia Enfermagem na USP, todos falavam que fazia USP. Até o dia que eu conversei
com meus amigos e com minha família e disse: "se vocês têm orgulho de ter um filho ou
amigo aluno da USP, eu também tenho orgulho, mas USP não é profissão, não vou ser
Uspólogo, eu vou ser enfermeiro, então tem que colocar qual é a profissão que eu estou
falando, que eu estou fazendo Enfermagem na USP, porque se falta a profissão, eu sou o quê,
estudante?".
Naquele momento percebi que as pessoas entenderam que eu tinha o sentimento
também de tristeza por eles não aceitarem, por que era minha profissão. Por várias vezes eu
conversei com meus pais, "de quem é a profissão, quem é que vai trabalhar, sou eu ou são
vocês? Se vocês acham que eu tenho que fazer Medicina porque vocês querem, façam vocês
Medicina, eu quero fazer Enfermagem". Aos poucos eles foram entendendo, até que as
cobranças amenizaram, mas o aceitar veio só depois de formado.
Em relação em ser homem na Enfermagem, não tive dificuldade, mas foi estranho
porque era muita mulher, mas não senti que teve uma barreira dos pares. Foi interessante
porque acabava tendo um destaque, sempre muito brincalhão, muito extrovertido, fui fazendo
amizade, e até que foi bom porque faz bem para o ego, todo mundo te conhece, todo mundo
sabe quem é você pelo nome. Hoje pego o álbum de formandos e tem gente que eu não
lembro o nome, mas todo mundo lembra o meu provavelmente.
As professoras, algumas, eu senti um pé atrás, até ouvi que eu não deveria me formar,
existia sim, não um preconceito, mas uma defesa de espaço, "esse é o espaço da mulher,
espaço não pode ter homem". Isso mexia comigo, mas eu sabia que tinha passado no
vestibular, a vaga é minha não tem como me tirar. Fui em frente, não me deixei abater, mas
não vou dizer que não chorei, que não fiquei triste. Como é que alguém pode me julgar só
pelo fato de ser um homem que escolheu uma profissão que historicamente é feita por
mulheres, é como se um homem não pudesse demonstrar carinho para ninguém. Uma foto de
um pai segurando um filho é uma forte expressão de carinho hoje, extremamente bonita, então
como se o homem não tivesse afeto, então é isso que me chamava atenção.
Fiz até um período de terapia na época da faculdade, questionava isso, será que o
homem não pode ter afetividade, sendo que afetividade e sexualidade são duas coisas
completamente diferentes, será que o homem não pode ter o afeto. A minha resposta foi sim,
170
me resolvi e na profissão porque homem pode ter afeto, homem pode fazer o cuidar com
carinho.
O currículo da EEUSP era um currículo hospitalocêntrico, formato biomédico,
pautado na doença. Aprendi tanto sobre hipertensão, diabetes e várias doenças e como cuidar
delas, para depois vir a Saúde Preventiva e Comunitária, querendo que a pessoa não adoeça,
isso deu um parafuso na minha cabeça. Achei que tinha que ser primeiro aborda o que é
doença, mas me ensina a evitar para depois me ensinar a cuidar, achei que foi inverso, eu
achei que me ensinou a cuidar primeiro, então ficou muito forte que eu tenho que ir para
hospital, para depois aprender a evitar.
Não foi à toa que me formei achando que o mercado de trabalho era somente hospital,
não possuía naquele momento a visão de que poderia ter uma clínica de idosos, uma empresa
de cuidador, uma empresa de treinamento na área da saúde.
Em relação aos estágios, fiz todos, mas não consegui realizar todos os procedimentos.
Me formei com insegurança, mas a faculdade me preparou a seguir os princípios, como o da
assepsia, não contaminar os procedimentos, mas é claro que quando tinha dúvidas, recorria ao
manual ou à supervisora. Outro fato positivo foi não ter medo de ir até o paciente e perguntar,
fazíamos muitos estudos de caso e a professora dizia que estavam faltando dados, refazendo o
histórico do paciente. Assim resolvi muitos problemas no primeiro emprego, não ficava preso
no posto, ia conversar com os pacientes.
Consegui fazer estágios de Ginecologia e Obstetrícia sem problemas, fiz parto, cuidei
de recém-nascido, fiz estágio voluntário no mês de julho, pré-natal, fiz indução do parto fiz
vários procedimentos, eu não tive esse problema, mas quando demonstrei a intenção de fazer
a especialização, eu fui exortado a não fazer. Até queria fazer, mas fui convidado a não fazer.
Fiz em Saúde Pública, na Assistência Comunitária e Preventiva da Saúde da Mulher e da
Criança.
Até parece brincadeira, mas em relação ao mercado de trabalho foi muito rápido.
Minha formatura foi 14 de dezembro, na semana seguinte, saí para entregar currículo e
encontrava o pessoal da turma. Foi então que um hospital da Vila Mariana me ligou e marcou
uma entrevista dia 2 de janeiro, fiz uma entrevista no RH e depois quatro dias fiz outra
entrevista com a gerente de Enfermagem. Iniciei no primeiro dia útil de fevereiro a trabalhar
na Clínica Médica daquele hospital, depois fui para área de gestão a pedido da coordenadora
de Enfermagem daquela instituição.
A relação entre médicos e enfermeiros, no início era muito difícil. Existia um "pânico"
quando o médico chegava e eu não sentia isso, não entendia. Tanto que tinha uma plantonista,
171
e quando algum paciente tinha uma parada ou alguma intercorrência e o plantonista não
aparecia, eu pedia para a auxiliar descer e bater na porta do plantonista, e caso ele se recusasse
a subir, eu dizia que iria ligar para a direção do Hospital. Usava o organograma, me lembrava
das aulas de gestão da faculdade.
A gerente não detectou esse medo do médico em mim, então me mandou para o
Centro Cirúrgico, onde estava ocorrendo um problema grave de relacionamento interpessoal.
Lembro que foi o único estágio da faculdade que não gostei, não enxergava o papel do
enfermeiro. Liguei para os meus pais em pânico, naquela época não tinha celular, usei orelhão
mesmo e minha mãe me disse para eu ficar que tudo ia dar certo.
Resgatei o conteúdo das disciplinas, da graduação, estudei muito, utilizei a gestão e,
organizei a equipe. Depois fui me apaixonando, estava fazendo Administração Hospitalar, era
o único enfermeiro, depois fui desenvolvendo uma boa relação com os médicos. Lógico que
tive que impor limites, tive que me impor em alguns momentos e foi assim que aprendi, me
relacionar sempre pautado em meu conhecimento, dizer quando uma cirurgia ia começar,
dominava o mapa cirúrgico. Isso me fez olhar para o médico como um par e vejo que o
recém-formado tem pânico do médico, mas não é para ter e no primeiro emprego foi onde eu
aprendi essa relação pode ser muito tranquila.
Agora em relação ao passado, o que me chama atenção é que a Enfermagem é uma
profissão que precisa fazer o contrário. A maioria das profissões precisou ter a entrada da
mulher, e a Enfermagem estava precisando ter a entrada do homem para ter uma identidade
mais clara, um espaço maior. Vejo esse movimento agora, um número maior de homens e isso
têm sido positivo para a Enfermagem. Porém ela ainda é uma profissão os familiares falam:
“por que não medicina”? "enfermeiro padrão". Eu costumo brincar que eu fiz Enfermagem
fora do padrão, não o padrão da Ana Neri.
É legal reviver a história e perceber como foi difícil, passei por muitos empecilhos e
não desisti pelo fato de ter certeza que a Enfermagem era a profissão que eu queria. Até hoje
falo da Enfermagem com amor, porque é a profissão que escolhi, escolhi ser enfermeiro, ser é
um verbo muito forte, não estou enfermeiro, e acho que foi isso que ajudou na trajetória e nos
primeiros anos de graduação.
Participante 11
A minha entrada no curso de Enfermagem foi bem diferente, pois havia passado em
Medicina. Quando fui assistir a uma palestra de uma enfermeira no Centro Universitário São
172
Camilo a convite de amigas, descobri que eu estava no curso errado, queria cuidar de gente,
não apenas dar um diagnóstico, queria mais, queria esse contato com o ser humano, ver a
evolução dele durante a internação e me apaixonei. Foi nesta ocasião que decidi largar o curso
de Medicina e fazer a faculdade de Enfermagem.
Quanto aos meus pais, não tive tantos problemas, sempre me apoiaram nas minhas
decisões, então não tive esse conflito de falarem que era um curso inferior, não tinha esse
estigma. Já alguns familiares não entendiam porque eu deixaria de ser "doutor" para ser
enfermeiro, então referi que era minha opção e eles entenderam. Fui o primeiro que optou
pela área da Saúde, a maioria da família era envolvida com as áreas do Direito e Engenharia,
não teve conflito, apenas estranhamento pela área escolhida. Depois fiz inúmeros amigos
dentro da área da Saúde que eram enfermeiros e enfermeiras.
Na faculdade tivemos alguns problemas, pois nós éramos somente em seis homens,
sendo que dois eram angolanos, de uma cultura bem diferente. Então sentíamos algumas
dificuldades desde aceitação pelo grupo das mulheres, que acabavam tendo o "clube da
Luluzinha", mas acabamos conquistando nosso espaço e ficamos bem entrosados com os
grupos.
Percebíamos também um pouco de dificuldade em alguns campos de estágios, pois a
figura do enfermeiro homem era pouco evidenciada. Às vezes, tínhamos algumas limitações
que tentavam nos impor, nós conquistamos e derrubamos um pouco desses tabus.
Eu senti muito tabu na disciplina da Saúde da Mulher principalmente na Obstetrícia,
onde no campo de estágio tínhamos a presença das parteiras, que na época que cuidavam das
alas e elas não queriam deixar os homens realizarem os partos, pois tinham muita influência e
barraram algumas atividades dificultando nosso trabalho. Até as próprias professoras tinham
um pouco de dificuldade de conquistar para gente o espaço, elas tentavam ser mais políticas
para não perder o campo de estágio. Elas eram participativas e acreditavam na inserção do
enfermeiro homem. Nós brigamos bastante e conquistamos o campo com muita negociação,
batemos o pé e conseguimos realizar os partos e as competências estabelecidas na disciplina,
ficando mais tranquilo no final, foi trabalhoso, desgastante, sendo que poderia ser uma coisa
encarada com mais naturalidade.
Tivemos um currículo de aproximadamente cinco mil horas, integral, uma carga
horária e disciplina que supriam muito as nossas necessidades, passávamos o dia na
faculdade. Também estávamos passando por um processo de discussão e mudança curricular.
Participei como representante discente das discussões para modernizar do currículo.
173
Havia necessidade de atualização, como na parte de informatização, mesmo sendo a
época do "DOS". Tínhamos uma carga horária excessiva e algumas disciplinas precisavam ser
revistas e modernizadas. Pegamos bem essa transição, mas estávamos no currículo antigo e
este supriu bem as nossas necessidades, tínhamos um currículo que atendia às expectativas do
mercado de trabalho, tanto que recém-formados já estávamos empregados.
Foi extremamente fácil a inserção no mercado de trabalho, tanto que a maioria de nós já
era estagiário durante a faculdade no Hospital Oswaldo Cruz, desde o terceiro e quarto
semestre. Quando me formei, fui absorvido pelo próprio Hospital Oswaldo Cruz, eu não
fiquei nem procurando emprego. A grande maioria das minhas colegas não conseguiu entrar
no Oswaldo por causa do número de vagas, mas entraram no Sírio, Santa Catarina, Nove de
Julho, então muitos já tinham inserção rápida no mercado de trabalho.
Teve até um caso que amigas de turma me chamaram para participar do processo
seletivo de um grande hospital privado do Estado de São Paulo, chegando à sala do processo
seletivo a avaliadora perguntou o que eu estava fazendo ali, pois aquela instituição não
aceitava enfermeiros homens em seu quadro de colaboradores.
No Hospital Oswaldo Cruz fui o primeiro enfermeiro homem dentro da Unidade de
Terapia Intensiva. Nosso grupo de Enfermagem era muito coeso, pessoas de muito
conhecimento, então os médicos tinham uma relação muito horizontal. Mesmo assim,
percebia que os médicos tinham uma relação de confiança mais com os homens, era um
pouco mais fácil esse olhar. Depois de um ano eu passei para ser encarregado da UTI e fiquei
lá por uns 14 anos.
No trabalho, a relação com as enfermeiras era um pouco mais difícil na época, por ser
uma profissão predominantemente feminina. A aceitação da presença masculina no grupo era
vista com ressalvas, um pouco mais de dificuldade de conquista de espaço, de mostrar a
competência. Queria agradecer minha participação, acho que é importante pesquisas nessa
temática, pois dentro da profissão, o sexo masculino tem um potencial de crescimento e uma
demanda grande dentro da área, porque temos um número grande de técnicos homens mas
poucos procurando essa ascensão dentro da carreira. Acho que fortaleceria mais a categoria,
sendo mais heterogênea, mudaria o aspecto de competição e união da categoria.
Talvez, até politicamente, ganharíamos mais de espaço, porque infelizmente a política
nacional é machista, temos poucos representantes da Enfermagem dentro da política, o espaço
da mulher dentro da política é pequeno. Então talvez seria uma maneira de conseguir
conquistar mais espaços, mais direitos e crescer mais como profissão. Apesar de que as
mulheres nestes anos fizeram grandes conquistas para nossa profissão, elas estão de parabéns.
174
Participante 12
Meus pais são de Pernambuco e da Paraíba, quando eu completei 13 anos, morei em
Caruaru, Paraíba por quatro anos. Após isso, voltamos para São Paulo e prestei vestibular.
Minha família não tinha condições de pagar uma universidade particular. Meus avós estavam
doentes aqui, sempre tive uma tendência a exercer cuidados a outras pessoas, sempre fui
próximo das pessoas no sentido de auxílio, no cuidado direto, cuidado da área mental, tinha
essa coisa de ajudar as pessoas.
Meu avô faleceu de câncer de próstata maligno e minha avó faleceu de câncer de colo
de útero, os dois com metástase. Tive oportunidade de cuidar dos dois, tanto no hospital como
em casa, minha avó faleceu em casa e meu avô no hospital. Os dois ficaram em cuidados
paliativos e nesse período eu tive contato com os profissionais da área da Saúde, tanto
médico, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista. Foi aí que optei pela área da Saúde.
Enveredei pela Medicina e Enfermagem, mas por conta do auxílio da família que era
muito simples, tive que optar por um curso que desse uma qualificação e tivesse condição de
levar o curso, acabei optando pela Enfermagem. Eu não conhecia muito, depois com meus
avós eu conheci um pouco mais.
Sobre o vestibular, eu trabalhava durante o dia. No primeiro ano, consegui pagar
cursinho. Prestei os três vestibulares da época, Fuvest, Unesp e Unicamp e não passei, fiz
ensino médio técnico, não fiz ensino regular. No segundo ano eu não tinha mais condição de
pagar porque tinha que ajudar em casa. Eu estudava todas as noites e na segunda vez eu passei
lá na Unesp, também não tinha condição de ficar lá porque tinha que continuar ajudando a
família. E na terceira vez que prestei vestibular, passei na Fuvest e foi a opção pela USP São
Paulo.
Então começou a segunda batalha, depois que eu entrei na universidade, o curso era
integral, eu tinha que continuar ajudando a família, e eu não tinha condições de me manter na
faculdade. Foi uma correria muito grande, fazia muito bico de digitação, consegui bolsas no
COSEAS, bolsa transporte, bolsa alimentação, bolsa moradia.
Acabei fazendo o que todos os alunos que moram do outro lado da cidade de São
Paulo fazem para ir para a cidade universitária. Fiquei de favor nos apartamentos do CRUSP e
tentava as bolsas de transporte e alimentação, e foi assim durante o primeiro ano inteiro. Já no
segundo ano, eu consegui bolsa de iniciação científica e foi um respiro maior, mas foram três
anos de muita dificuldade de se manter e ajudar a família de longe.
175
Minha família não tinha muita referência sobre o cuidado, meu pai sempre falava que
queria chamar o filho dele de doutor e eu falava que para eu alcançar o sucesso profissional eu
não precisava ser chamado de doutor. Por parte dele sempre tinha essa ideia de querer me ver
médico, mas o restante da família não tinha essa visão, sempre tive muito apoio para fazer o
curso, até porque a empregabilidade do curso era ótima.
Depois que me formei, acabei ficando arrimo da família inteira, por conta de trabalho,
remuneração, isso foi muito tranquilo. Então teve um reconhecimento rápido depois de
formado. Durante o curso, a própria universidade me ajudou a mudar muito minha maneira de
falar, a maneira de ser, aprender outro idioma, lembro que no segundo ano já entrei no Cepel,
na faculdade de educação, já aprendia inglês e ia praticando, isso me ajudou muito também.
O meu comportamento, enquanto ser humano, isso é uma coisa que devo muito à
universidade, principalmente à USP, o meu comportamento enquanto acadêmico mudou
muito, e isso refletiu muito na vida pessoal, houve uma transformação minha como ser
humano, não só como aluno que foi lá atrás de um diploma para ter uma condição
profissional, foi mais que isso, e isso ajudou muito.
Minha visão de mundo, visão social, trabalho em comunidade, trabalho junto à
sociedade, sempre participei de ONG. Isso teve uma repercussão muito grande na família. Eu
e meu irmão, que se formou em história na USP, fomos os dois primeiros a alcançar o nível
superior da família inteira, parte de mãe e pai. Então o linguajar, os recursos, a forma tanto do
ponto de vista financeiro quanto cultural e outras coisas.
Quando íamos com os familiares ao médico, tinha uma discussão equiparada do ponto
de vista clínico, e a família ficava "nossa como você sabe de tanta coisa, se você vai ser
enfermeiro, como você sabe tanta coisa". Isso foi muito gostoso, e é assim até hoje. Muitas
dúvidas que eles têm com os médicos, ele vêm perguntar para mim se o que foi falado está
certo, se esse remédio é bom mesmo. Esse reconhecimento foi bem rápido, mas meu pai
ficava um pouco mais assim, e depois foi tudo bem.
Quando entrei na universidade, algumas coisas me impressionaram, como exemplo, o
ambiente Uspiano. No primeiro ano, nós tínhamos muitas aulas no campus, você tem muita
liberdade, mas ao mesmo tempo você tem que ter muita responsabilidade. As aulas na cidade
universitária, no ICB, na FFLCH, na minha época, a prática de atividade física era obrigatória
no CEPE, e desde o segundo semestre da faculdade, eu comecei a fazer parte da Congregação,
do CTA da universidade, centro Acadêmico, sempre fui muito engajado. Tinha muita
responsabilidade e não estava acostumado com o nível de cobrança da USP.
176
Ficava muito tempo em biblioteca, quebrando cabeça, e meu ajuste social com as
pessoas da USP foi uma coisa complexa, vim de uma família simples, com um linguajar um
pouco mais simples, foi uma transformação pessoal muito intensa, pois você acaba
encontrando pessoal que mora em Pinheiros, Vila Madalena, de outras regiões. Minha família
de ascendência nordestina, então eu nada acostumado com a região de Pinheiros, ir para
barzinho e essa coisa toda, teve muito conflito de comportamento social e outras coisas.
Foi uma redescoberta social, estar dentro da USP além das dificuldades financeiras.
Tanto é verdade que eu comprei no máximo dois livros durante a graduação inteira, e os livros
que comprei foram em sebo, tive que correr muito, já os outros alunos não, a preocupação era
ir para o barzinho de final de semana, cervejada, batidada, ir no CAOC, na Veterinária, etc.
No primeiro semestre, as disciplinas básicas com anatomia na Faculdade de Medicina,
outras matérias no ICB, se convivia com alunos de Medicina que vinham de uma realidade
social completamente diferente, contato com coisas que eu não tive base, Biologia Celular,
Bioquímica, Anatomia, foi um período complicado.
Uma coisa que me chamou muito a atenção é o cientificismo com o que a gente era
ensinada, uma base teórica muito forte, uma preocupação em passar o conhecimento com
referências. Lembro que até hoje tinha uma professora de Fundamentação no Processo de
Cuidar, que eu perguntei depois das primeiras aulas se os enfermeiros pesquisavam
cientificamente, e ela disse sim.
Comecei a ter contato e me engajar nessa parte científica de pesquisa. Lembro que
fiquei de recuperação de Anatomia, único da turma, fiquei muito bravo, estudei como louco,
aí passei e nunca mais fui reprovado em nada. Foi um começo interessante porque é um
universo novo da ciência que eu não tinha experienciado. Foi isso que me chamou mais
atenção, a liberdade concomitantemente à responsabilidade. Você tem toda a liberdade do
mundo, mas se você não tiver responsabilidade, você se perde dentro do universo que é a
universidade.
Uma coisa é que os veteranos, eles te passam muita coisa, mas sua tomada de decisão
ela não passa por uma orientação. Não sei quanto a isso lá agora, mas na universidade em que
trabalho, você tem um tutor para te orientar pedagogicamente que caminhos seguir. Senti falta
disso lá na USP, não tem uma orientação pedagógica como a tutoria, ninguém te mostra como
passar o caminho das pedras. Teve um momento que eu me sentei com a professora Sônia do
ENC e pedia ajuda porque se sentia um pouco perdido, o que deveria fazer primeiro e o que
fazer depois.
177
A minha turma foi a segunda de uma mudança curricular, e tinha hora que você
encontrava com alunos do terceiro ano em disciplinas, foi bacana interagir com a turma do
terceiro ano. Mas ao mesmo tempo, me lembro que fui para o Centro Obstétrico do HU, não
tinha passado ainda pela disciplina de Centro Cirúrgico, abri um frasco ampola e coloquei no
meio do campo estéril, e a mulher dando à luz, a professora quando viu aquilo quase teve um
filho junto, porque contaminei a mesa inteira. Teve que tirar todo o instrumental, e abrir outra
mesa de instrumental, enquanto a mulher estava em trabalho de parto, aí que a professora
lembrou que eu não tinha passado por centro cirúrgico.
Por mais que você tivesse boa vontade e queria ajudar, você ainda não tinha vivência
daquilo. E na congregação, se discutia muito o currículo da época. Foi daí que comecei a
ficar mais conhecido na escola, representante dos alunos na congregação, e tinha a professora
Paulina Kurcgant, como diretora da escola na época, depois fui representante na Cultura e
Extensão, no CTA, acabei passando por isso tudo, tendo uma noção maior do que é a
universidade, da reitoria.
A partir do segundo ano do currículo que estava em transição, nós íamos para Saúde
do Adulto, Saúde do Adulto 2, Mulher e Criança, e Saúde Mental e depois Saúde Coletiva.
Todos os campos de estágios eram cedidos pela escola, foi tudo muito bem, o mais longe foi o
HU-USP, tinha o HC, alguns hospitais particulares onde visitamos o CC e CME, unidades de
saúde, centro de saúde escola lá no Butantã também, unidades no Paraisópolis, perto do
Jaguaré. O estágio final eu fiz na unidade de hematologia e TMO do HC. Passamos no
Cotoxó, hospital de retaguarda do HC, creches da Secretaria de Saúde. Perdi estágios por
motivo de saúde, e depois consegui repor com trabalhos escritos, para compensar minha
ausência.
Os estágios foram muito bons, principalmente do HU, eu adorava ir para lá,
principalmente na UTI, foi lá que despertou a vontade de fazer a especialização em UTI,
passei na UTI cirúrgica, fazia plantão noturno, diurno, foi o setor que mais gostei de fazer.
O relacionamento e a convivência entre os grupos e as "panelinhas" era muito
tranquila, entretanto existia uma coisa que agora eu como docente você muda completamente
a visão. Para escolha dos campos de estágios, existia um ranking de notas dos alunos, não sei
como está isso hoje, você utilizava a média ponderada, e desse ranking você escolhia com
qual professor você faria o TCC e o campo de estágio, e isso trazia uma briga enorme entre os
alunos.
Hoje como docente, acho isso abominável, você ranquear os alunos, estabelecendo um
espírito de competitividade maluco. Nas matérias optativas também era assim, gente acordava
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cedo, para ir ao serviço de graduação, pegava fila para poder tentar se matricular. Vejo isso de
uma maneira completamente antipedagógica, é estimular demais essa competitividade, mas na
época não existia essa visão.
Mesmo um currículo que fazia integração com alunos de turmas diferentes, isso foi
muito gostoso, porque criávamos vínculos maiores com os veteranos, isso foi muito bacana,
foi bem interessante, um relacionamento bom.
Com os professores, acho que pela minha posição de estar no CTA, na extensão ou na
congregação, os professores me viam com um olhar diferente, um aluno engajado e
interessado, também não deixava de estudar. Eles viram o esforço que fiz, e isso me rendeu
bons frutos depois, de ter referência na hora de procurar emprego, os professores me
recomendarem para fazer pós em vários lugares.
O meu relacionamento pessoal com os docentes foi ótimo, entretanto, com outros
colegas que não estavam interessados, estar na USP e não aproveitar o que ela oferece, se eu
fosse docente, eu também não estaria interessado nesse perfil, óbvio que alguns alunos os
professores olhavam com olhar diferente. "Não tá engajado, não está interessado, não estuda,
porque eu tenho que aumentar meu vínculo contigo".
Sobre o mercado de trabalho, sempre conto essa história para meus alunos,
principalmente calouros, conto minha trajetória profissional no primeiro dia de aula, para eles
entenderem que se a gente chegou até aqui, foi por um mérito seu e uma série de condições
que você vai criando.
Lembro que em algumas disciplinas, alguns professores estavam fazendo aquele
programa do mestrado de acompanhar os alunos. Muitos desses alunos mestrandos já eram
enfermeiros que trabalhavam em hospitais e muitos dos docentes que estavam ali também já
haviam trabalhado em hospitais. Em uma disciplina de Saúde Mental que eu estava
apresentando um seminário de distúrbio bipolar, um desses alunos que assistiu à minha
apresentação perguntou para a professora referências minhas, havia comentado com a
professora que quando eu me formasse para avisá-la.
Quando me formei, precisava ajudar a família, ajustei e distribuí meu currículo. Vários
hospitais me chamaram, fui bem nas provas, mas quando chegava na parte de experiência
profissional, eu mostrava que eu tinha passado no HU, no HC em outros locais. Hoje algo que
existe e é muito bacana é o programa de residência, e na época nem sei se existia, e se existia
a gente nem sonhava em fazer, ia direto para o campo do trabalho.
Um dos hospitais em que fiz prova e a pessoa que fez entrevista me disse que eu tinha
uma recomendação de alguém que me viu na EEUSP, aí comecei a trabalhar nesse hospital.
179
Lembro que fiquei chateado em duas situações, um hospital que é vinculado a uma
entidade religiosa, e eu sou espírita, tinha passado na prova, já havia feito estágio nesse
hospital, tava tudo certo, e no momento do preenchimento dos dados, eu coloquei na minha
ficha a minha religião espírita. Veio uma freira do RH conversar comigo, dizendo que
queriam muito que eu trabalhasse lá, mas daquele jeito não dava, que eu teria que retirar
minha opção religiosa da ficha, eu recusei e só não fui para a delegacia ou para o conselho
regional porque respeitava a instituição e sabia que aquilo os prejudicaria, fiquei muito bravo
na época.
O outro hospital que havia me chamado disse que eu tinha ido super bem na prova,
quase gabaritado a prova, estava tudo certo que eu começaria semana que vem, e quando fui
coletar os exames eles me barraram, pediram desculpas e disseram que para o setor que havia
me contratado, preferiram alguém que já tinha experiência.
Comecei a trabalhar naquele hospital que disse anteriormente, da entrevista que fui
indicado, e até hoje agradeço muito porque foi quando comecei a ter mão para um monte de
coisa. Saí da graduação sem nunca ter passado uma sonda nasoenteral, e tudo bem com isso,
hoje como docente entendo que nem todo mundo tem condição de fazer isso. Mas lá ganhei
mão, olho clínico, raciocínio clínico, pude entender os médicos, assisti cirurgias, entender o
porquê das coisas e a prática começou assim.
Mas agradeço muito porque de três hospitais, dois deles foram indicações de pessoas
que tinham vínculos com docentes da casa, então meu desempenho durante a graduação
acabou me abrindo portas. Eu agradeço até hoje essa docente, falo isso diretamente para ela,
"olha, devo tudo isso a você até hoje". A inserção acabou sendo assim, a Universidade abriu
muitas portas, não pelo nome em si, mas ajudou.
Essa ajuda hoje é bem menor, as instituições já perceberam isso, é um perfil que
escutamos de outros colegas que a EEUSP forma muito bem pesquisadores, mas não forma
enfermeiros de prática clínica, esse discurso é muito forte por outros colegas de outras
universidades, diferente, por exemplo, da Unifesp que tem uma prática clínica muito forte,
mas não uma prática de pesquisa tão acentuada. As universidades particulares já pensam
literalmente em mercado de trabalho. E comparando as duas públicas da capital, esse discurso
é bem evidenciado.
Minha coordenadora aqui na Universidade é formada pela Unifesp, discutíamos
práticas clínicas normalmente, mas quando ela foi fazer mestrado e doutorado ela foi para
USP. Eu lembro que no meu primeiro emprego, com a gerente, quando aconteciam algumas
coisas, ela elogiava meu engajamento e meu raciocínio clínico, mas reclamava que eu ficava
180
de dez a trinta minutos depois do plantão, falava que não ia me pagar essas horas extras e que
eu tinha que me organizar mais, organizar melhor a gestão de conflitos entre os técnicos de
Enfermagem em um campo de sete técnicos e 40 leitos. Eu ainda não tinha essa capacidade de
gerenciar conflitos entre os profissionais naquele momento.
Lembro que quando tive campo de estágio de gerenciamento com professora do
departamento ENO, da escola, as professoras Valéria, Raquel, Paulina falando desses
conflitos, mas o campo que tivemos foi o HU, onde os técnicos de Enfermagem são muito
bem treinados e disciplinados de acordo com a sistematização da assistência de Enfermagem,
já no HC possuía inúmeros conflitos de gestão, mas você não tem autonomia ainda de
interferir com algumas coisas, ainda mais porque o HC pertencia à Faculdade de Medicina da
USP.
Quando fui para prática clínica, eu tive muita ajuda da minha diretoria de
Enfermagem, e quando a encontro também agradeço muito, aprendi muito com ela
principalmente essa gestão de conflitos, e acredito que esse ponto deveria ser trabalhado
melhor na graduação, de como fazer melhor essa gestão de conflitos dentro do currículo da
EEUSP.
No começo, há necessidade de você se firmar naquela identidade de ser enfermeiro,
mesmo não tendo experiência de ser enfermeiro, também não fui técnico, esses macetes, essa
fórmula dos técnicos te convencerem das coisas, de falar algo para você e diferente para
outras pessoas, te testar no conhecimento, enfim, foi muito tenso, essa maturidade enquanto
chefe de equipe foi difícil.
Com os médicos, essa visão foi mudando, os médicos mais antigos sabem que
precisam de você para o paciente ficar bem, já os médicos mais novos te veem como
membros que uma equipe multiprofissional. Quando me formei, tinham poucos médicos mais
jovens, mas lembro que na época em que estava lecionando durante o dia e realizando plantão
no hospital durante a noite, existia muito mais médicos de uma geração mais nova que
queriam discutir o caso e passar visita juntos, discurso muito mais multiprofissional. Os mais
velhos pediam algo e iam embora, não se tinha uma discussão clínica.
Uma coisa boa é que muitos alunos quando se formam na universidade em que
trabalho, eles voltam e nós fazemos um tutoramento profissional, voltam para algum tipo de
pós-graduação e pedem alguns conselhos sobre a vida profissional. Eu lembro durante minha
graduação, como eu precisava de uma pessoa para fazer minha tutoria. Depois de um tempo,
você percebe que as pessoas vão adquirindo uma maturidade e não mais precisando dessa
tutoria.
181
Percebo que quando você se insere no mercado profissional, alguns colegas
enfermeiros têm uma aproximação e tentam te ajudar, mas vai depender de como você pede
ajuda, de como você se engaja. Alguns nem ligam para você, falam que se você já é
enfermeiro, para você se virar, mas a grande maioria não, te ajudam, são preocupados.
Acho que a parte mais difícil na vida, nem é com a equipe médica e nem com os
outros enfermeiros, e sim com os técnicos e auxiliares. Isso também vem mudando, porque
não há mais espaço para aquele enfermeiro "sargentão", e os próprios técnicos e outros
trabalhadores são chamados de colaboradores pelas instituições, e já apresentam essa visão de
equipe multiprofissional, já sabem seu papel e o papel dos enfermeiros.
O grau de exigência dos hospitais e da saúde pública mudou, existindo um aumento da
qualificação na faculdade, como saúde coletiva, com um diálogo mais aberto com a
comunidade. A própria comunidade sabe mais dos seus direitos, sabe o que esperar do
enfermeiro e da equipe multiprofissional.
Algo que não muda é o espírito das pessoas, realmente querer se enfermeiro, fazendo
parte de uma equipe multiprofissional, quando você é esforçado os outros te ajudam. Quando
você vê algum engajado que busca recursos é natural da nossa cultura ajudar quem faz por
merecer, quem é interessado, se quer ver o outro crescer. Não consigo ver uma
competitividade maléfica na nossa profissão, bem é isso que eu vejo, essa filosofia da
colaboração é muito forte.
A impressão que eu tenho até hoje da minha antiga casa, a EEUSP, nos dá muita
segurança científica e profissional. A maior gratidão que eu tenho de lá é por ter me
modificado enquanto ser humano, não só como profissional. Por ter compreendido melhor
como funciona a sociedade, como funciona a comunidade científica, nosso papel enquanto ser
social transformador, agradeço demais as professoras de todos os departamentos, mas tenho
um carinho especial por algumas como a professora Maria Julia que me ajudou muito a abrir
caminhos para minha compreensão enquanto pessoa. Professora Paulina Kurkgank que é fora
de série, Raquel e Márcia que me ajudaram muito. Outras que já partiram, como a professora
Hideko de saúde mental, gostava muito, infelizmente faleceu.
E outros vários docentes da EEUSP que nos moldam sem a gente perceber, vão nos
direcionando, nas nossas fragilidades, nos pontos fortes. Vejo hoje quantas oportunidades
tivemos na EEUSP, se tivesse mais maturidade pessoal teria aproveitado melhor. Se pudesse
voltar no tempo, talvez teria feito a faculdade com um pouco mais de idade, isso eu falo muito
com meus alunos, alunos que entram com 17, 18, 19 anos, não tem noção de como é
182
importante uma maturidade pessoal, para os assuntos que são tratados nesta profissão, lidar
com a morte, com o ser doente.
Recomendo aos alunos do curso a partilhar mais as emoções com os docentes, discutir
angústias pessoais que podem interferir na aprendizagem, é difícil separar vida pessoal de
vida profissional. Esse diálogo dificilmente acontecia na USP na época. Satisfação imensa de
ter participado da entrevista, obrigado.
Participante 13
Depois de 30 anos de formado, não lembro muito bem como foi minha opção, mas na
época, provavelmente foi em relação ao mercado de trabalho. O que eu tenho certeza é que eu
não queria fazer Medicina, mas alguma coisa relacionada com a Saúde.
Não tive problemas em relação à inserção, tendo muitas mulheres e tão poucos
homens. Na minha turma era um colega e eu e na Enfermagem como um todo, sempre poucos
homens. Tive um relacionamento tranquilo, porque eu também não tive muito da vida
acadêmica ou universitária porque eu já tinha 22 anos, já tinha uma vida particular, uma vida
mais amadurecida.
No ponto da formação, a nossa carga horária era muito grande, tínhamos aula em
período integral, inclusive aos sábados, fiz o curso em 5 anos acadêmicos, ou seja, 4 anos no
calendário e 5 anos letivos, nós tínhamos aula janeiro e fevereiro, isso durante 4 anos,
completando o ano letivo, saí formado com Habilitação em Saúde Pública, e Licenciatura.
É lógico que durante o curso eu tive alguns embates em relação a algumas disciplinas,
com conteúdo não pertinente ou com muito trabalho não condizente, na época, com nosso
modo de pensar, mas isso foi superado.
Um colega e eu não fizemos estágios em Ginecologia, somente em Obstetrícia. Acho
que minha turma foi a segunda ou a primeira em que homens podiam fazer parto, e hoje não
sei como está essa situação ao homem, porém tinha uma resistência muito grande para deixar
que o homem fizesse parto. Na ocasião existia mesmo uma certa resistência por parte das
próprias professoras, a maioria mulheres, em homem fazer Obstetrícia. Em relação à
Ginecologia, a resistência era do próprio hospital.
Uma das professoras de Obstetrícia fornecia treinamento para que policiais fizessem
parto de emergência, e se elas treinavam homens policiais, por que nós, enquanto
profissionais, não poderíamos fazer?
183
Um fato que incomodava as professoras, era devido à minha utilização de barba,
sempre usei barba, e isso se intensificou nos estágios de Centro Cirúrgico. Se os cirurgiões
podiam usar barba e ninguém os incomodava, por que iriam implicar comigo? Com uma
barba bem cuidada não teria problema.
Sobre o mercado de trabalho, na época que eu me formei, tive cinco propostas de
imediato. Em uma delas, antes de me formar, uma professora me convidou para ser docente
na Escola de Enfermagem da USP. Esperei até sair o contrato e aceitei a proposta, mas nesse
período trabalhei no Instituto do Coração. Fiquei dois meses lá e saí porque não concordava
com a postura dos enfermeiros da época, em relação ao trabalho de enfermeiros de Saúde
Pública no ambulatório.
A relação entre médicos e enfermeiras, principalmente em hospitais, era de submissão.
Eu já tive, como tenho ainda hoje e durante toda a minha trajetória de trabalho, uma relação
profissional com os médicos, com os outros enfermeiros, psicólogo, assistente social, uma
relação de igual para igual.
Participante 14
Eu entrei na Enfermagem porque eu estava fazendo cursinho, tinha uma dificuldade
para passar em Medicina, faltava dinheiro, optei achando que a Enfermagem preencheria uma
lacuna que a Medicina não me dava naquele momento.
Sempre fui muito bem recebido pela parte familiar devido à minha escolha, entretanto,
o grande problema se deu mesmo dentro da Escola de Enfermagem. Era difícil porque nós
éramos dois homens no curso, meu colega de classe não partilhava minhas ideias. Eu vinha de
outra realidade, de outro grupo, e a gente era visado, era olhado, eu era criticado e não tinha
uma aceitação boa por parte do corpo docente.
Já algumas alunas queriam casar comigo, mas eu casei com uma mulher de fora da
faculdade. Era bem requisitado, porque era homem, e homem de verdade e estava no meio de
78 moças. Me casei no terceiro ano da faculdade com uma professora de português, com
quem eu sou casado até hoje.
O conteúdo da Enfermagem da USP era pertinente, diferenciado em relação a outros
cursos de Enfermagem. A gente aprendia muito. Porém, em alguns momentos, vivíamos em
uma realidade olhando o livro da Enfermagem americana, alemã, não era muito adequado à
nossa realidade, era fora. Profissional da USP era um profissional que ele poderia ser
requisitado ou não requisitado por ser da USP.
184
A minha dificuldade foi com as cabeças pequenas que existiam dentro da própria
Enfermagem e dentro da Faculdade de Medicina. Uma professora de Ginecologia e
Obstetrícia me bloqueou porque eu estava com um porta-agulha na mão para realizar uma
episiotomia, em outro momento me barrou no toque em uma paciente para avaliar a evolução
de um trabalho de parto.
Chegou a dizer que se eu me formasse, iria abrir um consultório no interior e iria para
um exercício ilegal da Medicina. A professora do curso de Fundamentos de Enfermagem me
chama de lado e me diz que eu era boca dura, que iria ter dificuldade na Enfermagem porque
eu era crítico, eu criticava.
Então essas coisas foram se somando até chegar uma hora em que você vê que terá de
enfrentar dentro das instituições, uma hierarquia totalmente feminina, onde você acaba
optando por fazer outra coisa na vida.
Com as colegas, nos ajudávamos muito, quando tinha que pegar um paciente pesado,
para isso a gente servia e muito, elas também tentavam quebrar essa dificuldade, nunca tive
problema nenhum problema com a parte das colegas.
Eu não cheguei a entrar no mercado de trabalho, pois quando me convidaram para
trabalhar, me convidaram de um modo avesso, foi um convite para trabalhar com a
reabilitação profissional e optaram por uma colega, quando na verdade eles precisavam de um
homem. Quando ela negou a oferta, me chamaram, mas eu já estava com minha cabeça
voltada para outra área.
Nós tínhamos um relacionamento bom com os residentes, com os médicos novos e
antigos, não via grande problema, pelo menos para nós, homens. Alguns médicos
conservavam o comportamento do meio do século, ainda olhavam a enfermeira com
descrédito, mas não com os enfermeiros homens.
Não fiquei na profissão porque eu percebi que teria que comprar uma briga todo dia,
teria que brigar dentro de uma hierarquia feminina, todo dia voltar para casa com dor de
cabeça, porque não ia ser enxergado como profissional, mas como um competidor. Então,
para não comprar esse tipo de briga, eu optei por fazer outra profissão, fiz Medicina. As
barreiras colocadas, eram muito altas, intransponíveis para minha pessoa.
Não deixei os conceitos que aprendi na Enfermagem para trás, me tornei um cirurgião
que olha o paciente de maneira diferente, os conhecimentos de Enfermagem só me ajudaram
na minha atual profissão.
185
Participante 15
A minha primeira intenção ou opção era fazer Medicina. Após duas tentativas, sem
sucesso, para ingressar no curso de Medicina, tive a oportunidade de conhecer um professor
de Anatomia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em 1977.
Fiz uma visita à Faculdade de Medicina, onde estudava um colega que havia feito
cursinho junto comigo e tinha ingressado nessa faculdade, e eu disse para mim mesmo “é isso
que eu quero”, ou seja, estudar Anatomia, ser professor dessa área. Perguntei para aquele
professor o que seria necessário para ingressar na Anatomia, ser professor dessa área e ele me
disse que precisava fazer uma carreira na área de Saúde, que tivesse Anatomia no conteúdo
curricular.
Então, revi o que a FUVEST oferecia na época, a relação candidato/vaga em
Medicina era de aproximadamente 120 por uma vaga e na Enfermagem era de 20 a 30
candidatos para uma vaga. Assim, não tive dúvida e elegi a Enfermagem. Prestei o vestibular
para Enfermagem e entrei sem nenhuma dificuldade. Porém, minha intenção era fazer
Medicina, estudar Anatomia.
Em relação aos colegas, familiares ou amigos, eles sabiam da minha trajetória ou
projeto de vida e minha passagem pela Enfermagem, pois nunca omiti o fato de que a
Enfermagem era uma forma de acessar outra carreira ou área de atuação profissional que eu
havia escolhido a priori.
No curso de Enfermagem éramos três rapazes. Eu lembro que não havia nenhuma
segregação ou discriminação por parte das professoras de Enfermagem, dos colegas de classe.
A formação do curso de Enfermagem era boa, consistente. O corpo docente da EEUSP era
excelente na minha época; as pessoas que ensinavam eram bem preparadas, experientes.
Eu estudava Anatomia a maior parte do tempo. Então, eu agendava quantas faltas
podia ter em cada disciplina e ia até limite. Certa ocasião, extrapolei o limite de faltas em
Enfermagem Pediátrica e lembro que tive certa dificuldade com as docentes dessa área, que
me obrigaram a fazer estágio aos sábados e domingos, no Instituto da Criança.
Não me inseri no mercado de trabalho voltado para a Enfermagem, porque ao término
da graduação em Enfermagem, procurei um professor da Medicina, na intenção de ingressar
na pós-graduação e ele me orientou a fazer o doutorado direto na área de Anatomia. Foi o que
fiz, ou seja, realizei todo o processo seletivo e fui selecionado.
Fui ascendendo na carreira docente e realizei pós-doutorado em Anatomia. Na
Medicina não encontrei preconceito algum pelo fato de ser enfermeiro, aliás minha carreira,
186
após a graduação, se deu totalmente na área médica. Assim, não me inseri nas atividades
assistenciais ou gerenciais da Enfermagem, mas no ensino médico de Anatomia.
Participante 16
Optei por fazer Enfermagem, porque um ano antes de entrar na faculdade, eu perdi
meu avô, e ele ficou internado no hospital da cidade, com sonda nasogástrica, sonda vesical,
máscara de oxigênio. Esse monte de fios e tubos me causou muita curiosidade de saber o que
significava tudo aquilo, isso que me despertou a vontade. E também porque eu tinha muito
medo de hospital, e se eu fizesse Enfermagem este medo poderia ser superado, e poderia
entender o que era aquele monte de tubinho e caninho que estava no meu avô, foi essa a
minha decisão.
Meus amigos não interferiram na minha escolha pela Enfermagem, somente minha
mãe e meu pai. Minha família não queria que eu fizesse faculdade de Enfermagem, eles
tinham condições de pagar por uma outra universidade particular, um outro curso como
Medicina, pois eles queriam que eu fizesse Medicina, mas eu não optei por fazer Medicina, eu
quis mesmo fazer Enfermagem, foi opção minha. Tentei fazer outras coisas, prestei Biologia,
Química e outras coisas, passei em todas, mas acabei optando pela Enfermagem.
Quando entrei na faculdade, em relação à adaptação, não tive nenhum problema com
isso, sou uma pessoa que me adapto bem às situações, por ter muitas mulheres na minha
turma não teve nenhum problema, foi tranquilo.
Também não tive nenhum problema em relação às professoras e às colegas da classe,
eu pelo menos nunca senti problema em relação a isso. Sempre me tratavam bem como aluno,
bronca em hora de dar bronca, se o trabalho estivesse ruim eu era criticado, com em qualquer
pessoa, sem tratamento diferenciado.
Quanto à formação que a Escola de Enfermagem da USP propiciava na minha época,
eu dizer que o conteúdo da USP era inconsistente não tem como, eu sabia que eu estava na
USP, eu só não sabia o quanto isso significava. Só fui entender isso depois de formado, e
trabalhando em outras universidades como professor depois de formado, a diferença de
conteúdos (em relação à USP) é enorme. Eu sempre soube que o conteúdo da EEUSP era
consistente, tudo que eu aprendi foi pertinente, nunca questionei a idoneidade do ensino
oferecido pela escola, ao contrário, eu sabia, mesmo que sem saber por todas as palavras, que
nós éramos diferenciados dos demais.
187
A disciplina de Obstetrícia foi a disciplina que eu mais odiei, porque não gosto de
Obstetrícia, não que eu tivesse sentido alguma diferença por ser homem, fiz estágio em
Ginecologia, as professoras faziam a gente cheirar aqueles “paninhos” para saber os diferentes
cheiros do lóquios. Fiz parto, não sei se a USP ainda tem convênio com o Amparo Maternal,
passávamos por lá na época, não tive problema nenhum por ser homem, fazia tudo que as
meninas faziam sem ter nenhuma dificuldade, a dificuldade era minha mesmo, e continuo
achando que parto não é fisiológico e não teve USP, não tem ninguém que me faça mudar de
ideia, é uma concepção minha, acho quilo tudo muito traumático.
São duas disciplinas que eu não gostei que foi Psiquiatria e Obstetrícia, mas não tive
dificuldade em nenhuma delas, fiz as duas, passei com notas boas, mas não eram opções que
eu seguiria.
Na minha época a inserção no mercado de trabalho era outra, digo isso em relação a
vinte anos atrás, quando o mercado era outro para a inserção do enfermeiro. Não tem como
negar que as coisas eram mais fáceis, não tinha as escolas particulares que tem hoje, então,
qualquer porta que você batia, elas se abriam. Vou confessar que com o diploma da USP, abri
todas as portas que eu quis, não tinha como negar, era real. Não sei se ainda hoje ainda é
assim, em virtude da concorrência, com muitas escolas boas e ruins, e isso muda o perfil do
mercado, não tem como, eu pude escolher em que lugar eu gostaria de trabalhar, não tive
nenhum problema, foi tudo muito fácil.
Já o relacionamento com os médicos, quando trabalhava na assistência, já estou
afastado da assistência há um bom tempo, nunca tive nenhum problema com os médicos. Se
houve algum problema, foi da parte deles, não da minha parte. Eu sempre me julguei um
profissional bom em relação ao que eu faço, então por esse motivo, posso dizer que nunca tive
problema em relação a isso. Talvez em algum momento uma discussão com alguém da
equipe, mas isso é normal, mas não tive problemas de relacionamento com os médicos.
Mesmo aqui em hospital que acolhe residentes de Medicina, também não tive problemas.
Apenas coisas corriqueiras que acontecem com qualquer pessoa, mas não que isso
tenha interferido em alguma coisa como o bom andamento da unidade ou problemas em
relação à assistência aos pacientes, nada desse tipo. Talvez problemas de desentendimentos de
pessoas que estão chegando, que faz alguma coisa errada e você tem que ir lá e corrigir
alguma coisa, normalmente alguma coisa relacionado à rotina, mas nada que tenha interferido
no relacionamento futuro com essas pessoas, ou com a equipe ou paciente, nada nesse sentido
relevante que eu lembre de te contar que tenha fugido do controle.
188
Participante 17
A minha primeira escolha na verdade não foi Enfermagem, já estava trabalhando na
Enfermagem como auxiliar de Enfermagem. A priori, eu prestei Medicina, não passei, no
outro ano prestei Enfermagem na FUVEST, como passei e já estava na área, resolvi fazer e
não me arrependo de ter feito.
Realmente não fui influenciado por ninguém, foi opção minha, em termos de escolha
pela Enfermagem; não me arrependo de ter escolhido essa carreira. Gostava do que fazia,
resolvi prestar talvez pelo fato de ser auxiliar, e não me arrependi de fazer Enfermagem em
nível superior.
Para mim foi estranho no início da faculdade porque tinha mais ou menos 45 alunos,
sendo quatro homens, mas ao final se formaram apenas dois, ou seja, eu e outro amigo da
sala, e ficou outro colega devendo matéria, tendo se formado no outro ano, então desses
quatro, se formaram três.
Não tive muita dificuldade de relacionamento com as colegas, mesmo apresentando
predominância feminina, e em relação aos colegas homens não tive nenhum problema; eu
percebia, pelo contrário, que havia rivalidade entre as colegas, existia uma disputa no meio
feminino. Por trabalhar durante a noite, eu era muitas vezes ajudado pelas colegas do sexo
feminino. Sabendo que eu vinha cansado do plantão, muitas delas me ajudavam, inclusive
levando adiante o curso na hora de estudar, na hora de rever matéria, até na hora que tirava
alguns cochilos na hora dos intervalos, na hora do almoço, elas me acordavam, fui bastante
ajudado.
Creio que pela vivência que eu tinha já na área de Enfermagem, não tive dificuldade
de relacionamento, pelo contrário, fui até mais ajudado neste sentido. Tive dificuldade sim, de
estagiar em áreas exclusivamente em que o público era feminino, como Obstetrícia e
Ginecologia. Que eu me lembre, talvez até não tivesse participado do estágio na Ginecologia.
Essa dificuldade ocorria pela instituição de ensino, hora também pela própria instituição na
qual ocorria o estágio.
O bloco teórico era muito vasto, acho que pelo período de quatro anos deveria ser
estendido um pouco mais, pois às vezes passávamos um bloco teórico muito rápido e por
pouco tempo. Muitas vezes eu tinha dificuldade de absorção do conteúdo colocado, das
matérias básicas que eram ministradas na Cidade Universitária, muita dificuldade pelo
número de informações em um curto período de tempo. Como eu trabalhava de noite eu tinha
189
muita limitação de estudar, estudava nas minhas folgas, finais de semana e reduzia meu tempo
de dormir.
Creio que dos 45 alunos eu me destacava entre os 15, apesar de toda essa limitação.
Considero pertinente o conteúdo, só acho que faltou um pouquinho mais, um gancho maior,
por exemplo a matéria de Bioquímica, pois faltou um pouco de base do meu colegial, faltou
sim um pouco de revisão direcionada para algumas matérias como Bioquímica, Imunologia,
então tive que me desgastar mais nessas matérias.
Nas matérias em Enfermagem nem tanto, pois eu tinha um pouco de vivência pelo
curso técnico que eu fiz, um bom curso técnico realizado na Escola Carlos de Campos, uma
boa base teórico-prática, muitas coisas realmente que foram dadas no curso técnico me
ajudaram bastante no curso de graduação.
O ingresso no mercado de trabalho não foi difícil, eu já pertencia ao quadro de
funcionários do Hospital das Clínicas, eu apenas tive que prestar, lógico, um novo concurso
por ser uma instituição pública. Eu creio que uns oito meses após ter me formado, eu já estava
trabalhando como enfermeiro no complexo Hospitalar do HC.
Eu creio que a relação entre enfermeiro e médico, há 20 anos atrás, era realmente
diferente do que é hoje. Existia mais respeito entre o profissional enfermeiro e o profissional
médico, hoje eu diria que nem é tanto assim. Existe uma relação desgastada entre o
profissional enfermeiro e o profissional médico, principalmente no meio onde eu vivo hoje,
não sei as outras instituições.
Acho que no passado, o médico conhecia o papel do enfermeiro melhor do que hoje e
vice-versa, hoje a relação está mais desgastada. O enfermeiro conquistou espaço no mercado
de trabalho, e isso vem, de certo modo, gerar uma rivalidade entre médico e enfermeiro.
Como também outras profissões relacionadas à área da saúde, como entre médico e
fisioterapeuta, médico e nutricionista, médico e biomédico; essas relações realmente foram
desgastadas com o tempo.
Participante 18
Quando eu escolhi Enfermagem, se tinha apenas três opções, ou você é médico, ou
engenheiro ou advogado, era o que tinha de profissão naquela época. Dos três, o que eu
gostava era da área da Saúde, portanto, Medicina. Fiz todo o colegial voltado para biológicas,
prestei vestibular para Medicina e não passei.
190
Depois fui fazer cursinho voltado para Medicina, só que eu sou uma pessoa que
estudo, porém, não sou daquele tipo de pessoa que fica “comendo” o livro, não tenho esse
jeito de ser. Via que o pessoal que estava estudando para passar em Medicina se matava de
estudar, então achei que não ia passar.
Um vizinho que tinha feito faculdade de Enfermagem na Faculdade de Guarulhos, a
antiga FIG, e ele me dizia que Enfermagem era legal, que a gente cuida dos pacientes
também. Então no meio do ano eu já tinha decidido que prestaria Medicina na USP, e
prestaria Enfermagem nessa Faculdade de Guarulhos, porque seria uma opção, para não ficar
parado sem fazer nada a partir daquele ano.
No final do ano, quando começou a aparecer o preenchimento da FUVEST, veio um
professor do cursinho dizendo como se preenchia, o que tinha que fazer, como é que fazia pra
preencher a primeira e segunda opção e por um acaso ele comentou que a nota de corte de
Enfermagem era muito baixa na USP, aí eu fiquei pensando: “se eu vou prestar Enfermagem
em Guarulhos e Medicina na USP, eu acho que não vou passar, então porque não prestar
Enfermagem na USP, já que pertencia à área da Saúde que eu gostava e eu queria seguir mais
ou menos por aí.”
Prestei, foi essa a minha decisão pela Enfermagem na USP, eu tinha a intenção da área
da saúde, mas a decisão sobre a USP foi desse jeito. Eu até prestei Medicina em Mogi, prestei
na Medicina do ABC, ia fazer, claro só que não ia passar. Prestei para me testar, para ver se
eu tinha condições de passar em uma Medicina, vamos dizer assim.
Como Enfermagem na USP era de graça, acabei fazendo e não estou arrependido nem
um pouco. Quando eu falei que tinha passado na USP, só que em Enfermagem, meu pai me
perguntou se eu não queria tentar fazer mais um ano de cursinho para tentar fazer Medicina e
tal, eu disse que não, então ele disse que se eu estava feliz então está bom. Tive apoio das
pessoas à minha volta ao escolher a Enfermagem.
Olha, o único episódio que eu tive, vamos dizer de discriminação, foi no dia da
matrícula dos bixos, que alguém disse: “o que esse cara está fazendo aqui e tal” de uma única
pessoa, que comentou isso, daí para frente nunca tive problema nenhum. O único ruim que eu
era o único homem, então não tinha como separar a panelinha de mulher, não tinha jeito. Mais
eu já estava acostumado com isso da época do colegial, como eu fiz colegial de biológicas,
éramos em três homens numa sala de vinte.
O curso de Enfermagem foi muito consistente, pois vejo o pessoal que se forma hoje e
acho que estão muito fracos. Saí da faculdade sabendo que eu conseguiria trabalhar em
qualquer lugar sabendo que eu poderia dar conta, nunca tive esse medo. E hoje eu vejo esse
191
pessoal saindo da USP, de outras grandes faculdades e falam: “bem, isso aqui eu não sei, isso
aqui eu não vi”.
Quando eu terminei a faculdade, eu até queria fazer habilitação em Obstetrícia, porque
eu gostei muito, consegui fazer tudo que eu queria fazer, queria ver. Eu só não fiz habilitação
em Obstetrícia porque as professoras chegaram em mim e me disseram que não adiantava eu
fazer, pois se a enfermeira mulher já não tem campo para trabalhar na Obstetrícia pois os
médicos absorvem, o enfermeiro homem não vai ter campo nenhum.
No curso, sem problemas, as docentes mostravam e diziam o que elas queriam que os
alunos fizessem, então eu fiz papanicolau, eu fiz tudo. Acho que o enfermeiro homem, o
auxiliar homem, e o técnico homem, não tem que ser diferente da mulher, a gente tem que
evitar e tentar não constranger paciente, mas se não tem opção, se não tem jeito, o homem tem
que saber, como fazer e fazer bem feito, qualquer procedimento de Enfermagem.
Gostei muito da minha grade curricular, era bem espaçada, e outra, também tinha a
parte prática. No primeiro ano, a gente ia lá pra Cidade Universitária, quando a gente voltava
para escola, não precisava mais descer.
Depois do curso, você escolhia o hospital que você queria trabalhar, naquele tempo
quando eu me formei era isso, você escolhia. Como meus pais são portugueses e eu fiz
Enfermagem, eu quis dar um agrado para eles trabalhando um pouco na Beneficência
Portuguesa, outra coisa que me direcionou ao lugar que eu iria trabalhar foi que na época
existia enfermeiro assistencial, enfermeiro supervisor ou administrativo, então em qualquer
hospital que você fosse trabalhar em São Paulo, seria como enfermeiro administrativo. Existia
dois hospitais que trabalhavam com enfermeiros assistenciais, que era o Osvaldo Cruz e a
Beneficência Portuguesa, então primeiramente eu escolhi a beneficência por questão da
família, da cultura portuguesa, e eu também já tinha feito estágio remunerado lá.
No Oswaldo Cruz, muitas pessoas da minha sala faziam estágio remunerado. Então
acabou a sala se dividindo, teve outros que foram para outros hospitais. Então, minha decisão
foi essa, podia escolher qualquer um. Pode-se dizer que enfermeiro com o diploma da USP
qualquer porta era aberta, trabalharia em qualquer lugar que eu quisesse.
No que tange à relação com os médicos, como eu fui trabalhar na parte assistencial, os
médicos me respeitavam muito, eles não respeitavam o enfermeiro administrativo, diziam que
só cuidavam dos papéis. Trabalhava na UTI, e tinha uma relação muito boa com os médicos, a
gente se respeitava mutuamente.
192
Na beneficência eu trabalhava na ambulância UTI, saíamos um enfermeiro, um
motorista e um médico, só nos três, então tínhamos que trabalhar em conjunto, cada um fazia
a sua parte e um ajudava o outro o máximo possível.
Participante 19
Ingressei na faculdade de Enfermagem em 1971. Antes, trabalhava na Eletropaulo
como escriturário, entre 1968 a 1969, depois trabalhei no Tribunal de Contas do município.
Sempre quis área da Saúde, e não tinha muitas condições de me manter, então a gente
tinha que trabalhar. Fiz cursinho e no segundo ano eu entrei na USP. Naquele ano entraram
cinco rapazes, foi um verdadeiro reboliço. As professoras achavam que na Enfermagem tinha
que fazer um ato de devoção, tinham dificuldades com as relações.
Em relação à minha família, adoraram minha escolha porque fui um dos primeiros a
entrar em uma universidade pública. Para quem saiu de uma escola particular de nível ruim,
foi um grande mérito. Meus amigos gostaram, mas não entenderam porque eu fui abandonar o
trabalho na prefeitura, que eu podia ter feito administração e ser um auditor de rendas por
exemplo.
Essa noção de preconceito que a gente fala, na verdade eu nunca senti isso. Sempre fui
respeitadíssimo, nunca tive problema nenhum, sempre tinha brincadeiras, mas acho que se
respeita a inteligência e a capacidade, não o fato de ser homem e mulher. Agora ser homem na
Enfermagem é muito mais problemático para as enfermeiras do que para os outros
profissionais, pois eu acho que as enfermeiras acham que a profissão de enfermeiro é
essencialmente feminina, só que não é verdade. Acredito que uma grande oportunidade de a
mulher mandar nos homens de uma maneira machista é ela sendo enfermeira.
Problemas de relação com as colegas de classe eu nunca tive, me relacionava muito
bem. Como me sobressaía um pouco como elemento reivindicador do grupo, não era muito
bem visto, era marcado pelas professoras. Depois, no final do segundo ano, no início do
terceiro, prestei uma prova no SENAC e comecei a dar aulas, no terceiro ano e naquela época
podia.
O que eu sentia na época com relação à grade curricular, achava fraquíssima em
termos de conhecimento científico, nós passamos uma época estagiando com o auxiliar de
Enfermagem, que fazia sondagem vesical, dilatação da uretra, porque não tinha uma
professora que acompanhasse a gente. Em Pediatria, o curso inteiro foi focado em ludoterapia.
193
Acho que a USP era muito teórica, quando conversávamos com outros alunos de
outras faculdades, se reunia em encontros, como com o pessoal da paulista - UNIFESP, da
Santa Casa, a gente via uma diferença tremenda de aprendizado entre eles e a gente. A gente
tinha um volume de matéria espetacular, mas prática era pouquíssimo. Vim conhecer uma
UTI depois de formado, então achava o currículo desatualizado, muito aquém das minhas
necessidades e muito aquém das minhas expectativas.
Uma das poucas professoras que se sobressaía era a Wanda Horta, espetacular essa
mulher, tinha uma visão de futuro fantástica e algumas outras que eram também talentosas,
sabiam muito de ciência.
Minha inserção no mercado de trabalho foi rápida, já saí empregado, na época o HC
era o grande consumidor da EEUSP, na verdade existia até uma preferência pelos alunos da
USP. Então quem tivesse interesse já estava empregado. Naquela época você não tinha
concorrência, se você tivesse tempo e se o dia tivesse 48 horas e se você quisesse trabalhar em
quatro empregos, você trabalharia em quatro empregos.
Fiquei nove meses na Psiquiatria do HC, depois fui para a UTI do INCOR que estava
recém construído. Trabalhei também no ambulatório, fiz muito eletrocardiograma, aprendi
muita coisa. Virei referência no atendimento de emergência, toda unidade que tinha
emergência, que eu estava presente, eles me chamavam para atender.
Com relação aos médicos, tive um ótimo relacionamento. Quando tive problemas,
foram da ordem de posicionamento mesmo, na grande maioria médicos acham que os
enfermeiros deveriam obedecer às ordens médicas, e eu só obedeço a ordem médica se ela é
feita com critério, coisas que eu acho que eu não devo fazer eu não fazia.
Participante 20
Estava fazendo cursinho Objetivo na avenida Paulista, acabei fazendo somente um
semestre. Queria entrar na USP por questões financeiras pois minha família não poderia arcar
uma faculdade particular. Um dos professores do cursinho me orientou a fazer Enfermagem
ao invés da Medicina, primeiro pela facilidade maior de passar no vestibular, e em segundo
por se formar mais rapidamente, e em terceiro por começar a trabalhar mais rapidamente.
Devido à falta de profissional universitário na área da Enfermagem, começa a ganhar mais e
como existiam poucos homens, teria uma chance maior de conseguir cargos de chefia.
Quando esse professor me falou dessas possibilidades, era um professor que eu
respeitava muito no cursinho, acabei optando pela Enfermagem. Conversei com a família
194
antes, para obter a aprovação e até acredito que para eles foi uma surpresa, pois não havia
ninguém na área e pensavam em áreas comuns como Engenharia, Direito ou Medicina, não se
pensava em Enfermagem em nível universitário.
Os familiares ficaram surpresos, mas me apoiaram na minha decisão. Meus amigos
não interferiam porque cada um estava preocupado com seus próprios futuros, não senti
nenhuma situação de desdouro, nenhuma brincadeira, ou que tenha caçoado, foi tudo
tranquilo.
Confesso também que a relação com as professoras e com as colegas da graduação foi
muito boa, sempre ocorreu muito bem tanto comigo, como com os outros colegas homens,
nunca ocorreu nenhuma situação que marcasse ou que gerasse constrangimentos, ou mesmo
isolamento em situações, nunca vi nem senti isso.
Fiquei impressionado com a graduação, aprendi bastante nas cadeiras básicas como
Microbiologia, a parte de Anatomia, depois até me dediquei a esta área. Mesmo na
Enfermagem, desde como se fazer a cama de um paciente até a limpeza de um curativo, do
mais limpo para o mais sujo, disposição dos materiais, achei bastante pertinente. Ainda que eu
não pratique, tudo aquilo que me foi ensinado está dentro de mim, ficou bastante marcado.
Com relação aos estágios, nunca tive dificuldade, nem com as professoras com as
instituições. Fiz todos os estágios de Ginecologia e Obstetrícia, no Amparo Maternal, no
próprio HC, ocorreu tudo bem.
Enquanto estava na faculdade, no primeiro ano tivemos Anatomia no ICB na Cidade
Universitária, acabei desenvolvendo um certo interesse por Anatomia e deixei transparecer
esse interesse até sem querer, tanto que quando acabou o semestre, os professores de
Anatomia, que na época eram dentistas, me convidaram se eu não queria ficar como monitor
voluntário sem nenhuma remuneração, depois até ganharia um certificado.
Aceitei até pelo prazer que tinha com a Anatomia, do que pelo currículo. Depois,
claro, aprendi que o currículo também é importante. Fiquei dois anos como monitor
voluntário, perceberam minha dedicação. Fiquei mais dois anos como monitor bolsista,
quando acabou a bolsa, fiquei mais um ano como estagiário da Anatomia.
Quando estava me formando, me inscrevi para o curso de doutorado, era o último ano
na USP em que se poderia entrar no curso de doutorado direto em Anatomia. Me inscrevi e
felizmente passei, até por ser filho da casa, conhecia todos os professores de Anatomia do
ICB. Acabei entrando direto no doutorado.
Não cheguei a exercer a Enfermagem depois de formado, tanto que depois que paguei
a primeira anuidade do COREN, seis meses depois já estava no doutorado, percebi que não
195
exerceria a profissão, e então pedi o cancelamento da minha inscrição no COREN até para
não precisar ficar pagando anuidade, portanto tenho meu COREN cancelado.
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APÊNDICE G - CRONOGRAMA
Anos 2014 2015 2016
Atividades / Semestre
4º
Sem 1º Sem 2º Sem 3º Sem 4º Sem 1º Sem 2º Sem 3º Sem 4º Sem
Encaminhamento do projeto de mestrado X X
Encaminhamento para Comitê de Ética X X
Participação no Grupo de Pesquisa X X X X X X X X X
Coleta de dados X X X
Tratamento e análise dos dados
X X X X X
Apresentação do trabalho em evento cientifico X X
Previsão de desenvolvimento de dissertação
X X X X X X
Previsão de créditos em disciplina X X X X
Elaboração da dissertação
X X X
Elaboração de artigos para publicação
X X
Finalização da dissertação X X
Defesa pública X
Revisão bibliográfica do assunto central da pesquisa X X X X X X X X X