Boxer Fidalgos e Bailadeiras

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    FIDALGOS PORTUGUSES E BAILADEIRASINDIANAS.Sculos XVII e XVIII).

    "A raa portuguesa", escrevia o preclaro investigador quefoi Sousa Viterbo, " tida e havida como uma das que mais fa-cilmente se acclimam, das que mais facilmente fraternizamcom as raas indgenas, qualquer que seja a sua procedncia .Na Africa, na Asia, na Amrica, na Oceania, o cruzamento ef-fectua-se sem obstculo. Affonso d'Albuquerque, querendo fir-mar p no O riente, repartiu pelos seus soldados as captivas deGoa, e foi um dia de jbilo, um dia de festa pag, aquelle emque se effectuou o consrcio. Esta facilidade, se por um ladoum incentivo para a colonizao, por outro lado de certo umgrave defeito, porque tende a neutralizar, a apagar, as qua-lidades superiores de raa dominante. Nisto se distinguem emuito os ingleses, que em toda a parte se extremam, conser-vando-se a distncia das raas nativas. As alianas sam poucovulgares, e dominadores e dominados guardam entre si as mes-mas reservas, que as differentes castas na India" (1) .Embora possamos concordar plenamente com a primeiraafirmao do douto e probo escritor, parece que tdas as outrasobservaes precisam de modificaes mais ou menos impor-tantes. E seno veremos. Em primeiro lugar, exagro mani-festo dizer-se "o cruzamento effectua-se sem obstculo" . Averdade que as autoridades eclesisticas e seculares muitasvzes mas nem sempre favoreceram ou pelo menos tole-ravam os casamentos entre hom ens portuguses e m ulheres in-dgenas quando estas eram crists; mas tanto a Igreja comoa Cora fulminavam e legislaram contra as unies ilcitas ea concubinagem que s vzes atingiram propores singulares(2) . Alm disto, basta recordar as injunes de tantos Conc- Sousa Viterbo, Os Portugueses e o Gentio (Coimbra, 1896) p. 6, d sepa-rata do Instituto, vol. XLIII. Vide, como exemplo tpico, a carta do Padre Nicolau Lanelloto S. J., d.

    Coulo, 5 de dezembro de 1550, em A. da Silva Rego, Documentao paraa histria das misses do padroado portugus do Oriente-India. (12 vols.,Lisboa, 1949-1958), vol. VII, p. 37. Seria muito fcil multiplicar tais queixasda correspondncia dos Religiosos na ndia e algures.

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    lios Eclesisticos celebrados em Goa, a comear pelo primeiroem 1567 , contra a mstica conversao dos infiis com os fis ,mandando e defendendo que nenhum fiel tenha estreita ami-zade e conversao com infiel (3) . E' bvio que tais ordensrigorosas nem sempre eram obedecidas ou sequer acatadas,mas nem por isso deixaram de constituir srios obstculos con-tra o livre cruzamento de raas.Em segundo lugar, os to apregoados casamentos feitos porordem de A fonso de Albuquerque, embora fssem celebradosnum dia de jbilo para aqules consrcios, eram materiade zombaria entre alguns fidalgos... porque como a gente no-bre fazia mais conta de se tornar a este Reyno de Portugal quedos casamentos delle . Basta recordar a defesa de Albuquer-que que Joo de Barros lanou na sua Dcada Segunda LivroV, cap. XI e a sua comparao daqueles casamentos com orapto das mulheres sabinas pelos romanos. Nem todos os su-cessores de A lbuquerque aprovaram a sua poltica de favore-cer os casamentos mistos, at com as m ulheres convertidas Cristandade . Dado, porm, a escassez de m ulheres brancas, ti-veram de conformar-se com stes cruzamentos, mormente por-que, como escreveu o Padre Ferno de Queiroz S. J., em Goano ano de 1687: "ainda hoje he rarissimo o parto de mulherPortugueza, em que no morra a may e a criatura (4) .Em terceiro lugar, dado que os inglses nunca se mistura-vam com os povos de cr no mesmo grau em que o fizeram osportuguses, contudo houve bastante mistura entre inglses emulheres da ndia, quer ndias quer mestias, antes da pocadas guerras napolenicas . Foi s ento que muitas mulheresbrancas deixaram o Reino Un ido para acompanhar os noivos ouos esposos, ou para os buscar entre os empregados da Compa-nhia das ndias. Foram estas mulheres brancas, mais de queas autoridades da Com panhia, que dificultaram a coabitao deseus compatriotas com mu lheres de cr; uso que tinha sido atento seno a regra geral pelo menos muito comum, como sepode ver das relaes e literatura da poca, e por sinal nas

    O Primeiro Conclio Provincial celebrado em Goa, no anno de

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    Memrias encantadoras do velho William Hickey (5) . Mesmoassim, cruzamentos, seno casamentos, inter-raciais continua-vam a ser bastante comuns at grande catstrofe de 1857.Foi sobretudo o chamado "Motim" "Primeira Guerra daindependncia que ps trmo a ste estado de coisas e inau-gurou aquela atitude de averso e desdm, quase profilticapor assim dizer, a que aludia Sousa Viterbo cinqenta anosmais tarde . No se pode esquecer tambm que a atitude dosinglses perante ste problema no Novo Mundo no foi sem-pre a mesma em todos os lugares e em todos os tempos. Hojeem dia o viajante pode observar as grandes diferenas que ha ste respeito entre as vrias ilhas das ndias Ocidentais Bri-tnicas em Jamaica, Antgua e Barbados, por exemplo .A paixo dos portuguses pelas mulheres indianas, reben-tou logo nos primrdios da conquista e ocupao da terra. Semfalar no caso conhecidssimo do jovem fidalgo, Rui Dias, que"morreu por amor" duma mulher moura, sendo enforcado porordem de Afonso de Albuquerque em 1510, o Terrvel em ou-tubro do mesmo ano queixava-se do procedimento dos "cala-fates e carpynteiros com molheres de c e trabalho em terraquente, como pasa hum ano nom sam m ais homens (6) . Hou-ve tambm o caso escandaloso, narrado pelo cronista coevo, Gas-par Correia, do frade franciscano que tinha o seu amor de per-dio" com uma mulher malavar no ano de 1523 (7) . Mas aclasse de mulheres que mais trabalho e cuidado deu s autorida-des eclesisticas e seculares da ndia Portugusa eram as famo-sas -- e formosas segundo alguns Bailadeiras Indianas dasterras vizinhas de Goa. A primeira medida legislativa tomadacontra elas, segundo parece, era a carta de lei promulgada pelovice-rei Conde da Vidigueira em 27 de outubro de 1598, quereproduzimos em apndice docum ental; mas esta lei parece tervisado principalmente os bailadores gentios e s fala de passa-gem em bailadeiras.O quinto Conclio Provincial, celebrado na "Santa S deGoa no ano do Senhor de 16 06, ordenava que: Nas procissesno haver m oas cantadeiras, tangedeiras, nem bailadeiras denenhuma sorte, nem vestidas em trajos de homens, nem nosprprios de mu lheres . O decreto 12 do mesmo Conclio obser-vava que "como no ha cousa que mais incite a sensualidade,

    Memoirs of William Hickey (4 vols., London, 1923). Cartas de Affonso de Albuquerque (ed. Bulho Pato e outros, 6 vols., Lis-boa, 1884-1915) vol. I, p. 21. Lendas da ndia, II, 930-931, apud Silva Rego, Histria das Misses do Pa-droado Portugus do Oriente. ndia, vol. I (Lisboa, 1949), pp. 160-161.

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    que can tos, e bailes lascivos, e deshonestos , dicidiu-se proibirestreitamente que no haja escollas em que ensinem a cantar,a bailar, ou tanger moas" . Desejavam assim os prelados daigreja de Goa obviar "aos males que se seguem na republicada multido das moas tangedeiras, e bailadeiras, que ha nesteEstado . Tambm ameaavam proceder contra tdas as pessoasque assistiam aos tais bailes lascivos e desonestos (8) . Estasadmoestaes foram reimpressas em 1643 e 1649, mas no bas-tavam para acabar com o trato das Bailadeiras que antes cres-cia de que minguava, como se v dos documentos impressos noApndice Documental.Em 8 de dezembro de 1698, o Arcebispo-Primaz da ndia,D. Frei Agostinho de Anunciao, escreveu uma carta para El-Rei D. Pedro II, comeando assim: "So as bailadeiras gentiasnestas terras de Vossa Magestade crueis Parcas das vidas dosseus vassalos, ruiva total dos seus cabedaes, e taes que o Mogoras no consente em suas terras excluyndo-as delias com penade morte" . O Arcebispo Primaz pediu Cora que mandassereforar a legislao nom inal contra elas, ou, pelo menos, cons-trang-las a assistir D outrina Crist aos dom ingos e dias san-tos (9) . Tambm publicou uma Pastoral proibindo o exercciodos bailes das gentias, e induziu ao Vice-Rei Almocatem-Mor,Antnio Lus Gonalves da Cmara Coutinho, a deitar um bandoem 27 de janeiro de 169 9, pelo qual proibia que nenhuma dasditas gentias morasse em nenhuma das terras deste Estadonelle declaradas, sob pena de morrerem morte natural todas asvezes que nellas forem achadas, sem remisso, nem se lhe ad-mittir sobre este particular nenhuma defensa" (10) . O Vice-Rei assim plenamente concordava com o Arcebispo Primaz, es-crevendo a El-Rei que tais bailadeiras gentias ero a causa dese destruirem estes moradores e soldados em seus cabedaes ena saude , em carta sua datada de 9 de dezembro de 17 00.Entretanto, depois de ter recebido a carta e P astoral do Ar-cebispo Primaz, mas antes de ter conhecimento do bando dei-tado pelo Vice-Rei Almotacem-Mor, El-Rei escreveu para estaltima autoridade em 6 de maro de 17 00, mandando-lhe pas-sar hum Alvar em forma de ley, em que prohibaes absoluta-mente a entrada destas gentias, que vem assim das terras de

    Archivo Portuguez Oriental (ed. J. H. Cunha Rivara, 8 vols., Nova Goa,1857-1875), fasc. IV (1862), pp. 235, 266. Carta original do Arcebispo-Primaz, d. Goa, 8 de dezembro de 1698, como parecer do Conselho Ultramarino em Arquivo Histrico Ultramarino Lis-boa, "Documento da ndia, 1696-1698" Caixa 37. Cpias em British Museum,Add. Mes, 20883, fls, 148-150.-- BM, Add. Mes. 20883, fl. 246 v. APO, fasc. VI (1876), p. 563.

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    Sambagi como das do M ogor para as de Goa, impondo as penasque vos parecerem convenientes" . Contudo D. Joo V acres-centava que "supposto se reconhea o zelo com que o dito Ar-cebispo procura impedir todos os meios s offensas de Deos,querendo que a sua Pastoral se extenda aos bailes que cadahum faz em sua caza com a sua familia e escravos; Me pareceodizer-vos que estes se devem permittir, no se fazendo publicosnem escandalosos, porque em tal caso devem ser castigados as-sim os senhores como a sua familia com a pena que parecer con-digna a sua culpa . El-Rei igualmente se mostrava contrrio idia do Arcebispo Primaz de constranger as bailadeiras (e ou-tras gentios e gentias) a ouvir palavra do Evangelho e dou-trina crist aos domingos e dias santos. Num rasgo de tolern-cia religiosa algo surpreendente no "beato" D. Joo V, steobservou que seria melhor e mais acertado introduzir a santareligio catlica com tda a brandura e no por fra . Reco-mendava ao Vice-Rei, pois, que o caminho mais suave que sepode offerecer para a sua converso, he mandarem-se Religio-sos de todo o espirito a prgar-lhe a ley de Christo SenhorNosso nos m esmos lugares em que assistem, porque assim nos ser mais facil a sua redeno, mas muito mais segura semo receio de que os violentem a abraarem contra sua vontadea luz da verdade" (11) .Logo depois de ter recebido esta carta rgia, o Vice-ReiAlmotacem-Mor mandou ratificar o seu bando do ano anteriorcontra as bailadeiras gentias em terras do Estado, e reduziu-oem Alvar em forma de lei que promulgou em 12 de outubrode 1700. Notificando a Cora de ter assim procedido, pediu areal confirmao, "para que nesta materia fique para semprefirme sem alterao alguma" . Acrescentava que as outrasmedidas contra os gentios advogados na Pastoral Arquiepis-copal de 1698, que El-Rei no approvava, nunca tinham sidoaplicadas "pelos mesmos inconvenientes que Vossa Magesta-de declara nesta sua carta; e assim fiz com o dito Arcebispologo naquelle tempo desistisse da sua Pastoral, como a de osobrigar a hirem s Igrejas, e como o dito Arcebispo he muitoamigo da rezo e do bem commum, logo desistio tanto que lhecommuniquei esta materia; com que nada disto chegou a tereffeito, e se acabou em toda a paz e quietao" (12) .

    Carta Rgia de 6 de maro de 1700, em APO, fasc. VI (1876), pp. 561-562. Carta do Vice-Rei de 9 de dezembro de 1700, em APO, fasc. VI (1876), p.562. Reproduzimos no apndte documental (nmero 2) a carta de lei de12 de outubro de 1700. A confirmao real desta lei foi dada em cartargia de 18 de maro de 1702 (B. M. Add. Mes. 20883, fl. 246).

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    8 , 3Esta resposta tranquilizadora indica um estado de coisasque no durou muito tempo. Passados poucos anos, o Arcebis-po Primaz renovou as suas queixas contra a tolerncia esten-dida s bailadeiras gentias, incriminando o novo V ice-Rei, C ae-tano de Melo e Castro, de as proteger; como succedera em odia da procisso de Passos, quando em o caminho comearo asbailadeyras a tanger para principiarem o seu baile, com gran-de escandalo, e se continuava em toda a noite, assistindo algunsministros em o verem, despresando as penas, e dando nisto maoexemplo aos mais" . Em vista desta informao do ArcebispoPrimaz, E l-Rei ordenava por carta sua de 10 de janeiro de 1708,que as autoridades da ndia Portugusa deviam guardar invio-lvelmente a lei que se passou sbre se proibirem as tais bai-ladeiras. Da resposta de D . Rodrigo da Costa, sucessor de Cae-tano de M elo e Castro, e sobretudo da carta do Padre Fr. Lucasdos Remdios O.F.M., que reproduzimos em apndice documen-tal, parece que houve bastante exagro na acusao formula-da pelo Arcebispo Primaz; mas tambm fica claro que as bai-ladeiras gentias eram, de fato, toleradas no lugar de Valverdenas/ terras de Bardez, pelo menos durante alguns anos (13) .No era smente em Goa que o escndalo das bailadeiras

    gentias indianas e os seus amantes poderosos entre os fidalgosportuguses continuava, mas tambm na chamada "Provinciado Norte", cuja capital ou metrpole era a famosa cidade deBaaim. Entre os fidalgos que protegiam as bailadeiras sobres-saiu Francisco Pereira da Silva, que durante muitos anos (1696-17 16 pelo menos) ocupava o alto cargo de General da Armadado Estreito de Ormuz e Mar Roxo", ou seja o posto martimo-militar principal entre os portuguses na Asia. A paixo dsteoficial pelas bailadeiras era notria; e a julgar pela correspon-dncia das au toridades de G oa, tanto seculares como eclesis-ticas, foi levado a ponto que s vzes o divertiu das suas for-osas obrigaes militares. Vejamos um caso tpico.Em fevereiro de 1714 o V ice-Rei Vasco Fernandes Csar deMeneses (mais tarde Conde de Sabugosa e Vice-Rei do Brasil),queixava-se acerbamente do procedimento do General Fran-cisco Pereira da Silva em ficar dois meses ou mais com a suaArmada em B aaim, em vez de buscar e derrotar a armada ini-miga dos rabes de Muscat (Mascate) que ameaava as terrasdo Norte. O Vice-Rei observava que no era natural a demorafeita pela armada portugusa, concluindo que era de se aguar-(13). Correspondncia sbre ste assunto nos anos de 1708-1709, impresso em APO,fasc. VI (1876), pp. 204-208, e a carta de Fr. Lucas dos Remdios OPM, reim-pressa em apndice documental, nmero 3.

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    dar um castigo divino evidente, originado no culto e veneraoque os portuguses da India, e especialmente os do Norte, fa-ziam s "Deusas ou balhadeiras da India, que at me constaque pessoas eclezisticas lhe offerecem vtimas nesse Norte" .Em carta escrita ao prprio General Francisco Pereira da Silva,o Vice-Rei comentou amargamente que era s na sia Portu-gusa que se fazia gala de tais pecados (14) . Como veremosabaixo, um dos sucessores do G eneral Pereira da Silva, o briosoaoreano Antnio de Figueiredo e Utra, foi alvo de crtica aindamais .mordaz alguns anos mais tarde. No entanto, as medidastomadas por Vasco Fernandes C sar de Meneses contra as bai-ladeiras de Goa encontraro eco muitos anos depois na His-tria da Amrica Portugusa de Sebastio da Rocha Pitta, on-de so referidas com aprovao no dcimo livro daquela obra .Que o alvar em forma de lei publicado contra as bailadei-ras gentias em outubro de 17 00 pelo Vice-Rei C aetano de Meloe C astro no fra de grande efeito, pode ver-se do processo for-mado contra D. Lus de Meneses, Conde da Ericeira, Vice-Reido Estado da ndia em 1717 -1720. Depois do seu regresso Eu-ropa foi acusado, entre outros muito desacertos, de ter assisti-do "aos bailes torpes" das bailadeiras gentias na terra firmevizinha de Goa, e tambm nas prprias terras do Estado. D.Lus de M eneses constestava estas alegaes com grande ener-gia e muito luxo de argumentos jurdicos; mas na sua defesajudicial admitiu que as bailadeiras ainda funcionavam em ter-ritrio portugus apesar do citado alvar de 1700. Explicavale: "Porque no s antes mas depois do dito alvar em todas,ou ao menos na maior parte das festas publicas que houve emGoa, foro sempre chamadas e conduzidas por ellas as ditas Bai-ladeiras, e todos os Vicereys e governadores antecessores doExmo. Embargante assistio sempre aos seus bailes como henotorio a todos os que vivero e vivem naquelle Estado; enten-dendo, e observando a prohibio do dito alvar a respeito damorada e habitao permanente das B ailadeiras, mas no a res-peito das suas assistencias transeuntes (15 ) .

    Cartas do Vice-Rei para o General do Norte e o General da Armada doGlfo Prsico, de 20 de fevereiro de 1714, resumidas no Boletim da FilmotecaUltramarina Portugusa, vol. II (Lisboa, 1956), pp. 376-377. No AHU Lis-boa, "Documentos da ndia, 1696-1745", Caixas 37, 37-A e 38, h mais do-cumentos que dizem respeito ao procedimento do General Pereira da Sil-va e as queixas formuladas contra le. "Com todo o devido respeito o Exmo. Conde da Ericeira Dom Luiz deMenezes tem legtimos embargos setena fl. 525, e assim de que se re-forme na parte que he contra elle, dis por esta, e pela melhor via dedireito" (B. M, ASS. Mss. 20953, fls. 261-277, sendo as nossas citaes dasflhas 262-266).

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    Alegava mais o referido Conde Vice-Rei que "nos termosreferidos deve reconhecerse por indubitavel no haver ley al-guma que prohiba o asistir aos bailes; e por consequencia de seintervir a elles no pode resultar culpa, e menos contra o Exmo.embargante, que nunca os vio procurando-os direitamente; e sem tres unicas ocasies os permitio na sua presena, indo vizi-tar a provincia de Sa lsete e aprestala das fortificaes, com quea deixou inconquistvel, e com esta ocazio vio tres bailesno terreiro de Rachol defronte das cazas dos Generaes da Pro-vncia, assistindolhe os fidalgos e officiaes de guerra e justi-a, que sempre o acompanharo; o que no s no foi contraa sua autoridade, mas antes m uy conforme a ella por causa douso da terra, onde costumo fazer-se aos Reys Asiaticos seme-lhantes festejos; E o excellentissimo Embargante consentiotambem que se lhe fizessem por representar a magestade deEl Rey nosso Senhor, e ser em todo aquelle Estado seu lugar-tenente" . Argumentava seguidamente, 'que os ditos bailesno foro deshonestos, nem lascivos, nem menos era crivei, nemverosimil, que se fizessem to publicamente na prezena do V iso-Rey e dos Ministros que o acompanharo na ocazio do feste-jo pela sua entrada nas terras de Salsete; o que faz ainda me-nos estranhaveis os ditos bailes .Depois de apresentar muitos outros argumentos em suadefesa, o ilustre embargante concluia que nos trs nicos bai-les que le "consentio se fizessem na sua prezena por osten-tao e grandeza conforme o uzo dos Reys Asiaticos, ordenouque na mesma noite em que se acabavo, se recolhessem asBailadeiras s suas terras com toda a cautela, como entendeha de constar pelas mesmas testemunhas da devaa que fala-rem nesta materia", alegando por fim que le "sempre viverana India com grande modstia e continncia, e assim o jurotodas as testemunhas ao mesmo artigo, com as quais concor-&,o as outras, que ero pessoas qualificadas, como Ministros,Religiosos, e officiaes de guerra de inteira f e crdito, e semsuspeita . Parece, porm, que os argumentos do Conde da Eri-ceira no convenceram de todo o real amante de Madre Paula.O moroso processo institudo contra o seu procedimento noGovrno da Asia Portugusa no acabou de ser resolvido emseu favor at ao ano de 1736, quando finalmente foi restitudo graa de D. Joo V, sendo nomeado Vice-Rei da ndia pelasegunda vez quatro anos mais tarde (16) .(16). Cf. D. Jos Barbosa, Eptome da vida do senhor D Luiz Carlos Ignacio

    Xavier de Menezes, Primeiro Marquez do Lourial, Quinto Conde da Eri-ceira, duas vezes Viso-Rey do Estado da India (Lisboa, 1743); Elogio

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    = 91Como era de esperar, a atitude de relativa tolerncia p-ra com as bailadeiras gentias mostrada por alguns dos Vice-Reis, no agradava aos arcebispos de Goa que sempre denun-ciavam os males reais e supostos que a presena das bailadei-ras trouxeram ao Estado. Assim, Fr. D Incio de Santa Te-reza, natural de Matosinhos e Arcebispo Primaz do Estado dandia durante muitos anos (17 21-17 40), num Tratado que es-creveu em 1725 sbre os meios de reformar a vida espirituale temporal dos portuguses na sia, denunciava o trato deaquelas mulheres gentias nos trmos seguintes:"Aqui pertence finalmente juntar hum dos maiores escan-dalos da India, por pertencer de algum modo Religio, quehe o comercio e comunicao com as bayladeiras gentias, ser-vidoras dos Pagodes, as quaes o que tiro das grossas mezadasque lhes pago os Portuguezes, convertem em edificaes denovos pagodes, reedificaes dos antigos, ornato, e riqueza dosIdolos, concorrendo talvez os seos amasios com o dinheiro de-terminadamente para o Pagode, e existindo algum erecto como titulo de certo cavalheiro Portuguez, que ainda hoje vive,pelo muito que deu Bayladeira para a sua ereco. Porm

    adiante tocaremos alguma couza neste particular dos danos,no s espirituaes mas tambem temporaes, que esta pessimacarta de harpias e furias infernaes tem cauzado e cauzo a to-do o Estado" (17) .Muito embora o Arcebispo Primaz no nomeie explicita-mente o fidalgo portugus que tanto se desmandou em patro-cinar as bailadeiras, tudo leva a crer que le aludiu ao Gene-ral da Armada do Estreito, Antnio de Figueiredo de Utra, aquem j aludimos acima. Pelo menos tdas as circunstnciasalegadas por Fr. D Incio de Santa Teresa concorreram nestefidalgo aoreano, como veremos no apndice documental abai-xo. Ainda no ano de 1732 era acusado de ser protetor e patro-no das bailadeiras, juntamente com o seu colega militar, o Co-

    do mesmo Conde-Vice-Rei pelo futuro Marqus de Pombal, em Cartas eObras Selectas do Marquez de Pombal (5a. edio, Lisboa, 1861), vol. I,pp. 109-142, ou seja a edio de 1757 que tenho na minha biblioteca.(17). "Estado do prezente Estado da India. Meyos faceis e efficazes para oseu augmento e reforma espiritual e temporal. Tractado Poltico, Moral,Jurdico Theologico, Historico e Ascetivo. Escrito na India no anno de1725", (cdice original de 79 flhas in-flio, na coleo do escritor destaslinhas), fl. 24. Cf. tambm os excertos do mesmo Tratado reproduzidosem apndice documental infra. Sbre o autor veja Barbosa Machado,Biblioteca Lusitana, in vote Ignaco de Santa Teresa, e a vasta documen-tao indita a seu respeito no AHU Lisboa "Papis da ndia, 1721-1741".

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    92 --ronel Antnio da Fonseca Freire (18) . Trs anos mais tarde, oVice-Rei Conde de Sandomil num ofcio informando El-Rei s-bre a conduta das principais pessoas da ndia Portugusa es-creveu dle: "He muyto vallerozo, e bem afortunado, e noouvi delle mais deffeitos, que os da incontinncia com bailha-deiras, e alguma dem azia no vinho, mas consta-m e, como j fizprezente a Vossa Magestade, que elle est emendado" (19) .Ou a emenda foi sincera e duradoura, ou Antnio de Figuei-redo e Utra foi duma robustez invejvel. Num ofcio do Vice-Rei M arqus de Castelo Novo em janeiro de 17 46, descrito co-mo tendo mais de setenta anos de idade mas ainda forte e ro-busto. Era ainda vivo e servindo no posto de General da Ar-mada de alto bordo quando o M arqus de Tvora substituiu o deAlorna no govrno da sia Portugusa (20) .E' de notar que o Vice-Rei Joo de Saldanha da Gama ad-mitiu em terras do Estado algumas bailadeiras refugiadas daguerra de Bicholim, no ano de 1726 ; limitando a sua assistncia,porm, a um lugar na Ilha de Santo E stvo, com a condio deno habitarem em outra parte, nem levantarem casas de telha.Dando conta a El-Rei das razes que o influiram a agir assimem despeito dos trmos da lei de 1700, le explicava: "Tem-semostrado a experiencia que por evitar maior mal se deve dissi-mular com a assistencia deste povo nas terras do Estado na for-ma sobredita, pois com ella tem cessado as desordens que secomm ettio nas terras firmes, a dependencia que os vassalos deVossa Magestade tinho de seus inimigos, a extraco de grossocabedal, a passagem da polvora que por meio delias se intro-duzia nas terras dos vizinhos, e ultimamente se tem evitado ou-tros peccados de maior escandalo . D Joo V , porm, no apro-vou a atitude do Vice-Rei, e em carta de 10 de maro de 1729ordenava a expu lso imediata de hum to impio povo, que athos gentios aborrecem , em trmos bem categricos e perempt-rios. O Vice-Rei respondeu em carta de 10 de novembro de1730, dizendo que a ordem real ficava executada, "e muito a

    Carta dos Governadores da ndia para El-Rei, d. Goa, 25 de janeiro de1732, em APO, fasc. VI (1876), p. 370. Um dos Governadores era o Arce-bispo-Primaz. Oficio do Vice-Rei Conde de Sandomil, Goa, 23 de janeiro de 1735, emJ. P. Celestino Soares, Documentos Comprovativos do Bosquejo das pos-sesses portuguezas no Oriente. III (Lisboa, 1853), p. 31. Oficio do Vice-Rei Marqus de Castelo Novo, Goa, 25 de janeiro de 1746,em Arquivo das Colnias, vol. V (Lisboa, 1930), p. 114; Jos Freire deMonterroio Mascarenhas, Epanaphora Indica, Parte VI (Lisboa 1752),

    pp. 44-45.

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    meu prazer , mas o desenrolar do tempo m ostrava que tal exe-cuo foi to passageira como tdas as medidas anteriores (21).Os trs membros do Conselho Governativo a quem o Vice-Rei Joo da Saldanha da G ama largou o poder quando le em-barcou para Portugal em 23 de janeiro de 17 32, escreveram doisescassos dias depois a El-Rei que algumas bailadeiras se acha-vam com licena na Ilha de Manuel da Motta, situada entre aIlha de D ivan e a de San to Estevo, mais perto desta cidade, doque antes estavo . O Conselho Governativo era informado mas tem alguma inverosimilidade acrescentava cautelosamen-te que a dita licena fra concedida pela influncia do Gene-ral Antnio de Figueiredo e Utra e do Coronel Antnio da' Fon-seca Freire, como acabamos de ver acima (22) . No ano seguinte,o Vice-Rei Conde de Sandom il mandou ab rir uma devassa con-tra um tal Felix de Andrade, "sobre o trato e communicaoque tem com as bailadeiras , mas no sabemos como correu oprocesso (23) . O mesmo C onde de Sandomil promulgou um Al-var de lei em 27 de maro de 1734, reiterando e at reforan-do a proibio contra as bailadeiras gentias em terras do E sta-do, mas duvidamos muito se esta ordem foi respeitada por mui-to tempo (24) . Seja como fr, a fama das bailadeiras de G oa prpriamente falando, das terras e ilhas circunvizinhas da ilhade Goa perdurou durante longos anos . Mesmo em 1850 , o ce-lebrado viajante ingls, Richard Burton, fz uma viagem a Se-roda para ver um estabelecimento destas mulheres . Ficou bas-tante desenganado com o que viu l; mas recolheu a histriaromntica dum compatriota seu, um oficial graduado do exr-cito de Bombaim, que tinha abandonado a sua carreira militarpor amor duma bailadeira daquela povoao, com quem enfimcasou e viveu ali at hora de sua morte (25) . Como se v,no faltaram as eqivalentes da celebrrima mulata brasileira,Xica da Silva, na ndia Portugusa de outrora.

    Correspondncia impressa em APO, VI (1876), pp. 303-304, 312-313, 366-.367; e lei de 28 de setembro de 1730, reproduzida em apndice documentalinfra. Da corerspondncia trocada entre ste Vice-Rei e as autoridadeseclesisticas (APO, VI, pp. 320-324) se colige que Joo de Saldanha daGama s opusesse ao trato entre portuguses e bailadeiras, e que toleravaa participao destas mulheres "nos cazamentos e entrudos" dos gentiosem territrio portugus. Carta do Conselho Governativo a El-Rei, Goa, 25 de janeiro de 1732, emAPO, VI (1876), p. 370. Cf. nota (18) acima. Carta do Secretrio do Estado ao Ouvidor Geral do Crime Panelim, 4 deabril de 1733, em APO, VI (1876), p. 400. APO VI (1876), p. 435, donde a nossa reimpresso no Apndice Documen-tal, nmero 6, infra. R. F. Burton, Goa and the Blue Mountains (London, 1851), pp. 117-135.

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    - 94. APN DICE DOCUME NT AL

    1. CARTA DE LEY CONTRA BAILADORES E BAILADEIRAS,GOA, 27.X.1598.Dom Philippe per graa de Deos Rey de Portugal e dos Algarvesdaquem e datem mar em Africa, Senhor de Guin, e da conquista, na-vegao, comercio d'Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, e dos Reinosde Maluco etc. Aos que esta minha carta de ley virem fao saber queeu sou informado que na ilha da Cidade de Goa e adjacentes a eliavo muitos bailadores das terras firmes gentios e mouros a fazer seu

    officio, e torno para ellas com o que ganho, que sempre he muitoem seu respeito, e nos ditos bailes e ensaios delles metem muitas cou-sas torpes, e cantigas ruins, e outras cousas que s por arte diabolicaas podem fazer, nas cantigas metem seus pagodes e idolatrias, o quetudo he contra o bem commum da republica christ, e contra a boacriao, que tanto trabalho e desejo os cultivadores do evangelho dearrancar e tirar dos novamente convertidos a nossa santa f catoli-qua, por aver j nas partes da India muitos christos, e homens e mu-lheres que com limpeza, e bom exemplo fazem o mesmo officio, e que-rendo evitar evitar este abuso to perjudicial ao servio de Deus emeu, e bem da Christandade, ey por bem, e me praz, e por esta mandoe defendo que da pubricao desta minha ley em diante, que o bai-lador, homem ou molher, que vier da terra firme cidade de Goa, ous ilhas adjacentes a ella, pague vinte pasdos pela primeira vez, epela segunda corenta, ametade pera os cativos, e outra pera o acusa-dor, e pela terceira serem degredados os homens dous annos pera asgals do estado, e as molheres sero cativas pera a minha fazenda, evendidas em pubriquo leilo a quem pore ellas mais der; e isto seentender nos bailadores mouros ou gentios que vierem da terra fir-me, e no nos meus vassallos moradores na ilha da dita cidade de Goa,e nas suas adjacentes, posto que sejo gentios; e esta minha ley noaver effeito seno despois que for apregoada na dita cidade e passosda dita ilha, e terras de Salcete e Bardez a hum mez. Notifico-o assya,) chanceler do estado que a faa apregoar, e passar certido nas cos-tas, ouvidor geral do crime, mais justias, officiaes, e pessoas a quepertencer, e lhes mando que o cumpro e guardem, e fao cumprir eguardar como se neste contem sem duvida nem embargo algum. Da-da na minha cidade de Goa sob meu sello das armas reaes da coroade Portugal a 27 de Outubro. El-Rey nosso Senhor o mandou por DomFrancisco da Gama, Conde de Vidigueira, Almirante, Viso Rey da In-dia etc. Antonio da Cunha a fez anno de 1598. Luis da Gama o fezescrever. O Conde Almirante, Viso Rey (1).

    (1). Arquivo Histrico do Estado da ndia, Goa, "Livro morato da Relao",fl. 120 verso, apud Archivo PortuguezOriental, fascculo VI (1876), pp.725-726.

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    95. ALVARA' ,EM FORMA DE LEY CONTRA BAILADEIRAS,GOA, 12.X.1700.Antonio Luis Gonalves da Camara Coutinho, Almotac mr doReino, do Conselho de Sua Magestade, Viso Rey e Capito. Geral daIndia etc: Fao saber aos que este Alvar em forma de ley virem quepor me serem presentes as repetidas offensas, que a Deos se fazio comassistencia das gentias Balhadeiras, que residio nesta Ilha de Goa,nas mais a ella adjacentes, como tambem nas terras de Salcete e deBardez, acrecendo ao escandalo de sua desordenada vida o precipiio,irreparaveis damnos que causavo aos catholicos com os seus vicios

    assym na vida como na fazenda, cujas desordens por todas as razesse devem atalhar para ter propicio a favor divino, e se conservar esteEstado no socego que convem sem as perturbaes do escandalo daalma, e os perigos da vida, e consumio da fazenda, que com ellasse destruhia, arruinando-se por esta cauza muitas cazas dos mora-dores desta cidade; e tendo a tudo considerao, e ao que Sua Mages-tade, que Deos guarde, foi servido escrever-me sobre este particularem carta de 6 de Maro deste presente anuo; Hey por bem de ratificarBando, que bandei deitar em 27 de Janeiro de 699, pelo qual prohibique nenhuma das ditas gentias morasse em nenhuma das terras desteEstado nelle declaradas, sob pena de morrerem morte natural todasas vezes que nellas forem achadas, sem remisso, nem se lhe admittirsobre este particular nenhuma defensa: E outrossy mando que assymse cumpra esta ley, e que nenhuma pessoa de qualquer qualidade, es-tado, ou condio que seja no admita em suas cazas, palmares, chal-les, ou quaesquer outras fazendas nenhuma das ditas gentias Balha-deiras, sob pena de serem presos, e pagar da priso todo aquele quefor fidalgo, ou gozar os privilegios da nobreza, mil xerafins para asobras da Ribeira, e perder juntamente o merecimento de todos os ser-vios que tiverem feito a Sua Magestade, alem de serem degredadosa meu arbitrio para as fortalezas deste Estado; e sendo naturaes daterra, incorrero na pena de aoutes, e de degredo para as galls portempo de nove annos; e quando sejo gentios, lhes ser cortado oSindy, e aoutados pelas ruas publicas, e ultimamente metidos na bragadas galls por tempo de dez annos. Notifico-o assym ao Chancellerdo Estado, mais ministros, officiaes, e pessoas a quem o conhecimen-to deste Alvar em forma de ley pertencer, para que assym o cum-pro, e fao inteiramente cumprir e guardar assym e da maneiraque nelle se contem, e o dem a sua devida execuo sem duvida al-guma, o qual ser publicado na forma do estillo depois de ser pas-sado pela Chancellaria, aonde no pagar os direitos della, nem osda meya annata, por se dirigir em benefcio do servio de Deos, edo de Sua Magestade, e outrossy se registar nos livros da mesmaChancellaria, Relao, Camara da Cidade, e nos da Secretaria do Es-tado. Pedro de Atayde o fez em Goa aos 12 de Outubro de 1700.

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    O Secretario Antonio Coelho Guerreiro fez escrevr. AntonioLuis Gonalves da Camara Coutinho 2).3. CARTA DO PADRE FR. LUCAS DOS REMEDIOS O. M. F.PARA O VICE-REI, CALANGUTE, 5. XII. 1705 .

    Exmo. Senhor. Dou comprimento ao que Vossa Excellencia meordena para que enforme sobre assistirem ministros a hum baile dasbalhadeiras gentias ao tempo que corria huma das procisses da Cruzs costas, dando com isto mo exemplo e escandalo.He o caso. Costumo os gentios a fazerem todos os annos o seuentrudo, que ce na nossa coresma, e este hade de ser sempre combalhadeiras (3). Depois que se lanaro todas fora, e viero paraesta Ilha de Bardez os dous Dessais (4) Assab e Hari Gonssu comseus soldados, se lhes permittiro as suas balhadeiras; pediro os gen-tios licena ao Commissario do Santo Offcio destas terras de Bar-dez para fazerem o seu entrudo, por no poderem passar outraLanda a respeito das guerras, apontandolhes o lugar de Valverde,por mais exquisito. Despachou-os o dito Commissario como pe-dem, com tanto que assistiro pessoas apontadas pelo Religioso, quemora no dito Valle, para que no fao supersties gentilicas Apresentaro-me os ditos gentios o dito despacho; mandei pessoas demaior escrupulo, para que assistissem aos bailes, que sempre se co-meavo despois das sete horas da noite. Sucedeo em huma das noi-tes, que foro tres ou quatro, appareerem huns rebuados, e por seconhecerem que ero criados do Viso-Rey Caetano de Mello de Cas-tro, que assistia em humas casas nobres de Vidal Bravo da Fonsecajunto ao rio, convalecendo da grave doena que teve, dei conta aoViso-Rey, e elle os mandou castigar. Soube destes bailes o Illustris-simo Primaz (5); queixou-se por lhe quebrarem a sua Pastoral; man-dei huma das pessoas que assistiro aos bailes, por ordem do ditoCommissario, a fallar com elle; lhe disse que se fosse absolver, por-que estava excommungado, e por esta ordem eu os mandei absolverna minha hermida, e o Padre Mestre Fr. Domingos de Santo Thomaz,Reitor dos Reis [Magos], absolveo a varias pessoas, gente de tra-balho, e rustica, que viro de longe os bailes, por no terem noticiada dita Pastoral. Este he o caso, e he falso o dizer-se que assistiroMinistros aos taes bailes, nem menos passar a procisso da Cruz doSenhor, porque ainda que os bailes fossem de dia, no he este o ca-

    Arquivo Histrico do Estado da ndia, Goa, "Livros das Mones", Livro97, fl. 77, aupd APO, VI (1876), pp. 562-563. Suponho que se refere festa de Sivarat, "noite de Siva", que cai nomeio ou fim de fevereiro, e quando Siva adorado com flres durante anoite tda. Antigo chefe ou administrador do concelho ou de aldeia no Conco, sendoo cargo hereditrio. Veja S. R. Dalgado, Glossrio Luso-Asitico (2 vols.,Coimbra, 1919-1921), I, 356-358. D. Fr. Agostinho da Anunciao, Arcebispo-Primaz da ndia Oriental, 1691-1713.

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    97minho por onde a procisso corre, ruas muito distante. Tenho dadoconta a Vossa Excellncia do que succedeo com toda a verdade. Ca-langute em 5 de Dezembro de 1705. Fr. Lucas dos Remedlos 6).

    4. ARREZOADO DO ARCEBISPO PRIMAZ CONTRA ASBAILADEIRAS EM 1725.O mao successo do Culabo (7), a inaco e frouxido com quenelle se portaro muitos Portugueses, porque seno attribuir (alemdas cauzas j insinuado do alistamento dos Maioristas, violenta con-

    tribuio do Ecclezastico (8), e de ser empreza arbitrada, dirigida,e assentada por Religiozos que professavo os assentos de outra mi-licia, e de outras Companhias, que lhes vedava o implicaremse comas do seculo: Nemo militam Deo se negotiis Saecularibus) (9) por-que seno attribuir ao tracto e comercio dos Cabos e soldados Por-tuguses com as torpes Bailadeiras gentias, serventes dos Pagodes, eescravas do Diabo, com as quaes estivero por despedida (no total,mas interina) toda a noite antes do embarque para aquella empreza(esta foi a Romaria e o jubileo com que se preveniro para ella )conservandose no tempo da auzencia com tanta lembrana e sauda-des destes torpes espantalhos do mesmo vicio, que cegamente os ar-rastra, que na mesma noite do dia do desembarque, quando voltarocom pouca honra, .os foro logo vizitar com menos vergonha? Estesso os continuos exercicios dos Militares na India Enleyos de Ve-nus, o que devia ser nsayos de Marte: cegas exercitaoens do cegorapaz Cupido, o que devia ser vigilante Palestra da sabia Palas evaronil Bellona. Mas por isso, nas ocazies procedem s cegas, nocomo varoens, mas como rapazes, em nada marciaes, e em tudo afe-minados. E he propria dos afeminados a preguia, o temor, a fro-xido, a mizeria, e a indigencia. Pigorem dejicit timor, anima autemaffeminatorum esurient (Prov. 18.8.).Seria impossivel se quizessemos discorrer pelas especies dos pec-cados da India. Porque assim como os discursos, as politicas, as Arquivo Histrico do Estado da ndia, Goa, "Livros das Mones", Livro72, fol. 203, apud APO, VI (1876), pp. 207-208.O Padre Fr. Lucas dos Remdios O.F.M., ento Comissrio Geral dasProvncias de So Francisco na ndia Oriental, era reinol de nascimento etrabalhou muitos anos na misso de Bardez onde morreu antes de 1722.Cf. Antnio da Silva Rego, Documentao pra a histria das Misses doPadroado Portugus do Oriente. ndia. (12 vols., Lisboa, 1950-1958), vol. V,pp. 460-461. Para a malograda expedio das fras combinadas anglo-lusas contra oCanogi Angria, Senhor do Culabo, em 1721, veja P. Pissurlencar, Assentosdo Conselho do Estado da ndia, vol. V, 1696-1750 (Goa, 1957), pp. 332-350;T. Biddulph, The Piratas of Malabar, (London, 1907), pp 174-180. E no s do eclesistico. Houve um grande recrutamento, o que deu lugara um jocoso despaho, lanado pelo ento Vice-Rei no requerimento dumapobre viva em q1 s pedia ser dispensado o seu nico filho de ir a Sulabo,escrevendo o Vice-Rei na margem: Francisco Jos de Sampaio, nico filhode seu pai, tambm para o Culabo vai. II tini. 2.4 (nota do autor). Parece que osu jesutas so visados aqui.

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    98consciencias, e ainda o Moral e Theologia da India parece de diversaespecies da da Europa; assim tambem em cada especie de peccadosh na India tantas, e to varias especies subalternas pelos diversosmodos notabilissimos de os obrar, e diversissimas e notalvemente ag-gravantissimas circunstancias com que os comettem, que so necessa-rias outras tantas e novas series e cathegorias moraes a que se re-duzo. E se s para furtar cocos, dizem os Canarins, que tem achadosessenta modos, que ser e moutras materias, e em outros peccados,no s do septimo, mas do quinto, sexto, e oitavo mandamento, dosquais dizia certo Prelado, que parecia tinho prescripto, ou estavodispensados na India? No mesmo unico peccado do comercio com asbailadeiras vejo quantas circunstancias aggravantes, e diversinantesesto complicadas e identificadas Em primeiro lugar est o peccadoda mancebia com a circunstancia de infidelidade do sugeito, ou doobjecto. Acrece outra circunstancia de Idolatria, porque como estasbailadeiras tem feito voto ao diabo de se no negarem a pessoa algumaem obsequio e sacrificio ao Diabo, para o qual coopero no mesmoacto os que com ellas coopero. Junto-selhe mais outras circunstanciasde supersitio pelas ceremonias de que aquellas Circes ou furias in-fernes uzo antes e dipois do accesso, e talvez no mesmo acto, pelosdias, horas, sitios, e sinaes que observo, como to vans e to supers-ticiozas, e em tudo diabolicas, pelas letras e canticos com que cele-bro os seus falos Deozes, e talvez os invoco para aquelles actos.

    Acrece a do perigo da perverso e apostaria; pois h certo queesta comunicao com as gentias certissimamente peverte e faz apos-tatas os que as comunico, como succedeo a Salamo, no obstante servaro to illustrado, no s com to singular sabedoria, mas com so-brenaturaes revalaoens. Depravatum est cor Salomonis per mulieresaliemgenas E como o mesmo Deos tinha predito ao seo amado povo:Non Ingrediemini ad eas, negue de illis ingredientur ad vestras, certis-sime enim avertent corda vestra, ut se quamini Deos earum 10). Ou-tra circunstancia de outra nova Idolatria concorre nos gastos comqu( concorrem para as fullas ou flores do Pagode nos dias das suasfestas, para o sandalo com que os unto, e se unto em seo obsequio(o que, como sinal protestavo de religio h prohibido pelas leys ec-cleziasticas e seculares aos gentios vassalos do Estado) as joyas comque se orno, e enfeito para os bailes das suas solemnidades (as quaesvem ao depois a parar em ornato dos mesmos idolos, ou do mesmoDiabo), nos burrifadores, salvas, bandejas, pratos, jarros, e outrosmais adereos que lhes empresto, j -para burrifarem e lavarem osBottos (que so os seos sacerdotes) (11) que ando cubertos de cinza.e lhes offerecerem e os cubrirem de fullas naquellas solemnidades enos cazamentos, j para nelles e com elles fazerem a offerta e sacri-ficio ao Diabo (o qual sacrificio sempre entrevem por este ou por aquel-le modo, e s este concurso sem aquelle comercio obrigou a alguns adelatarem-se a si mesmos ao Tribunal da Inquizio), no dinheiro 3 Reg. II, 2 (nota do -autor). Bto, btto, do concani bhat e snscrito bhatta, "brmane letrado" (S. R.Dalgado, Glossrio Luso-Asitico, I, 141).

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    99que positivamente lhes do no s para as redificaes, mas talvezpara as edificaes novas dos Pagodes, o que h j to vulgar, queainda hoje em Goa se distinguem alguns Pagodes dos gentios pelosnomes dos cavalheiros Portuguezes com cujo dinheiro se edificaro;e assim dizem "fomos ver o Pagode de Fulano, e o Pagode de Sicra-no", como eu j cheguei a ouvir (calamos os nomes por decoro), etambem nas cazas que lhes levanto; que como so para habitaoe subsistencia das servideiras dos Pagodes e professoras daquelletorpissimo instituto e religio, veste mais a rezo, ou a sem rezo,desta nova malicia e indecencia idolatrica (12).Concorre mais a circunstancia da infidelidade Coroa e ao Es-tado no perigo em que deixo os fortes, os passos e as barquinhasda guarda dos rios de Goa, dezemparandoas totalmente nos dias enoites daquellas suas assistencias, deixando-as quando muito comhuma s sentinela: nos bales (13) que deixo de noite nas prayas deBicholim, Peligo, e Mahm, e outras Aldeas em que aquelles Diabosem carne se alojo, com evidente perigo de se aproveitarem dellesos inimigos vizinhos, e entrarem de noite, quando menos, a roubaras nossas terras e aldeas: nas noticias que os inimigos alcanso dascousas do Estado por via das bailadeiras, a quem tudo revelo osseos amantes; e nas pazes, pactos, permisses, faculdades, e licenasque conseguem em tudo to favoraveis a elles como prejudiciaes aoEstado, chegando por via delas a alcanarem no s polvora e baila,mas a titulo de emprestimo peas de artelharia, como as que con-seguio Quim Santo (14) h poucos annos por via de hum Portu-guez pela mediao da sua bailadeira, as quaes tem actualmente ca-valgadas na sua fortaleza de Alorna: nas contribuies do dinheirocum que ellas concorrem para as guerras e gastos militares dos seusDeais (15); com que o mesmo dinheiro do Estado se converte emarmas contra elle mesmo: nas vinganas que humas tomo as vezesdas outras por meyo dos seus amantes, chegando estes a por-se emarmas e em som de batalha, e em risco de se perder a melhor florda milicia da India, no s s mos huns dos outros, mas tambem asmos dos lascarins, ou soldados gentios (16), que as guardo, comoneste anno por duas vezes esteve para succeder, e mais vezes nosantecendentes; ficando alguns principaes Portuguzes com tal odio einimizade entre si que por multo tempo se andaro mutuamente bus-

    O fato de serem as bailadeiras de Goa gentias agravava o pecado, aos olhosda Igreja. Xica da Silva mandou construir a bonita igreja de Nossa Senhorado Carmo no arraial de Tijuco (hoje Diamantina) em Minas Gerais, mas assuas irms de Goa mandaram edificar pagodes inds com o dinheiro queos seus amantes portuguses to liberalmente gastavam. Pequena e ligeira embarcao de remos, de base monxila (Dalgado, Glos-srio Luso-Asitico, I, 85-86; Yale & Burnell, Hobson-Johson (ed. 1903), 53. Provvelmente o tal Qhema Saunto, Dessai de Curalle, que figura tantasvzes na documentao publicada por P. Pissaurlencar, Assentos do Conselhodo Estado da ndia. 1696-1750 . (Bastor-Goa, 1957). Dessai (Deai), antigo chefe ou administrador de concelho ou de aldeiano Conco (S. R. Dalgado, Glossrio Luso-Asitico, I, 356-358; Hobson-Johson, 306). Do persa lashkr, derivado de lashkar, "exrcito" (Dalgado, GlossrioLuso-Asitico, I, 515-516).

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    cando e com os bales carregadas de armas para se matarem: nosendo menos concideravel o perigo em que ando continuamente deserem roubados e cativos dos lascarins gentios, e darem algum tra-balho grande ao Estado, principalmente sendo pessoas de distino,como j se experimentou na represalia que os lascarin fizero napessoa de quem governava o Estado, e foi necessario para se livrarfingir-se louco, qual outro David, e ajudar a fico a capats baila-deira, e peitar os lascarins com algumas dadivas, e elle o Cabo del-les com hum anel que trazia no dedo (17): E ultimamente nos maossuccessos do Estado em algumas emprezas militares com os pros-peros dos inimigos, originados deste nefando trato e comercio doscabos Portuguezes com as bailadeiras, no s pelo que revello aellas, e relevo aos inimigos, mas tambem porque o amor delias osfaz inertes, frouxos, pouco activos, e menos affectos aos exerciciose emprezas militares (porque Venus e Bellona sempre foro oppostas)nas quaes entro com tal averso e fastio, que parece no acabo dever a hora em que as ho de ver bem ou mal acabadas; porque de talsorte os arrastra a prizo daquelle to cego como torpe affecto, quemuitas vezes deixo imperfeito o successo das emprezas com mao fim,havendo tido bom principio, como succedeo no Congo, porto da Pr-sia (18), em que podendo as nossas Naos destruir as dos Arabios,que fugindo das nossas estavo acurraladas em hum poo, e quasipara encalhar em terra, ou dar com ellas costa, o Cabo principaldeixou de as seguir e perseguir com frivolos pretextos, contra o quelhe aconselhava e protestava o fiscal Jozeph Barboza, e nem a estedeixou acometter ao inimigo, antes lhe fez sinal de retirada, tendoquasi rendido a huma Nao dos Arabios; sendo o motivo principal ono se querer deter mais nem embaraar de sorte que se no pudesserecolher a Goa no tempo em que tinha determinado e talvez prome-tido sua bailadeira com a qual andava, e anda ath agora to cegoque de escandalo tem passado a fabula do povo (19).Alem destas circunstancias se acha naquella mesma comunica-o peccaminoza a do escandalo e perverso de outros; pois nenhumfaz aquella romaria que no rogue muitos companheiros, e os v re-novando, e revezando: a dos roubos e lucros injustos para amante-rem e satisfazerem as grossas mezadas que pago s suas asquerozasAmasias: a do desprezo das leys, e censuras, que lhas prohibem, che-gando a fazer gala de andarem excomungados, sendo hoje, como pro-vrbio entre elles, que no tem feio quem no anda excomungado:as blasphemias com que talvez por calar os remorsos e latidos dassuas consciencias pretendem negar Igreja o poder de os censurar

    No sei qual o Vice-Rei ou Governador visado nesta anedota. Kung-bandar, no Glfo Prsico, a crea de 100 milhas a oeste de Gom-brun, onde os portuguses tinham uma feitoria e alguns privilgios dealfndega desde 1630. Aluso ao procedimento do General da Armada, Antnio de Figueiredode Utra, nos trs combates que travou contra a armada do Imano deMascate no Glfo Prsico em agsto de 1719, que vem descrito com cresbem mais lisongeiras em D. Joo Barbosa, Eptome da vida do primeiroMarqus de Lourial, quinto Conde da Ericeira (Lisboa, 1743) . pp. 3640.

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    101 --por esta cauza, ou o effeito e os ligarem nestas circunstancias ascensuras; e no faltaro theologos (como no faltaro) que lho confirmem, dizendo que estas comunicaes j pela frequencia no cau-so escandalo; e que o prohibir as hidas outra banda por fim des-honesto_ he prohibir acto interno, a que se no extende o poder daIgreja, e que no aceitando ou no guardando os subditos esta ley,que no os obriga: as blasphemias tambem que cauzo e occasionamnas mesmas bailadeiras, nos seus botos, e nos mais gentios, fazendopouco conceito da nossa fee, e da nossa ley, e religio, vendo que nos os christos seculares sem letras, mas homens de letras e consti-tuidos em dignidade, e ainda eccleziasticos e religiozos frequentoesta misso do Inferno, sem observancia alguma dos preceitos danossa ley, faltando ao preceito da reza os Eccleziasticos, e ao da mis-sa todos, ao dos jejuns da quaresma, e da mortificao, e maior re-cato que neste santo tempo devem professar os Christos, sendo estesdias os da maior frequencia daquellas visitas por serem os dias doseu entrudo, como tambem os das nossas mais solemnes festas e mis-terios, quaes so os dias das Paschoas da Ressurreio do Espirito San-to, e o do Natal, com as suas oitavas e outros semelhantes que elegempara aquelles diabolicos divertimentos, principalmente quando vemdias santos juntos, e isto quando no s os Bottos, mas os mais infieisso to tenaz e indiscretamente observantes dos seos preceitos e ce-remonias que nos dias dos seus jejuns, mas que estalem, no ho decomer nem ainda cuspir, athe a hora detreminada, nem ho de co-mer em casa alheya, nem vendolhe pessoa de outra casa o comerou a panella em que o cozinho, nem alimento que no seja do seocurtume e observancia, mas que morro de fome.E esta pouca e m observancia da nossa ley, que noto e obser-vo em ns, h huma das couzas que lhes retardo e impedem a con-verso (20).

    5. LEI CONTRA AS BAILADEIRAS, GOA, 28.IX.1730. .

    Joo de Saldanha da Gama etc. Fao saber aos que a presenteley virem que Sua Magestade que Deos guarde, por carta de 10 deMaro de 1729 he servido ordenar-me mande logo expulsar da Ilhade Santo Estvo as bailhadeiras que nella existem, fazendo que seobserve a ley que acerca das ditas bailhadeiras se publicou nesta ci-dade em 12 de Outubro de 1700, e havendo outrasy respeito ao queo mesmo Senhor me ordenou em carta de 12 de Abril de 1728, Heypor bem e mando que dentro de quinze dias, que nestas Ilhas secontaro do em que a presente ley for publicada na chancellaria des-f,20). Fr. Incio de Santa Teresa, Arcebispo-Primaz da ndia, Estado do pre-zente estado da India. Meyos faceis e efflcazes para o seu augmento e

    reforma espiritual e temporal. Tractado Poltico, Moral, Jurdico, Theo-logico, Historico e Ascetico. Escrito na India por quem zela hum e outroaugmento delia no anno do Senhor de 1725 . Manuscrito original na co-leo do autor destas linhas; fls. 44 46.

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    ta cidade, e nas terras do Norte do dia em que se publica em Ba-aim, sayo logo da dita Ilha de Santo Estvo, e mais terras, Ilhas,Provincias do Estado todas as bailhadeiras que nellas se acho, eno tornem a ellas as mesmas, ou outras algumas bailhadeiras sobpena de morte natural para sempre, sem remisso, nem se lhes adm it-tira a defesa ou escusa de que ficaro nas terras do Estado ou vieroa ellas por necessidade, posto que urgente e relevante seja, ou con-diaidas por violencia, respeito, engano, ou persuaso de algum vas-salo do Estado; e manda aos ditos vassalos do Estado de qualquer gro,preheminencia, condio, ou isempo que sejo, catholicos ou infieis,que no recolho, admitto ou escondo em suas cazas, palmares,challes, boticas, embarcaes, ou em outras quaesquer lugares as di-tas bailhadeiras, nem outrosy as conduzo, fao conduzir, violentem,ou persuado a que passem das terras firmes, ainda que seja por pou-cas horas, s terras do Estado, e outrosy ordeno e mando aos mesmosvassalos do Estado que no tenho bailhadeiras por sua conta, oude sustento, sob pena de perdimento dos servios que tiverem feito,dos postos, officios, e cargos que occuparem, e de ficarem inhabeispara outros sem remisso, ou os ditos postos, cargos ou officios lhesvenho por mercs de vagantes dos providos, ou por outro qualquerdireito lhes perteno, e no tendo postos, officios, ou cargos, em quese verifique a pena de seus perdimentos, alem da inhabilidade acimareferida, sero degredados por cinco annos para Dio, aonde servirosem vencerem servio algum, sendo Portuguez, e sendo naturaes daterra, ser o dito degredo por dez annos, nos quaes outrosy no ven-cero servio; e por ter mostrado a experincia no ser pena alguma,ainda que grande, bastante a evitar os delictos faltando a pesquiza eexame dos comprehendidos, e incursos nella, ordeno e mando ao de-sembargador ouvidor geral do crime em esta cidade, e nas terras doNorte ao dezembargador ouvidor geral dellas, e nal falta deste aos ou-vidores de Baaym e Damo, que ora so, e ao diante forem, que to-dos os annos em o mez de Fevereiro tirem devassa das pessoas quecontra a disposio desta ley recolhero, admittiro, ou escondero bai-lhadeiras em suas cazas, palmares, challes, boticas, embarcaes, ouem outros quaesquer lugares, ou as conduziro, fizero conduzir,violentaro, ou persuadiro a que viessem s terras do Estado, ouas tivero por sua conta, ou de sustento, pronunciando os culpados,procedendo contra elles na forma do direito, e que outrosy admittodenuncia dos ditos casos em segredo ou em publico, qual o denun-ciante mais eleger, e para que na dubiedade da intelligencia da pre-sente ley se no embarace de modo algum a sua execuo, hey porbem de declarar que ter bailhadeiras por sua conta, ou de sustento,se entender todo aquelle contra quem se provar que lhes edeficoucaza, lhe deo alguma quantia por mez, ou outras quaesquer datas portres actos distnctos mesma bailhadeira, ou que assistio a tres bai-lhes dellas dentro de hum anno, e que quanto aos vassalos infieis sse entendero comprehendidos nas sobreditas penas do caso em querecolho, admitto, ou escondo em suas cazas, challes, palmares,boticas, embarcaes, ou em outros quaesquer lugares as ditas bai-

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    103lhadeiras, ou as conduzo, fao conduzir, violentem, ou persuadoa virem s terras do. Estado. Notifico-o assy ao dezembargador .Chan-celler do Estado, ouvidores geraes do crime desta corte, e da Provin-cia do Norte, ouvidores della, mais ministros officiaes, e pessoas a quepertencer, para que assy o cumpro e guardem, e fao inteiramentecumprir e guardar esta ley como nella se conthem sem interpretaoalguma, e no pagar os novos direitos, nem os da Chancellaria, porser do servio de Sua Magestade, e passada por ella o desembarga-dor Chanceller do Estado o mandar publicar nella, de que se pas-sar certido nas costas desta, e remetter as suas copias ao desem-bargador ouvidor geral do Norte para este as mandar aos ouvidoresde Baaym e Damo, e registar nos seus cartorios, e tambem se re-gistar nos da Ouvidoria Geral do crime desta corte, e a propria seenviar a esta Secretaria do Estado. Caetano Antonio da Costa a feza 28 de Setembro de 1730. O secretario Thom Gomes Moreira a fizescrever Joo de Saldanha da Gama (21).

    6. ALVARA' DE LEI CONTRA AS BAILADEIRAS,GOA, 27 .111.1734.Pedro Mascarenhas, Conde de Sandomil etc. Fao saber aos queeste Alvar de Ley virem que o VRey de Joo de Saldanha da Gama man-dou publicar huma ley a 28 de Setembro de 1730, em virtude das or-

    dens de Sua Magestade de 8 de Maro de 1729, e de 12 de Abril de1728 sobre no virem bailhadeiras s terras do Estado, nem os vassa-los delle as recolherem, admittirem, ou esconderem em suas cazas,palmares, chales, boticas, embarcaes, ou em outros quaisquer luga-res, nem as terem por sua conta, ou de sustento, com as penas esta-belecidas na dita ley aos transgressores della, e por ser tambem con-veniente ao servio de Deos, e do dito Senhor no virem, nem seremconduzidas s terras do mesmo Estado servideiras dos Pagodes, e dasditas bailhadeiras, nem gadaras (22), que ando com ellas, nem quese visto rapazes em trajo de bailhadeiras: Hey por bem, e mandoque se guarda inviolavelmente a dita ley de 28 de Setembro de 1730com todas as suas clausulas, expresses, e disposies. assy como nellase conthem, e outrosy ordeno, e mando que da publicao da pre-sente ley em diante nenhuma mulher servideira dos Pagodes, ou dasbailhadeiras, nem os seus gadaras, venho s terras do Estado sob pe-na de morte natural para sempre, que se executar irremissivelmente,e os vassalos do Estado, assy christos como gentios, e mouros, nopodero mandar vestir rapazes, ou christos ou gentios, em trajo debailhadeiras para fazerem bailes, sob pena de serem degradados paraChaul por tempo de sinco annos, e pagarem quinhentos xerafines pa-ra as despesas da fazenda real, e havendo denunciante, se lhe dar aterceira parte. Notifico-o assy ao Ouvidor geral do crime, mais mi- Arquivo Histrico do Estado da ndia Livro de servio fol. 125 V apudAPO,. VI, pp. 366-3667. Msico que acompanha a bailadeira na ndia (palpa, lsstlo IisqAsitico, I, 412 .

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    1 4nistros, officiaes e pessoas, a que pertencer, para que agira o. cumpro

    guardem, e fao inteiramente cumprir e guardar este Alvar comonelle se conthem sem duvida alguma, o qual ser publicado na chan-cellaria, e nos lugares publicos desta cidade, e registrado nos cartoriosdo crime, e no pagar os novos direitos, nem os da Chancellaria, porser do servio de Sua Magestade. Manoel Dias da Costa o fez em Goaa 27 de Maro de 1734. O Secretario Luis Affonso Dantas a fiz escre-ver. Conde de Sandomil (23).7. EXTRACTOS DUMA CARTA PARTICULAR DO PADRE MA-NUEL DE SA' S. J., DATADA DE GOA EM 15 DE DEZEMBRO DE1722, E DIRIGIDA AO IV CONDE DE ERICEIRA.

    "...Chegou este Prelado [o Arcebispo-Primaz, D. Frei Incio deSanta Teresa] a India em que no obstante a sua barbaridade algu-mas pedras e toque se acho nella, em que se examino os talentos,no foro os do nosso Prelado de tantos quilates que no mostras-sem muita liga. Por causa de huma doena que teve foi convaleer aSalsette, e se recolheo no Colegio dos Padres da Companhia: aqui lo-go o seo natural a mostrar que era daquelles a quem podia escreverPay com o sobre escrito "A meo filho tangedor de viola nas partesda India", e com tanto excesso nesta materia, e com tanto desprezodestes Naturaes, que ja o recolhimento dos Padres padecia inquieta-o, e o reparo dos seculares passava a censura; vendo hum Prelado atanger quasi todos os instrumentos, em que he perito, e a gastar todasas noutes em festins, e entramezes, e faras, e os dias em caadas edivertimentos.Este procedimento se no convinha a circunstania da pessoa pellocargo, podia se tolerar pello tempo que era proximo a quaresma, emque o costume faz menos reparo em algumas demasias; mas acabadaella, e logo depois da Pascoa passou este Prelado a vizitar as Igrejasda Pininsula de Salsette; e como havia indiios de que neste e em ou-tros particulares poderia soceder algum excesso, atendeo o Padre Pro-vincial da Companhia a estabelleer o modo com que se devia rece-ber pellos parcos daquellas freguesias e ordenou que fosse em formaque nem se faltasse a hospedagem deente a hum Prelado, nem se of-fendesse a modestia religiosa. No sei que motivo ouve pera se al-terar huma e outra cautella, porque o recebimento excedeo o dispostono fausto e armacoins, e nas danas pouco acomodades, mas como erotanto do genio do Hospede, passou a modestia os limites por se aco-modar ao gosto, e tambem ao gasto, que em vinte e cinco Igrejas exce-deo de quatro mil xerafins todos a dispendios das fabricas pertencen-tes a direio de Sua Magestade e ao seu Real Padroado, e usurpadospellos Prelados da India.

    (23). Arquivo Histrico do Estado da ndia, Livro- de servio, fol. 47 V apudAPO, VI (1876), p. 435.

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    - 105 -Foro essas danas com tanto excesso, que vista a censura pu-

    blica que redundava tambem nos Religiozos da Companhia que foiobrigado a ordenar o Padre Provincial aos seus subditos suspendessemeste modo de obsequio, que podio suprir com outras demonstraois,que fossem de menos nota, por evitar o que se estranhava este generode divertimento, e muito mais quando Sua Illustrissima excedia nesteparticular, pois passando de Salsette Ilha de Goa a tratar no con-vento de Pilar certo negocio com o Ilustrissimo de Nakim (24) trou-xe consigo dous mininos vestidos de bailhadeiras que danaro nomesmo convento com pouco agrado dos Religiozos, e muito menos ain-da do Ilustrissimo Nakinense, que emquanto durou a dana teve osolhos no cho. Esta ordem e boa dispozio se alterou despois a ins-tancias de algum sogeito que obrigou ao Padre Provincial a fechartambem os olhos, pois Sua Illustrissima os no abria para ver o quelhe convinha..." (25).

    C R BOXERda Universidade de Londres (King's College).

    Dom Fr. Manuel de Jesus Maria Jos. Cf. Padre Manuel Teixeira, Bispose Governadores do Bispado de Macau (Macau, 1940), p. 165: Em 22 dejunho de 1722, chegou a esta cidade o bispo de Nanquim, D. Manuel deJesus Maria Jos, retirando-se em 5 de janeiro de 1734 para Canto e de-pois para a Europa, em conseqncia das perseguies contra o cristia-nismo na China, em 18 de maro de 1731. Veio findar-se em Macau em20 de maro de 1739, sendo sepultado no dia 21 na nave central da igrejade Santo Agostinho . Era missionrio do Varatojo. Carta original e indita, de onze pginas in-flio, com a a assinatura au.tgrafa do Padre Manuel de S S. J., na coleo do escritor. Possuo tam-bm outra carta do Padre Manuel de S ao IV Conde da Ericeira, escritade Goa no mesmo dia e data, em que toca no mesmo assunto ... logoSua Illustrissima com eou a dispor delias como se foro proprias, e a fa-zer taes gastos que na sua hospedagem ou nos seos divertimentos dasdanas e bailes gastou nas vinte e cinco Egrejas que esto na Pininsulade Salsette a Cima de tres mil cruzados e agora quer que isto fosse porculpa dos Parocos... .