Currículo Da Escola 1 Grau

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Transcript of Currículo Da Escola 1 Grau

  • Presidente da Repblica Jos Sarney

    Ministro da Educao Carlos SanfAnna

  • MINISTRIO DA EDUCAO Secretaria de Ensino Bsico

    CURRCULO DA ESCOLA DE

    1 GRAU

  • A P R E S E N T A O

    A Reunio Tcnica Nacional realizada em Braslia de 17 a 19 de maio de 1989, sobre a funo social da escola e a funo dos contedos significativos para o ensino de 1 grau, promovida pela Secretaria de Ensino Bsico do Ministrio da Educao - SDE/SEB -, representou um momento de debate, junto s secretarias estaduais e municipais de Educao das capitais, tendo em vista a formao.do cidado brasileiro, numa sociedade democrtica.

    Essa Reunio Tcnica constituiu-se numa segunda etapa das atividades que vm sendo desenvolvidas pela Secretaria, no sen-tido de desencadear aes que viabilizem uma ampla discusso e re-flexo com diretores, professores e especialistas, nas unidades fede-radas.

    A participao de especialistas das diversas disciplinas do currculo contribuiu, de maneira significativa, para que o intercmbio de ideias e os debates se centrassem, de maneira objetiva, em questes fundamentais. Desta forma, busca-se a aproximao da uni-versidade brasileira com a educao bsica.

    Este relatrio rene as snteses das ideias gerais e espe-cficas de cada disciplina do currculo, discutidas na Reunio Tcnica, que apoiaro a continuidade dos estudos e reflexes sobre os temas abordados.

  • PROMOO: Secretaria de Ensino Bsico Subsecretaria de Desenvolvimento Educacional Coordenadoria de Apoio Pedaggico ao Ensino de 1 Grau

    Prof- Lindia Vinhas - Secretria/SEB Prof Odete P. Maciel - Subsecretria/SDE Prof Mrcia M dos Santos - Coordenadora/CRS

  • LISTAGEM DOS PARTICIPANTES

    CONSULTORES GENERALISTAS E ESPECIALISTAS

    - Jos Luiz Domingues UFGO/GO

    - Selma Garrido Pimenta USP/SP

    - Avani A. Xavier Lanza UFMG - Portugus

    - Nilza Eigenheer Bertoni UnB - Matemtica

    - Jos Maria G. de Almeida UnB - Cincias

    - Terezinha Lopes Arajo UFMG - Cincias

    - Elosa Mattos Hoffling Unicamp/SP - Estudos Sociais

    - Vera Lcia Salazar Pessoa UFU/MG - Geografia

  • A FUNO SOCIAL DA ESCOLA DE 1 GRAU -OS CONTEDOS SIGNIFICATIVOS

    Prof. Jos Luiz Domingues - UFGO

    I. INTRODUO

    1. Objetivo

    Meu objetivo, nesta exposio, com base numa reflexo sobre a nossa prtica de currculo em nvel de Secretaria de Educa-o, iluminar retalhos de informaes que, a meu ver, devem ser considerados na elaborao de uma proposta curricular (para no sermos como em 1971). Em outras palavras, apresentar fragmentos de discursos, de denncias e de anncios sobre o currculo do ensino de 1 grau, para que cada UF transforme-o em texto, no seu contexto.

    Tentarei, de forma esquemtica, apresentar uma agenda de discusso a ser esgotada pelas UFs, dentro dos limites possveis, antes de se iniciar o processo de reformulao/reconstruo do curr-culo para o ensino de 1 grau, estimulado pelo art. 210 da atual Constituio federal.

    Os tpicos privilegiados so:

    Sociedade brasileira contempornea; O que isso chamado escola?; Currculo: uma resposta possvel; Aprendendo com a histria: os movimentos de refor-

    mulao curricular. 2. Contedos e forma da comunicao

  • II. SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORNEA

    -

    O pano de fundo que concretamente sustenta a sociedade brasileira contempornea pode ser delineado em rpidas pinceladas a partir de um conjunto de trs foras: a tradio judaico-crist, o modo de produo capitalista e os problemas contemporneos.

    O Brasil est inserido no Mundo Ocidental, e, em decorrncia, suas crenas bsicas - valores, princpios de justia, etc. -esto ancoradas na tradio judaico-crist. Exemplos so vrios, possvel destacar:

    - no h diferena de raa, sexo, cor, etc; - a dignidade de vida um direito inalienvel do homem; - o homem um ser racional; - o direito de livre pensar; - a estrutura de famlia; - a relao do homem com a natureza.

    Em relao ao modo de produo, o Brasil um pas capitalista perifrico, agravado pelos diferentes estgios de desenvolvimento do mesmo. Enquanto, no Norte, temos uma economia tipicamente extrativista, com todas as sequelas sociais da mesma, j, no Nordeste, vivemos um pr-capitalismo, com base mais no agrrio, sendo a reforma agrria algo ainda a ser conquistada. Por sua vez, no Centro-Sul do Pas, o capitalismo na sua forma mais avanada - base nos servios - vive, principalmente em alguns pontos, a modernidade tpica das economias lentas deste final de sculo XX.

    Os interesses conflitantes de uma sociedade de classe so uma realidade no nosso cotidiano. De um lado temos o grupo he-qemnico lutando para continuar aumentando o capital e no acei-

  • tando socializar o poder. De outro, a luta diria da classe trabalhadora para avanar na melhoria de sua qualidade de vida e na participao/interveno nos diferentes nveis do poder (econmico, poltico...)-

    Evidentemente, o positivismo, como forma dominante da produo do conhecimento nas cincias sociais, um fato, o mtodo cientfico por excelncia. A neutralidade da cincia, a universalidade da teoria, a decomposio do todo em variveis mensurveis e controlveis, primazia do mtodo sobre o objeto, so os fundamentos epistemolgicos que dominaram, quase que exclusivamente, a histria das cincias sociais no Brasil.

    Por fim, mas no o ltimo, seria importante agendar nesta comunicao alguns exemplos da contemporaneidade dos nossos problemas - final do sculo XX:

    - Problema I - Economia: inflao, desemprego, multinacional fazem parte do nosso cotidiano, com a agravante de sermos uma economia perifrica.

    - Problema II - Ecologia e poluio: agrotxicos, Csio, vitalidade dos nossos rios esto presentes na qualidade de nossas vidas, com o agravante de uma baixa (para no dizer inexistente) conscincia preservacionista/cooperativa na relao homem versus natureza.

    - Problema III - Cincia e tecnologia: informtica, engenharia gentica, energia solar. A revoluo social, a partir da cincia e tecnologia, j bate as portas com o agravante de que continuamos morrendo de fome, de falta de higiene primria, de vermes na barriga...

    - Problema IV - Comunicao: Telefone (DDD, DDI...), TV (via satlite...) j so realidade para a maioria da populao, po-

  • rm no chegaram escola. Ns, educadores, por termos medo de fazer o enfrentamento com os meios de comunicao de massa, dei-xamos que eles exeram, a cada dia, mais influncia na formao do cidado.

    - Problema V - Estilo de vida: As cidades cresceram e o Pas deixou de ser predominantemente rural para se urbanizar e em decorrncia: o inchao das cidades, a violncia urbana, a pauperiza-o do homem. A famlia: o que famlia? qual o papel da mulher? o lugar da 3 idade no coletivo familiar? cada vez maior o nmero de questes sobre a famlia ideal.

    III. O QUE ISSO CHAMADO ESCOLA?

    Tentarei responder questo buscando resposta na His-tria. Histria entendida como a humanidade elaborando-se a si mesma. Histria como resgate do passado para iluminar o presente e nos auxiliar a projetar o futuro.

    Se jogarmos uma rede e pararmos no Egito Antigo, pas-sando pela Grcia, por Roma, pela Idade Mdia... e chegarmos at os dias atuais, iremos encontrar alguns pontos comuns que nos permitem responder questo, a saber:

    instituio ligada ao poder/Estado;

    objetivo - formar o cidado -, definio que, apesar de pontualizada nos diferentes blocos histricos, se desvela sempre como o homem capaz de conservar e modernizar aquela sociedade;

    Professores: funcionrios (proletrios) da superestrutu-ra;

    Base curricular: instruo intelectual e aprendizagem do ofcio.

  • Deve-se ressaltar que as trs dimenses fundamentais da vida humana se encontram sempre por trs das atividades curri culares desenvolvidas na escola, na sua trajetria: Egito - dias de hoje. A nfase numa ou noutra dimenso depende, em cada momen to, dos interesses da classe detentora do poder.

    As dimenses fundamentais da vida humana a que me re-firo so:

    Trabalho - a manipulao do meio fsico e social, in-cluindo nossa prpria manipulao. Interesse tcnico/controle orienta o fazer curricular;

    Linguagem - a mediao da qual depende a transmis-so institucionalizada da cultura. Neste caso, o interesse consen-so/comunicao que orienta o fazer curricular;

    Poder - a criao e manuteno da sociedade particu-lar/a tomada de posio em relao aos objetivos. O interesse eman-cipador ou crtico que d sustentao ao fazer pedaggico.

    Dando um salto - e hoje? como responder ao novo da questo no Brasil?

    A leitura da histria da escola em funo do seu presente e dos seus compromissos polticos revela que o novo, hoje, no Brasil, est:

    1. A escola pblica, pelo processo de expanso que passou, o espao privilegiado em que confluem conflitos, interesses antagnicos do Estado, aliados ao capital (reproduo), e do traba- dor (renovao) na formao do cidado.

    2. A escola pblica deve ser vista como: - um dos instrumentos de revitalizao/transformao

    social - lutas, etc;

  • - o espao, por excelncia, destinado apropriao do conhecimento por parte das classes subalternas: co nhecimento este que lhe foi expropriado historicamente (mandar e dirigir quem manda).

    3. O professor da escola pblica, pelo seu crescimento numrico, tornou impossvel o controle total do seu trabalho pelo Estado. Isto coloca-o como uma das poucas foras culturais relativamente independente frente ao poder do capital e do Estado. Podemos ser juzes e orientadores do nosso o qu/como fazer? uma questo que os professores devem explicitar e assumir.

    Sem reducionismo, sem ingenuidade, sem idealismo, mas realista, espero ter apontado para uma direo da resposta. Espero, nestes dias, reescrevermos coletivamente a resposta.

    IV. CURRCULO: UMA RESPOSTA POSSVEL

    Iniciaria este tpico por uma definio aproximativa do que eu chamo de currculo.

    Currculo uma manifestao deliberada da cultura via escola, cuja essncia consiste no entrelaamento do desvelar da histria do eu individual com o desvelar da histria do eu coletivo. um

    ir e vir.

    - do singular para o geral, - do fenmeno para a essncia, - da realidade para a possibilidade. Uma proposta curricular gira em torno de trs eixos: his-trico-

    social, epistemolgico, cotidiano.

    A questo que se coloca em relao ao eixo histrico-so- cial : qual o saber que emancipa? Em contraponto, qual o saber

  • que aliena? J hora de superarmos a polmica saber popular versus saber elaborado e analisarmos esta (falsa) polmica como faces de uma mesma moeda, na perspectiva de uma relao dialtica entre ambas. As duas categorias a serem trabalhadas so o interesse cognitivo humano e o controle social.

    O eixo epistemolgico resgata e coloca no hoje a historicidade dos componentes/contedos curriculares. o assumir de que o conhecimento, nas suas diferentes formas, temporal, tem um ritmo histrico no seu avano que est imbricado no projeto de sociedade em que se insere. No entanto, estas reflexes no podem ser descoladas da funo social dos componentes/contedos curriculares. Contedo forma, a categoria de anlise/crtica por excelncia.

    O terceiro eixo, o cotidiano, d-se quando o currculo transforma-se em ato. o ponto de partida e o ponto de qualquer reformulao/reconstruo de currculo. no cotidiano que se antecipa e se efetiva a histria. Em outras palavras, no momento em que o currculo se faz ao na sala de aula, que podemos ver a efetiva in-tencionalidade da proposta, do agente pedaggico, do livro didtico, do aluno... No comprometimento e na instrumentalizao do professor est o x da questo.

    Antes de encerrar esse tpico, gostaria de deixar registrados trs alertas:

    1. A penetrao, cada vez maior, no currculo de escola pblica do 19 grau, de todas as espcies de barbries pedaggicas uma realidade.

    2. O velho e carcomido paradigma curricular (tcnico-li-near) hegemnico no Brasil, atualmente, chegou ao seu ponto mximo de exausto.

    3. A crise indica a ocasio de renovao. De reconcep-

  • tualizar o campo. Qual o nosso compromisso e competncia com esse desafio?

    V. APRENDENDO COM A HISTRIA: OS MOVIMENTOS DE RE-FORMULAO CURRICULAR

    Se aprendemos muito nesses ltimos 20 anos de movimento de currculo, no sei, mas alguns ns desta caminhada gostaria de apontar.

    N I - Equipe de currculo: A sua constituio, a presena de gratificaes externas aos seus membros, a sua posio em nvel de estrutura da Secretaria de Educao so problemas que merecem, no s, serem revisados, mas, tambm, ousarmos nas suas solues.

    N II - Professores: vtimas e rus de uma trplice aliana - (1) formao da Amrica em relao teoria e prtica pedaggi-co-social, (2) falta de condies mnimas para o exerccio da profisso e (3) negao da sua participao, como sujeito e no como recurso, nos projetos de reformulao/reconstruo curricular. A soluo, medida que o n se apresenta com tanta clareza, fcil. Falta, porm, a vontade poltica do Estado.

    N III - Material didtico (livro escolar): interferir nesta parte significativa da indstria cultural no s ameaador como frustrador. O embate companhias editoras versus equipes de currculos algo que tem de ser assumido. Caso contrrio, as companhias editoras que continuaro a prescrever, a controlar e a avaliar o currculo nosso de todos os dias. Com raras excees.

    Para finalizar, gostaria de deixar registrada a minha preo-cupao com os programas de treinamentos desenvolvidos em diferentes UFs: o treinamento em cascata, que leva ao aniquilamento da proposta, e a fragmentao dos treinamentos, que levam populari- 14

  • zao de custo e esforos, sem efeito algum na melhoria da qualidade de ensino.

    Comecemos a sonhar e ousemos a construir o futuro.

    A FUNO SOCIAL DA ESCOLA DE 1 GRAU -OS CONTEDOS SIGNIFICATIVOS

    Prof5 Selma Garrido Pimenta - USP

    Admitida a importncia da escola como uma instncia de lutas, articulada com a sociedade como um todo, na emancipao das camadas populares, a aprendizagem dos contedos socialmente elaborados coloca-se como a especificidade(l) da escola.

    Apesar de, na sociedade capitalista, a escola ser privilgio das camadas dominantes e trabalhar em seu favor, contraditoriamente a evoluo do modo de produo capitalista requer, cada vez mais, que os trabalhadores tenham um mnimo de conhecimentos como condio da melhoria e da manuteno destes enquanto fora

    (1) Quando se afirma que especificidade da escola ensinar, no se quer di-zer que lhe seja exclusivo. A nfase na especificidade se faz historica-mente necessria, porque dadas as diferentes concepes por que tm perpassado a prtica dos educadores e as diferentes funes ideolgicas que a escola tem desempenhado, o acirramento das posies que che-gam a anular a existncia da escola acaba por deix-la sem funo. O que significa, contraditoriamente, faz-la cumprir uma funo. Acentuar a especificidade significa aqui rev-la, rever a prtica escolar no sentido de coloc-la a servio da luta em favor das camadas populares.

  • de trabalho. A noo de que as condies mutveis de trabalho exigem uma populao trabalhadora cada vez mais instruda, mais educada (...) uma afirmao quase universalmente aceita na fala popular e acadmica (2). No entanto, tal instruo, tal educao, entendida no capitalismo como os conhecimentos bsicos de leitura e escrita, ou seja, a iniciao nos diferentes instrumentos culturais, no visa diretamente ao desvelamento das condies de dominao, mas estes instrumentos so requisitos essenciais para isso. Nesse sentido, a cobrana pela generalizao da escola, medida que esta se tem mantido privilgio das camadas dominantes, entendida como instncia da transmisso sistemtica dos conhecimentos, mesmo condi-cionada pela hegemonia das camadas dominantes, faz-se necessria na direo da luta pela apropriao coletiva dos conhecimentos.

    O contato e o acesso aos conhecimentos, aos contedos so requisitos necessrios ao questionamento das relaes de dominao, mesmo que no se vise diretamente a este questionamento, porque h, nos contedos de base, uma dimenso de criticidade, mesmo que estes no sejam diretamente crticos, porque so histricos e porque, ao serem trabalhados na relao entre sujeitos histricos, professores e alunos, so intermediados pelo ato de pensamento, de criatividade desses sujeitos histricos capazes de criar e de interferir na histria, com seu pensar. Contudo, o acesso aos conhecimentos explcitos da dominao no automtico; requer a mediao dos profissionais da escola, que, na prtica educativa, possibilitem aos alunos da classe dominada a compreenso crtica dos conhecimentos. O que coloca a necessidade de a escola organizar-se (ou reorganizar-se) para isto

    As camadas dominadas reivindicam a escola secundariamente em relao s lutas que lhes so prioritrias para a sobrevi-

    (2) Harray Braverman, Trabalho e capital monopolista - a degradao do tra-balho no sculo XX, pp. 359.

  • vencia: alimentao, habitao e sade. A reivindicao da escola no assume o carter de sobrevivncia, mas de condio para superao do estado de sobrevivncia. No entanto, ao defrontar-se com as barreiras que a escola lhes ope por toda a sua organizao - con-tedos desarticulados com a cultura de origem, portanto, inacessveis, horrios que dificultam a presena do aluno - fracassa. E este fracasso justificado pelas camadas dominantes e aceito pelas camadas dominadas como incapacidade individual.

    A transformao dos mecanismos internos da escola, no sentido de coloc-la ao encontro das reais possibilidades das cama-das populares, permitindo que permaneam na escola, para elevarem o grau de conscincia dos determinantes que as tornam dominadas, pela posse dos conhecimentos que a escola transmite, articulados com os interesses dominados, uma funo poltica da escola, que requer a capacidade dos educadores para reorganizarem a escola na direo da emancipao das camadas populares.

    Esta especificidade da educao escolar que aqui se afirma est assentada nos seguintes pressupostos:

    - a escola deve transmitir a todas as crianas os saberes que so investidos na vida cotidiana - no s os saberes fundamen tais (leitura, escrita e bases matemticas), mas tambm os saberes tecnolgicos, econmicos e jurdicos (fundamentos do mundo social adulto). Esse ensino deve ser diretamente articulado com a experin cia social da criana;

    - a escola deve esforar-se por dar a todas as crianas uma formao cientfica e tecnolgica ligada luta contra as fontes da desigualdade social;

    - a escola deve proceder transmisso sistemtica do saber no como um corpo de conhecimentos voltados para si mes-

  • mos, mas utilizar o saber como necessidade para melhor compreenso dos problemas sociais;

    - a escola deve conceder a cultura humana como formao da personalidade social, e no como assimilao, pelos indivduos, de contedos culturais que tm um valor em si. (3)

    A escola, enquanto instncia que procede mediao entre a criana e os modelos sociais adultos (4) pelo confronto entre eles, possibilitando-lhe um alargamento do seu prprio modelo social, necessria. atravs do contato imediato com o professor que se processa essa mediao. Pelo trabalho docente que se d o encontro formativo entre o aluno e a matria do ensino. O trabalho docente intencional, sistemtico. O professor desempenha a funo de mediao entre a criana e o mundo social adulto, possibilitando quela o confronto entre ambos, que a criana v adquirindo a capacidade de compreender e transformar os saberes. O ncleo do trabalho docente o ensinar de modo que os alunos aprendam.

    A organizao do trabalho escolar , por sua vez, mediao entre o trabalho docente e a prtica social global. Afirmar este carter de mediao da organizao escolar significa afirmar que ela no se justifica por si mesma, mas tem sua razo de ser nos efeitos que se prolongam para alm dela e que persistem mesmo aps a sua

    (3) Cf. Bernard Charlot, op. cit., p. 304

    (4) O uso das expresses criana e modelos sociais adultos tem por suposto a nfase na educao bsica, frequentada por crianas em idade escolar. No entanto, sabemos que a populao escolar composta tambm por adoles-centes e adultos - seja nos cursos supletivos, universidades, cursos noturnos, etc. Por isto, entenda-se a escola enquanto mediao entre os sujeitos que compem uma sociedade e o sistema de relaes sociais vigentes nessa sociedade.

  • cessao (...). O critrio para se aferir o grau de democratizao, atingida no interior da escola, deve ser buscado, pois, na prtica so-cial. (5)

    O ncleo da democratizao da educao , pois, a de-mocratizao do saber. De fato a democratizao das relaes inter-nas da escola constitui-se em mediao para isso - o que no significa diminuir sua importncia -, pelo contrrio, admitir a democratizao das relaes internas como mediao para a democratizao da educao significa consider-la como condio sine qua non, porm no a nica. As relaes democrticas na escola, a participao nas decises, o envolvimento da equipe de professores no.trabalho so mediaes bsicas do objetivo do trabalho docente - que ensinar de modo a que os alunos aprendam -, mas no so suficientes nem exclusivas. (6)

    Portanto, opor a democratizao do saber democratiza-o das relaes internas como plos excludentes um falso proble-ma. Trata-se de reafirmar que o ncleo de trabalho docente o ensi-no-aprendizagem, enquanto mediao entre os indivduos que compem uma sociedade e os modelos sociais vigentes nessa sociedade - o que se faz pelo ensino crtico dos contedos. As relaes demo-crticas de trabalho na escola favorecem a consecuo deste ncleo. A participao dos professores na organizao da escola, nos con-tedos a serem ensinados, nas suas formas de administrao ser to mais efetivamente democrtica medida que estes dominarem os contedos e as metodologias dos seus campos especficos, bem co-mo o seu significado social - pois s quem domina as suas especifi-cidades numa perspectiva de totalidade (significado social da prtica de cada um) capaz de exercer a autonomia na reorganizao da es-

    (5) Cf. Dermeval Saviani, Escola e democracia. (6) Cf. Jos Carlos Libneo, Pedagogia crtico-social, didtica e currculo in

    Anais do XVI Seminrio Brasileiro de Tecnologia Educacional.

  • cola, que melhor propicia a sua finalidade - democratizao da sociedade pela democratizao do saber.

    Que organizao escolar favorece a consecuo do objetivo de torn-la um instrumento de emancipao das camadas populares?

    A esta indagao a resposta imediata que se tem que certamente no a escola que a est, pois esta h anos cumpre a funo de expulsar os alunos provenientes das camadas mdias e baixas que tm tido acesso a ela pela ampliao quantitativa de vagas. A escola est organizada a partir do aluno ideal. Calcada no modelo da classe dominante, esta escola a estruturada segundo o princpio da homogeneidade, que partindo de uma "suposta uniformidade das caractersticas de ingresso da populao (...) tem de conformar-se com um critrio de prioridade estatstica, com base na qual definiu-se o aluno mdio, isto , dotado suficientemente das qualidades necessrias para aprender e s ter de reproduzir na sada a mesma variabilidade real das condies de entrada". (7)

    Este aluno sempre teve o acesso e a permanncia escola garantidos. Assim, do ponto de vista dos contedos de ensino, dosagem, ritmo, etc. das metodologias de ensino; do tipo de relao professor e aluno, aluno e escola, escola e pais, professores e tcnicos, professores entre si; do ponto de vista da grade horria, distribuio das aulas na semana, horrios, da sistemtica de avaliao, aprovao, reforo, etc, a escola pblica que a est tem cumprido a funo seletiva e de evaso que privilegia os j privilegiados.

    No entanto, indagao feita - que organizao escolar favorece a consecuo do objetivo de torn-la um instrumento de

    (7) Roberto Maragliano et alii, Teoria da didtica, pp. 26-27.

  • emancipao das camadas populares - preciso responder que a partir da escola que est a que preciso construir-se a nova. Ou seja, a organizao escolar que possibilitar a consecuo do objetivo de emancipao das camadas populares ser engendrada a partir das condies existentes, porque, entre outras razes, na escola que a est que encontramos elementos vlidos que mostram possibilidades para o que deve ser a nova organizao escolar. Em outras palavras, no se trata de conceber previamente um tipo de organizao escolar ideal, mas de garimpar-se no existente os elementos que, fortalecidos, apontam para novas prticas, o que requer pesquisas, anlises, observaes e experimentao - conduzidas a partir da finalidade de colocar a escola com instncia socializadora do saber para as camadas populares. A escola de massa deve ser estruturada segundo o princpio da diferena, que, atuando sobre uma populao bastante diferenciada, permite elevar qualitativamente, na sada, a sua formao, possibilitando que todos saiam da escola no mesmo grau elevado.

    A organizao do trabalho nesta escola "no pode ser artesanal (...); precisa delinear um novo perfil de competncia coletiva no qual se expressa uma primeira forma de diviso tcnica do trabalho, um uso mais equilibrado e racional dos recursos materiais do ensino, uma capacidade de programar, realizar e controlar a ao educacional. Aqui, situam-se as novas funes decorrentes da necessidade de oferecer apoios especficos, de compensar carncias de ingresso, de acompanhar o desenvolvimento do currculo em suas mnimas fases, funes que devem ser consideradas como constitutivas do trabalho didtico". (8)

    Em outras palavras, o trabalho docente o ncleo primordial da educao escolar. Desta forma, a organizao escolar que se deseja aquela que melhor favorea o trabalho docente.

    (8) Idem, ibidem, p. 27.

  • A organizao da escola compete aos profissionais do-centes e no-docentes. Seria ingnuo advogar que o professor de sala de aula deva suprir todas as funes que esto fora da sala de aula, mas que nesta interferem - quer dizer, interferem no trabalho docente -, o que no significa que este s atue na sala de aula.

    Assim as tarefas que so objeto de trabalho social coletivo dos profissionais da escola podem ser listadas como segue:

    a) seleo, distribuio e organizao dos contedos a serem ensinados, considerados relevantes na prtica social. Os con-tedos tm objetivos socio-polticos, por isso, tm de ser selecionados a partir da prtica social, fazendo-se a crtica da prtica existente, para que se construa uma prtica social transformadora.

    Por essa razo, as fontes para a seleo dos contedos so: a natureza primria enquanto objeto de conhecimento, a natureza transformada pela ao dos homens (segunda natureza), as relaes sociais e o conhecimento em si. Impem-se como tarefa necessria, pois, a reviso dos contedos, cujos princpios norteadores devem ser a viso poltica da educao escolar como prtica social situada numa sociedade de classe; o domnio dos contedos especficos pelos diferentes professores; o conhecimento e a constante identificao das possibilidades scio-culturais individuais dos alunos; a articulao das matrias (dos contedos) do ensino. A reviso dos contedos se d, pois, a partir do que historicamente necessrio (a transformao da situao de desigualdades sociais) articulado com o que historicamente possvel (a situao de desigualdades sociais).

    O trabalho de reviso dos contedos requer o concurso de todos os profissionais da escola. Para cada princpio de seleo e organizao dos contedos acima expostos, preciso que os profis-sionais da educao escolar, partindo das condies existentes, to-mem decises e estabeleam formas de suprir aquilo que inexiste: as condies de trabalho para a consecuo do ncleo do trabalho do-

  • cente, que o ensino/aprendizagem.

    b) A complexidade da organizao escolar requer o con-curso de profissionais no-docentes, que tendo determinadas compe-tncias devem cuidar de tarefas relativas articulao dos contedos; a composio de turmas homogneas, heterogneas e o que se fazer com cada uma; o acompanhamento didtico-pedaggico aos professores em face de novos tipos de organizao curricular, por exemplo. Ciclo bsico; em face das questes metodolgicas e de ar-ticulao contedos/mtodos; em face da avaliao que deve ser constantemente diagnostica, que requer conhecimentos tcnicos es-pecficos; em face das dificuldades de aprendizagem que os alunos apresentam. Ainda importante ressaltar que as decises quanto a horrios adequados s possibilidades dos alunos, dos perodos esco-lares - quantos, como organiz-los, nmero de alunos em sala, a dis-tribuio das matrias na semana, a combinao dos horrios de es-tudo e trabalho em aula e os horrios de merenda e recreao de tal forma a possibilitar o aproveitamento mximo dos trabalhos escolares; os dias letivos - sua utilizao favorvel para ampliar as possibilidades de estudo e trabalho escolar, a atribuio de aulas e distribuio dos professores nas turmas de forma a propiciar a melhoria qualitativa do trabalho em aulas. Enfim, estas so questes administrativas que requerem a competncia (no exclusiva, como anteriormente explicitado) do pedagogo, especialistas em educao.

    !Seu trabalho, enquanto profissional da educao escolar, deve se configurar como de mediao entre a organizao

    escolar e o trabalho docente de modo a garantir as condies favorveis consecuo dos objetivos pedaggico-polticos da educao escolar.

    Assim, possvel redirecionar as funes deste profissio-nal a partir das necessidades que a escola apresenta hoje no que se refere ao trabalho docente. Este trabalho se traduz numa organizao didtica que compreende os contedos, os mtodos de ensino e a avaliao do ensino. Articular estes aos objetivos pedaggico-polti-

  • cos da educao escolar um trabalho que requer a contribuio de toda a equipe tcnica da escola.

    A questo dos contedos coloca, a essa equipe, inmeras tarefas.

    Em primeiro lugar, preciso saber quais contedos esto sendo ensinados, analis-los no todo da escola tentando apreender a sua trama para interpret-los, juntamente com os professores e a superviso pedaggica, no sentido de apreender o seu significado e a sua importncia para a emancipao dos alunos. A anlise dos contedos pauta-se constantemente pela articulao destes com os objetivos pedaggico-polticos.

    Um conjunto de aspectos precisa ser pesquisado no momento da anlise dos contedos da escola: o que se pretende ensinar, quais os contedos propostos para as diferentes disciplinas e sries; identificar a sequncia lgica dos contedos de uma srie a outra, os pr-requisitos que esto sendo considerados, a articulao vertical e horizontal dos contedos; a quantidade. Com isto se est buscando identificar a proposta dos professores e da escola em relao aos contedos.

    Em segundo lugar, identificar os elementos definidores dos contedos: quem os define e como; a partir de quais referenciais so definidos; porque so definidos estes e no outros, qual o ponto de partida para a definio destes. Com isto se est buscando identificar o grau de conscincia dos professores em relao aos contedos de suas disciplinas.

    En- terceiro lugar, verificar se os contedos ensinados le-vam em considerao a experincia dos alunos e o grau de conhecimento que j possuem. Se isto ocorre, verificar de que maneira a experincia do aluno incorporada nos novos contedos propostos e se se tem avanado para alm dela. Se isto no ocorre, quais as conse-

  • sequncias que se pode observar? Como se d esta incorporao (ou no) nas diferentes disciplinas? Algumas disciplinas, por sua natureza, podem ser facilitadoras dessa incorporao.

    Um procedimento extremamente necessrio para este terceiro aspecto a busca do conhecimento da populao que adentra a escola, sua cultura, seus valores, sua concepo de vida. O conhecimento da populao poderia ser uma atividade que envolvesse professores, supervisores e orientadores, direo, para se definirem as diferentes formas possveis (questionrios, entrevistas, etc.) para o conhecimento da cultura dos alunos, enquanto membros de uma classe social, certamente diferente e desconhecida dos profissionais da escola.

    O conhecimento dessa cultura no se faz de uma vez, no incio do ano, mas um processo que precisa ir sendo paulatinamente sistematizado. Como tal, constituir-se- num constante balizamento para a adequao dos contedos aos alunos, condio primeira para a aprendizagem efetiva.

    Neste conhecimento importante ter presente as atitudes de preconceito que os profissionais possam vir a assumir, rotulando os alunos. preciso evitar que isto ocorra. De nada adianta afirmar que o aluno carente de alimentao. preciso saber como ensinar o aluno, apesar dessa carncia.

    A compreenso da populao um dos caminhos para apreender-se o aluno enquanto ser concreto, sua condio social e histrica que determina o seu modo de ser, de compreender, de aprender. Por outro lado, a captao da cultura do aluno, por-parte da equipe da escola, que se constitui numa verdadeira pesquisa-ao, feita a partir da viso de mundo dos profissionais da escola, o que implica uma no-neutralidade nos aspectos a serem captados. "Cada momento emprico repensado no confronto com outros momentos e a partir da reflexo crtica novos caminhos de investigao so traa-

  • dos, que por sua vez levam ao reexame de todos os empricos e anlises feitas, ampliando sempre a compreenso e o mbito do conhecimento". (9)

    A compreenso da populao escolar implica, pois, uma atividade constante por parte dos profissionais da escola.

    Quanto ao aspecto de articulao dos contedos de fundamental importncia coloc-la como fator de melhoria da aprendizagem. Por isso trata-se de investigar se esta ocorre ou no e quais os critrios que a orientam.

    Trabalhar com e atravs dos contedos requer uma srie de competncias da equipe tcnica, das quais algumas ela j possui, outras precisa adquirir. A deciso sobre estas parte da anlise da situao real da escola, dos professores e demais profissionais que ali esto. Em qualquer caso, trabalhar os contedos na perspectiva da pedagogia crtico-social dos contedos requer que se tenha claro que:

    a) Trabalhar os contedos, por dentro, reconhecer, a um s tempo, a limitao destes, na produo da igualdade social, e a possibilidade de que pela aquisio slida dos contedos a escola pode contribuir para a diminuio das desigualdades sociais. A participao das mais amplas massas na escola leva consigo a tendncia a afrouxar a disciplina, a provocar facilidades, o que contribui para diminuir as oportunidades das classes populares terem conscincia das condies de sua opresso. (10)

    (9) Silvia T. M. Lane, "Conscincia/alienao: a ideologia no nvel individual" in Psicologia social, p. 46. (10) Cf. Antnio Gramsci, Os intelectuais e a organizao da cultura, p. 139. Excertos do livro O pedagogo na escola pblica, de Selma Garrido Pimenta, Edio Loyola, SP, 1988.

  • b) Trabalhar os contedos no significa, em hiptese alguma, que a equipe tcnica deva ter o conhecimento especfico de todos os ramos do saber nem to pouco retirar do professor a deciso sobre os contedos especficos a serem ensinados. Significa, sim, colocar disposio do professor a contribuio de uma pedagogia que conduza mais eficientemente democratizao do ensino. "Se a escola objetivamente selecionadora e marginalizadora das crianas pobres, a prtica docente tambm o (...), os milhares de alunos que ano a ano repetem e abandonam a escola foram alunos de algum." Os professores tm, pois, importncia fundamental. A equipe tcnica pode estabelecer junto com os professores a estrutura bsica dos contedos que a escola precisa garantir aos alunos. Nessa estrutura, estaro presentes os mnimos de contedos desejveis para se considerar a escola como de boa qualidade. O estabelecimento dessa estrutura bsica possibilita a discusso sobre a articulao desejvel, alm de estabelecer os parmetros para a avaliao.

    c) O trabalho da equipe tcnica da escola de assessoria ao processo ensino-aprendizagem, desenvolvido na relao professor--aluno. Requer, portanto, o conhecimento no apenas dos alunos, mas tambm das condies concretas, pessoais e profissionais dos professores. Este conhecimento implica a compreenso de que professor e a equipe tcnica tm tarefas direfentes, numa luta comum.

    Em sntese, o trabalho pedaggico com os contedos colocar em discusso constante os princpios que esto norteando a seleo, a ordenao e a organizao dos contedos articulados aos objetivos pedaggico-polticos da educao escolar, articulados por sua vez aos contedos culturais amplos.

  • D E B A T E

    Prof Elosa

    Gostaria que a Prof- Selma Garrido esclarecesse melhor seu posicionamento quando afirma: "A escola pblica est com muitos problemas, mas nunca esteve to bem como agora".

    Prof Selma

    No momento em que ns, educadores brasileiros, nos de-bruamos nos estudos, nas pesquisas, na prtica, enfim, fazemos crticas sobre a educao no nosso pas, quase que criamos um certo pessimismo em relao escola pblica, quando, enfaticamente, dizemos que a escola pblica de m qualidade, a escola pblica precria. Quase que admitimos que a escola particular, em contrapartida, de boa qualidade, tima. Estou aqui fazendo uma provocao, nesta questo, porque admito que a escola pblica est precria em todos os aspectos: precria de quadros, de funcionamento, de prdios, de formas de trabalhar com os seus alunos, no nvel de apropriao dos conhecimentos do aluno.

    No vou entrar aqui na considerao da escola particular. Devemos ter a clareza de que as condies culturais partem dos alunos que frequentam as escolas particulares e que, talvez, seja a maior responsvel por uma maior apropriao do conhecimento do que o prprio funcionamento da escola particular; e levando ainda em considerao as mltiplas escolas particulares que trabalham em sala de aula, s vezes, com 120 alunos, eu pergunto: que qualidade esta? Como est se dando esta apropriao do conhecimento da escola particular e em que direo esta apropriao est ocorrendo?

    Voltando questo da escola pblica, eu concordo com

  • esta precariedade e acho que temos muito a fazer em relao a esta questo. No entanto, quando eu disse que, deixando de lado o sau-dosismo, a escola antiga que era boa e que a de hoje est ruim, a escola pblica de antigamente tinha, nos seus bancos, a parcela da populao privilegiada, ou seja, a quantidade de escolas pblicas era to restrita que os alunos que as frequentavam eram os alunos egressos, originrios das famlias das camadas dominantes da aristo-cracia, numa poca da oligarquia rural, depois urbana, etc.

    Quando dizemos, saudosamente, que a escola pblica de antigamente era boa, ns estamos falando da escola privilegiada; quando eu estou chamando ateno para esta nova qualidade da es-cola pblica que temos, eu estou trazendo, com toda a fora, a am-pliao quantitativa de alunos da escola pblica e o acesso das ca-madas que, at ento, estavam fora do acesso escola pblica. As camadas pobres da populao, da classe baixa, trouxeram para den-tro da escola a exigncia de que a escola se modifique, o que ainda no est acontecendo, porque ns no deixamos nossos padres an-tigos; o modelo de aluno que ns temos na cabea o modelo que veio de uma famlia de classe mdia ou mdia alta. nesse sentido que estou afirmando que a escola pblica brasileira nunca foi to boa como est, no sentido de que a populao est colocando desafios para essa transformao que se faz necessria.

    Eu s queria lembrar, ainda, que essa ampliao quanti-tativa no foi uma benesse do Estado, como ns temos visto em al-gumas interpretaes na histria da educao brasileira, mas ela foi a resultante da mobilizao popular. De um lado, pegando a dcada de 30, o perodo do Estado Novo, a ditadura de Getlio Vargas, vamos ter a formao de grandes concentraes urbanas. Junto com isso, um avano do capitalismo industrial urbano, em algumas regies, um capitalismo que requer que o trabalhador tenha, no mnimo, o domnio das habilidades bsicas da leitura e da escrita. De outro lado, no d para esquecer a luta e a contribuio do Movimento dos Pioneiros da Educao. Tudo isso conjuminando com o poder poltico

  • da poca, calcado num nacionalismo e num populismo, respondendo, portanto, aos interesses de reivindicao da populao e aos interesses do empresariado industrial que comeava a se formar.

    Com relao populao urbana que foi se urbanizando, h a uma contribuio muito grande de pesquisadores recentes mostrando como os movimentos sociais foram importantes para a reivindicao da escola. A escola era uma forma de se conseguir trabalho, no mnimo.

    Como decorrncia desses fatores, historicamente colocados, que ns temos hoje, na escola, uma massa de populao que requer uma outra qualidade de escola.

    A escola pblica est com uma nova qualidade. Quando se fala que ela est ruim, ns estamos com um modelo antigo na nossa cabea.

    Representante da SEC - Acre

    Diante das colocaes que foram feitas e que para ns todos no mais novidade, o nosso dia-a-dia, quando falamos: a escola instrumento do poder dominante; os filhos da classe mdia j vm alfabetizados; e o da classe baixa tm dificuldades pelas condies scio-econmicas; os professores no esto capacitados e, muitas vezes, no so habilitados, ns temos at a certeza de que somos ns, professores, que estamos reprovados. Na maioria das vezes, tambm uma questo muito sria a dos estados pobres, como os do Norte e do Nordeste, pelo desrespeito que o poder central tem com a educao. No momento do repasse dos nossos recursos, no h realmente esse respeito; fazemos os nossos planejamentos dentro das nossas melhores intenes, e esses recursos so repassados, muitas vezes, no final do ano, nos impossibilitando de fazer um trabalho que ns planejamos.

  • Esse respeito preciso que exista por parte do poder central; no se pode fazer educao sem recursos; esses devera ser liberados em tempo hbil, quando as nossas redes de ensino estabelecem o ingresso do alunado na escola.

    Representante da SEMEC - Belm

    Participar desses encontros sempre um momento importante. Eu estava me sentindo uma pessoa perdida no deserto. Eu tambm achava que ns estvamos numa poca, num perodo muito bom; que a educao pblica est num perodo muito bom. Eu me sinto, realmente, muito triste quando eu pego o meu contracheque, mas ns no podemos partir para uma anlise da situao da escola fora da realidade social, e a escola brasileira nunca esteve to presente nas discursses e na elaborao de propostas como hoje em dia.

    Eu s me levantei para dizer que eu no estou mais me sentindo sozinha. Eu tinha e tenho convico de que, quando um pai de aluno cobra por que no est havendo aula ou seu filho vai e volta, eu digo: voc tem razo, mas eu procuro colocar porque no est havendo aula, o que ns estamos tentando conseguir, o que ns estamos tentando mostrar.

    A colocao que foi feita de que a escola brasileira est atravessando os seus melhores momentos vai ao encontro do que ns tentamos, principalmente, quando um estado como o Estado do Par, que um estado imenso, muito grande, com problemas, inclusive, para se conseguir a mesma linguagem, um estado com vrias culturas, mas onde se v a educao sendo tratada com a sociedade. Vamos tratar de uma maneira a reivindicar melhoras para a populao do Par. Ento, a educao brasileira, no meu ponto de vista, atravessa os seus melhores momentos.

  • Representante da SEC - Bahia

    Concordo plenamente que a escola pblica brasileira vai muito bem quanto ao acesso da classe proletria escola, principalmente quando se v as comunidades se mobilizando para fazer as suas prprias escolas, as escolas comunitrias que, s vezes, no permitem interferncia do Estado nesses projetos pedaggicos. Eles preferem os currculos que eles mesmos orientam e tm as suas propostas pedaggicas especficas. Ento, eu vejo um enriquecimento muito grande para ns.

    O que est nos faltando para que as nossas escolas pblicas sejam totalmente de qualidade so as condies pedaggicas para que a educao funcione: capacitao, maior conhecimento do contedo pelo professor e avaliao constante. A nossa dificuldade maior est em conseguir maior e mais apoio para que se desenvolva nossa proposta. No podemos ficar de braos cruzados esperando que as coisas aconteam, mas buscar sadas.

    Prof Selma

    Quero deixar muito claro que esta qualidade a que me referi tem tudo a ver com o fato de que o acesso das camadas majoritrias da populao escola est trazendo, no dizer do Prof. Jos Luiz, conflito de classe para dentro da escola; nessa perspectiva que eu digo que ela qualitativamente melhor. Vamos tomar cuidado para no sairmos daqui felizes e contentes pensando que est tudo bem; no isso, por favor. No senti isso na sua colocao, mas quero deixar bem grifado que h muito o que se fazer, na perspectiva de que a escola pblica ser de total qualidade quando ela conseguir garantir o acesso aos conhecimentos desveladores da desigualdade social totalidade dos alunos que tm acesso a ela e quando conseguir ampliar, ainda mais, esse acesso totalidade da populao brasileira. A que eu vou dizer que ela totalmente de qualidade.

  • Prof Avani

    Os pontos aqui abordados so fundamentais. , tambm, borri recordar e tentar buscar novos caminhos para continuar a luta para superar os problemas.

    Queria destacar um aspecto da fala da Prof9 Selma que considero tambm muito importante. importante que haja um espao para discusses conjuntas entre professores/supervisor. O professor, muitas vezes, um solitrio ou necessita de alguma orientao especfica do supervisor. Esse momento de discusso, de trabalho em conjunto riqussimo; o momento em que o professor vai se ocupar da sala dele; que o professor pra um pouco para pensar o que ele est fazendo na sala de aula; por que ele est fazendo o que est fazendo; por que abordou tal assunto desta forma, etc, porque, nesta roda-viva, ele no tem tempo para discutir com colegas e trocar ideias. Essas discusses, esse trabalho em conjunto, estas horas em conjunto devem fazer parte do dia-a-dia da escola.

    Representante da SEC - Pernambuco

    Eu no senti na exposio qual seria o trato especfico do conhecimento do ponto de vista da Psicognese, como que se d o pensamento lgico do aluno; o conhecimento como uma representao do real do pensamento do aluno. O aluno tem uma representao real quer ele tenha ou no acesso ao conhecimento.

    Como vocs colocam esta questo para garantir uma apresentao do real mais aproximada no trato do conhecimento, do ponto de vista da produo de um novo conhecimento? Seria, de fato, a transmisso desse conhecimento, talvez do ponto de vista mais histrico, mais contemporneo, mais ainda de novo trato epistemolgico?

  • Prof. Jos Luiz

    Eu acho que esta dicotomia do pensamento popular, do saber popular e do saber erudito so faces de uma mesma moeda. Elas tm uma relao dialtica que ambos so arbitrrios em termos de relao ao conhecimento mtuo: tanto o saber erudito como o popular.

    A experincia que a Universidade Federal de Pernambuco vem desenvolvendo em Psicologia - Psicogentica - mostra que a criana sempre descobre uma lgica, uma razo para explicar o que faz; ela cria um instrumental que tem; ela confronta como ela cria e como o arbtrio cultural que ela vai ter de romper, quer dizer, no cabe essa diferena entre um e outro. Eu trabalharia, dialeticamente, os dois, isto , se um o ponto de partida, o saber erudito passa a ser o saber popular com o passar do tempo, medida que o conhecimento foi avanado.

    Em termos de um enfoque epistemolgico - durante muito tempo houve uma m ou pssima interpretao de Piaget, em termos de Psicognese, etapa evolutiva, etc. -, eu acredito que, em alguns pontos, houve avanos, principalmente, com a influncia de psiclogos socialistas.

    Representante da SEMEC - Belo Horizonte

    Eu s quero pegar um gancho da fala da Prof9 Selma. Ela afirma que h necessidade de a escola ensinar de forma que o aluno aprenda, e isto influi na transformao da escola que a est.

    Eu s queria lembrar que esta escola deve ser transformada do ponto de vista de instituio, ou seja, da estrutura da escola, da forma de estrutura, sua organizao, etc.

  • Prof. Jos Luiz

    Eu gostaria de fazer uma pequena colocao em relao qualidade do ensino da escola pblica. Eu concordo com a Prof-Selma quando diz que as camadas populares, estando dentro da escola, estabelecem conflitos de classe - no d mais para mascarar esta situao. Eu gostaria de deixar uma preocupao com o pessoal da Secretaria da Educao - existem vrias experincias nos estados em que a comunidade da camada de baixa renda est organizando escolas comunitrias revelia do poder central, em forma de cooperativas, etc. Ser que este o caminho?

    Representante da SEMEC - Fortaleza

    Eu gostaria de retomar alguns pontos como a afirmativa de que a escola pblica est melhor hoje. Eu estive fazendo uma pesquisa, em Fortaleza, e constatei que s est em escola pblica quem no pode pagar. Logo, no acho vantagem o proletrio estar l. A Prof Selma falou em condies de trabalho - concordo. Ns temos de ver a educao de uma maneira global. Hoje, estamos tratando aqui o problema do currculo, mas no podemos deixar de ver as condies de trabalho de uma maneira global. Se atacarmos s o problema do currculo, no vamos resolver muito, porque, inclusive, eu considero o currculo a parte sagrada dentro da educao e a parte administrativa tratada como a parte profana, mas uma depende da outra. Para a educao funcionar, tem de estar presente o profano e o sagrado. O Prof. Jos Luiz falou sobre a escolha do livro didtico; ns, no Cear, gostaramos de receber o livro didtico bom ou ruim, atendendo muito bem educao ou no atendendo, ou alguma coisa que pudssemos entregar nas mos dos alunos para trabalhar e trabalhar criticamente - o livro didtico ruim bom tambm, mas nem isso temos. muito bom que se trate aqui, hoje, do currculo, mas, tambm, que se trate da distribuio da merenda escolar, do livro didtico e de tudo o que a escola precise para funcionar melhor, para que, globalmente, se possa orquestrar melhor as condies de traba-

  • 1ho para uma melhor aprendizagem do aluno.

    Representante da SEC Paraba - impossvel a transcrio

    Prof9 Selma

    Achei de extrema felicidade a interveno da colega da Paraba sobre educao popular. Voc est vendo o popular dentro da escola pblica, e eu gostaria de me reportar a este ponto. O popular no um segmento que est parte, est na escola pblica e tem de estar cada vez mais. Ento, reportando a esta tese, eu estou enfati-zando o compromisso que o Estado brasileiro tem de ter com a edu-cao. Eu no sou contra, no estou fechada a examinar experincias de comunidades, mas, historicamente, neste pas, neste momento, sobretudo aps a promulgao da Constituio, e como ficou assen-tado a questo das verbas pblicas para as chamadas escolas comu-nitrias, eu tenho um receio muito grande que se desvincule a res-ponsabilidade primeira do Estado de oferecer escola e, como alterna-tiva, que o privado se manifeste. Por isso, sou contra a escola privada, comunitria, ou que nome ela tenha, mas eu defendo a ideia de que a garantia do acesso escolaridade seja colocada, assumida e comprometida pelo Estado.

    Neste sentido, a minha preocupao tambm vai ao en-contro do que o Prof. Jos Luiz colocou: que de ns no termos um saber regional versus um saber mais amplo - essa oposio tambm precisa ser cuidada. A desvinculao da escola comunitria do Estado, por exemplo, eu acho que favoreceria este tipo de coisa. bom aprofundar e eu queria dizer que voc colocou, com muita felicidade, aquele aspecto de que o popular est dentro da escola, da escola p-blica. Se no tem escola pblica em quantidade suficiente, ns temos de brigar para t-la e se no tem em condies melhores, a nossa luta vale para que elas funcionem melhor. Por a que eu coloquei a questo das condies de trabalho da escola.

  • Nesse sentido, fazendo um gancho com a nossa colega de Fortaleza-, eu diria que a nossa especificidade aqui no encontro discutir o currculo, mas eu penso que ficou suficientemente claro que o currculo, sobretudo pela exposio do Prof. Jos Luiz, no pode ser desvinculado de questes mais amplas e, ao mesmo tempo, ns te-mos de trabalhar as questes especficas do currculo at como con-dio de modificar as condies mais amplas - esta coisa est em-bricada; porque ns estamos aqui pensando nos contedos signifi-cativos; na parte da tarde, estamos falando em transformao mais ampla, no d para fazer uma dissociao. Esta clareza se faz ne-cessria.

    Um ltimo ponto que eu deixei de colocar na minha inter-ferncia inicial que ns temos uma realidade educacional escolar em que a criana da populao economicamente baixa no est com o acesso garantido ainda que o Estado resolvesse abrir vagas em quantidade suficiente porque a tem questo estrutural que nos escapa de imediato, mas se pode interferir nela, que para a criana a questo da educao escolar. Embora ela e a famlia valorizem a educao escolar, a escola vista como: ou ela trabalha ou ela estu-da, ou seja, ns vivemos uma realidade num pas que tem os contor-nos do capitalismo, onde o acesso escola no est assegurado tambm, porque a questo da sobrevivncia no est garantida.

    Ento, apesar de a Constituio dizer que proibido o trabalho do menor, ele trabalha, e, s vezes, o seu subemprego condio de manuteno da famlia. Esta uma questo mais ampla que no se pode fechar os olhos; eu, como educadora, no tenho o poder de transformar esta situao estrutural. Talvez eu tivesse se houvesse uma outra profisso que pudesse mexer mais diretamente com isso, mas o fato que eu no tenho; indiretamente eu tenho en-quanto profissional da escola. Enquanto profissional de escola, eu posso organizar o funcionamento da escola, de forma que o aluno aprenda, apesar de ter de trabalhar. No adianta ficar atirando pedra no trabalho dele. Foi isso que eu quis dizer quando eu falei da orga-

  • nizao da escola. Que organizao? A organizao tem de ser aquela que melhor propicie a democratizao do saber, mais do que a democratizao das relaes; eu tenho de discutir a democratizao das relaes que vo passar por consumo, eleio... Essa discusso importante porque condio para a democratizao do saber.

    A FUNO DOS CONTEDOS DE LNGUA PORTUGUESA NA FORMAO DO CIDADO BRASILEIRO

    Prof- Avani Xavier Lanza - UFMG

    Refletir sobre a funo dos contedos de Lngua Portuguesa, na formao do cidado brasileiro, exige retomar alguns aspectos relativos ao contexto em que esse cidado se insere.

    A caracterizao desse contexto contribuir para o levan-tamento de aspectos bsicos a serem considerados no mbito do papel a ser conferido ao processo de ensino/aprendizagem da lngua, tendo em vista a formao do cidado.

    Assim, fundamental lembrar que o nosso pas caracteriza-se por apresentar diferenas sociais e econmicas que refletem as diferenas nas possibilidades tanto de acesso aos bens culturais quanto de participao poltica.

    Cada brasileiro, como ser social que faz parte de um grupo, tem consigo as marcas caracterizadoras desse grupo, que o diferenciam dos demais.

    Logo, a busca de recursos que permitam novas conquistas, mais condies de participao poltica e cultural, maiores facilidades de reivindicaes na sociedade, visando superao das contradies sociais, deve ser acionada em diferentes instncias, princi-

  • palmente no mbito educacional.

    A escola, ao lidar com essas diferenas scio-culturais de seus alunos, deve contribuir para viabilizar a transformao social, atravs da superao das desigualdades.

    Qual seria, ento, na escola, o papel do ensino da lngua para essa superao?

    Acredita-se que a aprendizagem da lngua permite uma ampliao das possibilidades de o indivduo ter acesso aos bens culturais, assim como a conquista de participao poltica na sociedade, principalmente, no processo de democratizao.

    No caminhar desse processo de democratizao, a leitura surge como um instrumento fundamental, quando vista como: "(1) uma habilidade humana que permite o acesso do povo aos bens culturais j produzidos e registrados pela escrita e, portanto, como um meio de conhecimento e crtica dos fatos histricos, cientficos, literrios e (2) como um dos meios mais prticos, ao lado da palavra oral, de que o povo pode lanar mo, a fim de comunicar e fazer valer as suas ideias, interesses e aspiraes". (SILVA, 1983). Logo, no s o acesso leitura e escrita, mas tambm a aquisio e o domnio desses processos devem constituir-se em metas prioritrias da escola de 1 grau.

    Para que a realizao desses processos ocorra com mais sucesso, torna-se necessrio que a escola tenha conscincia de que a clientela por ela atendida domina variedades lingusticas que, normalmente, diferenciam-se da usada e exigida pela escola. Dessa forma, cabe instituio escolar partir das variedades lingusticas apresentadas por seus alunos, para trabalhar a aprendizagem da variedade culta.

    Ao oferecer e garantir essa aprendizagem, a escola estar atendendo finalidade base do ensino de Lngua Portuguesa -

  • promover o domnio da lngua padro culta - e, consequentemente, estar preparando o cidado para viver e atuar na sociedade.

    Para se atingir essa finalidade bsica, o ensino da Lngua Portuguesa no 1 grau deve ser prtico, crtico e criativo.

    A prtica, o uso da lngua uma maneira de fazer com que o aluno "a domine e a maneje melhor e se sinta senhor dela, no seu servo humilhado e inseguro" (LUFT, 1985).

    Sentindo-se dono de seu discurso, o aluno poder "crescer, desenvolver o esprito crtico e expressar toda sua criatividade" (LUFT, 1985), ampliando seus conhecimentos e adquirindo domnio da lngua padro culta e percebendo ainda que, na escola, se valoriza e respeita tanto sua individualidade quanto o seu contexto de origem.

    Essa prtica da lngua na escola pode desenvolver-se no 1 grau, levando-se em considerao alguns pontos como:

    No conjunto destas abordagens sobre a funo dos contedos de Portugus na formao do cidado brasileiro, a problemtica da alfabetizao, mais uma vez, tem um destaque acentuado. Para que o indivduo domine a lngua padro culta, imprescindvel que ele se alfabetize. E, no desenrolar do processo de alfabetizao, na escola, fundamental que ocorra "uma articulao e integrao dos estudos e pesquisas a respeito de suas diferentes facetas" (SOARES, 1985), ou seja, as suas perspectivas psicolgica, psicolingustica, so-cio-lingstica e propriamente lingustica. Essa articulao suscita uma retomada e um aprofundamento dos estudos e reflexes sobre a prtica de alfabetizao que a escola vem desenvolvendo, com uma clientela que apresenta caractersticas especficas e variadas.

    Ao lado das preocupaes com o processo de alfabetizao propriamente dito, desponta tambm, como imprescindvel, uma anlise crtica do trabalho desenvolvido no tradicional perodo prepa-

  • ratrio para a aprendizagem da leitura e da escrita.

    Isto porque da forma como ele ocorre, sua contribuio tem sido no sentido de eliminar a priori, do acesso alfabetizao, as crianas consideradas sem prontido para essa aprendizagem. So-nega-se assim, logo ao incio do ano letivo, "no s um direito que ele (o indivduo) possui, como tambm a possibilidade de adquirir mais um instrumento de luta (...)". (LANZA, 1988).

    Alterando-se essa prtica, possvel que as "manifestaes diferentes passem a ser consideradas no como um meio de definir o destino dos alunos, s vezes dramaticamente, na escola, mas como importantes aquisies que eles trazem consigo e que devero ser cognitivamente estimuladas". (LANZA, 1988).

    Somente atuando no sentido de no acentuar diferenas ou tom-las como motivo para discriminao e seletividade, a escola e, nela, o trabalho em Lngua Portuguesa podero contribuir positivamente para a formao do verdadeiro cidado brasileiro.

  • LINGUA PORTUGUESA NO ENSINO DE 1 GRAU

    Objetivos Gerais reas de Atuao Aspectos Fundamentais Obje-tivo

    Aspectos a serem

    Ia a 4a

    5 a 8 Leitura Produo de Anlise

    .Bsico. considerados Textos Lingustica o

    culta

    diferenas

    scio-culturais no pas

    variedades lingusticas

    realidade scio-cultu-ral do aluno

    entendi-mento da es-crita como forma de in-terlocuo distncia, no tempo e no es-pao, de tal modo que a criana perceba seu valor e sua funo social, no meio ambiente e fora dele.

    . constituio do falante e do autor de textos orais e escritos que respondem s necessidades de expresso do aluno e que apresen-tem estrutura, coeso e coe-rncia inter-nas que no dificultem sua interpre-

    . acesso a tex-tos diferen-ciados e em uso na socie-dade.

    leitura momento de ver e sentir a gramtica.

    . produo de textos simi-lares aos em circulao na sociedade. . produo de textos -momento de aplicao dos mecanismos ou regras da gramtica de uso.

    ampliao da gramtica interiorizada atravs dos elementos da Lngua-padro culta.

    r aos

    alu

    nos

    o do

    mn

    io d

    a lin

    gua-

    padr

    leitura re-

    flexiva cons-ciente e cr-tica (percep-o de valo-res, conceitos e preconceitos da sociedade nos textos e nos demais meios de comunicao).

    . produo de textos com-prometidos com as reais necessidades do aluno evi-tando-se si-tuaes arti-ficiais.

    considera-o do saber lingustico do aluno to-mando-o

    como ponto de partida

    para anlises e novas aqui-sies lin-gusticas.

    Poss

    ibilit

    a

    desenvolvi-

    mento do es-prito crtico

    prtica da lngua

    instrumen-talizao do aluno

    . entendimento de que a es-crita, para permitir a in-terlocuo distncia.obe-dece a uma conveno or-togrfica de que cada usu-rio no pode ser rbitro, mas que ne-cessriodomi-nar para no prejudicar o objetivo pre-

    . constituio do ouvinte e do leitor capaz de dar uma interpretao dos textos que ouve e l, embora no se exija que tal interpretao apresente alto grau de profundidade de anlise original do texto lido.

    . incentivao e aceitao de diferentes interpretaes dos textos e acrscimo da sugesto de ou-tras possibili-dades. . possibilita-co de diver-gncia do conflito e re-beldia.

    utilizao dos recursos e dos meca-nismos que a lngua oferece. . produo de textos para se exprimir dia-logando, de-batendo, es-crevendo ex-perincias.

    conheci- -mento da gramtica de uso domnio de habilidades comunicativas necessrias ao domnio do padro culto.

  • LlNGUA PORTUGUESA NO ENSINO DE 1 GRAU Obje-tivo

    Objetivos Gerais reas de Atuao Aspectos Fundamentais

    Aspectos a serem considerados

    5a a 8a Leitura Produo de Textos

    Anlise Lingustica

    llngu

    a-pa

    dro

    cul

    ta

    cpuo da existncia da prpria escrita,

    questiona-mentos, tra-balho. reela-borao, dis-cusso e an-lise dos textos.

    . formao de estruturas mensais, rela-cionar pensa-mento, formar a viso prpria do mundo, tra-tar crit ica menteclichs, ideias, etc.

    . trabalho de anlise lin-gustica vi-sando aos as-pectos relativos a: ortografia, pontuao, concordncia verbal e nominal, vocabulrio, construo de frases, par-grafos e texto.

    Pos

    sibi

    litar

    aos

    alu

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    a

    . criao do gosto da leitura, mediante o convvio constante com obras da literatura infantil.

    . criao do gosto da lei-tura mediante convvio com obras juvenis ou no especialmente brasileiras.

    . possibilidade de contato com textos informativos. formativos e literrios. . respeito ao nvel de aqui-sio da lei-tura do aluno oferta de desafios.

    trabalho com textos narrativos, descritivos e dissertativos.

    respeito e anlise da produo de textos tendo em vista os nveis, a rea estrutural e a rea instru-mental.

    comparao entre diferentes variedades lingusticas e diferentes es-truturas tex-tuais, frasais ou vocabulares. que possibilitar o alcance da expresso na lngua culta.

    utilizao de textos tanto dos alunos quanto literrios e em uso na sociedade para anlise lin-gustica.

  • REFERNCIA BIBLIOGRFICA

    - DISTRITO FEDERAL. Ministrio da Educao e Cultura. Diretrizes para o aperfeioamento do ensino/aprendizagem da Lngua Portuguesa. Relatrio conclusivo. Braslia, 1986.

    - LANZA, Avani A. X. Fracasso escolar e alfabetizao: uma crtica ao pe- rodo preparatrio. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Educao, 1988 (Dissertao de Mestrado).

    - LUFT, Celso P. Lngua e liberdade: por uma nova concepo da lngua materna e seu ensino. Porto Alegre, LBPM, 1985.

    - MINAS GERAIS. Secretaria de Estado da Educao. Programa de lngua e literatura. Belo Horizonte, 1986.

    - SILVA, Ezequiel T. Leitura & realidade brasileira. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.

    - SOARES, Magda. As muitas facetas da alfabetizao. Cadernos de Pes- quisa, So Paulo, Fundao Carlos Chagas (52): 25-33; fev., 1985.

    D E B A T E

    Prof Selma

    Vou fazer algumas colocaes com o objetivo de explicitar a contribuio do ensino da Lngua Portuguesa para a funo social da escola.

    Eu gostaria que voc explicitasse um pouco mais claramente esses trs objetivos que voc coloca como objetivos gerais: o desenvolvimento do esprito crtico no ensino da Lngua Portuguesa; o que o criativo, o aspecto de criao em Lngua Portuguesa e o que a instrumentalizao ou o prtico, ou melhor, o prtico, o crtico, o criativo.

  • Prof Avani

    A questo do desenvolvimento crtico deve permear o trabalho da escola, em todas as reas. Para que haja esse desenvolvimento crtico, fundamental que o indivduo entenda, primeiro, o seu prprio contexto, as suas questes, para que, a partir desse entendimento, tenha acesso ao conhecimento, sem que a escola o sonegue. Os conhecimentos que o aluno traz, incorporados a outros que ele vai ampliar na escola, ele os extrapola numa tentativa de conhecer melhor e interpretar a sua realidade.

    Dessa forma, ele ter condies de desenvolver esse esprito crtico e, ao desenvolv-lo, em termos de Lngua Portuguesa, o esprito crtico vai ser quase um instrumento que o ajudar a manifestar essa crtica e a produzir, tambm, textos, falas orais, em que tenha oportunidade de expor este momento crtico. O desenvolvimento do esprito crtico contribui para que o aluno enxergue um pouco alm da aparncia, como as coisas esto sendo apresentadas. Por exemplo, em Lngua Portuguesa, quando se trabalha um texto, est se desenvolvendo uma leitura mais aprofundada e, talvez, caminhando para uma leitura mais crtica, ou seja, tentar enxergar nas entrelinhas do texto, nas entrelinhas das propagandas das novelas.

    A contribuio da Lngua Portuguesa aguar o aluno a indicar diferentes formas de comunicao com que ter contato no dia-a-dia dentro da escola. Revendo as prprias estrias em quadrinhos, que so leituras a que o aluno tem acesso na escola, dentro de um desenvolvimento do esprito crtico, faz-lo ver o que representa o quadrinho, articular, por exemplo, o Tio Patinhas numa sociedade capitalista, o que representa o Pato Donald, os sobrinhos, etc.

    A contribuio da Lngua Portuguesa, no desenvolvimento crtico, ajudar o aluno a enxergar um pouco mais, a ler nas entrelinhas e, talvez, a produzir as suas questes, as suas ideias de forma coerente e clara.

  • Prof Selma

    Eu perguntaria se essa explicitao do crtico especificidade do ensino de Lngua Portuguesa? H uma especificidade da Lngua Portuguesa?

    Prof Avani

    Eu acredito que no especfico da Lngua Portuguesa, mas a Lngua Portuguesa teria, dentro da sua especificidade, esse momento de leitura, de ler atravs do texto, de enxergar o texto, e isso enriqueceria a questo das outras reas. A linguagem permeia o trabalho de todas as outras reas e, muitas vezes, a falta de compreenso de outra rea pode estar sendo comprometida por causa da qualidade de interpretao de texto, da produo escrita dos alunos. A criatividade em Lngua Portuguesa muito discutida. S o fato de o aluno ter espao para se manifestar, a forma como ele estrutura sua fala, a forma como ele se manifesta tem toda uma criatividade. Eu vejo o criativo, em termos da lngua, na palavra que o aluno coloca no papel, num desenho, numa argumentao ou at numa opinio que ele possa dar. H, tambm, uma discusso muito grande em termos da utilizao de modelos na linguagem: a criatividade do aluno seria tolhida se ele criasse outros textos em cima de modelos. Na minha opinio, os modelos sempre estiveram em todas as situaes de vida, como ponto de partida para se avanar.

    O prtico a questo da lngua como uso, como prtica; o falar do dia-a-dia, fazer esse espao existir num trabalho de Lngua Portuguesa e captar dessa linguagem um linguajar prtico.

    Aproveitar esse linguajar e trabalhar esse linguajar. H no prtico duas leituras: uma leitura partir da linguagem usual, prtica, do dia-a-dia do aluno; a questo do uso prtico, dentro da escola, de certas situaes que facilitaria o trabalho; a outra leitura o

  • prtico utilizado em textos funcionais como bilhetes, cartas, avisos...

    ProfSelma

    Da forma como voc explicita estes trs aspectos a serem considerados e quando voc fala de reproduo de textos e faz referncia presena das diferentes variedades lingusticas dos alunos, como ponto de partida para se chegar a uma varivel padro, a lngua culta, neste processo, sobretudo, da forma como voc define a criatividade, seria correto fazer a interpretao de que o ensino da lngua estaria calcado numa crena, no espontanesmo, ou seja, a produo vem de dentro para fora?

    Prof Avani

    Como ponto de partida, sim. Uma vez que o aluno tenha internalizado uma gramtica prpria, ele colocaria essa gramtica prpria em funo da espontaneidade de sua manifestao na produo do texto. Esse espontanesmo, entendido como um ponto de partida, como um espao, como um momento que a escola d para obter a naturalidade de expor as coisas como se pensa e como se sente.

    Prof. Jos Luiz

    Primeiro, eu gostaria de parabenizar a Prof Avani pelo enfoque dado sua fala. Voc foi bastante feliz em colocar o Portugus como ler, escrever, ouvir e falar. E vou mais alm, eu s consigo participar como cidado na sociedade quando eu consigo sair da minha conscincia singular e entrar na minha conscincia de homem e ser genrico. Nada mais importante do que, na rea de Portugus, voc trabalhar a obra literria como voc prope desde o incio. E bastante significativa esta colocao.

  • meu ver, fundamental. A leitura deve ser uma atividade solidria e no solitria. E muito frequente na escola, por exemplo, o professor mandar o aluno ler. Leia o livro tal que no dia tal vou fazer uma prova. O professor tem de ler o livro, tem de discutir com o aluno e, depois, poder optar por um dos muitos mecanismos de avaliao. Ns estamos fazendo uma experincia, e que a Prof- Selma colocou hoje pela manh, sobre a relao escola versus universidade.

    No Rio de Janeiro, ns temos um convnio assinado entre a UFRJ e o projeto da Favelada Mar e ns trabalhamos com as escolas da rede municipal. O que ns propomos ao professor de Por-tugus a aplicao de uma tcnica que consiste em retirar uma palavra de modo que a pessoa s pode encaixar aquela palavra. Po-de-se fazer com toda a estrutura da lngua portuguesa, como, por exemplo, se se vai trabalhar na rea de vocabulrio, eu dou um exer-ccio assim. Na... de 60, os Beatles estouraram em todas as paradas. Qual a nica palavra que pode aparecer aqui? dcada. Todos acer-taram. Introduza uma vogal na palavra de modo que o nmero de s-labas no aumente. Damos para a criana a palavra a..la. O aluno vai falar a vogal que vai colocar - u. Qual a noo gramatical que estamos querendo passar para ele? Ditongo. Mas no meu enunciado no existe a palavra ditongo; est vendo como se faz com a terminologia embutida.

    Prof Avani

    Eu gostaria de completar o seguinte: fundamental a lei-tura deste material. O grupo de especialistas na rea apresentou su-gestes muito importantes, inclusive, com sugestes at para o 2 grau. Com relao s questes sobre o como ensinar, eu fao algu-mas restries. Eu tenho muito medo de que esse como ensinar se caracterize como receita. A forma de ensinar deve ser buscada no s por ns, especialistas, mas fazer com que o professor sinta neces-sidade de refletir sobre o que ele est fazendo e como ele poderia

  • buscar uma outra forma de fazer. Este como fazer tem de vir de uma busca.

    Prof Selma

    Eu gostaria de fazer um complemento. Quanto a estas observaes da Prof Avani, eu considero de maior importncia quando ela chama a ateno para o que eu vou chamar de pesquisa do cotidiano. A referncia que ela faz ao trabalho do cotidiano da escola de 1 grau e do trabalho que ela nos apresenta aqui muito o fruto desta pesquisa do cotidiano. Isto fundamental, algo que ns estamos precisando desenvolver mais fortemente em nossas escolas.

    O complemento que eu gostaria de fazer nesta questo, que de certa forma est totalmente amarrada reflexo que eu fiz pela manh, diz respeito questo contedo e forma. Eu disse e reafirmo que a fonte da transmisso de contedos tem de ser o momento histrico em que ns estamos vivendo considerando os trs aspec-tos: a natureza, a natureza transformada pelos homens e as relaes sociais. No nvel de cada disciplina, preciso que, dentro das especificidades, ela traduza, na sua rea de conhecimento, como contribui, como trabalha, como traduz em instrumentos didticos/pedaggicos a sua contribuio.

    Neste ponto, que eu gostaria de chamar ateno da questo para a relao contedo versus mtodo versus objetivo. Eu no posso pensar mtodo de trabalho desconectado de contedos que, por sua vez, tem de estar conectado aos objetivos, se quisermos a finalidade da disciplina. Dizendo de outra forma, cada rea do conhecimento tem um mtodo de apropriao e de produo do conhecimento. Por exemplo, na Lngua Portuguesa, certamente diferente do mtodo da produo do conhecimento da Matemtica. Isso configura, epistemologicamente, a diferena entre as reas do conhecimento. Agora, h uma questo que embricada a esta que o mtodo do ensino. O mtodo do ensino ou o mtodo da difuso do conhe-

  • cimento tem de estar diretamente vinculado ao mtodo da apropriao do conhecimento de cada uma das reas. Essa vinculao me parece ser fundamental. Quando ns colocamos o terceiro, elemento que o objetivo, ento, no d mesmo para fazer a separao entre essas trs coisas.

    Eu vou me permitir colocar como um exemplo o que eu ouvi de uma professora no seu trabalho cotidiano - uma professora que trabalha na 4 srie do 1 grau e professora polivalente - portanto, ensina Portugus, Matemtica, Histria, Geografia... numa escola que prxima a uma favela, em Niteri, Rio de Janeiro. Um dos seus objetivos, dentro da Lngua Portuguesa, a ampliao do vocabulrio. Ela constatou que todos os alunos tinham televiso. Como lio de casa, todos os alunos deveriam trazer, por escrito, uma manchete que ouviram no Jornal nacional. Preocupada que algum aluno deixasse de ver o Jornal nacional, mandou que passassem na banca da esquina, dessem uma paradinha e lessem uma notcia do jornal. Com isso, ela est garantindo que os alunos tragam a lio de casa feita. O objetivo da aula ampliao do vocabulrio. Os alunos esto com a matria-prima - a manchete que eles escreveram. Quando os alunos pegam as manchetes do jornal, vo encontrar palavras que, muitas vezes, desconhecem o significado. H muitas palavras que, para se entender significado, preciso entender a frase inteira, quer dizer, o vocabulrio tem significado no texto.

    Os alunos acabam fazendo alguma discusso entre eles sobre as manchetes e, a partir do vocabulrio, dando o ltimo passo desse processo, todos eles vo ao dicionrio que est na. sala de aula e procuram o significado do vocabulrio e, certamente, vo encontrar diferentes significados, porque um vocbulo tem vrios significados, um remete a outro.

    Acho que est clara qual a finalidade desta professora - ela est trabalhando com uma finalidade social da funo social da

  • escola de 1 grau, porque, ao contrrio, ela poderia fazer da seguinte maneira: a) objetivo - ampliao do vocabulrio; b) lio de casa -vocs vo procurar no dicionrio tais palavras. Primeiro problema: tero ou no dicionrio; c) exerccio - copiar os vocbulos da lousa -constituir frases, etc, etc. Percebem a diferena entre as duas formas? O como, no primeiro caso, partiu das condies da realidade dos alunos e no ficou nela, ampliou a compreenso do vocabulrio de maneira que vai ser mais difcil os alunos esquecerem e foi mais alm, como complementao. Aqui o como est profundamente arraigado competncia da professora em captar determinados vocbulos; ela precisa saber porque trabalhar isso e se isto est ligado finalidade social desta professora ao trabalhar o ensino da Lngua Portuguesa. Esta experincia traduz a questo do como; o como no pode ser dissociado do contedo e da finalidade. Precisa-se ter clareza desta relao.

    Gostaria de ouvir um pouquinho a Prof Avani sobre isso.

    Prof Avani

    Eu estava pensando em completar um pouco esse como fazer, que uma forma de trabalho, que eu percebo, tambm, na lngua. mais interessante e muito mais rico. Exemplo, o tradicional trabalho com grupos ortogrficos - hoje tem toda outra anlise lingustica da constituio das palavras; esta anlise vai gerar grupos e uma percepo diferente do trabalho a ser feito. Nesta linha de trabalho do como fazer , por exemplo, a questo do l,que tem o som original I, tem o som u vogal nasal e, normalmente, trabalhado pelo professor trazendo uma listagem de palavras para as crianas. Esta listagem era acrescida de outras palavras para montar o grupo ortogrfico e fazer aquele tradicional treino ortogrfico. O aluno escrevia muitas vezes, e, no final da semana, checava aquele treino. As vezes, os alunos acertavam e, na hora da redao, todos escreviam voltar com u. Hoje, ns temos um como fazer pouco similar ao que a Prof-

  • Selma citou e que tem um contexto um pouco maior. Notcias ou pro-pagandas que os meninos trazem para a escola e que tenham palavras onde o I existe, no importando a posio dele. Depois da discusso das notcias, os alunos vo descobrir as palavras com I e tentar descobrir a posio dessa letra na palavra, ou seja, o contexto em que ela est. Depois de descobrir este modelo, eles vo fazer novos subconjuntos ou novos agrupamentos e vo perceber o I como incio de slaba em luta, em lua, em calada e o I como final de slaba, voltou, carnaval, s vezes, em final de slaba, em final de palavra. O menino vai trabalhando as palavras que encontrou, vai reagrupando e vai trabalhando a questo do som; a letra em certos lugares da palavra tem sons diferentes ou um som representado por determinada le-tra, conforme o lugar que ela ocupa na palavra, ou seja, eu fao um trabalho em nvel ortogrfico.

    O menino pode pensar na construo da palavra e no meramente decorar uma coisa que eu, como professor, selecionei ou levantei - ele vai fazer a sua descoberta - e, num terceiro nivel, eles tm de arrumar formas de trabalhar com os ss c, que temos dvidas quando vamos escrever. H questes da lngua que eu posso trabalhar, com os meninos, esse como de uma forma criativa, de uma forma receptiva e que o menino descubra. Eu no tenho de ficar perdendo tempo em levantar palavras que podem ser trazidas pelos alunos que, em grupo, podem fazer a anlise. So sugestes de tipos de trabalho diferentes.

    Representante da SEC - So Paulo

    Eu queria complementar a fala do professor do Rio a respeito de uma questo bem prtica - a divulgao do material que ns temos. Eu acredito que dentro desta preocupao do reformular de propostas curriculares adequadas a uma finalidade mais social, mais atual, mais sria, ns seremos muito beneficiados com a troca de experincias.

  • Com relao preocupao com a relevncia social dos contedos no ensino, a adequao da escola pblica sua clientela real, o Estado de So Paulo vem trabalhando, desde 1985, especial-mente, com a formulao de novas propostas curriculares. Estas pro-postas esto, atualmente, prontas no sentido de poderem ser utiliza-das pelos professores, embora no sejam de forma definitiva. As pro-postas foram construdas muito lentamente porque foram elaboradas por equipes tcnicas com assessoria da universidade e com consultas peridicas aos professores da rede. No temos em nmero suficiente para mandar para todos os estados, mas pessoas interessadas pode-ro solicitar.

    Representante da SEC - Bahia

    Eu tinha colocaes de esclarecimentos para fazer. O nosso objetivo fazer da Lngua Portuguesa um veculo de prepara-o para a cidadania. Quando que o aluno cria? Quando que a criana pode desenvolver o esprito crtico para entender que aquele cidado quer participar conscientemente da sociedade? Desde a pr-escola ele pode comear a fazer isto. Se ns levarmos este aluno a falar, a elaborar seus textos orais, que objetivo geral da 5 8 srie, a se expressar, a dizer as coisas que ouve na linguagem dele, a interpretar textos, a criar o gosto pela leitura, ns poderamos, at certo ponto, ir orientando para o padro lingustico mais correto. No seria o caso de se antecipar o objetivo geral da Lngua Portuguesa da 1 4 srie?

    Prof Avani

    Quando colocamos as questes que esto contidas no documento (Diretrizes para o Aperfeioamento do Ensino-Aprendiza-gem de Lngua Portuguesa/MEC-1986), h um destaque que eu acho fundamental - o valor e a funo social tanto da leitura quanto da

  • escrita. Isso no elimina o fato de anteciparmos esses objetivos. A partir desse fundamental, o indivduo percebe a importncia da leitura e da escrita e vai acrescentando essa outra linha de percepo. Talvez at eliminar essa barreira, medida que uma compreenso for sendo atendida, a outra j seria incorporada formao desse cidado. Achei pertinente sua colocao.

    A FUNO DOS CONTEDOS DE MATEMTICA NA FORMAO DO CIDADO BRASILEIRO

    Prof Nilza Eigenheer Bertoni - UnB

    Entendemos o processo pelo qual se d o desenvolvimento de um indivduo, o que inclui necessariamente a apropriao de conhecimentos, como sendo de natureza psicossocial.

    A curiosidade, a motivao, o interesse interagem com estmulos e situaes do meio fsico-social, gerando reflexes e aes de interrelaes que conduzem apropriao abrangente de conhecimento, o que envolve compreenso, relacionamento, integrao, reflexo crtica e aplicao.

    Pelo lado individual, psicoafetivo, o processo cognitivo apoia-se na curiosidade irrefrevel, nas emergentes ligaes mentais, na disposio de fazer, construir, verificar se d certo,- num riqussimo potencial psquico.

    Pelo lado scio-cultural, o processo cognitivo apoia-se nas situaes encontradas na interao com o meio fsico-scio-cultu-ral, elementos provocadores que desencadeiam aes que levaro ao conhecimento, aes que se desenvolvem por sua vez em novas inte-raes indivduo-meio.

  • A formao progressiva de um indivduo, em contextos no escolares, tambm apoia-se nessa interao e conduz educao informal.

    O processo de educao formal, associado aos sistemas educacionais, enquanto objetiva, realmente, o desenvolvimento dos alunos, deve propiciar e capitalizar esta integrao, visando apropriao abrangente do conhecimento.

    A formao de um cidado para uma certa sociedade pressupe a formao de qualidades bsicas do indivduo, o desen-volvimento contnuo de suas potencialidades.

    Logo, a prpria natureza do processo educacional, asse-gurando o exerccio e a vivncia da interao indivduo-meio, consti-tui-se em fator primordial para a formao do indivduo, em suas dimenses globais.

    No se educa para, educa-se enquanto, no se prepara desvinculado do exerccio e da vivncia.

    Os processos educacionais vigentes, veiculados, princi-palmente, nos livros didticos - provavelmente pensando atenderem ao desenvolvimento psquico dos alunos - tm dado nfase a processos mecanicistas e memorizativos (tambm na escola privada).

    Talvez, da, por essa ausncia de preocupao com a interao social, explique-se o objetivo deste seminrio de salientar especialmente a funo social da escola.

    Neste ponto, formulamos algumas perguntas:

    e . Qual o processo de ensino-aprendizagem presente na

    maior parte do sistema escolar? . Os processos de ensino-aprendizaqem tm partido do

  • interesse e motivaes do aluno e/ou das situaes propostas pela vivncia cotidiana? Estes processos tm propiciado a livre expresso das indagaes infantis e a busca de respostas em interao com o meio fsico-social?

    Uma vez feitas estas colocaes iniciais, gostaria de de-senvolver alguns pontos ligados mais especificamente matemtica e ao tema proposto.

    I - A representao cultural da Matemtica

    Entendemos aqui a percepo que a sociedade faz da Matemtica, o que, de modo geral, acaba configurando esta cincia como difcil, abstraa, rida, e aos seus professores como gnios, exigentes, autoritrios. Alunos e professores carregam toda uma carga cultural de rejeio Matemtica e, provavelmente, enquanto o professor no vencer isto em si prprio no conseguir passar uma ideia positiva da Matemtica, o que dificultar bastante a aprendiza-gem.

    II - Matemtica do contexto cultural conduzindo esco lha de contedos

    As crianas, antes e durante o processo escolar, adqui-rem, no*cotidiano fora da escola, conhecimentos matemticos, ideias lgicas e intuies que comumente so ignorados no processo de en-sino-aprendizagem da Matemtica. Assim, esses conhecimentos in-formais, essas maneiras espontneas e lgicas de resoluo de si-tuaes matemticas no encontram espaos para expresso, com-provao, no se ligam aos processos formais veiculados na escola.

    Deste modo, deixa-se de reforar a auto-confiana nesses mtodos e de respeitar os valores culturais; acentua-se, na mente dos alunos, a dicotomia entre vida e escola, e desenvolve-se a ideia de

  • que atividades matemticas seguem trajetrias rgidas, impostas pelo professor.

    preciso explorar-se os conhecimentos existentes e pro-curar-se uma transio progressiva a uma sistematizao que seja adequada e til. A construo e revelao do conhecimento da Matemtica insere-se nesse processo.

    comum tambm, logo aps as sries iniciais, os alunos questionarem a utilidade dos tpicos que aprendem. O processo de ensino-aprendizagem ser mais natural e motivante se os tpicos abordados fizerem parte do contexto cultural dos alunos.

    O ncleo central do currculo de Matemtica deve ser adequado maioria dos alunos para sua vivncia e sua integrao progressiva na scio-cultura, de modo a poderem entender e participar da mesma.

    Neste sentido, cabe uma priorizao de tpicos com maior significado cultural, e daqueles que so requisitos aquisio de outros culturais, bem como uma escolha na abordagem dos tpicos, de modo a revelar suas facetas mais significativas.

    Perguntas:

    . Os algarismos romanos so usados frequentemente nos meios de comunicao?

    . Que nmeros os meios de comunicao usam mais: os fracionrios ou os decimais?

    . Que unidades de medidas (para comprimento, massa, capacidade, etc.) so usadas com frequncia nas lojas e supermercados?

  • Que assuntos matemticos esto inerentes s informa-es econmicas?

    Sugestes ao professor.

    Use toda e qualquer situao matemtica mencionada por alguma criana como ponto de partida do processo de aprendizagem. Caso no haja, proponha uma situa-o que ocorra no cotidiano deles, em classe ou fora.

    Deixe os alunos interagirem em grupos, trocarem ideias.

    Fique, nas primeiras sesses de cada tpico, em nvel de raciocnio verbalizado ou escrito, usando, se neces-srio, material concreto.

    No apresse a escrita simblica da Matemtica - ela pode bloquear as ideias.

    Propicie que eles sintam o prazer de resolverem a ques-to surgida e de tomarem suas prprias decises.

    Ao incio da abordagem de um assunto, questione-se realmente sobre sua utilidade. Pense quantas vezes vo-c tem usado esse tpico em sua prpria vida. Se no encontrar nada ou muito pouco, deixe para explor-lo aps outros tpicos mais relevantes. Se voc no estiver certo dessa importncia, ser difcil aos alunos acreditarem que ela exista.

    Procure, em revistas, jornais, postos, supermercados, lojas, bancos, na economia familiar, exemplos de situa-es que envolvem o tpico a ser desenvolvido. Leve

  • este material para a classe, apresente uma srie dessas situaes como partida para a aprendizagem, explore-as no decorrer do processo, pea aos alunos outros exemplos.

    III - Objetivos educacionais do momento hi