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Curso Regular de Espiritismo

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

“Estabelecer-se-ia um Curso Regular de Espiritismo, no intuito de

desenvolver os princípios de Ciência e de propagar o gosto pelos estudos

sérios. O curso teria a vantagem de fundar a unidade de princípios, de

fazer adeptos esclarecidos, capazes de propagar as idéias espíritas e

desenvolver um grande número de médiuns. Considero este Curso,

elemento de influência capital sobre o futuro do Espiritismo”.

Allan Kardec - Obras Póstumas

APRESENTAÇÃO

Este Curso Regular de Espiritismo se destina aos trabalhadores

e freqüentadores do Teatro Espírita Leopoldo Machado - TELMA - da

cidade do Salvador, Estado da Bahia. Na elaboração do Curso, valemo-

nos, especialmente, dos ensinos dos Espíritos da Codificação,

subsidiados pelos lúcidos esclarecimentos Kardecistas, além de

substanciosas consultas a obras sérias de autores consagrados pelo

talento, versatilidade e visão coerente dos postulados espiritistas.

O Curso não objetiva formar eruditos conhecedores da Terceira

Revelação.

Destina-se, em princípio, oferecer aos interessados, noções

preliminares da Ciência Espírita, em seus aspectos primordiais. Caberá

a cada um, se assim o desejar, aprofundar-se nas questões aqui tratadas,

valendo-se, para tanto, da imensa e substancial bibliografia espírita e

afim. Podendo, nesse caso, contar com a orientação dos dirigentes do

TELMA.

Salvador, setembro de 2004.

Carlos Bernardo Loureiro

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

Sumário 1ª Aula - O Espiritualismo: Retrospecto Histórico ....................................................................... 5

O Espiritualismo: Retrospecto Histórico .................................................................................. 5

Os Precursores Do Espiritismo ............................................................................................... 10

Glossário ................................................................................................................................. 13

2ª Aula Hydesville, 31 De Março De 1848: Inicia-Se Uma Nova Era Para A Humanidade. ...... 15

Hydesville, 31 De Março De 1848: ......................................................................................... 15

Os Fenômenos De Hydesville ................................................................................................. 16

Glossário ................................................................................................................................. 22

3ª Aula - As Mesas Girantes ....................................................................................................... 23

As Mesas Girantes .................................................................................................................. 23

As Mesas Girantes Na França ................................................................................................. 25

Manifestações Pioneiras Na Bahia E As Mesas Girantes No Brasil ....................................... 27

Glossário ................................................................................................................................. 30

4ª Aula - Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita Era Pré Kardeciana ............................. 31

Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita – Era Pré Kardequiana ................................... 31

A Bibliografia na França ...................................................................................................... 31

A Bibliografia Inglesa .......................................................................................................... 37

A Bibliografia Alemã - A Obra Do Dr. Justino Kerner ........................................................ 38

A Bibliografia na América Do Norte ................................................................................... 40

A Bibliografia na Itália ........................................................................................................ 43

Glossário ................................................................................................................................. 44

5ª Aula - Perfil Bibliográfico De Allan Kardec E Sua Iniciação No Espiritismo .......................... 45

Onde Nasceu Denizard Hipollyte Léon Rivail – Allan Kardec ................................................ 45

O Instituto Pestalozzi .............................................................................................................. 47

Denizard Rivail E O Magnetismo ............................................................................................ 50

Amélle Gabrielle Boudet Rivail .............................................................................................. 52

Allan Kardec Inicia-se no Espiritismo ..................................................................................... 53

Glossário ..................................................................................................................................... 58

6ª Aula - A Origem do Nome Allan Kardec ................................................................................ 58

Origem do nome Allan Kardec ............................................................................................... 59

O Pseudônimo Allan Kardec Motivo De Inquirição Judicial .................................................. 61

Glossário ................................................................................................................................. 65

7ª Aula - O Espírito de Verdade ................................................................................................. 66

O Espírito de Verdade ............................................................................................................. 66

Glossário ................................................................................................................................. 70

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8ª Aula - O Livro dos Espíritos - As Bases de uma Nova Filosofia ............................................. 71

Introdução .............................................................................................................................. 71

O Livro dos Espíritos ............................................................................................................... 71

O Livro dos Espíritos Lança as Bases de uma Nova Filosofia ................................................ 74

Glossário ................................................................................................................................. 78

9ª Aula - Kardecismo e Espiritismo ............................................................................................ 79

Introdução .............................................................................................................................. 79

Kardecismo e Espiritismo ....................................................................................................... 82

A Revue Spirite ....................................................................................................................... 83

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas ......................................................................... 86

Como se Realizavam as Reuniões na SPEE ............................................................................ 87

Glossário ................................................................................................................................. 89

10ª Aula - O Livro dos Médiuns .................................................................................................. 90

O Livro dos Médiuns ............................................................................................................... 90

Allan Kardec criou um Método Específico para investigar os Fenômenos ........................... 93

Auto-de-fé de Barcelona ........................................................................................................ 95

Viagem Espírita de 1862 ......................................................................................................... 97

Glossário ............................................................................................................................... 100

11º AULA - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO ............................................................ 102

O Evangelho Segundo o Espiritismo .................................................................................... 102

O Espírito Verdade ................................................................................................................ 104

Glossário ............................................................................................................................... 106

12º Aula - O Céu e o Inferno ..................................................................................................... 107

O Céu e o Inferno .................................................................................................................. 107

Glossário ............................................................................................................................... 109

13º Aula - A Gênese .................................................................................................................. 110

A Gênese ............................................................................................................................... 110

Glossário ............................................................................................................................... 114

14º Aula - A Desencarnação de Allan Kardec .......................................................................... 115

A Desencarnação de Allan Kardec ....................................................................................... 115

O Dólmen de Kardec ............................................................................................................. 120

Naitre, Mourir, Renaitre Encore Et Progresser Sans Cesse Telle Est La Loi. ....................... 121

Origem Da Sentença “Nascer, Morrer, Renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei”.

............................................................................................................................................... 122

O Testamento Moral de Allan Kardec (Escrito alguns dias antes de sua desencarnação) . 124

Glossário ............................................................................................................................... 126

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15ª Aula - Obras Póstumas ....................................................................................................... 127

Obras Póstumas .................................................................................................................... 127

As Cinco Alternativas da Humanidade ................................................................................. 131

Doutrinas Dogmáticas .......................................................................................................... 133

Doutrina Espírita ....................................................................................................................... 134

Glossário ................................................................................................................................... 135

16ª Aula – Conclusão ................................................................................................................ 136

Conclusão .............................................................................................................................. 136

Sugestão de Leitura Suplementar ............................................................................................ 142

1ª Aula - O Espiritualismo: Retrospecto Histórico

O Espiritualismo: Retrospecto Histórico

O Espiritualismo, quase tão velho como as primeiras almas que

habitaram a Terra, apareceu no mundo encoberto sob o véu do

Ocultismo. Foram as ciências que primeiro demonstraram a realidade de

um poder superior e invisível, e que deram nascimento às religiões que

alentaram no mundo antigo.

Se sondarmos o mistério do passado e das suas civilizações, se

passarmos por cima da lendária Atlântida e nos transpormos à eterna

China, ali vamos descobrir uma das mais velhas, civilizações

conhecidas, e os mais remotos testemunhos que essa longínqua

humanidade nos legou de suas relações com o invisível.

FO-HI, Imperador da China, vai para 5.500 anos, cita em um livro

Hi-King, obra dos mais altos conceitos metafísicos, outros filósofos e

outros sábios que deixaram àquelas já tão longínquas civilizações o fruto

da sua ciência adquirida desde tempos imemoriais, que traduz o grau de

sofisticação espiritual que atingiu o povo chinês. Segue-se a era de

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Confúcio que desenvolveu e aprofundou a doutrina de FO-HI. Nos seus

ensinamentos transparece o culto aos mortos, base da religião chinesa, a

garantir a plurimilenária crença na imortalidade. É no seio da família que

eles evocam seus maiores, lhe dirigem suas orações e queimam perfumes

e incensos ao mesmo tempo em que imploram, a sua proteção. As

concepções espiritualistas de Confúcio são continuadas por Lao-Tseu,

Filósofo e profundo pensador que proclamava: “Quem sabe não fala; fala

quem não sabe”. É através de seis estados que vão do homem simples ao

sábio, que Lao-Tseu vê a evolução do Homem para Deus, e conclui: “O

Homem chegado a esse estado venceu todas as provas e sua missão

terminou no coração do sol, e o sol não tem ação sobre ele, e é sem

esforço que se mantém nas alturas povoadas de imensuráveis astros”.

Passemos à índia. Antes da era védica, o mundo já possuía muitos

sagrados que iluminavam o caminho, e quando o homem precisou de

mais luz, apareceram, no momento próprio, os Vedas, os Avestas e os

livros do Grande Tao. Aparece Krisna, o grande impulsionador das

crenças hindus, pregando aos incrédulos e desprotegidos da sorte que a

vida feliz ou infeliz é o resultado das obras praticadas em vidas

anteriores, e que, para atingir a perfeição e a felicidade, é preciso

conquistar a ciência e a bondade e elevar-se na lei da caridade.

“Se tua alma sorri e canta na crisálida da carne - dizia Krisna - tua

alma está na Terra; se tua alma presta atenção nos tumultos do mundo e

se compraz no egoísmo e na luxúria, tua alma está na Terra, e a Terra, se

meada de ilusões e de abismos, é o grande teatro da Dor”1

1 Muitos séculos depois, Kardec escrevia em O Céu e o Inferno, obra quarta da Codificação do Espiritismo: “O sofrimento é inerente à Imperfeição. Toda imperfeição, assim como toda falta dela decorrente, traz consigo a própria sanção nas conseqüências

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Vem depois o Gautama Buda, que não hesita em abandonar a vida

faustosa que sua categoria de príncipe lhe facultava, para entregar-se à

missão de regenerar a Humanidade, por meio de uma nova expressão da

Lei.

Exilado da vida mundana, passou muitos anos meditando e

orando. Segundo a tradição, era na solidão das florestas do Himalaia que

Buda se comunicava com o invisível. Era uma alma notavelmente

espiritualizada, conquanto se deixasse embair por idéias e concepções

um tanto e quanto místicas. Segundo a sua lei, a causa do mal, da dor e

do renascimento (reencarnação) encontra-se concentrada no veneno do

desejo e da concupiscência.

A tolerância, o amor e a caridade constituem a base do Budismo.

As ciências espiritualistas não foram menos cultivadas no País dos

Faraós, onde os historiadores de todas as épocas vão beber preciosos

ensinamentos.

Terra de revelações mediúnicas como nenhuma outra no mundo,

legou, a posteridade, ensinamentos de profundo significado filosófico e

espiritual. “A luz que te rodeia é a Inteligência Divina. As traves são o

mundo material onde vivem os homens da Terra. Deus é o Pai. As almas

são filhas do Céu, e a sua passagem pela Terra, uma provação. Na

encarnação perdem a lembrança de sua origem celeste. Cativas da

matéria, inebriadas pela vida, precipitam-se como uma chuva de fogo na

volúpia, através do sofrimento, do amor e da morte onde gemem, e a vida

divina lhes parece um sonho.

naturais e inevitáveis, sem que haja necessidade de uma condenação especial para cada falta do indivíduo”.

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“Medita nesta visão: ela encerra o segredo de todas as coisas. O

véu do mistério encobre a grande verdade que tem de ser limitada no

desenvolvimento da inteligência: encobri-la aos fracos que os levaria à

loucura, escondê-la dos maus que dela fariam uma arma de destruição.

Que a Grande Verdade te penetre, guarde-a em teu coração, e que ela se

manifeste em tuas obras. A ciência será tua força, a lei o teu guia e o

silêncio o teu escudo”.

Foi no Egito que a Grécia se doutorou em ciências espiritualistas.

Berço das letras, das artes e das ciências, a Grécia introduziu, nos seus

templos, a doutrina secreta de Pitágoras, o iniciado dos templos egípcios.

Os princípios que Pitágoras lhe imprimiu eram os rígidos e austeros

princípios da doutrina iniciativa do Oriente. Ouçamos a linguagem com

que eram recebidos os iniciados na Grécia: “Ouve, dizia o Mestre, ouve

a verdade que é preciso esconder às multidões e que faz a força dos

santuários. Deus é único, e a divindade é eterna. Entraste com um

coração puro no seio do mistério. A hora solene chegou em que vai

penetrar até às fontes da Vida e da Luz. Aqueles que não tenham

penetrado as maravilhas do Invisível, escondido à maioria dos homens,

ficarão nas trevas da ignorância”.

Mas, como tudo tem a sua época, iam chegando os tempos em que,

da lenta e prudente ação, se ia passar ao reinado da Filosofia, à luz do

dia, com o aparecimento de Sócrates, imagem veneranda e figura

máxima do pensamento humano. Nascendo com a missão de revelar os

princípios da doutrina secreta, prega, por toda a parte, a sua crença em

Deus e na sobrevivência da alma. São notáveis suas teorias sobre a

condição humana, sobre a morte e sobre a vida: “Não é possível alcançar

a verdade - proclama o mestre de Platão - enquanto nos encontramos na

prisão da carne. A verdade só será possível à alma, quando se libertar

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das correntes da carne. Essa libertação só se atinge pela morte. É depois

que ela se separa do corpo que adquire o pleno uso das suas faculdades,

porque já se não encontra perturbada pelos sentidos, pela dor, pela

volúpia, porque desligado de toda e qualquer relação com o corpo, atinge

a essência espiritual.

O sistema filosófico grego, ainda hoje estudado e ensinado em

todos os meios universitários do mundo, depressa ultrapassou as

fronteiras da Grécia e se projetou no íntimo das culturas ocidentais,

comum a força extraordinária. Mas os séculos transcorreram e o homem

tinha necessidade de uma fé maior e profunda. Começou a despontar a

luz do Precursor, escrituristicamente prenunciado; reencarna Elias com

o nome de João Batista. Cumpria-se a profecia. A voz que clama no

deserto prepara o caminho do Mestre Jesus. Convida os homens à

renovação moral. Surge a figura carismática de Jesus que inicia a maior

e inigualável revolução ética de que se tem memória. Declarasse

frontalmente contra a antiga Lei, profundamente ortodoxa, injusta, que

compromete a Inteligência Suprema. E o mundo assiste ao desabrochar

das leis divinas do Amor, da Tolerância e do Perdão das Ofensas.

O advento do Cristianismo trouxe à Humanidade a era da Luz e

da esperança, sustentada, de início, na Imortalidade e na Reencarnação

enunciadas pelo Cristo. Entretanto, a doutrina cristã foi adulterada, no

curso dos tempos, por religiões cujos líderes não eram diferentes

daqueles a quem o Mestre, com a coragem própria dos seres superiores,

advertia, com severidade, a ponto de proclamar, publicamente, que era

mais fácil uma prostituta entrar no Reino de Deus do que os sacerdotes!...

A adulteração da obra de Jesus foi mantida a ferro e fogo. A

intolerância e a prepotência atingiram índices alarmantes, e a

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Humanidade assistiu espantada e impotente ao entrechoque das paixões

e do arbítrio. Instalou-se o caos. Milhões de criaturas eram levadas às

masmorras fétidas dos mosteiros ou ardiam, vivas, em fogueiras

infamantes. Nasceu, em conseqüência, vigorosa reação: à submissão, à

fé cega, ao abuso, à insânia, opuseram-se as teorias do nada.

Iniciava-se a era do materialismo que vai de Molleschot e Lange

até os conceitos antimetafísicos de Augusto Conte. Era a negação da

alma, a apologia do nada. As faculdades intelectuais, a consciência e a

alma são produtos do organismo. A matéria é tudo e o ideal não existe.

Deus é uma utopia. O real é o corpóreo, e o psíquico é equiparado

exatamente ao material quando os processos da consciência são

identificados com os processos cerebrais, ou, por outras palavras, as

idéias estão na mesma relação com o cérebro como, por exemplo, a bílis

com o fígado, no dizer de Augusto Messer, na sua História da Filosofia.

E assim foi vivendo a Humanidade nessa luta constante por um

ideal que a guiasse, ideal onde encontrasse uma razão de ser para o

sofrimento e a dor, que têm como corolário a miséria moral. Em meio a

esse processo de descrédito e aspirações frustradas, em que as religiões

nada mais podiam oferecer, principalmente aos livres pensadores,

alforriados das peias do dogmatismo, surge a Doutrina Espírita, no

momento em que é lançado, em Paris, O Livro dos Espíritos. Este livro

restabelece em suas páginas dando-nos a tríplice estrutura do Espiritismo

como Ciência, Filosofia e Ética. Tais e extraordinários princípios serão

desdobrados e analisados neste Curso Regular de Espiritismo.

Os Precursores Do Espiritismo

Como vimos na aula anterior, os fatos referentes às revelações dos

Espíritos ou fenômenos mediúnicos remontam a mais remota

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antigüidade sendo tão velhos quanto o aparecimento do homem na face

da Terra. E esses fenômenos sempre ocorreram entre todos os povos.

Modernamente, quando podemos situar melhor a fase precursora

do Espiritismo, destacam-se as figuras de Franz Anton Mesmer,

Emmanuel Swendenborg e Andrew Jackson Davis.

Franz Anton Mesmer, doutor em Medicina, em Viena, Áustria,

defendendo sua tese De Planetarum Inflexa (1765), as idéias de

Paracelso, sustentou que os astros exercem ação direta sobre os corpos

viventes, mediantes imponderável fluido que tudo penetra. Mais tarde,

surpreso com as curas obtidas com a aplicação do ímã e placas metálicas

sobre o corpo dos enfermos, acreditou haver descoberto que o ímã

(chamado pelos Físicos de magnete), posto em relação com o organismo

humano ou animal, podia agir sobre este no mesmo grau dos astros, por

meio de um fluido - particular a ele, ímã - o Fluido Magnético. Por

último, descobriu que certas pessoas podem exercer certas influências

sobre organismo de outras.

Afirmou que, analogamente ao Magnete, pudesse agir também as

mãos e os olhos de alguns indivíduos, mediante um fluído especial que

emana, à vontade, dos seus organismos. Combatido nas suas doutrinas,

em Viena, emigrou para Paris, em 1778. Na “Cidade Luz”, Mesmer

formulou mais explicitamente a sua tese sobre o fluido que se pode emitir

à vontade do organismo animal. E pela analogia que ele admitiu

reconhecer entre esse e o fluido do Magnete, em 1779, em uma famosa

Memória, denominou-o de Magnetismo Animal. Mas à expressão

Magnetismo Animal os admiradores de Mesmer preferiram o nome de

Mesmerismo, em honra e memórias de seu mestre, enquanto reservaram

a expressão - Magnetismo Animal – para indicar ou o fluído

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propriamente dito ou o conjunto dos fatos dos quais se pretendia deduzir

a existência dele.

No século XIX, o mesmerismo desfrutou de grande popularidade

nos Estados Unidos da América do Norte, onde mesmeristas realizavam

verdadeiros espetáculos de ilusionismo e hipnose. Enquanto, porém, o

mesmerismo contribuía para a realização de uma série de fenômeno, o

swedenborguianismo caracterizava-se pela adoção de idéias nitidamente

filosóficas. Emmanuel Swendenborg, um dos gênios do século XVIII,

canalizou sua formidável versatilidade e arguta inteligência para as

coisas do Espírito, conquanto se deixasse influenciar por exacerbado (e

às vezes delirante) misticismo. Afirmava que recebia Deus, Cristo e

outros Espíritos menores. Tinha visões minuciosas do céu, do inferno e

de um reino hierárquico seis esferas espirituais em torno da Terra.

Swendenborg escreveu muitos livros sobre as suas experiências

espirituais. Não faltou quem o considerasse um louco. Houve, contudo,

quem levasse a sério suas concepções, fundando-se, daí, uma religião

baseada em suas mensagens. A versão americana dessa religião foi a

Igreja de Nova Jerusalém. Por volta de 1840, esta seita conseguiu

despertar o interesse pelo estudo dos ensinos swendenborguianos. A

maioria esmagadora dos espíritas não aceitava as idéias profundamente

místicas de Swendenborg, excetuando-se seu testemunho quanto à

sobrevivência da alma e sua visão dos reinos espirituais.

Mesmer e Swedenborg exerceram capital influência sobre um

homem chamado Andrew Jackson Davis que viria a ser conhecido como

o Vidente de Poughkeepsie e o João Batista do Espiritismo. Nascido

em 1826 em Orange County, Estado de Nova Yorque, Andrew Jackson

Davis foi uma criança doentia e infeliz. Sua mãe era analfabeta e

extremamente religiosa. Seu pai, um sapateiro, alcoólatra, maltratava-a

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constantemente. Desde pequeno, Davis ouvia vozes, vozes dos Espíritos,

que o informavam sob vários assuntos. Anos mais tarde, descobriu que

possuía o dom da mediunidade. Os seus transes levavam-no a desvendar

os mistérios do Além. Em 1844, Davis declarou haver recebido a visita

dos Espíritos de Swendenborg e do médico grego Galeno. Seguiu-se uma

carreira de incríveis fenômenos: em transe, Davis diagnosticava doenças

e receitava tratamento, assim como aconteceu, muito mais tarde, com

Edgar Cayce, O Profeta Adormecido. Mesmo sem possuir qualquer

diploma (mal aprendera as primeiras letras) Davis, tornou-se

conferencista e escritor. Em 1847, aos 21 anos, publicou sua obra

principal, sob o título Os Princípios da Natureza, Suas Divinas

Revelações, e Uma Voz Para a Humanidade, Por e Através de Andrew

Jackson Davis, Vidente de Poughkeepsie e Clarividente. Este livro atraiu

a atenção do público norte-americano, especialmente os espíritas.

Nos anos de 1840, Davis predisse os acontecimentos de

Hydesville, declarando: “É verdade que os Espíritos comungam um

como outro enquanto um está no corpo e outro nas esferas espirituais”.

E acrescentou: “Dentro de pouco tempo esta verdade se apresentará sob

a forma de uma demonstração viva”. Em anotação datada de 31 de março

de 1848, Davis escreveu: “No alvorecer desta manhã, um hálito quente

passou pelo meu rosto e ouvi uma voz terna e forte, dizendo: ‘Irmão, o

bom trabalho começou - eis que nasce uma demonstração viva”. No dia

31 de março de 1848, a pequena Kate Fox pedia a um misterioso “ruído”

que respondesse a algumas perguntas...

Glossário2

2 Consulta ao Dicionário da Língua Portuguesa, de Francisco da Silveira Bueno; editado pelo Ministério da Educação e Cultura 1975.

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Adulteração - ato de adulterar, falsificação.

Alforriado - liberto, livre.

Analogamente - ponto de semelhança entre coisas diferentes.

Apologia - discurso para justificar ou defender, elogio.

Arguta - de espírito vivo, sutil, engenhoso.

Aspirações - desejo veemente,

Carismática - Dom de graça divina.

Concupiscência - desejo exagerado de prazer, ambição.

Dogmatismo - imposição de idéias e princípios.

Escrituristicamente - relativo às Escrituras (Bíblia).

Imensurável - que não pode ser medido.

Imponderável - sutil, indefinido, impalpável

Infamantes - que infama, ofensivo, injurioso.

Iniciado - novato, discípulo.

Metafísica - parte da Filosofia que procura determinar as regras

fundamentais do pensamento.

Pejas - embaraço, impedimento.

Poughkeepsie - pequena cidade do interior de Nova Yorque.

Predisse - disse antecipadamente.

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Remota – longínquo, distante.

Védica - relativo as Vedas (etnia do Siri Lanka).

Veneranda - que é digno de veneração, respeitável.

Utopia - nome de uma obra poética de Thomas Morus (1480-

1535); projeto irrealizável fantasia, lugar que não existe.

2ª Aula Hydesville, 31 De Março De 1848: Inicia-Se Uma Nova Era

Para A Humanidade.

Hydesville, 31 De Março De 1848:

Antes dos relatos históricos de Hydesville, cumpre registrar o que

aconteceu entre os Shakers.

Uma década anterior aos episódios de Hydesville, povoado norte-

americano de Rochester, Nova Iorque, uma seita religiosa, chamada

Sociedade Unida dos Crentes no Segundo Advento do Cristo, já

praticava a comunicação com os Espíritos. Os Shakers (os que agitam

ou dançam) apareceram na Inglaterra como dissidência dos Quakers. A

nova seita expandiu-se na América do Norte, onde, em 1826, já havia

dezoito comunidades.

Em agosto de 1837, iniciou-se um ciclo de notáveis atividades

entre os Shakers. Durante uma dança da comunidade de Watervlite,

Estado de Nova Iorque, um grupo de meninas começou a agitar-se e a

falar diferentes idiomas e dialetos. Na verdade, elas eram médiuns

naturais de xenoglossia (assim como ocorreu em Pentecostes),

manifestando, através do transe profundo, Espíritos de brancos e de

índios (peles-vermelhas). Os Shakers acreditavam, firmemente, na

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imortalidade da alma e na sobrevivência da alma. As suas sessões eram

marcadas, sempre, pela presença de Espíritos, especialmente de

indígenas, encontrados no território norte-americano quando os

europeus chegaram trazendo morte e violência. Com o passar do tempo,

aproximando-se de 1848, essas manifestações espirituais foram

diminuindo de intensidade, tomando-se discretas, mas jamais

abandonadas.

Os Fenômenos De Hydesville

No povoado norte-americano de Hydesville, residia a família Fox,

de procedência escocesa, filiada à religião metodista. Chegou a

Hydesville e foi residir em uma casa cuja fama de mal assombrada era

notória na região. Os seus anteriores inquilinos queixavam-se de

constantes importunações, até então não devidamente identificadas. A

família Fox cria em almas do outro mundo: não relutou, portanto, em

residir onde muitas pessoas se recusavam a fazê-lo.3

Em começo de março de 1848, os moradores começaram a ouvir

os primeiros golpes de diversos pontos da habitação, como se fossem

dados por alguma pessoa brincalhona. E o estalo em móveis, pancadas

no teto e mais rumores esquisitos aumentavam diariamente, num

crescendo assustador ainda não observado.

Na noite de março de 1848, excederam aos de todos os dias e

noites anteriores. Foi impossível impedir a intromissão dos vizinhos e

demais moradores da cidadezinha. A casa encheu-se de curiosos e de

3 Os fenômenos ocorreram na casa dos Fox desde 1846, quando ali morava um certo Sr. Miguel Weckman. Uma noite ele ouviu estranhos ruídos na casa, vindos de várias partes, especialmente da porta da rua. Tais ruídos chegaram a um ponto tal que ele, com medo, abandonou a habitação. Era já o Espírito Carlos Rosma tentando se comunicar e contar o seu drama.

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interessados em descobrir os autores daqueles distúrbios. Ardilosos

recursos foram postos em prática e o misterioso barulho continuava

sempre. Depois de várias e inúteis tentativas para encontrarem o

causador do inqualificável procedimento, viram-se obrigados a desistir

do intento e recorrer a outras hipóteses.

Com a palavra a Sra. Fox que relatará o que aconteceu naquela

histórica noite de 31 de março de 1848: “Na noite de sexta-feira, 31 de

março de 1848, resolvemos ir para cama um pouco mais cedo e não nos

deixamos perturbar pelos barulhos: achava-me tão quebrada e com falta

de repouso que me sentia doente.

Eu apenas me havia deitado e a coisa começou como de costume.

E eu o distinguia de quaisquer outros ruídos jamais ouvidos. As meninas

que dormiam em outra cama do quarto ouviram as batidas e procuraram

fazer ruídos semelhantes, estalando os dedos.

“Minha filha menor, Kate, disse batendo palmas: ‘Sr. Pé-Rachado,

faça o que eu faço’. Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo

número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou.

“Então Margareth, a outra filha, disse brincando: ‘Agora faça

exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro’. E bateu palmas.

Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve medo de repetir o

ensaio. Então Kate disse, na sua simplicidade infantil: ‘Oh! Mamãe, eu

já sei o que é! Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma

peça.

Não era uma peça, pelo contrário, era a maior das verdades já

reveladas ao homem pelo próprio homem, livre do seu corpo físico.

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Retomemos o relato da Sra. Fox: “Então perguntei: É um ser

humano que me responde tão corretamente? Não houve resposta.

“Perguntei: É um Espírito? Se for, bata duas vezes. Duas batidas

foram ouvidas assim que fiz o pedido.

“Então, eu disse: se for um Espírito assassinado, dê duas batidas.

Estas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa”.

Soube-se, depois, que o autor daquelas manifestações era o

Espírito de um certo Carlos Rosma. Há autores que denominaram o

Espírito batedor de Carlos Ryan, bufarinheiro de profissão, que teria sido

assassinado em 1832, aos 31 anos de idade. Averiguou-se,

posteriormente, que a influência pessoal das meninas Margareth (14

anos de idade) e Kate (11 anos de idade) auxiliaram a produção dos

fenômenos.

A celeuma que levantou nos Estados Unidos em torno da

comunicação com os mortos foi de tal monta que as autoridades abriram

um inquérito para apaziguar ânimos contrariados. Numerosos cidadãos

viram-se envolvidos em escandalosos processos por sustentarem que nos

fenômenos físicos havia intervenção da alma dos mortos. O testemunho

dos fatos, porém, triunfou em todos os inquéritos e debates públicos

verificados naquela época. As medidas coercitivas postas em prática

para impedir a divulgação dos acontecimentos deram resultados

contraproducentes.

A população de Hydesville ficou dividida. Alguns acreditavam na

sinceridade da família Fox, outros, porém, manifestaram a sua descrença

e hostilidade. Os mais exaltados, aterrados com a presença do demônio,

falavam em incendiar a casa depois de liquidar os seus habitantes. Os

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Fox, temerosos, refugiaram em Rochester, em casa da Sra. Fish,

professora de Música. Julgaram que tudo ficara para trás, inclusive os

fenômenos. Puro engano. Eles recomeçaram em Rochester e eram, até,

mais intensos. Luzes estranhas iluminavam as janelas, os móveis

rangiam e se mexiam sozinhos, objetos voavam pelos cômodos da casa.

Em julho (1848), distinguiu-se uma forma branca que rastejou, se

elevou e desapareceu. Uma mão humana, isolada, passeou pelo ar como

uma ave e roçou pelas faces dos assistentes gelados de terror e

desapareceu. Tais fenômenos e muitos outros ganharam o mundo.

No livro Modem Spiritualism, Its Facts and Fanaticism

(Boston, 1855), relatava-se: “A desordem tornou-se tão grande que a Sra.

Fish não conseguiu continuar a dar lições de música e tornou-se

impossível ocupar-se em casa, das lides domésticas”.

Foi, então, que o incrível aconteceu, conforme declarou uma das

irmãs Fox - Lea Underhill (nome de casada - no seu livro The Missing

Link in Modem Spiritualism (Nova Iorque, 1855): “(...) os Espíritos,

intimados a não importunarem mais os vivos, fizeram saber que toda a

sua barafunda tinha um único objetivo: era chegada a hora de dar a

conhecer a verdade ao mundo inteiro”.

Em novembro de 1848, os Espíritos avisaram que iriam partir, em

virtude da poderosa e persistente resistência que impunham à família

Fox.

Alexandre Aksakof, em seu livro Animisme e Spiritisme

(1900), esclarece:

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“As manifestações acabaram efetivamente; durante vários dias

não se ouviu bater uma única pancada. Mas, deu-se uma mudança brusca

nas idéias dos membros da histórica família; eles sentiram um profundo

desgosto por terem sacrificado as considerações mundanas um dever que

lhes tinha sido imposto em nome da verdade, e, quando a pedido de um

amigo, as pancadas se fizeram ouvir novamente, foram saudadas com

alegria.

“Parecia que recebíamos velhos amigos - escreveu Lea Underhill

amigos a que antes não tínhamos. Sabido dar o devido valor”.

“Tendes um dever a cumprir. - disseram, então, os Espíritos -

Queremos que torneis público as coisas de que sois testemunhas”.

Os invisíveis traçaram, eles próprios, o plano de operação que

deveriam adotar, com mais minuciosos pormenores: era preciso alugar o

grande salão público Corinthian Hall; os médiuns, deviam subir ao

estrado em companhia de alguns amigos; as pessoas designadas para ler

a conferência eram: G. Willes e C. W. Capron, devendo este último fazer

o histórico das manifestações; um comitê composto por cinco pessoas

designadas pela assistência devia fazer investigações nesta matéria e

redigir um relatório que seria lido na reunião seguinte. Os Espíritos

prometiam manifestar-se de modo a serem ouvidos em todo o salão. Esta

proposta dos Invisíveis foi rejeitada sumariamente. Eles propuseram,

então, fazer as reuniões espiritualistas em salões de casas particulares.

Eles se manifestariam e mostrariam as vias terrenas da paz e da

Felicidade.

Pelo que consta, os Espíritos nunca ameaçaram os Fox; revelaram-

se dóceis e amáveis. Pediam desculpas pela desordem e pelo medo que

causavam nas pessoas através das manifestações físicas.

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Com o passar do tempo, as reuniões se sucederam em diversos

círculos familiares, a tal ponto que se decidiu atender aos anteriores

apelos dos Espíritos, organizando-se uma grande reunião pública, que se

realizou a 14 de novembro de 1849, perante centenas de pessoas, no

Corinthian Hall, de Rochester. Foi considerável o sucesso deste

movimento, suscitando o aparecimento de muitos círculos espíritas.

Fizeram-se inúmeras sessões sem os devidos cuidados, dando ensejo a

extravagância de todos os quilates. Abriram-se, de par-em-par, as portas

da fascinação e as conseqüências foram as mais deploráveis.

Mais de meio século depois dos acontecimentos de Hydesville,

descobrisse o local onde fora sepultado o corpo de Carlos Rosma. A

revolucionária notícia publicada pelo Boston Journal, lançava luzes

definitivas às obscuras controvérsias sobre o assunto. Eis o que o referido

jornal divulgou, em sua edição de 23 de novembro de 1904: “Foram

encontrados na casa habitada pelas irmãs Fox, em 1848, restos do

homem que se supunha ter sido a causa dos ruídos que se ouviram pela

primeira vez na citada casa, vindo este achado a dissipar as últimas

sombras de dúvida que podiam pairar sobre a veracidade do que

afirmavam ambas as irmãs Fox quanto à comunicação espírita.

“As irmãs Fox declararam que haviam estabelecido comunicação

com o Espírito de um homem, o qual informara ter sido assassinado e

sepultado na parte inferior da habitação, que fica entre o assoalho e o

solo. Repetidas escavações, levadas a efeito para encontrar o cadáver,

deram um resultado incompleto, pelo que não pôde obter-se a prova

concludente daqueles relatos.

A nova descoberta e a almejada confirmação realizaram-na uns

escolares, que penetraram no porão da casa de Hydesville, de onde as

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irmãs Fox tinham ouvido os estranhos ruídos. Guilherme H. Hyde,

proprietário da casa, mandou fazer minuciosa inspeção, encontrando-se

o esqueleto humano, quase completo, entre a terra e os escombros de

uma parede da adega meio destruída. Esse esqueleto, sem dúvida

nenhuma, era do vendedor ambulante assassinado, segundo se diz, há

cinqüenta anos num aposento da moradia e, em seguida, enterrado

naquele sitio”.

De qualquer sorte, as manifestações dos Espíritos na grande nação

americana descerraram o véu que, por tantos séculos, cobriu a nudez da

verdade. Nove anos depois da memorável noite de 31 de março de 1848,

era lançado, em Paris, por iniciativa de Denizard Hippolyte Léon Rivail

(Allan Kardec), O Livro dos Espíritos.

Glossário

Advento - vinda, chegada.

Bufarinheiro - vendedor ambulante de bugigangas, espécie de

mascate.

Metodista - seita protestante fundada pelo teólogo inglês John

Wesley (17031791), em Oxford, no século XVIII.

Pentecostes - entre os judeus, festa em memória do dia em que

Deus entregou a Moisés as tábuas da Lei. Entre os cristãos,

acontecimento que se celebra cinqüenta dias após a Páscoa, em

comemoração ao dia em que os apóstolos falaram em transe mediúnico,

línguas por eles completamente desconhecidas.

Quaker - do inglês to quaker, tremer. Seita fundada no século

XVII por um jovem sapateiro inglês George Fox, e difundida

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principalmente na Escócia e nos Estados Unidos da América. Os

quakers, que se põem sob inspiração direta do Espírito Santo, repelem

toda organização eclesiástíca para viver à espera do Cristo, no silêncio,

na prece, na pureza moral integral e na prática rigorosa da solidariedade.

Setecentista - relativo ao setecentismo ou ao século XVIII, isto é,

que tem início no ano 1700.

Xenoglossia - falar, em estado de transe, em línguas estrangeiras.

Para alguns autores, o termo deveria abranger a escrita em língua

estrangeira e glossolalia apenas para fala. Sobre este último termo,

Ernesto Bozzano utiliza-o, apenas, para definir o fenômeno de fala de

línguas não existentes inventadas pelos sensitivos. Charles Richet

emprega, tão somente, o vocábulo xenoglossia. Deve-se concordar que

falar línguas estrangeiras em transe seria um fenômeno muito mais

expressivo que escrever, porque envolve a entonação, a pronúncia, a

audição, etc.

3ª Aula - As Mesas Girantes

As Mesas Girantes

Após os estrondosos acontecimentos verificados na cidadezinha

de Hydesville, eclodiram as manifestações dos Espíritos através das

mesas girantes (table-moving). Bastava que se colocassem ao redor de

uma mesa, em cima da qual se punham as mãos. Levantando um de seus

pés, a mesa dava (enquanto se recitava o alfabeto) uma pancada toda vez

que fosse proferida a letra que servisse ao Espírito para formar as

palavras.

Emma Hardinge Britten, em History of Modem Americam

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Spiritualism, de 1870, informa: “Há que notar que a mesa não se

limitava a levantar-se sobre um pé para responder às perguntas que se

faziam; movia-se em todas as direções, girava sob os dedos dos

experimentadores, às vezes se elevava no ar, sem que se descobrissem

as forças que a tinham suspendido.”

Segundo o relato do Prof. Paul Gibier (Diretor do Instituto de

Microbiologia de Nova York), em seu livro O Espiritismo, a moda das

mesas girantes e falantes, por volta de 1850, tomou de assalto as cidades

norte-americanas, atraindo a atenção de eminentes pesquisadores. Em

1852, W. Briyant, B. K. Bliss, Edward e Davis A. Wells, professores da

Universidade de Harvard, publicaram um manifesto, que se tornou

célebre, apoiando, com os seus testemunhos, a autenticidade dos

movimentos e elevação da mesa, sem que para isso entrasse em jogo

qualquer agente físico conhecido.

O fenômeno das mesas girantes chegou à Europa e se disseminou

pela Inglaterra, Alemanha e França. O Dr. Arthur Conan Doyle, o

criador de Sherlock Holmes, afirma em seu livro História do

Espiritismo (Ed. Pensamento), que eram intensas na cidade inglesa de

Keighley as manifestações espirituais por meio de mesas, sob o controle

de Dr. David Watherhead, que fundaria, mais tarde, o primeiro jornal

espírita inglês o Yorkshire piritual Telegraph. O movimento se

propagou por outras regiões da Inglaterra, tornando-se familiares as

experiências com as mesas, publicando-se, em conseqüência, uma

espécie de manual sobre o inusitado assunto sob o título: Pratical

Instructions in Table-moving, With Pyhysical Demonstration,

impresso em 1853, pela editora londrina Hippolyte Bailliere. Na

Alemanha, o ambiente já estava mais ou menos preparado para acolher

o fenômeno das mesas girantes, graças ao trabalho realizado pelo Prof.

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Justinus Kerner, uma das glórias literárias daquele país. Escreveu a

histórica obra A Vidente de Prevost (Die Sererin von prevost) e

diversos outros trabalhos sobre sonambulismo e magnetismo, publicados

na cidade de Stuttgard, de 1824 a 1852. As primeiras ocorrências de

mesas girantes na Alemanha aconteceram em Brémen, às margens do rio

Weserfato que seria largamente noticiado pela Gazeta de Augsburgo,

edição de 04 de abril de 1853.

Informa, a propósito, Zêus Wantuil, autor do trabalho As Mesas

Girantes, Ed. FEB: “Influentes e sábias autoridades do mundo cultural

alemão entregaram-se a observações junto às mesas girantes, atestando,

indiscutivelmente, os fatos, sobressaindo-se, dentre elas, professores da

famosa Universidade de Heidelberg”. A paixão pelo fenômeno das

mesas girantes chegou a tal ponto que, em meados de 1853, circulava,

em Brémen, um jornal hebdomadário sob o sugestivo título: As Mesas

Girantes e os Espíritos Batedores.

As Mesas Girantes Na França

Na França, notícias sobre essas manifestações dos Espíritos eram

divulgadas com certa ênfase pelos jornais Le Pays, e especialmente, no

L’Illustration (maio de 1853). O Marquês Eudes Mirville, em sua obra

Question des Espirits, informa que o padre Luíz Eugênio Maria

Bautain, doutor em Medicina e em Direto, foi a primeira autoridade

científica da França a pesquisar o fenômeno das mesas girantes. Em sua

obra Avis aux Chrétiens sur les Tabelas Toumantes et Parlantes, par

un Eclésiastique, dada a lume em 1853, o padre Bautain afirma: “Vi

mesas girarem sob a aplicação da mão humana, sem nenhum esforço

muscular da parte do operador, e mesmo contra a sua vontade firme de

abortar a experiência... Ouvia-as falar à sua maneira... Vi, ouvi, toquei,

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apalpei e me assegurei, por todos os meios possíveis, de que ali não havia

nem fraude nem ilusão. Se a lógica quer que a indução de forma

nenhuma se estenda além dos fatos observados, esta também exige que

aquela vá até o último limite desses fatos, e aí esgote o assunto. Ora, há

ali fenômenos de pensamento, de inteligência, de razão, de vontade, de

liberdade (quando as mesas recusam a responder)... e às causas deles os

filósofos sempre chamaram Espíritos ou almas... Mas que Espíritos? É

Indubitável, em primeiro lugar, que esses Espíritos vêem e sabem de

coisas que ignoramos e que não podemos ver... Os Espíritos em questão

percebem, portanto, mais, e mais longe que nós, e se não o fazem sem

serem entes infalíveis, eles vêem coisas do outro mundo e do nosso,

coisas que nós outros não percebemos...”

Um outro prelado não menos famoso também se voltou, com

inusitado interesse, para o fenômeno das mesas girantes: Henri

Lacordaire (1802-1861), talentoso orador dominicano, que fez época no

púlpito de Notre Dame, Paris, escreveu, em junho de 1853, à madame

Swetchine, Correspondence Avec Madame Swetchine: “Tendes visto

girar as mesas? Ouvisteas falar? Não me interessei vê-Ias girar, por ser

um fato muito simples, mas eu as tenho ouvido e feito falar. Elas me

dizem coisas notabilíssimas sobre o passado e o presente... Em todos os

tempos houve maneiras mais ou menos extravagantes para se comunicar

com os Espíritos. Somente outrora é que se fazia mistério desses

processos, como se fazia mistério da Química; a justiça, por execuções

terríveis, impelia para o esquecimento essas estranhas práticas. Hoje,

graças à liberdade de cultos e à imprensa universal, o que era secreto

tornou-se uma fórmula opular. Talvez assim, através dessa divulgação,

Deus queira proporcionar o desenvolvimento das forças materiais, a fim

de que o homem não se esqueça, à vista das maravilhas da mecânica, que

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há dois mundos contidos um no outro: o mundo corpóreo e o mundo dos

Espíritos”.

Manifestações Pioneiras Na Bahia E As Mesas Girantes No Brasil

Conforme relato da pesquisadora Lúcia da Silva, em sua obra

Memórias Históricas do Espiritismo na Bahia, pórtico da história do

Espiritismo no Brasil, data da primeira metade do século XIX a primeira

notícia oficialmente documentada sobre a perseguição à pessoas que

conversavam com os mortos. Tudo aconteceu na Bahia. A autora registra

a existência de uma queixa assinada por José Joaquim dos Santos, Juiz

municipal, datada de 24 de maio de 1845 e dirigida ao tenente-general

Presidente da Província, oficializando o provável início de um processo

contra pessoas que faziam reuniões espíritas noturnas no Distrito de

Mata de São João. Não são citados os nomes dos envolvidos nem se sabe

se houve continuidade do processo. Eis o teor do histórico documento

reproduzido na grafia atualizada:

“Ao chegar a este termo, fui informado de que no Distrito de Mata

de São João (na Bahia), repetem-se reuniões noturnas em casa certa a

pretexto de se ouvirem revelações de almas de mortos que se fingem

aparecer com número crescido de concorrentes, assim como que dessas

revelações que ai fingem, começam a aparecer intrigas que podem

comprometer a paz das famílias.

Oficiei, no dia 24 do corrente (maio de 1845), ao Delegado do

termo, o Subdelegado do Distrito a dar começo ao necessário processo,

se qualquer deles não o tiver já encetado em vista do Regulamento nº.

120, art. 62, 1° e 3ª parágrafos e arts. 64, 129 e 130.

Darei conta a V. Ex.ª. de quanto for ocorrendo e do resultado final.

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Ds. Ge. A V. Ex.ª. Abrantes

24 de maio de 1845.

Ilmo. Sr. Tem. General Presidente da Província

(Ass) Joaquim dos Santos

Juiz Municipal”.

“Pela data do documento” - acrescenta a pesquisadora Lúcia da

Silva - “comprova-se que as sessões espíritas eram realizadas na Bahia,

antes mesmo dos acontecimentos de Hydesville, ou seja três anos antes

da ocorrência dos fenômenos provocados pela mediunidade das irmãs

Fox. Só não ficou esclarecido qual o método empregado pelos baianos

no intercâmbio com os Espíritos”.

Por volta de 1853, a Corte Imperial do Rio de Janeiro começou a

se agitar diante do fenômeno das mesas girantes, fato então divulgado

pelo Jornal do Comércio, a partir de sua edição de 14 de junho de 1853.

Um outro jornal brasileiro, O Diário de Pernambuco, cuja publicação

se iniciara no Recife em 7 de novembro de 1825, punha o povo

nordestino a par das manifestações dos Espíritos através, especialmente,

das mesas girantes. O Diário de Pemambuco chegou a traduzir e

publicar matéria da Revue des Deux Mondes (maio de 1853), com

destacada chamada na página de rosto.

Surgiu até um trabalho (o primeiro no gênero no Brasil) em 1853,

de autoria do Dr. Olegário Ludgero Pinho, primeiro propagador da

Homeopatia em Pernambuco, sob o título Magnetismo, onde relata as

experiências realizadas, em sua casa, com as mesas girantes, embora

atribuísse os fenômenos às forças magnéticas...

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Em agosto de 1863, O Cearense, fundado em Fortaleza, Ceará,

1846, transcrevia, sobre os fenômenos das mesas girantes, trechos de

artigos publicados em periódicos europeus, como La Presse, La Patrie,

O Correio de Lyon e outros. Relatava, por outro lado, as experiências

realizadas na capital do estado com as famosíssimas mesas girantes.

No Jornal das Famílias, de junho de 1863 (dois anos antes da

fundação, na Cidade do Salvador, do primeiro centro espírita do Brasil,

por iniciativa de Luís Olímpio Teles de Menezes), periódico que se

publicava na Capital do Império (Rio de Janeiro), o ilustre cônego

Francisco Bernardino de Souza deu à luz interessante artigo intitulado

Spiritus, Qui Vadit, Redil? Au Non? (O Espírito que vai, volta? Ou

não?), em que são descritas manifestações espíritas, algumas observadas

na Bahia. Esse artigo foi transcrito no primeiro órgão de propaganda

espírita em nosso País, fundado por Luís Olímpio Teles de Menezes: O

Eco de Além Túmulo, numa colaboração do Dr. Inácio José da Cunha,

professor, àquela época, da Faculdade de Medicina da Bahia, que

afirmou, a respeito: “A justeza e a imparcialidade com que nesse

mencionado artigo são apreciados os fatos de manifestação d’além

túmulo, a descrição que deles é feita, cheia de todas as belezas de um

estilo magnífico, empenharmos em transcrevê-lo em sua íntegra. Eis um

trecho, a título de ilustração, do artigo do cônego Bernardino de Souza:

“Na análise dos fenômenos da alma quanta coisa não escapa a

nossa compreensão, ou antes, que vem a ser a alma humana? Quem por

ventura a definiu, senão manifestação dos seus efeitos? Não devemos

lançar na conta de burlas e falsidades tudo quanto de extraordinário se

nos conta ou vemos, e que a ciência não tem dados para explicar...”

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Os Espíritos superiores preparavam, no Brasil, o advento do

Espiritismo, que aconteceria na predestinada Cidade do Salvador, por

iniciativa de um intelectual baiano, Luís Olímpio Teles de Menezes,

com justíssima razão denominado, pelo menos, pelo coordenador do

Curso regular de Espiritismo, de o Kardec Brasileiro. Detalhes sobre a

vida e obra do ilustre pioneiro serão oferecidos e debatidos em aula

subseqüente.

Glossário

Inusitado – esquisito, não usual.

Sonambulismo – em um estado de sono ou meio acordado

produzido espontânea ou artificialmente, no qual as faculdades

subconscientes tomam o lugar da consciência e dirige o corpo para um

agir errático (andar dormindo) ou para ações altamente intelectuais

(solução de problemas). Ele sempre começa como um sonho exagerado

e se desenvolve numa espécie de personalidade secundária.

Magnetismo – é uma força que se irradia de todos os corpos. O

magnetismo foi denominado Magnetismo Terrestre, quando trata da

força atrativa e repulsiva que possui o globo terrestre; Magnetismo

Animal, quando estuda a força emanada dos seres animados;

Magnetismo Pessoal, quando serve de comunicação com os seres

humanos. O poder magnético é, enfim, a manifestação da força

magnética, porém esta força não se manifesta sempre. As experiências e

os exercícios são os únicos meios de desenvolver-se esta manifestação.

“O melhor magnetizador” – esclarece o celebre naturalista François

Deleuze – “é aquele que possui um bom temperamento, um caráter ao

mesmo tempo tranqüilo e firme, aliados à paciência e à faculdade de

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concentrar sua atenção e seus esforços, e que, enquanto magnetiza, se

ocupa unicamente do que faz.

Indução – ação de induzir. Raciocínio que vai do particular ao

geral. A indução desempenha um papel fundamental nas ciências

experimentais.

Homeopatia – Sistema terapêutico pelo qual os doentes são

tratados através do agente determinante de uma afecção análoga àquela

que se tenta curar. A homeopatia começou a ser usada e propagada na

Alemanha por Cristian Friedrich Samuel Hahnemann, médico alemão

nascido em Meissen, saxônia, 1755 – Paris, 1843. Combatido em seu

país, encontrou a consagração em Paris. Foi ao desencarnar um dos mais

assíduos Espíritos à mesa de mestre Allan Kardec.

Advento – Chegada, Começo.

4ª Aula - Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita Era Pré

Kardeciana

Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita – Era Pré Kardequiana

A Bibliografia na França

Na França, destaca-se, em primeiro plano, a figura de Alphonse

Cahagnet que, em 1847, publicou o primeiro tomo de Archanes de Ia

Vie Future Devoilés, fundando, nos fins de 1848, por inspiração do

Espírito Emmanuel Swendenborg, a Sociedade dos Magnetizadores

Espiritualistas. Esta Sociedade, a partir de 1852, seria conhecida sob

nova denominação: Sociedade dos Estudantes Swendenborguianos.

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Alphonse Cahagnet trabalhou com médiuns que, mais tarde, iriam

colaborar com Allan Kardec na feitura da obra codificada. Utilizava-se

(como se utilizaria, posteriormente, Allan Kardec) do sistema de

pergunta aos seres invisíveis que ofereciam as respectivas respostas

sobre os mais variados.

Em 1850, Alphonse Cahagnet publicou Sanctuary of

Spiritualism, ou Étude de I’ame Hunaine et ses Rapports Avec

I’Univers d’Aprés le Somnambulisme et L’Extase, Paris. E, em 1851,

Lumiere des Morts.

Antes de Alphonse Cahagnet, ressalta-se a figura de Joseph

Phillippe François Deleuze que, em 1813, no primeiro volume de sua

obra Histoire Critique du Magnetisme Animal, afirma: “Todos os

sonâmbulos, deixados livres nas crises, se dizem esclarecidos e

assistidos por um ser que lhes é desconhecido”.

Em 1834, Deleuze lançou, em Paris, a obra Memories sur la

Faculté de Prevision.

Seguem-se os seguintes autores: Marquês Eudes de Mirville, autor

dos livros Des Sprits, et de Leurs Manifestation Fluidiques (1834) e

Questions des Esprits, ses Progrés dans la Science, que realizou

históricas pesquisas no Presbitério de Cideville, obtendo resultados

surpreendentes sobre a presença e a comunicabilidade dos Espíritos no

mundo corpóreo. Foram, provavelmente, as primeiras manifestações, no

gênero acontecidas na França, sob os auspícios da faculdade mediúnica

- ressalte-se - de duas crianças que moravam naquela residência

paroquial.

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Deve-se observar, entretanto, que o Marquês Eudes de Mirville,

embora não tenha negado a autenticidade dos fenômenos, atribuiu sua

ocorrência ao demônio. As manifestações dos Espíritos assumem um

extraordinário impulso. Vários artigos surgiram na imprensa francesa

sobre essas manifestações.

Entre os artigos, assinala-se o sob o título: Les Tables

Toumantes, Les Femmes Pirquettantes, Les Chapeauxqa

Pivotantes, Les Pendules Intelligentes (maio de 1853), do abade

Francisco Moigo, publicado no Cosmos - Revue Hebdomadaíre des

Progés des Sciences, fundada por B. R. Monfort: Já que as mesas

dançantes, corredoras, falantes, transpuseram o limiar do Santuário da

Academia das Ciências, sob o título admiravelmente ambicioso;

Influência da Ação Vital e da Vontade sobre a Matéria Inerte, temos de

abrir-lhe as páginas do Cosmos, e nós o fazemos com muito gosto,

bastante felizes em poder, afinal, dar asas a esta verdade cativa, que se

revoltava a ponto de querer quebrar-nos os dedos.

Nos anos de 1853 e 1856, foram lançadas as seguintes obras:

- Table qui Dance et Table qui Répont (Paris), de M. Guillard

(1853);

- De Ia Sorcellerie Moderne en Amérique (Paris), de Comte de

Laroche (Heron, 1853);

- La Dance des Tables. Phénomenes Pisichologiques

Demonstré, (Paris), de Félix Rouband, 1853;

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- Étude Du Magnétisme Animal Sous Le Point De Vue D’une

Histoire Ou Magnétisme et D’un Mot sur Rotation des Tables

(Paris), de Baragnon, 1853;

- Avis aux Chrétiens sur les Tables Toumantes et Parlantes, do

Padre Louis e Marie Bautaim, a primeira autoridade científica e

eclesiástica da França a tratar das mesas girantes, 1853;

- Du Somnanbulisme, des Tables Toumantes et des Médiuns,

Considerées dans Leurs Rapports avec Ia Theologie et Ia Physique;

Examen des Opinions dé M. M. Mirville et de Gasparin, par L’abbé

Almignana, Cousteur en Droit Canonique, Théologien, Magnetiste

et Médium, de Jean B. Almignana, 1853.

- De Ia Baguette Divinatoire du Pendule dit Explorateur et des

Tables Toumantes, au Point de Vue L’histoire, de Ia Critique et le

Méthode Esperimentale (Paris), de Miguel de Chevreul, sábio francês,’

da Academia de Ciência de Paris. Fragmentos deste livro foram levados,

pelo autor, ao conhecimento da Academia de Ciência de Paris, onde

afirmava que todos os fenômenos de movimento de corpos inertes,

embora pareçam obedecer à leis misteriosas, são apenas, charfatanarias,

ou manifestações dos nossos pensamentos por intermédio dos órgãos e

sem o concurso explícito da vontade.

- L’ame de la Terre et Les Tables Toumantes, (Paris), de J.

A.Gentil, 1854.

- Les Tables Tournantes, du Sumaturel en General e des

Espirits (2 volumes), do Conde Agénor Etienne Gasparin, 1854.

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Parece-nos oportuno tecer alguns comentários sobre o Conde

Agénor Etienne Gasparin.

Em 12 de maio de 1853, chegava à redação do Journal de Genéve

(Suiça), uma longa carta do Conde Agénor Etienne Gasparin, publica da

na edição de 26 de maio daquele ano. Essa missiva causaria grande

repercussão nos meios cultos da Europa, por se tratar, o autor, de um dos

expoentes da cultura do Velho Continente. Agénor de Gasparin rebate,

na carta, as afirmações do físico e astrônomo francês Jean Bernard Lyon

Foulcaut (1819-1868), veiculadas no Journal des Débats, onde felicita as

Academias por estas não terem dado nenhuma atenção às mesas girantes.

- Revue des Deux Monde, (Paris), 1854.

-Vie Dictée D’outro-Tombe: Jeanne Dárc par Elle-Même,

(Paris), 1853, Ermance Dufaux, médium que trabalhou com Allan

Kardec.

Ermance Dufaux, com a idade de 14 anos, escreveu a vida de

Joanna D’ Arc.

Observa, a propósito, Allan Kardec na Revue Spirite, de janeiro

de 1858: “(...) não seria nos livros clássicos que iria encontrar

documentos íntimos, dificilmente encontradiços nos arquivos da época.

Sabemos que os incrédulos farão sempre mil e uma objeções; mas, para

nós, que vimos a médium operar, a origem do livro que não pode ser

posta em dúvida.

E prossegue: “Posto que a faculdade da senhorita Dufaux se presta

à evocação de qualquer Espírito, de que nós mesmos fizemos prova em

comunicações pessoais que nos foram transmitidas, sua especialidade é

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a História. Ela escreve do mesmo modo a de Luiz XI e a de Carlos VIII,

que como Joanna D’ Arc, serão publicadas.

- Moeurs et Pratiques des Daemons ou des Esprits Visiteurs,

D’aprés Les Autorités de L’eglise; des Auters Payens, les Faits

Contemporains; de Gougenot des Mousseaux. A obra foi lançada em

Paris, em 1854. A visão de Gougenot des Mous seaux não difere daquela

esposada pelo Marquês de Mirville, conquanto aquele seja mais

radicalmente católico do que este. O livro de Des Mousseaux foi

recebido com júbilo pela revista Civitta Cattolica. Os argumentos

levantados pelo autor contra as manifestações dos Espíritos se basearam

nas Escrituras, sempre dentro daquela ética unilateral e tendenciosa.

- La Realité des Esprites et Phénoméne Merveilleux de Leur

Écriture Direct, (Paris), 1857, do Barão L. de Guldenstubbé. Este livro

relata as inúmeras experiências realizadas pelo Barão desde 1856, sobre

escrita direta.

As pesquisas do Barão de Guldenstubbé atraíram a atenção de

Robert Dale Owen, que foi a Paris com o objetivo de observar, de viso,

os fenômenos de escrita direta, a que os ingleses chamam de

independent writting.

- Études et Lectures sur les Sciences D’observation, (Paris),

1856, de Jacques Babinet, físico e astrônomo francês, para quem os

fenômenos provocados pelos Espíritos se subordinariam à sua teoria dos

movimentos nascentes. Essa teoria foi criticada por Agénor Gasparin.

Escreveu um livro Des Tables Tournantes, du Surnaturel en Géneral

et des Esprits, onde afirmara a realidade das mesas girantes (conquanto

negue a participação dos Espíritos), considerando como um fenômeno

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puramente físico. Por sua vez, a obra de Gasparin foi criticada por

Eugênio Nus, achando-a “o mais curioso edifício de contradições”.

- Le Monde Esprit, (Paris), de Gérard de Caudemburg, 1857.

- La Clef De La Vie, de Victorien Sardou e Pradel.

Aos vinte anos, Victorien Sardou, que seria, mais tarde, um dos

maiores dramaturgos europeus, iniciou criteriosas experiências com as

mesas girantes, com o filósofo holandês Tiedman-Manthése. Victorien

Sardou nasceu em Paris a 05 de setembro de 1833 e desencarnou a 05 de

setembro de 1908. Era filho do escritor Antoine Léandre Sardou. Casou-

se com a atriz Mlle. De Brecourt (1858). Tornou-se amigo íntimo de

Allan Kardec, freqüentando as sessões da Sociedade Parisiense de

Estudos Espíritas, onde lhe aflorou a mediunidade pictórica, através da

qual recebeu magníficos desenhos do autor espiritual Bernard Palissy.

Em 1905, Victorien Sardou, já famoso dramaturgo, entrevistado

pelo jornal parisiense Liberté, declarou: “(...) fui um dos primeiros a se

declarar espírita, em uma época em que não havia mérito nenhum em

fazer-se semelhante confissão”.

Além de ser um dos pioneiros do Espiritismo, a Victorien Sardou

atribuiu-se o mérito de ser o primeiro a utilizar um texto dramático na

divulgação dos princípios espíritas.

A Bibliografia Inglesa

- Le Dictionnaire Universal, de Maurice Lachâtre, 1856, onde há

um trabalho assinado por A. A. Morim sobre as mesas girantes.

Embora a França se tenha colocado, na Europa, na vanguarda das

pesquisas espíritas, divulgando-as através de um número considerável

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de obras, na Inglaterra a bibliografia a respeito é pequena, porém

substancial.

Surge, de início, em Londres, no ano de 1851, o livro

Somnambolism and Psychism, de D. Haddock. É um estudo sobre

Emma Harding Britten, notável médium inglesa, autora do livro History

of Modem American Spiritualism.

- Table Tumíng, the Deví/’s Modem Masterpíece, (Londres), de

N. S. Godfrey, 1853.

- Atheneum, (Londres), trabalho de Miguel Faraday, físico inglês,

sobre as mesas girantes, julho de 1853.

- Thoughts on Sataníc Influence, or Modern Spírítualísm

Consídered, Londres, de Charles Cowm, 1854.

- New Exístence of Man Upon Earth, (Londres), de Robert

Owen, 1855.

- Apparition a New Theory, (Londres), de Newton Crosland,

1856.

A Bibliografia Alemã - A Obra Do Dr. Justino Kerner

Em 1829, Justino Kerner, poeta, filósofo e doutor em Medicina

Pública, na Alemanha, editou o livro Die Seherin Von Prevorst

Uberdas Inners Leben des Menschen und Uber des Hereinragem

Einer Gesterwewelt in Die Unsere, relatando e comentando os diversos

fenômenos através da mediunidade de Frau Frederica Hauffe, que

chegou a Weinsberg, em novembro de 1826, tornando-se sua paciente.

Exibia aterrorizantes sintomas, frutos de sua força mediúnica. Os

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trabalhos de Kerner com Frederica Hauffe eram realizados com a

colaboração de outros estudiosos.

O livro do Dr. Justino Kerner causou uma revolução na Alemanha

em 1829, não faltando os detratores de plantão, especialmente quando,

anos depois (1842), a revista Deux Mondes, que se editava em Paris,

tecia os mais elogiosos comentários à obra do pesquisador alemão,

considerando-o como dos mais estranhos e mais conscienciosamente

pesquisados, sobressaindo-se a tudo quanto foi escrito sobre tal matéria.

Seguiram-se na Alemanha, algum tempo depois de lançado o Die

von Prevorst, os discutidíssimos fenômenos de Bergzabern (1852),

cidade da Baviera Renana, provocados por fantasma batedor (Klopferle).

A casa do alfaiate Pedro Sanger, onde os fenômenos ocorriam, foi

invadida por uma multidão de curiosos.

A causa instrumental desses fenômenos era a menina Felipa

Sanger, que terminou sendo internada, absurdamente, numa casa de

saúde em Frankenthal.

Este caso seria relatado na Revue Spirite, de 1858, transcrito por

Allan Kardec do Jornal de Bergzabem.

Em 1845, surge o livro de autoria de Barão Karl von

Reichenbach,editado em Brancheweig, na Alemanha:

- Physikallishen - Physiologische Untersuchemgem Uber Die

Dynamide der Magnetismus, der Elektricitat, der Varme, der

Uchtes der Krystallisation, der Chemismus in Thren Bezichungem

zur Lebenskrafy.

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A Bibliografia na América Do Norte

Nos Estados Unidos da América do Norte, destacam-se, em

primeiro plano, as obras de Andrew Jackson Davis, entre os quais,

destacam-se:

- The PrincipIes of Nature, her Divine, Revelation (1847),

recebida em transe, vaticinava as comunicações ostensivas dos Espíritos,

evidenciando a sobrevivência do Ser após a morte. Foi justamente o que

aconteceu com os históricos fenômenos ocorridos, em 1848, na casa da

família Fox, na cidadezinha de Hydesville, condado de Wayne, Nova

Yorque.

- Death and After Life e The Spírit Book, (1848).

- Adin Ballow - An Exposition of View Respecting the

Principal Facts, Causes and Peculiarities Involved in Spirits

Manifestations, (1852).

G. W. Sanson, que adotou o pseudônimo de Traverse Oldifield,

publicou:

- The Daimonion or the Spiritual Medium in Literature, /

Ilustrated by the History of its Uniform Misterious Manifestations

When Unduly Excited, (Boston), 1852.

- Philosophy of Misterious - Agents, Human and Mundane, or

the Dynamic Law and Relatíons of Man, Embrancing the Natural

Philosophy of Phenomena Styled: Spiritual Manifestations,

(Boston), 1853, de E. C. Rogers. Nesta obra, os fenômenos eram

atribuídos ao od, quer dizer, a um agente físico, fluídico, que emanaria

de diversas partes do sensitivo, e que, unindo-se às emanações

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universais, produziriam as manifestações. Mais tarde, H. C. Rogers

mudou completamente de idéia e converteu-se ao Espiritismo, chegando

a assumir o cargo de redator-chefe da revista espírita inglesa Light.

- The Spiritual Telegraph, (1853/54), de S. B. Brittan.

- Spiritualism, (Nova lorque), 1853, de John W. Edmonds e

George T. Dexter.

- Epitome of Spirit Intercourse, (Boston), 1853,de Alfred

Cridge.

- The Christian Spiritualist, (periódico), 1854.

- Modern Spiritualísm, (1855), de E. W. Capron.

- The Missing Link in Modern Spiritualism, (Nova lorque),

1855, de E.

Leah Underhill (uma das três irmãs Fox).

Em 1853, editava-se a obra A Discussion af the Facts and

Philosophy of Ancient and Modern Spiritualism, por S. S. Britan e B.

W. Richmond. Este livro contém as 48 cartas trocadas por esses dois

escritores, nos jornais norteamericanos The Tribune e The Spiritual

Tefegraph, sobre os fenômenos espíritas.

Em 1855, o Dr. Robert Hare, professor de Química da

Universidade da Pensilvânia, dava à lume os frutos das suas experiências

com os Espíritos:

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Experimental Investigation of the Spirit Manifestations,

Demonstrating the Existence of Spirits and their Communion with

Mortals.

A Associação Americana para o Progresso da Ciência,

renegou, com apupos, o relatório do professor Robert Hare, sobre os

fenômenos espíritas; disseram que o assunto era indigno...

Sobre o episódio, Sir Arthur Conan Doyle acrescentou que o

relatório do professor Robert Hare provocou uma desgraçada

perseguição ao venerável cientista. Entretanto, aqueles mesmos sisudos

acadêmicos que rejeitaram os resultados das pesquisas do ilustre

professor da Pensilvânia, envolveram-se em animado debate sobre o

porquê de galos cantarem entre a meia-noite e uma hora da manhã...(?)

Entre 1853 e 1855, foi lançada, em dois volumes, a obra

Spiritualism, de autoria do juiz John Worth Edmonds, da Suprema

Corte de Nova Iorque, em colaboração com o govemador Na tahniel P.

Tallmadge e com o Dr. George T. Dexter.

O juiz Edmonds exerceu notável influência no contexto das

investigações da fenomenologia espirítica nos Estados Unidos da

América do Norte. Fez parte, juntamente com a médium Emma Harding,

da Society for the Diffusion of Spiritual Knowledge, fundada em

junho de 1854, na cidade de Nova lorque. Aí, se apresentava, em sessões

abertas ao público, a médium Katie Fox, então com 15 anos de idade.

As convicções espiríticas do juiz Edmonds datam de janeiro de

1851:

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“Era um período - conta no artigo publicado no New York

Courrier (01/08/1853) - em que me havia subtraído às relações sociais

e trabalhava sob grande depressão de espírito. Dedicava todo meu tempo

livre a leituras sobre a morte e a sobrevivência do homem. No curso de

minha vida, eu tinha ouvido do púlpito, a esse respeito, tão contraditórias

e chocantes doutrinas, que dificilmente saberia em que acreditar. Não

podia, mesmo que o quisesse, crer naquilo que não entendia;

ansiosamente, buscava saber-se, depois da morte, poderíamos encontrar

aqueles a quem tínhamos amado e em que circunstâncias. Fôra

convidado por uma amiga a assistir às batidas de Rochester. Aceitei

mais para lhe ser atencioso e para matar uma hora de tédio. Pensei

bastante naquilo a que assisti e resolvi investigar o assunto e descobrir o

que era aquilo. Se fosse uma mistificação, uma ilusão, eu supunha poder

averiguar. Durante cerca de quatro meses, dediquei, pelo menos duas

noites por semana e, às vezes mais, em testemunhar fenômenos em todas

as suas fases”.

O juiz Edmonds investiu, realmente, na questão, aproveitando

todas as oportunidades que lhe ofereciam para a esgotar a sua raiz.

“Por fim - concluiu - a prova veio e com tal poder que nenhum

homem equilibrado lhe poderia negar fé”.

A Bibliografia na Itália

Na Itália, onde despontaram médiuns notáveis, em que se destaca

Eusápia Palladino, foram escritas várias obras no período pré-

kardeciano, das quais assinalamos as seguintes:

- Del Mondo Degli Spirit e Della Efficacia nell Universo

Sensible, (Torino), 1851, de Giacinto Femi.

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- Nuovo Scoperte sui Tavoli e Corpi Semoventi e Metodo

Perbene Esperienze, (Pisa), 1853, de G. Pellegrini

Glossário

Fenomenologia - entende-se por fenomenologia e estado geral dos

fenômenos. Quando dizemos fenomenologia espírita é claro que nos

referimos ao conjunto de fenômenos que constituem o objeto do

Espiritismo. Então, fenomenologia espírita vem a ser a parte da doutrina

espírita que trata do seu aspecto experimental ou científico, que diz

respeito aos fenômenos filosófico, que interpreta os fenômenos e lhes

estuda as leis e as naturais consequências morais que decorrem de ambos

os aspectos. Vê-se, pois, que o Espiritismo é um conjunto, e seus

aspectos se completam, não podendo ser separados. Nenhum dos

aspectos, por se só, constituiria a Doutrina Espírita.

Charlatanarias – certas manifestações espíritas prestam-se muito

facilmente à imitação, mas, por terem sido exploradas, como tantos

outros fenômenos, pelo charlatanismo e a prestidigitação, seria absurdo

concluir que elas não existam. Para quem estudou e conhece as

condições normais em que elas podem ser produzidas, é fácil distinguir

a imitação da realidade. A imitação, de resto, jamais poderia ser

completa e só pode enganar o ignorante, incapaz de perceber as nuances

características de verdadeiro fenômeno.

Escrita direta – é o fenômeno de efeitos físicos que consiste na

escrita que o Espírito, sem ajuda das mãos do médium, faz diretamente,

com lápis, tinta ou giz, ou sem estes materiais, sobre papel, lousa etc.

Allan Kardec acentua que o fenômeno é obtido espontaneamente sem o

concurso da pena ou do lápis e sem nenhum contato.

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OD – radiação fisiológica humana, visível e fotografável. O

estudo do od se deve ao Barão Karl Von Reichenbach, que tratou dele

pela primeira a vez na sua obra publicada em 1845, em Branschweig, na

Alemanha. A expressão od é, segundo alguns autores, de origem

hebraica e significa – sentido que damos preferência. Há quem admita

que ela vem do árabe ainda outros do grego odos, etimologia mais aceita,

significando via, caminho, meio.

Mediunidade pictórica - faculdade de pintar quadros ou elaborar

desenhos oriundos de artistas desencarnados. Os médiuns de pintura ou

de pictografia que antes eram raros, pelo menos no Brasil, atualmente

proliferam em várias partes do País. Por eles se comunicam Espíritos dos

clássicos da pintura, de várias épocas. São trabalhos que devem ser

examinados cuidadosamente antes de lhes conferir autenticidade.

5ª Aula - Perfil Bibliográfico De Allan Kardec E Sua Iniciação No

Espiritismo

Onde Nasceu Denizard Hipollyte Léon Rivail – Allan Kardec

Lyon é uma cidade do Sul da França, situada na confluência dos

rios Ródano e Saôna. Sua origem remonta ao tempo dos fenícios, sendo

o seu nome original, Lugdunum, de origem celta. Sua tradução: “colina

do sol nascente”. Ocupada em 43 a.C. pelas legiões romanas de Munatio

Plancus, tornou-se, em pouco tempo, o centro político e administrativo

das Gálias Romanas. Foi importante centro cristão, sendo o seu primeiro

Bispo, Potino, martirizado em 177 em d.c., durante as perseguições de

Marco Aurélio, justamente com Átalo de Pérgamo, Vétio Epágato,

Pôntico e outros notáveis seguidores do cristianismo nascente. Em 1793,

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por ter-se colocado ao lado dos realistas, durante a Revolução Francesa,

foi condenada à demolição pelo governo revolucionário, fato que não se

concretizou. Mas, centenas de seus cidadãos foram mortos cruelmente,

evidenciando que, toda a revolução, por mais nobres que tenham sido

seus ideais primevos, sempre descamba no arbítrio e na prepotência.

Nesta cidade de grande tradição política e espiritual, nasceu em 03

de outubro de 1804, Denizard Hippolyte Léon Rivail, na Rua Sala,

número 76, às 19 horas.

Eis o extrato da certidão de nascimento:

“Aos 12 do vendemiário do ano XIII, ato do nascimento de

Denizard Hippolyte Léon Rivail, nascido ontem à noite às 19 horas, filho

de Jean Baptiste Antoine Rivail, homem de leis, juiz, e de Jeanne

Duhamel, sua esposa, domiciliados em Lyon, Rua Sala, 76.

“O sexo da criança foi reconhecido como masculino.

“Testemunhas, de maior idade: Syriaque Fréderic Dittmar, diretor

do estabelecimento de águas minerais da Rua Sala, mediante

requerimento do médico Pierre Radamel, Rua Saint Dominique, 78.

“Lida a ata, as testemunhas assinaram, bem como o prefeito da

divisão meridional.

“O Presidente do Tribunal.

“Ass. Mathieu”.

Um ano depois, a 15 de junho de 1805, o pequeno Denizard

Hippolyte foi batizado na igreja de Saint-Denis de Ia Croix Rousse.

Nessa época, a igreja não pertencia à cidade de Lyon, mas a de Bresse.

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Eis o extrato do registro de batismo. Curiosamente, mudaram,

neste documento, o nome do futuro Codificador do Espiritismo:

“Aos quinze dias do mês de junho de mil oitocentos e cinco

(1805), foi batizado, nesta paróquia, Hippolyte Léon Denizard, nascido

em Lyon em três de outubro de mil oitocentos e quatro (1804), filho de

Jean Baptiste Antoine Rivail, magistrado, e de Jeanne Louise Duhamel,

sendo padrinho Pierre Louis Perrin e madrinha Suzanne Gabrielle Marie

Vernier, domiciliados na Vila de Bourg.

“Assinado: Barthe, padre-cura”.

O futuro Codificador dos princípios espíritas recebeu, desde o

berço, um nome honrado e respeitado na comunidade de Lyon. Grande

número de seus antepassados se tinha distinguido na advocacia e na

magistratura, por seu talento, saber e escrupulosa probidade. Parecia que

o jovem Rivail deveria onhar, também ele, com os louros e as glórias de

sua ilustre família. Assim, porém, não aconteceu, porque, desde o

começo da sua juventude ele se sentiu atraído para as Ciências e a

Filosofia.

O Instituto Pestalozzi

Denizard Rivail fez em Lyon os seus primeiros estudos. Com a

idade de dez anos, seus pais o enviam a Yverdun, cidade da Suiça do

Cantão de Vaud, situada na extremidade do Lago Neuchâtel, a fim de

completar sua educação no Instituto ali instalado em 1805, pelo

professor Johann Heirinch Pestalozzi (1746-1827), cujo aposto lado

pedagógico já se revelara em Neuhof, Stan e Berthoud.

O Instituto de Yverdun, que funcionava no Castelo construído

pelo Duque de Zahringen, nos idos anos de 1135, seria durante quatro

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lustros, na concepção do acadêmico português Souza Costa, “a Belém

da natividade escolar”. O notável pensador e filósofo alemão Johann

Fitche, que conheceu o Instituto Pestalozzi, declarou, nos célebres

Pestalozzi “Discursos à Nação Alemã”, pronunciados no inverno de

1807-1808, que a reforma da educação devia tomar, por ponto de partida

o método de ensino de Pestalozzi. E acrescentava: “Do Instituto de

Pestalozzi espero a salvação da Alemanha”.

Roger de Guimps, em sua História de Pestalozzi, de as Pensée

et de son Oeuvre, traça um perfil da metodologia pestalozziana que

prevalecia em Yverdun:

“Os alunos gozavam de ampla liberdade; as portas do Castelo

permaneciam abertas o dia todo, sem porteiras. Podia-se sair e entrar a

qualquer hora, como em toda a casa de uma família simples, e as crianças

quase não se prevaleciam disso. Elas tinham, em geral, dez horas de aula

por dia, das seis da manhã às oito da noite, mas cada lição só durava uma

hora e era seguida de pequeno intervalo, durante o qual ordinariamente

se trocava de sala. Algumas dessas lições consistiam em ginástica ou em

trabalhos manuais, como cartonagem e jardinagem. A última hora da

jornada escolar, das sete às oito da noite, era dedicada ao trabalho livre;

as crianças diziam: “On travaille pour Pestalozzi soi”, e Castelo de

Yverdun entre 1805 e 1825 elas podiam, a seu bel-prazer, ocupar-se de

desenho ou de geografia, escrever a seus pais ou pôr em dia seus

deveres”.

As inúmeras e revolucionárias atividades pedagógicas de

Yverdun, explicam a razão do renome mundial que gozava o Instituto de

Pestalozzi. Gabriel Compayré, em sua obra Pestalozzi y La Educación

Elemental, acrescenta que em Yverdon não havia castigos nem

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

recompensas. Pestalozzi não queria a emulação nem o medo. Só admitia

disciplina do dever, ou melhor, a da afeição, do amor. Além de

receberem excelente preparo físico, intelectual e moral, os escolares

eram igualmente educados para a vida em sociedade, de modo a poderem

enfrentar o mundo em qualquer situação ou circunstância. Sobre o

Instituto de Yverdun pode-se consultar, além das obras citadas, a de

autoria de Marc Antoine Julien (1775-1848): Exposé de la Méthode

d’éducation de Pestalozzi; de Augustin Cochin: Pestalozzi, sa Vie, ses

Oeuvres, ses Méthodes d’lstruction et d’Education, além do

Dictionnaire de Pédagogie et d’lnstruction Primaire, do prêmio

Nobel da Paz de 1927, o pedagogo francês Ferdinand Buisson (1841-

1932).

O jovem Denizard Rivail, ao qual o destino reserva o inexcedível

missão, logo se revelou um dos discípulos mais fervorosos do ilustre

pedagogo suíço. Dotado da avidez do saber e de agudo espírito

observador, adquiriu, desde cedo, o hábito da investigação. Seu

interesse, por exemplo, pela Botânica leva-o, por vezes conforme relato

da pesquisadora Anna Blackwell4 - a passar um dia inteiro nas

montanhas próximas de Yverdun, com sacola às costas, à procura de

espécimes para seu herbário. Aliando, a tudo isso, irresistível inclinação

para o estudo dos complexos problemas do ensino, Rivail cativou a

simpatia e a admiração do velho mestre, deste se tornado, anos mais

tarde, eficiente colaborador. Os exemplos de beneficência e amor ao

próximo vividos por Pestalozzi, a quem os alunos chamavam “Pai

Pestalozzi”, segundo assinala Roger de Guimps, norteariam, para

sempre, a existência do futuro Codificador do Espiritismo. Aliás, até

mesmo aquele “bom senso”, que Flammarion atribui a Kardec, foi

4 Prefácio de sua tradução inglesa (1875) de O Livro dos Espíritos.

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cultivado e avigorado com as lições recebidas no Instituto de Yverdun,

onde também desabrocharam as idéias que, mais tarde, o colocariam na

classe dos homens progressistas e dos livres pensadores.

“Naquele Instituto viveu Rivail - como acrescenta André Moreil -

num pequeno universo humano, que o marcou para sempre, e a figura do

mestre veio a ser para ele a própria imagem do chefe que dirige e educa

os homens”.

Percebe-se, então, porque a vida de Allan Kardec, que se identifica

com a fundação do Espiritismo prático, não é compreensível sem a vida

escolar de Denizard Hippolyte Léon Rivail.

Denizard Rivail E O Magnetismo

Quando o discípulo de Pestalozzi chegou a Paris, teve a sua

atenção despertada para o Magnetismo, a que o Marquês de Puységur,

juntamente com o naturalista François Deleuze, havia imprimido nova

feição, ao modificarem substancialmente os metódos de Franz Anton

Mesmer, doutor em Medicina pela Universidade de Viena (Austria), daí

resultando na descoberta do sonambulismo provocado5. Rivail,

5 O Magnetismo era conhecido completamente desde a mais alta Antiguidade. Formava uma parte da antiga Magia ou Ciência Total dos sábios de outrora. Os livros sagrados dos antigos cultos, os hieróglifos do Egito e as figuras Simbólicas da Índia, nos mostram o emprego que os curadores faziam dos passes, das massagens e da sugestão verbal. Entre os hebreus, vemos Elias fazer voltar a vida o filho de Sulamita, por meio de insuflações e massagens. Lemos nos Reis, Capítulo XXVII, que Saulo consultava a pitonisa ou sonâmbula de Endor. Os fenômenos do Magnetismo, seus processos e sua teoria atravessaram os tempos, no meio de grandes vicissitudes; porém, apesar das perseguições, encontramo-los, quase intactos, na época da renascença (séculos XV e XVI). Os meios e processos empregados no Magnetismo, desde a mais remota Antiguidade, são os mesmos que foram descobertos pelos rnagnetizadores modernos. Contudo, é flagrante que os antigos conheciam melhor que nós a prática e a teoria. Para eles, os diversos ramos da ciência eram inseparáveis. Paracelso teria sido um dos poucos a praticar o Magnetismo conforme os ensinamentos dos mestres do passado. Por isso mesmo, suas curas eram maravilhosas e jamais puderam ser igualadas. O Magnetismo

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referindo-se, com justo entusiasmo a esses magnetistas franceses,

destaca a figura ilustre e sábia do Barão Du Potet, que, desde 1825,

tomara-se o chefe da Escola Magnética na França, tendo ido mais longe

que seus predecessores na aplicação do Magnetismo à terapêutica. Este

é justamente o ângulo que mais impressionou a Rivail, que com o tempo

pôde inteirar-se bem da força magnética que todos os seres humanos têm

em graus diversos, vindo a ser, ele próprio, “experimentado

magnetizador”, segundo revela o seu mais dileto discípulo Pierre Gaetan

Leymarie, na Revue Spírite de 1871. Leymarie lembraria, ainda, pela

Revue Spírite de 1886, que o mestre lionês conheceu as pesquisas do

padre português José Custódio de Farias (o abade Farias) e lhe

reconhecia o notório valor. O abade Farias, iniciado nas práticas do

Magnetismo pelo Marquês de Puysérgur, a quem dedicou seu livro De

La Cause du Somneíl Lucíde, ou Étude de Ia Nature de I’Homme

(1891), considerando-se seu mestre, foi o precursor do Hipnotismo de

James Braid, médico britânico (1795-1860).

Afirma Anna Blackwell, em sua obra já citada, que Rivail tomou

parte ativa nos trabalhos da Sociedade de Magnetismo de Paris, a mais

importante da França. Ele, porém, ficaria equidistante das rivalidades

doutrinárias que haviam surgido entre os magnetizadores parisienses.

Tendo adquirido sólidos conhecimentos de Magnetismo, ciência

que ele mais tarde, em diferentes ocasiões, demonstrou possuir notória

profundidade ao elaborar o corpo doutrinário do Espiritismo, foi capaz

de perceber, logo ao início de suas observações pessoais junto às “mesas

girantes”, a íntima interação entre o Espiritismo e o Magnetismo, a ponto

de Paracelso é a vida universal. Para ele tudo é vivente; a vida que existe nos metais, como nas plantas, pode ser transmitida destes ao homem e a atração que o imã (magnete) exerce sobre o ferro.

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de ele mesmo afirmar: “Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo

e do êxtase às manifestações espíritas, não há senão um passo; sua

conexão é tal, que é, por assim dizer, impossível falar de um sem

falar do outro.”

Amélle Gabrielle Boudet Rivail

Vale-se a pena registrar, aqui, o velho jargão: “por trás de um

grande homem há sempre uma grande mulher.”

No caso de Allan Kardec destaca-se o trabalho silencioso

incansável de sua esposa, Amélie Gabrielle Boudet Rivail. Ela nasceu

em Thiais, comuna do Departamento Parisiense de Valde-Marie, aos 2

do Frimário do ano IV, segundo o Calendário Republicano então vigente

na França, e que corresponde a 23 de novembro de 1795.

Filha única de Julien-Louis Boudet, proprietário e tabelião,

homem bem sucedido na vida e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe,

recebeu, na pia batismal, o nome de Amélie-Gabrielle Boudet.

Aliando, desde cedo, grande vivacidade e forte interesse pelos

estudos, destacou-se pelos seus dotes morais e intelectuais. Tornou-se

professora de Letras e Belas Artes, desenvolvendo, pari passu, Amélie

Gabrielle Boudet inata tendência para a poesia e o desenho. Deu à luz

várias e importantes obras, destacando-se Contos Primaveris, 1825;

Noções de Desenho, 1826; O Essencial em Belas Artes, 1828.

Vivendo em Paris, no mundo das Letras e das Artes, conheceu

Denizard Rivail, ilustre pedagogo, com quem se casou. Em 6 de

fevereiro de 1823, firma-se o contrato de casamento. Ela era nove anos

mais velha do que ele, mas aparentava a mesma idade do marido.

Amélie, ou Gabi, como a chamava Denizard Rivail, foi companheira

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dedicada e solícita de toda uma vida. Retraiu-se, no recesso do lar, para,

deliberadamente, servir àquele que sabia estar à testa do mais

revolucionário empreendimento científico e filosófico, não apenas de

sua época, mas de todas as épocas. Allan Kardec cumpriria, no plano

físico, os desígnios superiores preconizados por Jesus, o que lhe conferia

um papel histórico de inexcedível importância.

Allan Kardec Inicia-se no Espiritismo

Em 1854, Denizard Hippolyte ouve falar pela primeira vez das

“mesas girantes”, através do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual

entrara em relações para os seus estudos sobre o Magnetismo.

O Sr. Fortier diz-lhe um dia:

“Eis uma coisa mais do que extraordinária: não somente

magnetizam uma mesa, fazendo-a girar, mas também a fazem falar;

perguntam coisas e ela responde”.

Denizard Hippolyte replica:

“Isto é outra questão: acreditarei quando puder ver com os meus

próprios olhos e quando me provarem que uma mesa tem um cérebro

para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula. Por

enquanto, seja-me permitido dizer que tudo isso me parece um conto

para fazer dormir em pé”.

Assim começava a vida espírita do discípulo de Pestalozzi: pela

mais absoluta descrença! Tal era a princípio o estado de ânimo do futuro

Codificador do Espiritismo, não negando coisa nenhuma por parti-pris,

mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer.

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No ano seguinte - era começo de 1855 -, Rivail encontrou-se com

o Sr. Carlotti, seu amigo há vinte e cinco anos, que discorreu acerca de

fenômenos espíritas durante mais de uma hora. O Sr. Carlotti era corso,

de uma natureza ardente e enérgica. Afirma Rivail sobre o amigo: “Eu

tinha sempre distinguido nele as qualidades que caracterizam uma

grande e bela alma, mas desconfiava de sua exaltação. Ele foi o primeiro

a falar-me da intervenção dos Espíritos, e contou-me tantas coisas

surpreendentes que, longe de me convencer, aumentou minhas dúvidas.

‘Você um dia será um dos nossos’ disse-me ele. ‘Não digo que não’

respondi-lhe - Veremos isso mais tarde’”.

Pelo mês de maio de 1855, Rivail visitava a casa da sonâmbula

Sra. Roger. Lá encontrou o Sr. Patier e a Sra. Plainemaison, que lhe

falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o Sr. Carlotti. O Sr.

Patier era funcionário público, de uma certa Idade, homem muito

instruído, de um caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada,

isenta de todo entusiasmo, produziu em Rivail uma viva impressão; e

quando ele lhe fez oferecimento para que assistisse às experiências que

tinham lugar em casa da senhora Plainemaison, na rua Grange-Bateliére,

n° 18, aceitou prontamente. A sessão foi marcada para a terça-feira6 de

maio, às 20 horas.

“Foi ai - informa Rivail - pela primeira vez que fui testemunha do

fenômeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em

condições tais que a dúvida não era possível.

“Ai vi, também, alguns ensaios muito imperfeitos de escrita

mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. As minhas idéias

estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que

6 Esta data ficou em branco no manuscrito de Allan Kardec

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deveria ter uma causa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espécie

de divertimento que com esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério

e como a revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi

aprofundar.

“A ocasião se ofereceu antes de observar mais atentamente do que

o tinha podido fazer. Em um dos serões na casa da Sra. Plainemaison fiz

conhecimento com a família Baudin, que morava, então, na rua

Rochehouart. O Sr. Baudin me fez oferecimento no sentido de assistir às

sessões hebdomadárias que se efetuavam em sua casa, e às quais eu fui,

desde esse momento, muito assíduo”.

Foi ai que Rivail fez os primeiros estudos sérios de Espiritismo,

aplicando a essa nova ciência, como até então o tinha feito, o método da

experimentação. Jamais formulou teorias preconcebidas: observava

atentamente, comparava, deduzia as conseqüências; dos efeitos

procurava remontar às causas, pela dedução, não admitindo como válida

uma explicação senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da

questão. Foi assim que procedeu sempre em seus trabalhos anteriores.

Rivail compreendeu, desde o princípio, a gravidade do trabalho que iria

empreender. Entreviu, nesses fenômenos, a chave do problema tão

obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução que havia

procurado toda a sua vida; era, em uma palavra, uma completa revolução

nas idéias e nas crenças; preciso, portanto, se fazia agir com

circunspecção e não levianamente; ser positivista e, não, idealista, para

se não deixar arrastar pelas ilusões.

Um dos primeiros resultados das observações de Rivail foi que os

Espíritos outra coisa não sendo senão as almas dos homens, não tinham

nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que seu saber era

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limitado ao grau do seu adiantamento, e que sua opinião não tinha senão

o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o

começo, evitou-lhe o grave escolho de crer na sua infalibilidade e lhe

preservou de formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de

alguns.

Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles

pudessem dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente:

já era um ponto capital, um imenso campo franqueado às investigações,

a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados. O segundo ponto,

não menos importante, era conhecer o estado deste mundo, seus

costumes, etc. Cedo, Rivail percebeu que cada Espírito, em razão de sua

posição pessoal e de seus conhecimentos, lhe desvendava, apenas, uma

fase do plano onde se encontrava, exatamente como se chega, como um

todo, a situação de um País, interrogando-se os seus habitantes,

pertencentes a todas as classes e de todas as condições, podendo cada

um nos ensinar alguma coisa, e nenhum deles podendo, individualmente,

nos ensinar tudo. Cumpre ao observador formar o conjunto, com o

auxílio dos depoimentos colhidos de diferentes lados, colecionados,

coordenados e confrontados entre si. Rivail, pois, agiu para com os

Espíritos como o teria feito com os homens; eles foram para ele, desde o

menor até o mais elevado, meios de colher informações e não

“reveladores predestinados”.

A estas informações pinça das em Obras Póstumas7, convém

acrescentar que, a princípio, Rivail, longe de ser entusiasta dessas

manifestações, e absorvido por suas próprias preocupações, esteve a

7 Obras Póstumas, publicado 22 anos depois do lançamento de A Gênese 1868, apresenta vários trabalhos de Allan Kardec que nunca haviam aparecido em livro. Este livro representa o testamento doutrinário do Codificador do Espiritismo.

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ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito, se não fossem as

insistentes solicitações dos Srs. Carlotti, René Tailandier, membro da

Academia de Ciências, Thiedeman-Manthese, Victorien Sardou, pai e

filho, e Pierre-Paul Didier, livreiroeditor, que acompanhavam, havia

cinco anos, o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinqüenta

cadernos de comunicações diversas, que eles não conseguiam pôr em

ordem.

Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese de Rivail, esses

pesquisadores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse

conhecimento e os pusesse em termos. Este trabalho era árduo e exigia

muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas

comunicações. O sábio enciclopedista lançou-se à obra; tomou os

cadernos, anotou-os com cuidado, após atenta e circunspecta leitura;

suprimiu as repetições e pôs, na respectiva ordem, cada ditado, cada

relatório de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a

aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse resultado.

“Até então - diz ele próprio - as sessões em casa do Sr. Baudin não

tinham nenhum fim determinado; propus-me ai fazer resolver os

problemas que me interessavam sob o ponto de vista da Filosofia, da

Psicologia e da natureza do Mundo Invisível. Comparecia a cada sessão

com uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas; eram

respondidas com precisão, profundeza e de um modo lógico. Desde esse

momento, as reuniões tiveram um caráter muito diferente; entre os

assistentes encontravam-se pessoas sérias que tomaram por isso um vivo

interesse. A princípio eu não tinha em vista senão minha própria

instrução; mais tarde, quando vi que tudo isso formava um conjunto e

tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensamento de o publicar

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para instrução de todos. Foram essas questões que, sucessivamente

desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O Livro dos Espíritos.

Glossário

Os celtas - grupo de povos que ocuparam parte da Europa antiga

entre os quais se incluíam os gauleses.

Lastro – período de cinco anos.

Emulação – competição, rivalidade.

Herbário - coleção de plantas secas conservadas entre folhas de

papel para estudos botânicos.

Hipnotismo - coleção de fenômenos que constituem o sono

artificial provocado por sugestão em certas pessoas predispostas. Em

1841, um médico inglês, James Braid, de Manchester, criou uma outra

teoria dos fenômenos magnéticos, sob a denominação genérica de

HIPNOTISMO. As experiências de Charles La Fontaine, pelas quais se

interessou vivamente, vergaram-no ao estudo. Seguiu, porém, uma rota

diferente daquela traçada por Frans Anton Mesmer, e em conseqüência

disso, conseguiu sintetizar uma outra causalidade que origina, por vezes,

efeitos muito semelhantes, não exatamente iguais, aos provocados pelo

magnetismo animal.

6ª Aula - A Origem do Nome Allan Kardec

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Origem do nome Allan Kardec

Em Vida e Obra de Allan Kardec8, André Moreil afirma que, certa

noite, Zéfiro, Espírito protetor de Denizard Hyppolite Léon Rivail,

informou havê-lo conhecido numa existência anterior, quando, na época

dos druidas, viveram nas Gálias, Disselhe que o seu nome era, então,

Allan Kardec “A partir desse momento - comenta Moreil - Denizard

Rivail já não existe”.

A missão recebida, a título de líder doutrinário de uma ciência

ditada pelos Espíritos, obrigaram-no a renascer como Allan Kardec O

novo nome lhe pareceu revestido de valor quase esotérico.

Os “druidas” eram sacerdotes celtas, Os celtas, povos

antiquíssimos, de origem indo-germânica, empreenderam grandes

migrações desde os tempos pré-históricos, percorrendo toda a Europa,

desde as Ilhas Britânicas até a Ásia Menor Mas, por volta do ano 250

antes do Cristo, quando atingiram o clímax do seu poder, estavam

fixados principalmente nas Gálias.

Embora sua linguagem e os fundamentos da sua cultura já

estivessem estruturados desde sete séculos antes da nossa era, jamais se

organizaram, politicamente, sob qualquer forma de governo, Apenas

uma poderosa e mística força os unia à casta sacerdotal, que mantinha

íntegros os preceitos religiosos e as raríssimas tradições do mundo celta.

Esses sacerdotes eram os druidas, reverenciados pelas tribos onde quer

que fossem. Dedicavam-se à Teologia, à Filosofia, à Magistratura.

Conduziam todo um povo, cujas crenças se fundamentavam na

8 La Vie e1 L’Ouvre d’Allan Kardec, de André Moreil, foi lançada, em Paris, por Editions Sperar, 1961, sendo editada no Brasil pela Eclcel, com Tradução de Miguel Maillet.

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Imortalidade da alma e na Reencarnação, além de admitir,

serenamente, a Comunicabilidade com os Espíritos.

A revista Reformador reproduziu, em francês, a carta que

Denizard Hyppolite Léon Rivail escreveu ao Sr. Thiedman-Manthése,

em 27 de outubro de 1857, relativamente ao pseudônimo que adotara:

“Duas palavras ainda a propósito do pseudônimo. Direi, primeiramente,

que neste assunto lancei mão de um artifício, uma vez que, dentre 100

escritores, há sempre os 3/4 que são conhecidos por seus nomes

verdadeiros, com a só diferença de que a maior parte toma apelidos de

pura fantasia, enquanto que o pseudônimo Allan Kardec guarda uma

certa significação, podendo eu reivindicá-lo como o próprio em nome da

Doutrina Espírita”.

O certo é que, ao adotar o pseudônimo Allan Kardec, o professor

Rivail deu valioso testemunho, não somente de fé, mas igualmente, de

humildade, pois seu nome civil era dos mais ilustres da França. Ele

descendia de antiga e tradicional família, cujos membros brilharam na

Advocacia e na Magistratura.

Denizard Rivail foi um dos mais destacados discípulos de

Pestalozzi e, depois, conselheiro influente nas reformas do ensino

levadas a efeito na França e na Alemanha. Poliglota, dominava, além do

francês, o alemão, o inglês, o latim e o grego. Verteu, para o alemão,

obras importantes, como as de Fénelon (François de Salignac de la

Mothe, nascido em 1651 e desencarnado em 1715), destacando-se

Telêmaco, epopéia romanesca em prosa, inspirada na Odisséia, de

Homero.

Não resta a menor dúvida que o autor de Traité de l’Education

des Filles, obra clássica da pedagogia francesa, exerceu significativa

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influência sobre Allan Kardec, aprimorando-lhe o espírito e contribuindo

para alcançar, depois, a posição de liderança de uma Doutrina que viria

revolucionar os pensamentos político, filosófico, religioso e científico,

não só de sua época, mas de épocas posteriores.

O Pseudônimo Allan Kardec Motivo De Inquirição Judicial

Cinco anos após a desencarnação de Allan Kardec, a Revue

Spirite, então sob a direção de Pierre-Gäetan Leymarie, publicou uma

série de reportagens sobre fotografias de Espíritos, ilustrando-as com

fotos de pessoas que posaram para os fotógrafos médiuns Edouard

Buguet e o americano Alfred-Henri Firman. Junto aos retratos, por força

da faculdade mediúnica de ambos os profissionais, apareciam vultos

nítidos de amigos ou parentes falecidos.

A Sra. Amélie Boudet Rivail, viúva do Mestre Allan Kardec,

submeteu-se a uma sessão de fotos, aparecendo, em uma delas, a figura

inconfundível do Codificador do Espiritismo, ostentando uma

mensagem, em francês, com o seguinte teor:

“Chese femme: Veillez sur notre medium Buguet: de faux Spirites

le tracassant en ce moment. Lui seul est le urai. C’est surtout lui Qui fera

prosperer notre doctrine. Leymarie doit I’aider. Je suis avec vous.

Courage et adieu. 14 novembre 74. Allan Kardec”. (Querida esposa:

protegei nosso médium Buguet. Falsos espíritas o embaraçam neste

momento. Ele só é verdadeiro, e, especialmente, para desenvolver nossa

doutrina. Leymarie deve ajudá-lo. Estou com todos vós. Coragem e

adeus. 14 de novembro de 1874. Allan Kardec.)

A viúva de Allan Kardec fôra ao estúdio de Buguet com a intenção

de obter uma foto de seu pai; mas, para sua maior surpresa, surgiu a

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figura de um velho conhecido. Na segunda tentativa, a imagem era a de

Allan Kardec. Leymarie fôra com ela e sabia, desta vez, que ela desejava

um retrato do seu marido. Quanto ao texto, impresso na foto, era de tal

forma reduzido, que não se poderia afirmar, positivamente, de quem

fosse.

A Revue Spirite garantia que a letra era de Allan Kardec,

sendo reconhecida, também, por várias pessoas, depois de

examinada meticulosamente.

Com a divulgação do fato e da foto na Revue Spirite, levantou-se

a idéia da fraude, sendo denunciada pelo Sr. Lombard, officier de paix,

junto ao Gabinete do Chefe de Polícia.

No dia 16 de junho de 1875, Quarta-feira, instaurava-se um

processo que se tornaria famoso: Procés des Spirites, movido, em Paris,

pelo Ministério Público, contra Buguet, Firman e Leymarie. Este

processo foi fruto da intolerância e da prepotência. As próprias

autoridades policiais, contrariando os nobres princípios da Justiça

Francesa, investiram, desrespeitosa e arbitrariamente, contra os

acusados, como se estivessem, frente a frente, com cruéis assassinos.

Nem sequer a viúva de Allan Kardec, que prestou declaração apenas

como testemunha, teve o tratamento devido à sua nobre posição do

interrogatório a que fôra submetida, constam as seguintes perguntas e

respostas, relativas ao pseudônimo do Codificador:

- Juiz Millet - Afinal, em que época o Sr. Rivail adotou o nome de

Allan Kardec?

- Sra. Rivail - Por volta da década de 1850.

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- Juiz Millet - Onde buscou ele este nome? Num manual de

bruxaria?

- Sra. Rivail - Não sei o que o senhor pretende dizer

- Juiz Millet - Nós conhecemos as origens dos livros do seu

marido; ele se valeu, sobretudo, de um manual de bruxaria de 1522; de

um outro livro intitulado Alberti... e outros.

- Sra. Rivail - Todos os livros do meu marido foram criados com

a ajuda de médiuns e das evocações. Não conheço nenhum dos livros a

que o senhor se refere.

- Juiz Millet - Nós os conhecemos; o nome Allan Kardec que o

seu marido adotou é o nome de uma grande floresta da Bretanha9. A

senhora erigiu a seu esposo um túmulo no Pere-Lachaise e nele colocou

o nome de Allan Kardec; está convencida de que ele foi o que disse ter

sido?

- Sra. Rivail - Eu creio que não se deve gracejar sobre isso. Não é

agradável ver rir de tais coisas.

- Juiz Millet - Nós não estimamos as pessoas que se apropriam de

nomes que não lhes pertencem, escritores que pilham obras antigas, que

ludibriam o espírito público.

Sra. Rivail - Todos os literatos usam pseudônimos. Meu marido

nada pilhou

9 O Juiz Millet, incorreu em equívoco; não sendo tão grande a tal floresta não mereceu o registro nos compêndios de Geografia, nem nos dicionários e enciclopédias.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

- Juiz Milet - Foi um compilador, não um literato; um homem que

fez magia negra ou branca. A Sra. Rivail protestou, por escrito, pela

forma deselegante e anti-ética manifestada pela autoridade judicial, que

deveria, por dever de justiça, proceder com isenção de ânimo. Dir-se-ia

que o juiz Millet estava agindo mais como católico do que como

magistrado. Aliás, todo o julgamento foi uma farsa, evidenciando-se a

intervenção insidiosa das forças clericais.

Eis, na íntegra, o protesto, justíssimo, da ilustre viúva do mestre

de Lyon: “Declaro que o Sr. Presidente da Sétima Câmara convencional

não me deixou livre para desenvolver o meu pensamento, pois em meu

interrogatório, introduziu reflexões estranhas ao debate e desejou

ridicularizar o Sr. Rivail, conhecido como Allan Kardec, fazendo dele

um simples compilador e negando o seu título de escritor. Protesto

energicamente contra essa maneira de interrogar e solicito ser ouvida

novamente, porque é costume na França respeitar as senhoras, sobretudo

quando tem cabelos brancos. Não se deveria interromper-se e mandar

assentar-se, após ter se divertido com o que considero intocável, ou seja,

o direito de ter feito construir um túmulo para meu companheiro de

provações, para o esposo estimável e honrado por homens do mais alto

valor”.

Homens como Jesus, Sócrates e Kardec, construíram-se em

contundentes libelos nas sociedades onde viveram, desafiando o poder e

os preconceitos pela sua integridade moral, bom senso e fulgurante

inteligência. Na verdade, os contemporâneos desses Espíritos de escol

não estavam realmente estruturados para entendê-los e aceitá-los como

seres que estavam realmente acima da mediocridade humana...

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

Glossário

Zefiro – (Esta expressão significa vento brando e agradável). È o

nome que o espírito protetor de Kardec atribuiu a si mesmo. É

provavelmente um pseudônimo.

Druidas – Nome dos primitivos sacerdotes das Gálias e Bretanha.

Constituíram uma classe sacerdotal, eram também doutores e adivinhos.

Indo-Germânica – Termo que os filólogos alemães empregavam

com o sinônimo de indo-europeu. Observação: a expressão Indo é de

origem sânscrita, que dava nome a antiga civilização que ocupou o

Afeganistão, o Paquistão e a Índia.

Esotérico – Qualificação dada, nas escolas dos antigos filósofos, à

sua doutrina secreta.

Telêmaco – (Aventuras de) Obra de Fénelon composta apara a

educação do Duque de Borgonha (1699). A obra é inspirada na

“Odisséia” de Homero, poeta Grego que teria vivido 850 anos antes de

Jesus.

Officier de paix – Oficial de paz.

Próoces de Spirites – Processo dos Espíritos.

Peré Lachaise – Cemitério onde se construiu o dólmen de Allan

Kardec.

Insidiosa – Traiçoeiro, pérfido.

Libelos – Denúncias.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

7ª Aula - O Espírito de Verdade

O Espírito de Verdade

No dia 25 de março de 1856, estava Allan Kardec em seu gabinete

de trabalho, em via de compulsar as comunicações dos Espíritos e

preparar o livro primeiro da Codificação, quando ouviu ressoarem

pancadas repetidas no tabique; procurou sem descobrir, a causa disso, e

em seguida voltou ao trabalho. Sua esposa, Amélie, entrando no

gabinete, por volta de dez horas ouviu os mesmos ruídos; procuraram,

ambos, mas sem resultados, de onde podiam eles provir. Moravam,

então, na rua dos Mártires, n° 28, no segundo andar, ao fundo10.

No dia seguinte, em uma sessão familiar na casa da família

Baudin, Kardec contou o fato e solicitou uma explicação:

Pergunta - Ouviste o que acabei de contar; podeis dizer-me qual é

a causa dessas pancadas que se produziram com tanta persistência?

Resposta - Era o teu Espírito familiar.

Pergunta - Com que intuito manifestava-se ele desta forma?

Resposta - Queria entrar em comunicação contigo.

Pergunta - Podeis dizer-me quem é ele e o que quer de mim?

Resposta - Podes perguntar-lhe diretamente, porque ele está aqui.

10 Da comunicação do Espírito através de batidas (tiptologia), fica uma pergunta: seria Kardec médium de efeitos físicos? Parece que sim.

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Pergunta - Meu Espírito familiar, quem quer que sejas, agradeço-

vos ter vindo visitar-me; quereis dizer-me quem sois?

Resposta - Para ti, o meu nome será A Verdade, e todos os meses

estarei aqui, durante um quarto de hora a tua disposição.

Pergunta - Ontem, ao bater enquanto eu estava trabalhando,

tínheis algo especial para me dizer?

Resposta - O que eu tinha de te dizer relacionava-se com o

trabalho que estamos fazendo; o que escrevias não me agradava e eu

queria que parasses.

Comentário de Kardec: “Eu estava escrevendo justamente a

respeito dos meus estudos sobre os Espíritos e as suas manifestações”.

Pergunta - A vossa desaprovação referia-se ao Capítulo que estava

escrevendo ou ao conjunto do trabalho?

Resposta - Referia-se ao Capítulo de ontem; relê-lo hoje à noite e

descobrirás teus erros e corrija-os.

Pergunta - Eu não estava mesmo muito satisfeito com esse

Capítulo; por isso hoje o refundi. Agora está melhor?

Resposta - Está melhor, mas ainda não está bom. Lê da terceira à

trigésima línha e encontrarás um grave erro.

Kardec informa: rasguei o que tinha feito ontem.

Resposta - Não tem importância. O que rasgaste não impede que

o engano persista. Lê outra vez e perceberás.

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Pergunta - O nome Verdade que assumiste tem alguma relação

com a verdade que eu procuro?

Resposta - Talvez; pelo menos é o guia que te protegerá e te

ajudará.

Pergunta - Posso evocar-vos em minha casa?

Resposta – Sim, para que eu te ajude pelo pensamento; mas quanto

às respostas escritas em tua casa, não as poderá conseguir ainda por

muito tempo.

Pergunta - Podereis vir mais de uma vez por mês?

Resposta - Sim, mas apenas prometo uma vez por mês, até nova

ordem.

Pergunta - Tendes animado alguma personalidade conhecidaneste

mundo?

Resposta - Eu já disse que, para ti, eu serei A Verdade, este nome

para ti quer dizer discrição. Não saberás nada mais por enquanto.

Dois meses após esse diálogo entre Allan Kardec e o Espírito de

Verdade, ambos se reencontram. servindo de médium ajovem Aline C.:

“Meu bom Espírito - disse Kardec - desejaria saber o que pensais

da missão que me foi atribuída por alguns Espíritos; rogo que me digais

se se trata de uma prova para o meu amorpróprio. Nutro, como sabeis, o

maior desejo de contribuir para a propagação da Verdade; mas, do papel

de simples trabalhador àquele de missionário-chefe, a distância é grande

e eu mal entendo o que possa justificar a minha escolha para tão

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relevante encargo, de preferência a tantos outros possuidores de maiores

talentos e qualidade”.

“Confirmo - respondeu o Espírito de Verdade - o que te foi dito,

mas convido-te a muita discrição, a fim de seres bem sucedido. Mais

tarde saberás de muitas coisas que te explicarão o que hoje te surpreende.

Não te esqueças de que podes ser bem sucedido, mas que também podes

falhar. Neste último caso, alguém te substituirá, pois, os desígnios de

Deus não repousam sobre a cabeça de um só homem; isto seria o meio

de fazê-lo malograr. Tua missão se justifica pela obra cumprida; no

entanto, ainda não fizestes. Se conseguires levá-la a bom termo, os

homens saberão apreciá-la mais cedo ou mais tarde, pois é pelos frutos

que se conhece a qualidade da árvore”.

No livro Kardec, as Irmãs Fox e Outros, o ilustre pesquisador e

confrade Jorge Rizzini dedica um considerável espaço, do primeiro

Capítulo, ao exame da especiosa questão. Afirma que “O insigne

Espírito de Verdade” é uma individualidade. Reporta-se a primeira

mensagem que este transmitiu em 1856, em Paris, pelas irmãs Baudin,

quando revelou a Allan Kardec: “Para ti eu me chamarei A Verdade!”

Jorge Rizzini observa que a Entidade não escreveu “nós” e sim,

conforme se lê em Obras Póstumas: - “Eu me chamarei A Verdade!”

“Outra prova de sua individualidade - observa o autor – está no

fato de que seu pseudônimo aparece nos prolegômenos de O Livro dos

Espíritos entre os nomes de Sócrates, Platão, Fénelon, Santo Agostinho,

Erasto, etc.”

Em seguida, cita uma sessão mediúnica dirigida por Kardec,

realizada na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - SPEE,

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quando se manifestou o Espírito Jobard, ex-presidente de honra desta

instituição e amigo do Codificador.

A certa altura do diálogo com Jobard, Kardec perguntou:

“ - Vede os Espíritos que aqui se encontram conosco?”

- Vejo sobretudo, Lázaro e Erasto. Depois, mais distanciada, o

Espírito de Verdade”.

Com base neste diálogo, afirma Jorge Rizzini que o Espírito de

Verdade é, só poderá ser uma individualidade e, não, pseudônimo de

uma coletividade.

Quanto à idéia de que o Espírito de Verdade é o Cristo, eis o que

destaca Rizzini: “Não. Se fosse, jamais teria dito aos Apóstolos: (...) Eu

rogarei ao Pai e Ele vos enviará outro Consolador, para que fique

convosco: o Espírito de Verdade!’”

As argumentações do autor de Kardec, Irmãs Fox e Outros é um

tanto e quanto longa. Sugerimos aos leitores interessados que adquiram

a obra, onde encontrarão maiores detalhes sobre o assunto.

Glossário

Compulsar – Examinar, pesquisar.

Espírito Verdade – O Paracleto: o Consolador.

Malograr – Fracassar.

Especiosa – Ilusório, enganar.

Insigne – Notável, célebre.

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8ª Aula - O Livro dos Espíritos - As Bases de uma Nova Filosofia

Introdução

A Codificação Espírita se apresenta como um todo homogêneo e

conseqüente. “Caem por terra - afirma o Prof. José Herculano Pires - as

tentativas de separar um ou outro livro do bloco da Codificação, como

possível expressão de uma forma diferente de pensamento”.

Em um estudo mais amplo e aprofundado, é possível evidenciar-

se o desenvolvimento de certos temas fundamentais que, questionados

em O Livro dos Espíritos, vão ter a sua solução compatível nas obras

posteriores. E o que se constata, por exemplo, com as ligações do

Cristianismo e o Espiritismo, que se definem e encontram ínquestionável

coerência em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ou com o problema

sempre controvertido da origem do Homem, que encontra a sua

elucidação definitiva nas páginas de A Gênese, ou, ainda, as questões

mediúnicas esclarecidas e justificadas nas páginas de O Livro dos

Médiuns, e as concepções teológicas e escriturísticas que mereceram

lúcidos e revolucionários esclarecimentos em O Céu e o Inferno.

O Livro dos Espíritos

O Livro dos Espíritos, teve sua primeira edição lançada a 18 de

abril de 1857, por E. Dentu Libraire, localizada no Palais Royal, Galerie

D’ Orleans, n° 13, Paris. Continha uma Introdução ao Estudo da

Doutrina Espírita, onde eram estabelecidos os pressupostos doutrinários,

científicos e filosóficos, e refutadas várias críticas, bem como os

Prolegômenos, onde eram apresentadas, sinteticamente, as instâncias do

Mundo Espiritual para elaboração do Livro. Toda a obra era composta

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de perguntas e respostas, colocadas em colunas. O número total de

perguntas e respostas era 501. As matérias se distribuíam em três livros,

assim formados:

Livro Primeiro - Doutrina Espírita.

Composto de 10 capítulos.

Livro Segundo - Leis Morais.

Composto de 11 capítulos.

Livro Terceiro - Esperanças e Consolações.

Composto de 03 capítulos.

Após os assuntos, vinha um Epílogo, Notas - que eram

esclarecimentos ao texto -, um índice dos capítulos - Table de Chapitres

-, e um índice alfabético - Table Alphabetique.

Em março de 1860, apareceu a segunda edição de O Livro dos

Espíritos. Representava uma refundição total da primeira edição, sem

mudar os princípios nela expostos:

Introdução

Prolegômenos

Livro Primeiro - As Causas Primárias.

Quatro capítulos com um total de 17 subcapítulos.

Livro Segundo - Mundo Espírita ou dos Espíritos.

Onze capítulos com um total de 64 subcapítulos

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Livro Terceiro - Leis Morais.

Doze capítulos com um total de 15 subcapítulos.

Livro Quarto - Esperanças e Consolações.

Dois capítulos com um total de 15 subcapítulos.

Conclusão

Índice

Desapareceram o Epílogo, as Notas e o índice Alfabético. O

número de perguntas e respostas subiu para 1.018.

“Com este livro - afirma o Prof. José Herculano Pires – raiou para

o mundo a Era Espírita. Nele se cumpria a promessa evangélica do

Consolador, do Paracleto ou Espírito de Verdade. Dizer isto equivale a

admitir que O Livro dos Espíritos é o código de uma nova fase da

evolução humana. E é exatamente essa a sua posição na História do

Pensamento” (ln: Introdução à 39ª dição da LAKE).

Esse Código de uma nova fase da evolução humana não seria,

como tal, reconhecido. Rejeitaram-no sem contemplação, considerando

o mestre de Lyon, um visionário, um nefelibata. Entretanto, o discípulo

maior de Pestalozzi era homem de caráter frio e severo, observava os

fatos e das observações identificou as leis que os regem; foi o primeiro

que, a propósito desses fatos, estabeleceu uma teoria e construiu um

corpo de doutrina regular e metódica: Demonstrando que os fatos,

falsamente chamados “sobrenaturais”, são sujeitos a leis, subordinou-os

à 102 categoria dos fenômenos da Natureza, e fez ruir, assim, o último

reduto do maravilhoso, que é uma das causas da superstição.

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O Livro dos Espíritos, pois, vai de encontro, simultaneamente, às

teses dos doutores do Templo e das Academias. De um lado, punha por

terra todo o patrimônio de superstição e de tendenciosas postulações

exegéticas; e, de outro lado, établir lês fondements d’ une philosophie

rationelle, degagée dês prejugés de I’ esprit de systheme, o que, em

suma, contrariava a ortodoxia científica e filosófica.

O Livro dos Espíritos Lança as Bases de uma Nova Filosofia

Segundo Dante Morando (in Pedagogia), citado pelo educador

espírita Ney Lobo (in: Filosofia Espírita da Educação, FEB), uma

filosofia que, em última análise, não serve para o melhoramento do

homem é não só inútil e abstrata, senão falsa. Acrescentaria, à concepção

do pedagogo espanhol, que a Filosofia objetiva dá, à pessoa, a noção dos

fins últimos das coisas, não apenas para torná-la sábia, mas sobretudo,

para fazê-la melhor. O Prof. Herculano Pires vai, até, mais longe,

afirmando que o Espiritismo, mediante a sua filosofia, promove a

renovação integral do homem, não simplesmente na sua expressão

individual e transitória, mas na sua permanente expressão coletiva.

Na verdade, a Filosofia Espírita é essencialmente revolucionária,

transformista por excelência, uma autêntica filosofia da ação. Uma

filosofia, sem embargo, evolutiva que clama por seu desenvolvimento e

adaptação aos novos tempos. Deve-se observar, contudo, que tal

filosofia nada tem de utópico, contemplativo ou sonhador. Prática, por

excelência, ela é a filosofia da inquietação que incita à eterna conquista

do melhor; da luta que se esteia no trabalho consciente e nos impele a

construir; do dinamismo que, por sua vez, impede-nos de estacionar,

proíbe-nos o descanso improdutivo e o devaneio estéril.

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André Moreil, em La Vie et Lóuvre d’Allan Kardec (Editions

Sperar, Paris, 1961), faz a seguinte pergunta, após tecer algumas

considerações sobre a Filosofia Espírita: É possível classificar esta

filosofia entre as doutrinas idealistas?

Ele próprio responde: “Sabemos que, para Platão, o nosso mundo

é a cópia do mundo invisível das idéias puras. Este confronto entre a

perfeição e o mundo sublunar é idêntico nas duas filosofias (a espírita e

a platônica); mas é tudo: ai termina a semelhança. Com efeito, as idéias

platônicas não têm individualidade; na medida em que são gerais e que

fecundam casos particulares, são essenciais... Ao contrário, os Espíritos

são almas dos seres que já tiveram existência própria. Além disso,

conservam a sua individualidade. Compreende-se, então, porque o

idealismo espírita não é realmente, um idealismo. Entre os dois mundos,

existe a penetração efetiva e não relação platônica”.

E finaliza o ensaísta Moreil: “Em outras palavras, o mundo dos

Espíritos não está separado do mundo corporal e visível. Não há, pois,

dicotomia, nem ruptura ou fosso intransponível Para o Espiritismo, o

mundo do Espírito é, portanto, um só: o visível é a sua face encarnada,

o invisível, o reverso desencarnado”.

Enquanto isso, Humberto Mariotti lembra que a Filosofia Espírita

é evolucionista, porque admite a transformação nos aspectos essenciais

do Ser, encarando a ligação existente entre todas as coisas.

Mas como o Espiritismo realiza essa ligação?

Fá-lo ao demonstrar a união que existe entre os três reinos da

Natureza, pois sabemos que, no invisível, o Ser essencial parte do

mineral, que depois se instala no vegetal e, ao desempenhar o processo

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

necessário, a Essência passa ao reino animal e deste ao hominal. Daí

deverá passar ao espiritual. Eis aí o caráter dialético do Espiritismo.

Espiritismo Dialético é obra do pensador argentino Manuel S.

Porteiro. A sua concepção dinâmica dos seres e das coisas permitiu-lhe

entrever que tudo se acha em movimento e em permanente

transformação. Afastou-se desse Espiritismo narrativo de fatos repetidos

e compreendeu como Allan Kardec, que, em vez de fenômeno, devia

utilizar, ontologicamente falando, o noúmeno da mediunidade. Verificou

que o Espiritismo é uma ciência espiritual que determina uma ciência

social. Quer dizer: compreendeu que o Espiritismo, além de ser um

fenômeno científico, é uma nova interpretação do Homem e seu destino

espiritual e ético relacionado com o processo social e histórico da

humanidade.

À semelhança de Allan Kardec, M. S. Porteiro pensou no homem

como Espírito que encarna e desencarna e se instala na Sociedade para

transformar através de seu progresso e evolução, compreendendo,

igualmente, que o Espiritismo extrai o Espírito do fundo dos seres e das

coisas, como viva realidade que, mediante a sua evolução palingenésica,

movimenta a História, dando ao seu processo verdadeira

intencionalidade teleológica.

O autor de Espiritismo Dialético viu que as coisas estão ligadas

entre si por Lei de Causalidade e que nada ocorre na Sociedade e na

Natureza sem determinação por noúmeno espiritual, advertindo, assim,

que tudo está sujeito a movimento incessante e criador e que os próprios

espíritos encarnados agem ligados causalmente com os homens e demais

seres e coisas.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

A sua concepção dialética se encontra firmada, com precisão

filosófica, na obra Espiritismo Dialético, editada em Buenos Aires, no

dia 25 de agosto de 1936.

“Neste livro - afirma Humberto Mariotti - Porteiro coloca a

Filosofia Espírita nos mais elevados planos ideológicos da cultura no

Mundo Moderno, o que chamou a atenção de quem se arriscou a

considerar o Espiritismo uma ‘filosofia primária’ baseada em larvas e

cascões astrais e, na ordem sociológica, uma superstição de

conseqüências patológicas”.

E conclui: “Todos esses conceitos ruíram ante essa obra,

infelizmente pouco conhecida”.

Nesse livro se põem em confronto o materialismo dialético e

histórico e o espiritualismo espírita e palingenésico. Mas as duas grandes

realidades do Universo - Matéria e Espírito -, irreconciliáveis até há

pouco, harmonizam-se ali, considerando que os dois elementos se

sintetizam, dando um conhecimento integral do Homem e da História.

O processo das idades em sua fase histórica e espiritual é analisado

pelo pensador argentino, de acordo com a concepção kardecista, para

entroncar numa filosofia social criadora e humanista. Isto demonstra que

o conteúdo da Doutrina Espírita está na própria essência da Natureza,

razão pela qual o seu destino histórico não poderá ser desvirtuado pelos

que ainda sentem preconceitos a respeito do Espiritismo.

O pensamento dialético do Espiritismo não admite a imobilidade

nem a estática na vida do Espírito e dos povos e considera que tudo está

em movimento e em marcha para novos estádios morais e sociais. Para

o Espiritismo Dialético, o Homem é um ser que se transforma

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continuamente, ampliando a compreensão de tudo que o rodeia e

elevando a consciência às mais puras esferas do Universo.

“De grau em grau - afirma M. S. Porteiro - e sem nunca retroceder;

o Espírito encarnado e desencarnado, através de incessante dialética

palingenésica, avança para novas situações, sem se deter,

definitivamente, em ponto nenhum do progresso”.

Dir-se-ia, porém, que o conceito dialético do Espiritismo é

inovação doutrinária, o que não é verdadeiro. O analista espírita utiliza-

se do método dialético (não se deve esquecer que a dialética é, apenas,

um método) para encarar os grandes temas do Espiritismo com a

precisão exigida pelo Mundo Moderno. Entretanto, é necessário

reconhecer que esse método está contido na Filosofia Espírita desde a

publicação, em Paris, de O Livro dos Espíritos. Diria, a propósito, o

próprio M. S. Porteiro: “Não é, como se poderia supor, uma inovação

sistemática, fundamental, da Filosofia Espírita: é a própria Doutrina

tratada dialeticamente à luz da ciência moderna e em concordância com

os fenômenos da natureza e da vida e muito especialmente com os da

psicologia e da história”.

Glossário

Nefelibata – quem anda nas nuvens, visionário, sonhador.

Dicotomia – Divisão em dois.

Dialética – maneira de filosofar que procura a verdade por meio e

oposição e conciliação de condições lógicas e históricas.

Noùmeno – segundo Kant, tudo que se amolda a nosso espírito se

torna objeto de experiência possível, ou seja, o que aparece e pode ser

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apreendido por nossa sensibilidade, cujas intuições e intelecto ordena,

segundo suas categorias; a palavra fenômeno (phai+noùmeno) traduz

aquilo que é apresentado ou se oferece ( é a coisa em si).

Teleogismo - conjunto das especulações que se aplicam à noção

de finalidade às causas finais.

9ª Aula - Kardecismo e Espiritismo

Introdução

No momento em que era dado a lume a 1ª edição de O Livro dos

Espíritos, Allan Kardec adverte (vide Revue Spirite, 1858):

“Este trabalho, como indica o seu título, não é absolutamente uma

doutrina pessoal, mas o resultado dos ensinamentos dos próprios

Espíritos sobre os mistérios do mundo em que estaremos um dia, e sobre

questões que interessam à Humanidade. Eles nos dão, de alguma sorte,

o Código da Vida, traçando-nos o caminho da bem-aventurança. Não

sendo este livro fruto de nossas próprias idéias - pois tínhamos, sobre

muitos pontos importantes, maneiras de ver muito diferentes - nossa

modéstia não ficaria vituperada pelos elogios”.

E, no histórico discurso aos espíritas da cidade de Lyon, onde

nasceu, já lançada a segunda edição do Livro, mas se referindo à

primeira, pondera (vide Revue Spirite, 1860):

“Se no livro tem algum mérito, eu seria presunçoso se me

glorificasse disso, pois a doutrina que ele encerra não é absolutamente

criação minha; toda a honra do benefício que ele tem proporcionado

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

reverte aos Espíritos superiores que o ditaram e que se dignaram de

servir-se de mim. Posso, assim, ouvir elogios sobre ele, sem ficar ferida

a minha modéstia nem exaltar o meu amor-próprio. Se quisesse

prevalecer-me dele, teria certamente reivindicado a elaboração do Livro,

em vez de o atribuir aos Espíritos. E se alguém duvidasse da

superioridade daqueles que cooperaram na sua feitura, bastaria

considerar a influência que vem exercendo em tão pouco tempo, apenas

pelo poder da lógica, sem se recorrer a nenhum meio material próprio a

provocar a curiosidade”.

Na segunda edição, mundialmente conhecida, que se tornou

definitiva, o papel de Allan Kardec é preponderante:

“Preferimos esperar a reimpressão do Livro para fundir tudo

juntamente, e aproveitamos o ensejo para introduzir, na distribuição das

matérias, outra ordem mais metódica, ao mesmo tempo em que

escoimamos tudo quanto importava em duplicidade”.

Afirma, a propósito, o Dr. Canuto Abreu no Preâmbulo da

tradução da primeira edição de O Livro dos Espíritos, lançada no Brasil

em 1857, pela Companhia Editora Ismael, em comemoração ao primeiro

centenário da obra: “O discípulo tornara-se Mestre; nivela-se o aprendiz

com os instrutores. Julga, critica, distingue, seleciona; inspira-o o

Espírito de Verdade: ‘A proteção desse Espírito acrescenta Kardec – cuja

superioridade eu estava tão longe de imaginar; com efeito jamais me

faltou. Sua solicitude e a dos Espíritos sob suas ordens se estenderam a

todas as circunstâncias de minha vida” (Obras Póstumas).

A posição de igualdade entre os Instrutores invisíveis, que

resultava do alto nível moral de Allan Kardec, chegava a ponto de

permitir-se, não raras vezes, controvérsias, críticas, com o objetivo de

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

esclarecer questões em que as respostas dos Espíritos não ofereciam

cabal evidência.

“Deve-se ter em mira - esclarece Kardec - a Verdade! A crítica,

portanto, deve ser prazerosamente aceita pelos Espíritos, quando são

superiores, pois de duas uma: ou estão absolutamente seguros sobre o

ponto em estudo e podem, sem nenhum constrangimento, aprender

conosco. A instrução pode ser recíproca, se os encarnados quiserem

instruir-se com os Espíritos, na medida em que estes concordarem em

instruir-se com os encarnados” (Trecho do discurso de Allan Kardec,

em Bordeaux, no ano de 1863).

O psicólogo e jornalista Jaci Régis, em seu artigo A Tarefa de

Allan Kardec num Mundo em Mudança, inserido no livro Vida e Obra

de Allan Kardec (Edicel), parecendo perfilhar a linha de pensamento do

Dr. Canuto Abreu, afirma: “Alguns espíritas, talvez para reforçar a

natureza extraterrestre da origem do Espiritismo, insistem em diminuir a

tarefa de Kardec, dizendo que ele foi ‘apenas’ o secretário dos Espíritos.

Ainda dentro de uma concepção unilateral da vida, fazem uma dicotomia

inflexível entre os Espíritos e os homens, atribuindo aos segundos a

posição puramente subalterna. A tal ponto vai essa distorção que

esquecem que antes de encarar, o homem pertencia a esse pretenso

Olimpo e para ele voltará após a desencarnação. Kardec desmistificou o

plano espiritual (para desespero dos ocultistas ortodoxos) ao estabelecer

que a comunhão entre homens e Espíritos, através da Mediunidade, está

no rol das faculdades naturais e ao mostrar que, no estádio da nossa

evolução, o plano espiritual é, ainda, um pouso temporário onde

ingressamos paulatinamente, à medida que vencemos os

condicionamentos do processo evolutivo, que nos liga ao círculo das

forças físicas como veículos de manifestação e aprendizado.

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Kardecismo e Espiritismo

A propósito das afirmações de Canuto Abreu e de Jaci Régís,

sobre a efetiva participação de Kardec no contexto da Codíficação do

Espiritismo, julgamos oportuno e interessante auscultarmos a opinião do

Prof. José Herculano Pires. Eis, de forma condensada, o que ele escreveu

no Anuário Espírita, de 1972, editado pelo Instituto de Difusão

Espírita, de Araras, São Paulo.

O que é Kardecísmo? Seria alguma coisa oposta ou pelo menos

diferente do Espiritismo?

Pode-se aceitar a expressão Kardecismo não como substitutiva de

Espiritismo, mas como corolária. Pode-se usar a palavra Kardecismo

como designação, não da Doutrina dos Espíritos, mas da orientação de

Kardec no trato dos problemas espirituais. Assim, Kardecismo exprime

uma atitude, uma posição que é típica de Allan Kardec, jamais adotada

por qualquer outra personalidade para enfrentar os problemas humanos.

A dificuldade em tornar essa diferença popularmente é que se leva a ter

escrúpulo em usar a palavra Kardecismo, particularmente numa fase de

confusões como a que o Movimento Espírita vivencia atualmente.

Os lineamentos do Kardecismo, porém, só se definem no

Espiritismo. As linhas de observação e de pesquisa seguidas por Allan

Kardec o levaram, naturalmente, ao encontro da Doutrina Espírita. Esse

encontro resultou na fusão dos lineamentos do Espiritismo (como

doutrina estabelecida pelos Espíritos e elaborada por Kardec). A posição

de Kardec, foi única, embora tendo os paralelismos já citados, porque

ele não se limitou a um confronto de doutrinas, mas realizou todo um

processo de investigação científica tomando a criatura humana (e não

suas doutrinas) como objetivo essencial.

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As linhas metodológicas de Kardec se fundiram com as linhas

doutrinárias do Espiritismo: O Kardecismo é o instrumento de

descoberta do Espiritismo. A Ciência Espírita surgiu do trabalho de

Kardec e revelou o mundo espiritual. Mas o processo de revelação é de

dupla natureza: espiritual (ou divino) quando os Espíritos superiores

ensinam; humana (ou terrena) quando são os homens que descobrem e

revelam princípios correspondentes a leis naturais. Exemplos: os

Espíritos informam a Kardec que existe a reencarnação (revelação

divina), mas Kardec pesquisa e prova a reencarnação através da

mediunidade e do animismo (revelação humana); os Espíritos ensinam

que as comunicações mediúnicas também se verificam entre vivos, não

só entre mortos e vivos, e Kardec comprova essa verdade através das

pesquisas. Parece que não é difícil compreendermos agora as relações

entre Kardecismo e Espiritismo. E, também as distinções.

A Revue Spirite

Um ano após a publicação de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec

chegou a conclusão de que seria necessário editar uma revista mensal e

fundar uma Sociedade de pesquisas Espíritas. Assim, o ano de 1858

ficou assinalado, na história do Espiritismo, como marco de lançamento

da Revue Spirite e a fundação da Sociedade Parisiense de Estudos

espíritas – (SPEE).

O primeiro número da Revue saiu a 1° de janeiro de 1858. Essa

revista iniciaria, em terras francesas, preliminarmente, e depois em

vários países da Europa, a difusão sistemática da nova Doutrina dos

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Espíritos. E a sua história é contada por Allan Kardec em Obras

póstumas11.

Em princípio, ao lhe acudir a idéia de fundação de uma revista, o

que seria, certamente, um meio notável de penetração dos postulados

espíritas na sociedade, levou-a ao conhecimento dos Espíritos tutelares

da Codificação. E o encontro se verificou na residência do casal Dufaux,

em Paris, quando Allan Kardec expõe, ao Espírito que se manifestou pela

Sra. Dufaux, os seus planos, solicitando orientação. O comunicante

ponderou que a idéia era boa, mas seria preciso deixá-la amadurecer

mais. Kardec, porém, insiste, argumentando que outros poderiam

antecipar-se, no que o Espírito retrucou, simplesmente: “Adiantate!”

Mas o Codificador, apesar de seu desejo imediato de lançar a

revista, faltava-lhe tempo, bem como recursos financeiros, para a

concretização do importante empreendimento. Nesse instante, o

Espírito, sentindo a grandiosidade do objetivo, passou a o incentivar,

animando-o a seguir em frente. E assim procedeu Allan Kardec,

redigindo, ele próprio, o primeiro número, sem prevenir a ninguém,

lançando-a a 1° de janeiro de 1858.

Não possuía a revista, um só assinante. “Editei-a – informa Kardec

- exclusivamente por minha conta e não tive do que me arrepender,

porque o êxito excedeu a minha expectativa”. (Obras Póstumas).

Tornou-se, a revista, um dos mais significativos instrumentos de

difusão do Espiritismo, coadjuvando a tarefa dos espíritas franceses;

11 Obras Póstumas apresenta vários trabalhos de Allan Kardec que nunca haviam aparecido em livro. Este livro, em verdade, representa o testamento doutrinário do Codificador do Espiritismo. Foi publicado vinte e dois anos após o lançamento de A Gênese por iniciativa de sua viúva.

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tendo à frente o Mestre de Lyon, no trabalho incansável de socializar os

nobres ordenamentos do Espiritismo.

Em pouco tempo, a Revue Spirite impunha-se vitoriosa, no âmbito

do Movimento Espírita da França e nos demais países em que passou a

circular.

Dava o Codificador, assim, mais uma prova inequívoca do amor à

causa do Mestre Jesus, lutando, com suas próprias forças e parcos

recursos, para a consolidação do ideário espiritista, embora com

inauditos sacrifícios. Mas, os bons e esclarecidos Espíritos, sob a égide

do Paracleto, sempre estavam a seu lado, infundindo-lhe confiança e,

sobretudo, a certeza de que a missão em que estava empenhado lhe fôra

atribuída por desígnio superior. E Allan Kardec, com a humildade que

caracteriza os Espíritos de escol, jamais prescindiu do auxílio do Alto.

Estas são as suas palavras comoventes, dirigidas ao Senhor:

“Senhor, se vos dignastes a lançar os olhos sobre mim, para

satisfazer os vossos desígnios, seja feita a vossa vontade. A minha vida

está em vossas mãos, disponde do vosso servo”.

O termo Parakleto é vulgarmente transliterado para Paráclito ou,

ainda, Parácleito, ou é traduzido como consolador, advogado,

defensor. Etimologicamente, o vocábulo é formado de Para (ao lado de,

junto de) e de Klêtos (chamar), Parákleto é aquele que é chamado para

junto de alguém: o evocado. Esse evocado é o Espírito de Verdade.

O termo Parácleito é encontrado nos escritos joaninos, XIV: 15 a

17 e 26. “Se me amais, guardais os meus mandamentos. E eu rogarei ao

Pai, e Ele vos mandará outro Consolador, para que fique eternamente

convosco, o Espírito de Verdade, a quem o mundo não pode receber,

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porque não o vê nem o conhece. Mas vós o conhecereis, porque ele ficará

convosco e estará em vós. Mas, o Consolador, a quem o Pai enviará em

meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que

vos tenho dito”.

O Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador Prometido:

o conhecimento das coisas.

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Até o dia 1° de abril de 1858, as reuniões espíritas se realizavam

na residência de Allan Kardec, na rua dos Mártires. A jovem Ermance

Dufaux era a principal médium. “Ora, o salão de Allan Kardec - informa

André Moreil - não comportava mais de 15 pessoas. Os adeptos

organizaram-se, então, em sociedade, e procuraram novo local. Mas era

necessária a autorização das autoridades policiais. O Senhor Dufaux,

amigo do prefeito, encarregou-se de obtê-la. Dufaux conseguiu, em

menos de 15 dias, a autorização”.

A Sociedade, que se expandia dia a dia, reunia-se todas as terças-

feiras num local da Galeria de Valois, no Palais Royal. Uma ano

depois, a 1° de abril de 1859, a SPEE mudou-se para a Galeria

Montpensier, num salão do restaurante Douix, transferindo as reuniões

das terças-feiras para as sextas-feiras. Foi somente em 1860 que a SPEE

se instalou na passage Saint’Anne, nº. 59. Após a instalação da SPEE,

Allan Kardec lança-se ao trabalho. No encerramento do ano social –

1858/1859 - da Sociedade, cujo boletim foi publicado na Revue Spirite,

o Codificador relembra as condições que determinaram que a instituição

procurasse uma sede apropriada. Agradece aos companheiros de ideal

por tê-lo encarregado de dar aos trabalhos da SPEE uma direção

metódica e uniforme. Indica, mesmo, a duração que terão seus trabalhos:

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10 anos. Isto constitui exatíssima premonição, porquanto Allan Kardec,

terminando sua obra, desencarnou 10 anos mais tarde.

Como se Realizavam as Reuniões na SPEE

O objetivo da Sociedade não consistia, apenas em desenvolver a

pesquisa em torno dos princípios da Ciência Espírita; ia muito mais

longe: estudava as suas naturais conseqüências.

Quanto às evocações, a sua técnica revestia-se de aspecto um tanto

inédito. A sala mantinha-se no escuro a fim de que a aura dos presentes

fosse bem vista (hoje, a Ciência Biofísica pôde fotografar o rastro

esbranquiçado, deixado pelo corpo humano em noite escura, e que se

explica pelas ondas de energia calorífica do corpo, precisamente pelas

emanações infravermelhas). A Assembléia se colocava em atitude de

recolhimento, murmurava uma prece a Deus para que Ele permitisse a

vinda do Espírito evocado. Todos os assistentes seguravam-se pelas

mãos, lembrando a cadeia da união de certas lojas maçônicas. Entoavam-

se cânticos. Era tudo Ciência e Música (é de lembrar-se o profundo amor

de Allan Kardec pela Música), exaltação de alma, pureza moral e

espiritual.

Após essas preliminares, é que a sessão se iniciava12. E

perguntamos: haveria fenômenos de efeitos físicos nessas reuniões?

12 Ignorando, provavelmente, que a música fazia parte integrante das sessões da SPEE, à época de Kardec, um grupo de ilustres espíritas brasileiros participaram, no Rio de Janeiro, em 1944 (em plena Segunda Guerra Mundial) de um Inquérito sobre se teria cabimento ou não a Música nos atos espíritas. As opiniões foram divergentes. Desse histórico Inquérito, tomaram parte: Deofindo Amorim, Leopoldo Machado, Carlos Imbassahy, Arnaldo S. Thiago, Randolpho Penas Ribas e outros. O Inquérito foi publicado pelo jornal Vanguarda, do Rio de Janeiro, para integrar o terceiro volume das edições Lar de Jesus, de Nova Iguaçu-RJ.

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As críticas não faltaram a esse tipo inovador de comunicação com

os mortos. Allan Kardec e os integrantes da SPEE passaram a ser alvo

de ataques e chacotas. O Codificador tomara por norma de conduta não

responder a essas provocações. Entretanto, quando o adversário portava-

se com lisura e boa fé, ele respondia com o seu proverbial equilíbrio e

bom senso: “Apesar do ridículo que lançais sobre um assunto muito mais

sério do que pensais - disse ele a um certo Oscar Commettant, que tinha

escrito no jornal Siécle contra o Espiritismo - tenho o prazer de

reconhecer que, embora-atacando princípios, salvaguardais as

conveniências pela urbanidade das formas”.

Observa-se que Allan Kardec era sensível à urbanidade das

formas, isto é, à educação. Mas, também, sabia ser irônico: “Para certas

pessoas, é lamentável que não se possa pôr os Espíritos em garrafão para

observá-los à vontade”.

Recebia, por outro lado, na SPEE, mensagens de várias partes do

mundo, incentivando-o a prosseguir na abençoada tarefa de divulgar, por

todos os meios lícitos, a Doutrina dos Espíritos.

Um correspondente de Lima (Peru), por exemplo, assim lhe

escreveu:

“Estimadíssimo Senhor Allan Kardec,

Vosso O Livro dos Espíritos acompanha-me em minha solidão,

etc... Foi assim que pude traduzir algumas passagens do livro aos

selvagens descendentes dos incas.

A idéia de reviver sobre a Terra parece-lhes muito natural e um

deles me declarou um dia:

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- Será que, depois de mortos poderemos renascer entre os brancos?

- Certamente, respondi.

- Então, talvez sejas um dos nossos parentes?

- É possível.

- É talvez por isso que és bom e que te amamos?

- Também é possível.

- Então, quando nos defrontarmos com um branco não devemos

lhe fazer mal, porque, talvez, seja um dos nossos irmãos?”

O missivísta assim termina sua carta: “Com certeza admirareis,

como eu, esta conclusão, partida da boca de um selvagem e o sentimento

de fraternidade que surgiu nele, ao assimilar a ética transcendental da

reencarnação”.

Os casos que sucederam na Sociedade de Estudos Espíritas de

Paris são realmente notáveis. E tudo vem contado, em estilo cativante e

objetivo, na Revue Spirite. O trabalho de Allan Kardec na SPEE,

juntamente com seus companheiros de ideal, é um luminoso capítulo à

parte no processo de consolidação do Espiritismo neste sofrido plano de

provas e expiações, a que chamamos, simplesmente, Terra.

Glossário

Bem-aventurança – Felicidade completa.

Vituperada – Insulto, ofensa, injúria.

Escoimamos – Livrar de impurezas e defeitos.

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Preâmbulo – Início.

Controvérsias – Polêmica, divergência de opiniões.

Dicotomia – Divisão em dois.

Corolária – Proposição que se deduz imediatamente de outra já

conhecida. Consequência necessária e evidente.

Lineamentos – traço, produção de uma linha, primeiros contornos,

esboço.

Animismo – Estado em que opera o espírito do médium.

Postulados - Princípios cuja admissão é necessária para

estabelecer uma demonstração.

Olimpo – Maciço montanhoso da Grécia. Os gregos antigos nele

localizavam a morada dos deuses.

10ª Aula - O Livro dos Médiuns

O Livro dos Médiuns

O Livro dos Médiuns foi precedido de um pequeno trabalho

elaborado por Allan Kardec, sob o título Instruções Práticas Sobre as

Manifestações Espíritas, contendo “explicação completa das condições

necessárias para a comunicação com os Espíritos e os meios de

desenvolvimento da faculdade mediúnica”.

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Esta obra é, por ordem cronológica, a segunda da Codificação

Espírita, publicada em 1858, ano de fundação da Sociedade Parisiense

de Estudos Espíritas - SPEE - e da Revista Espírita.

Em agosto de 1860, Allan Kardec, através da Revista Espírita,

fazia seus eleitores saberem: “Esta obra Instruções Práticas Sobre as

Manifestações Espíritas está inteiramente esgotada e não será

reimpressa13. Substitui-la-á novo trabalho, ora no prelo, e que será muito

mais completo e diversamente planificado.

Esse novo trabalho era O Livro dos Médiuns, lançado em Paris

no dia 15 de janeiro de 1861, apresentado por Allan Kardec como a

continuação de O Livro dos Espíritos. É o livro básico da Ciência

Espírita, um tratado de mediunidade indispensável a todos que se

interessam pela boa realização de trabalhos mediúnicos e pelo

desenvolvimento das pesquisas espíritas.

A tese fundamental de O Livro dos Médiuns é a existência do

perispírito, elemento de ligação entre o Espírito e o corpo físico14.

Essa ligação, de natureza vibratória, é o princípio da mediunidade.

Deve-se deduzir que a mediunidade é uma condição natural do Homem,

uma faculdade da espécie humana, que se revela em dois campos

paralelos de fenômenos: os anímicos, decorrentes das atividades do

13 Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas foi reeditada em 1925, por iniciativa do mecenas Jean Meyer, um dos maiores incentivadores no campo da divulgação das idéias espíritas. A obra foi traduzida para o português por Caibar Schutel, levando em conta a sua importância doutrinária e, sobretudo histórica. 14 À luz da Filosofia Espírita o Homem é uma entidade ternária. Está constituído de Espírito, perispirito e corpo. O perispirito é o instru mento de natureza dialética, pois é por ele que o Ser desenvolve as propriedades latentes. Portanto, sendo constituído ternariamente, o Homem parece responder aos três tempos dialéticos, embora seja no perispírito que, por ação evolutiva, se fixam todos os graus alcançados pelo Espírito.

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nosso próprio Espírito, e os mediúnicos motivados pelas relações

naturais entre os Espíritos encarnados e desencarnados. A despeito de a

faculdade mediúnica ser tão antiga no mundo, porquanto surgiu com o

primeiro homem que pisou sobre a Terra, ela só veio a ser estudada,

racionalmente, pelos homens de ciência, com o advento da Doutrina

espírita. As pesquisas metapsíquicas, e mais tarde as parapsicológicas,

embora impulsionadas por objetivos outros, nada mais fizeram, ao final

que referendar os princípios estabelecidos em O Livro dos Médiuns.

A verdade é que a matéria prima da Metapsíquica é a

fenomenologia espírita. Os fenômenos são os mesmos: a nomenclatura

é que é diferente. Os metapsiquistas, tendo à frente o Dr. Charles Richet,

tentam explicá-los pelo animismo; todavia, alguns dos metapsiquistas

lealmente confessaram que, muitas vezes, só a hipótese espírita os pode

explicar. A Metapsíquica e a Parapsicologia, na realidade, representam

esforços científicos para a explicação dos fenômenos provocados pelo

Espírito, encarnado ou desencarnado. Não importa, que a Parapsicologia

rejeite o Espiritismo e, até mesmo, o despreze. O que importa realmente,

é que ela prossiga nas suas investigações, pois estas, cedo ou tarde, a

levarão ao conhecimento da realidade espiritual. Afinal de contas, tanto

o Espiritismo como a Parapsicologia, a despeito de se encontrarem em

campos opostos, visam, em última instância, à descoberta da verdade

sobre a natureza humana.

Apesar de escrito há mais de um século, O Livro dos Médiuns é

atual. Isto quer dizer que as teorias explicativas dos fenômenos,

formuladas por Allan Kardec, com a inestimável contribuição dos

Espíritos, permanecem irretorquíveis.

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Allan Kardec criou um Método Específico para investigar os Fenômenos

Allan Kardec criou um método específico para investigação dos

fenômenos espíritas, apoiando-se, em princípio, na premissa básica de

que não há efeito sem causa e de que um efeito inteligente é

necessariamente determinado por uma causa inteligente. Verificou, de

pronto, que os fenômenos mediúnicos apresentavam características

próprias que escapam ao controle humano, transcendendo as dimensões

físicas, sem contudo deixarem de ser naturais. Reconheceu que o agente

inteligente se identificava como sendo o Espírito de homens e de

mulheres que tinham vivido na Terra, em alguma época, próxima ou

remota, assumindo esta ou aquela personalidade, podendo manifestar-se,

no plano corpóreo, por intermédio de um sensitivo ou médium que

fornece os recursos energéticos e indispensáveis às manifestações.

Dos resultados de suas observações conclui que: (...) “os Espíritos,

não sendo senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana

sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber era limitado ao grau

de seu adiantamento, e que a opinião deles não tinha senão o valor de

uma opinião.”

Esse racional e lúcido procedimento possibilitou a Allan Kardec

evitar o grave escolho de crer na infalibilidade dos espíritos,

preservando-o de formular teorias prematuras sobre a opinião de um só

ou de alguns. Outro ponto não menos importante era o de conhecer o

estado do Mundo dos Espíritos. Cedo, observou cada Espírito, em razão

de sua posição pessoal e de seus conhecimentos. O processo se

possibilitou desvendar aspectos importantes do mundo espiritual,

exatamente como se chega a conhecer o estado de um país, interrogando

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os integrantes de todas as classes sociais, podendo cada qual ensinar

alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar tudo.

Allan Kardec, prosseguindo em suas investigações, baseou-se,

também, no princípio da concordância observada nas informações e

ensinamentos dados pelos Espíritos comunicantes, servindo-se de

grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares.

Sustentado nesta constatação, proclamou que a força do Espiritismo

repousa na universalidade dos ensinos dos Espíritos.

Ainda que as manifestações dos Espíritos, provocadas ou

espontâneas, não dependessem da vontade humana, Allan Kardec

preocupou-se em exercer o controle através de uma rigorosa análise

comparativa das mensagens recebidas submetendo-as ao crivo da razão,

do bom-senso e da lógica, apoiando-se no conhecimento científico

existente, não as aceitando como ensinamentos definitivos mas, sim,

passíveis de novas definições ao longo da história humana.

A posição de Allan Kardec era transparente e positiva. O

Espiritismo nascia como ciência, dentro dos quadros da evolução

científica, e, ao mesmo tempo, assumia uma posição epistemológica

realista, criticando os desvios individualistas à realidade objetiva.

Em suma: Allan Kardec estruturou a Ciência do Espírito e instituiu

a pesquisa mediúnica, porque “a mediunidade é a janela aberta no

paredão dos fenômenos materiais para mostrar uma nesga do infinito aos

homens imantados no finito”.

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Auto-de-fé de Barcelona

Às 10 horas e 30 minutos do dia 09 de outubro de 1861, sobre a

colina da Cidade de Barcelona, na Espanha, foram queimados 300

volumes, em brochura, sobre o Espiritismo, por ordem do Bispo Dom

Antônio Palaú y Thermens.

Tudo começou quando Allan Kardec, atendendo ao pedido do Sr.

Maurício Lachâtre, escritor e editor estabelecido em Barcelona, remeteu-

lhe exemplares de O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns,

coleções da Revista Espírita, totalizando 300 volumes. A expedição

fôra feita através do correspondente do Sr. Maurício Lachâtre em Paris,

e sem a menor infração dos regulamentos, segundo declaração do

próprio Codificador.

Chegados os livros em Barcelona, foram cobrados do destinatário

os direitos de importação. Antes, porém, de serem liberados, deveriam

ser deferidos pelo citado bispo que, na Espanha, detinha o poder de

fiscalização de livros. Considerados atentatórios aos dogmas da Igreja

Católica, foram apreendidos e condenados à cremação em praça pública

pelo carrasco.

A execução da sentença foi marcada para o dia 09 de outubro de

1861.

Foram inúteis as reclamações feitas ao cônsul em Barcelona,

pleiteava-se a reexpedição dos volumes para a França, atendendo assim,

às normas então em vigor, aplicáveis a casos semelhantes. O Sr. Lachâtre

consultou Allan Kardec quanto à possibilidade de apelar-se para a

instância superior, visando à revogação da sentença. O Codificador,

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embora entendesse conveniente deixar a causa à revelia, julgou acertado

consultar o seu guia espiritual:

P. - (Ao Espírito Verdade) Sem Dúvida não ignorais o que se

passou em Barcelona com relação às obras espíritas; tereis a bondade de

dizer-me se convém tentar o processo de restituição?

R. - Tens o direito de reclamar a devolução das obras e certamente

as terás de volta desde que faças a reclamação por intermédio do

Ministério das Relações Exteriores da França; a minha opinião, porém,

é que maior bem resultará do autode-fé, que da leitura de alguns

volumes. A perda material será grandemente compensada pela

repercussão que terá o ato da queima dos livros - o que ocorrerá para a

propagação da Doutrina. Compreendes quanto uma perseguição tão

ridícula e tão retrógrada pode fazer progredir o Espiritismo na Espanha.

As idéias espalhar-se-ão com tanto mais rapidez, as obras serão

procuradas com tanto maior avidez, quanto maior for o escândalo da

condenação.

De fato. Após o auto-de-fé, a Doutrina Espírita difundiu-se, não

só na Espanha, mas em toda a Europa. Todos queriam saber o que havia

naqueles livros para justificar a sua incineração, em público, pelos já

decadentes senhores da morimbunda Inquisição espanhola, de tristíssima

memória.

Todavia, o auto de fé de Barcelona não aconteceu por acaso ou

mesmo pelo arbítrio do clero espanhol, temeroso de ver propagar-se uma

Doutrina que redivivia o Cristianismo. Ele foi arquitetado pelas altas

esferas espirituais, utilizando-se da natural aversão que os padres

votavam ao Espiritismo. Comprovam-no as diversas comunicações

obtidas espontaneamente na Sociedade Espírita de Paris. Eis um trecho

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de uma dessas mensagens, ditada em 19 de outubro de 1861, por um

Espírito que não se identificou: “Era preciso que alguma coisa abalasse

violentamente certos Espíritos encarnados para que se decidissem a

ocupar desta grande Doutrina que há de regenerar o mundo.

“Nada se perde na Terra e por isso nós, que inspiramos o auto-de-

fé de Barcelona, sabíamos que por aquele meio obrigaríamos a dar um

grande passo adiante...”

E concluiu: “Eis porque hoje, e por vontade nossa, a retaguarda da

Inquisição fez o seu último auto-de-fé”.

Em 09 de julho de 1862, nove meses depois do auto-de-fé,

desencarnava Dom Antônio Palaú y Thermens. Dias depois,

manifestava-se a um dos médiuns da Sociedade Parisiense de Estudos

Espíritas. Ao final de sua mensagem impregnada de arrependimento,

rogou: “Orai por mim; orai porque é agradável a Deus a oração que a Ele

dirige o perseguido a bem do perseguidor... O que foi bispo e que agora

mais não é do que um penitente”.

Na colina em que se perpetrou o auto-de-fé, construiu-se um belo

jardim, cobrindo de flores o chão onde incineraram as obras espíritas.

Em 1888, a cidade de Barcelona era sede do Primeiro Congresso Espírita

Internacional.

Viagem Espírita de 1862

No ano de 1862, Allan Kardec empreende viagem de difusão da

Doutrina Espírita por cidades francesas e aos espíritas de Lyon e

Bordeaux, a maioria constituída de operários. Profere magníficos

discursos sobre os fundamentais problemas da sociedade de sua época.

É um verdadeiro tratado de Sociologia com profundas conotações morais

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e espirituais. Em certo trecho de uma das suas oratórias, Allan Kardec

fala da problemática interação Homem/Sociedade, com seus conflitos e

aspirações: “(...) as ciências, as artes, as indústrias atingiram um alcance

até hoje desconhecido. Se a satisfação que delas se tira satisfaz a vida

material, deixa um vazio na alma: ele aspira a qualquer coisa superior;

sonha com melhores instituições, deseja a vida, a felicidade, a justiça

para todos...”

Expõe, assim, de maneira sucinta, os preceitos básicos sobre os

quais deveria assentar-se a organização social, mas que ainda não

houvera conseguido o Homem daquele tempo e, sejamos realistas, do

nosso tempo também, estabelecer o seu primado. Mas, o Codificador

adverte: “(...) como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e,

sobretudo, com o egoísmo imperante?”.

De fato. O egoísmo parece ser a pedra de toque das dissensões

humanas, não apenas em termos das relações interpessoais, mas,

notadamente, no plano da coexistência internacional. As desarmonias

sociais do “século das luzes” são ainda uma constante no nosso século,

tendo por base o egoísmo, em sua marcha deletéria no tempo e no

espaço, que estiola as consciências e embrutece os corações.

Prosseguindo em sua inspirada alocução, refere-se Allan Kardec

aos que “tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes,

supuseram encontrar o remédio para o mal em certas doutrinas sociais”.

Reporta-se de uma maneira muito simples, sem se utilizar de uma

fraseologia tecnicista, mas, sobretudo, acessível às concepções

socialistas então em voga, que floresceram na Inglaterra, com Robert

Owen, e que se estenderiam à França e a alguns países da Europa

Ocidental, com uma intensidade que provocou espanto e temor,

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principalmente nas classes dominantes. Esses sistemas preconizavam,

entre outras revolucionárias medidas, “a comunidade de bens para que

todos tenham a sua parte”.

Argumenta Allan Kardec que: “Tudo isso é muito sedutor para

aquele que, não tendo nada, vê, antecipadamente, a bolsa do rico passar

ao fundo comunal, sem cogitar que a totalidade das riquezas postas em

comum, criaria uma miséria geral ao invés de uma miséria parcial; que

a igualdade estabelecida hoje, seria rompida amanhã pela mobilidade da

população e a diferença entre aptidões; que a igualdade permanente de

bens supõe a igualdade de capacidade e de trabalho”.

Naturalmente, os propugnadores da teoria visavam, tão somente,

como esclarece Allan Kardec: “(...) a organização da vida material e de

uma maneira proveitosa a todos”.

Contudo conclui: “(...) a comunidade é a abnegação mais completa

da personalidade. Ela requer o devotamento mais absolutamente... Ora,

o móvel da abnegação e do devotamento é a Caridade, isto é o amor ao

próximo”.

E finaliza: “Entretanto, é preciso reconhecer que a base da

caridade é a crença; que a falta de crença conduz ao materialismo, e o

materialismo ao egoísmo”.

As ponderações kardecianas vêm ao encontro das críticas

formuladas por Karl Marx aos socialistas cujos planos de reformular as

condições materiais das sociedades foram por ele considerados utópicos.

De acordo com a história, os sistemas sociais não se podem modificar à

vontade. E argúi o autor de O Capital: “Os sistemas sociais não são mais

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que um reflexo dos seus substratos econômicos, e por isso não se podem

mudar, a menos que se opere uma mudança nesses substratos”.

Em suma, a interpretação econômica de Marx sugere que um

sistema de sociedade mais perfeito só pode desalojar um sistema

defeituoso a seu tempo próprio, quando se estabelecem certas condições

e a sociedade alcança certo grau de desenvolvimento econômico.

Justamente neste ponto é que ambos os grandes pensadores divergem.

Para Allan Kardec, a estabilidade social repousaria nas virtudes

morais, no mais supremo grau tendo como ponto de partida o elemento

espiritual. E arremata: “Sem Caridade não há instituição humana estável.

E não pode haver Caridade nem Fraternidade, na verdadeira acepção do

termo, sem a Crença”.

A igualdade tão sonhada pelos homens, desde a comunidade

apostólica da Casa do Caminho (vide Atos dos Apóstolos), e até muito

antes, sempre teve em vista o bem-estar material, olvidando-se por

ignorância ou por preconceito, os anseios naturais de progresso

espiritual, neste plano e, acima de tudo, nas esferas imponderáveis.

Entretanto, e por paradoxal que possa parecer, as desigualdades sociais

possibilitam ao Homem adquirir a postura moral e intelectual de que

carece no processo de ascensão espiritual em que se acha,

determinísticamente, engajado.

Glossário

Mecenas - Por alusão a Mecenas, conselheiro de Augusto

(Imperador Romano), diz-se daquele que protege os escritores, artistas e

os sábios.

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Dialética - Arte de argumentar em que se procura a verdade por

meio de oposição e conciliação de contradições.

Premissa - Ponto de que se parte para armar um raciocínio.

Sensitivo - Pessoa com aptidões paranormais, se emprega,

normalmente como sinônimo de médium.

Escolho - Obstáculo.

Crivo da razão - Fazer passar por crivo, isto é, peneirar, joeirar.

Epistemológica - Estudo do grau de certeza do conhecimento

científico em seus diversos ramos, especialmente para apreciar seu valor

para o espírito humano.

Brochura - Livro não encadernado.

Retrógrada - Contrário ao progresso, ultrapassado, obscurantista.

Moribunda - Que está a morrer.

Perpetuou - Realizar, cometer.

Interação - Influência recíproca.

Dissensões - Divergências.

Pedra de toque - Fundamento.

Móvel - Causa, motivo.

Auto-de-fé - Cerimônia promovida pela inquisição destinada ao

suplício de pessoas e queima de publicações contrárias ao Catolicismo.

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Dogmas - Ponto fundamental de uma doutrina religiosa ou

filosófica apresentado como certo e indiscutível.

Metapsíquica - Vocábulo criado por Charles Richet, que tem por

“objetivo os fenômenos mecânicos ou psicológicos devido a forças que

parecem ser inteligentes, ou a poderes desconhecidos latentes na

inteligência humana” (Traite de Métapsychique, edição de 1922).

11º AULA - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

O Evangelho Segundo o Espiritismo

O livro terceiro da Codificação Espírita foi lançado, em Paris, em

abril de 1864, por iniciativa de Allan Kardec, com o seguinte título:

Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Este título foi depois

modificado, e é hoje O Evangelho Segundo o Espiritismo15, com a

explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o

Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida.

Ao longo de sua preparação, os Espíritos reveladores

prognosticaram a Kardec, na noite de 09 de agosto de 1863:

“Esse livro de Doutrina terá considerável influência, pois que

explana questões capitais, e não só o mundo religioso encontrará nele as

15 No momento em que Allan Kardec dava a lume a primeira edição de O Evangelho Segundo o Espiritismo, a Sagrada Congregação do Index (uma organização prosaica) incluía no seu catálogo as obras de Allan Kardec sobre o Espiritismo. Causou estranheza, no ambiente espírita, o não ter sim tomada essa decisão (ridícula) mais cedo, mas logo compreenderam que a obra terceira da Codificação (que desmistificava os milagres) serviu de espora à iniciativa da Igreja Católica. Resultado: as obras espíritas passaram a ser procuradas avidamente pelo público. Muitas livrarias em Paris puseram-nas em maior evidência na suas vitrines.

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máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das

nações haurirá dele instruções excelentes” .

Mais tarde a 14 de setembro de 1863, Kardec recebeu uma

comunicação em que seu guia declarava:

“Com esta obra, o edifício começa a libertar-se dos andaimes e já

podemos ver-lhe a cúpula a desenhar-se no horizonte. Continue, pois,

sem impaciência ou fadiga, que o monumento estará pronto na hora

determinada”.

O prefácio à obra é de autoria do Espírito Verdade, que assim se

expressa:

“Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um

exército imenso que se movimenta ao receber a ordem de comando,

espalham-se por toda a face da Terra. Semelhantes às estrelas cadentes,

vêm iluminar o caminho e abrir os olhos cegos.

“Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que

todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido para

dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.

“As grandes vozes do céu ressoam como o toque da trombeta e os

coros dos anjos se reúnem. Homens, nós vos convidamos para o divino

concerto; que vossas mãos tomem a lira, que nossas vozes se unam, e,

num hino sagrado, se estendam e vibrem de um extremo do Universo ao

outro.

“Homens, irmãos amados, estamos juntos de vós. Amais também

uns aos outros e dizei, do fundo de vosso coração, fazendo a vontade do

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Pai que está no céu: ‘Senhor! Senhor!’ E podereis entrar no reino dos

Céus”.

O Espírito Verdade

O livro suscitou expressiva repercussão entre os adeptos e

simptizantes do Espiritismo, alcançando, de imediato, sucessivas

edições em francês, sendo traduzido para várias línguas. No Brasil, a

obra foi traduzida pelo Dr. Joaquim Carlos Travassos, médico e homem

público, sendo lançada em 1876, pela livraria B. L. Garnier, do Rio de

Janeiro.

Daí em diante, o Espiritismo, no seu aspecto religioso, se expandiu

extraordinariamente ensejando a fundação de inúmeras instituições

voltadas para a assistência social, inspiradas na máxima: Fora da

Caridade não há Salvação16.

Guillon Ribeiro escreveu, a propósito:

“(...) Se legítimo é no Espiritismo o caráter científico, dado que

suas teorias se arrimam em vasta fenomenologia, cuja realidade e sentido

se comprovam pela observação e pela experimentação científica,

essencial, fundamental e mais proeminente é o seu caráter religioso,

porquanto confirmando, desenvolvendo e clareando os ensinos do

Cristianismo, mediante aquela fenomenologia e as revelações

decorrentes dela, entre os seus objetivos capitais se encontra, resumindo-

os, o de restituir ao termo ‘religião’ o significado exato, o da dupla

16 A realidade brasileira sempre se ofereceu propícia à caridade material, ao mostrar o quadro de miséria e fome de grande parte da população. Os espíritas, inspirados na máxima ‘Fora da Caridade não há Salvação’, iniciaram um trabalho, no Brasil, desde os primórdíos da Doutrina, voltado, com inusitada ênfase, para o assistencialismo, descuidando-se da divulgação dos princípios espiritistas.

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ligação que o amor à Deus e ao próximo, síntese da Religião, estabelece

entre a criatura e o criador” (In: Religião, de Carlos Imbassahy).

Deve-se observar que Allan Kardec não examina todos os

versículos dos Evangelhos. Ele realiza um trabalho seletivo, pondo à

margem os componentes históricos e lendários que se prestam a uma

gama de desencontradas e sectárias interpretações. Assim, dividiu as

matérias extraídas dos Evangelhos em cinco partes:

1) Os atos comuns da vida do Cristo;

2) Os milagres;

3) As profecias;

4) As palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas

da Igreja Católica;

5) O ensino moral.

Quanto à Quinta parte, O Ensino Moral, eis o pensamento de

Allan Kardec:

“Todo mundo admira a moral evangélica; todos proclamam a sua

sublimidade e a sua necessidade; mas muitos o fazem confiando naquilo

que ouviram ou apoiados em algumas máximas que se tomaram

proverbiais, pois poucos a conhecem a fundo e são menos ainda os que

a compreendem e sabem tirar-lhes as conseqüências. A razão disso está,

em grande parte, nas dificuldades apresentadas pela leitura dos

Evangelhos, ininteligíveis para a maioria. A forma alegórica e o

misticismo intencional da linguagem levam a maioria a lê-los por

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descargo de consciência e por obrigação, como lêem as preces sem as

compreender, o que vale dizer sem proveito.

“Para evitar esses inconvenientes reunimos nesta obra os trechos

que podem constituir, propriamente falando, um código de moral

universal, sem distinção de cultos”.

Allan Kardec ainda afirma que: “O Evangelho Segundo o

Espiritismo é para uso de todos; cada qual pode nela encontrar os meios

de conformar sua conduta à moral do Cristo”.

Glossário

Prognosticaram - Predizer, prenunciar.

Máximas - Princípio geralmente admitido em qualquer arte ou

ciência, afirmação geralmente feita em forma de conceito.

Desmistificavam - Desfazer uma mistificação, denunciar um erro.

Fenomenologia - Tratado sobre os fenômenos.

Versículos - Divisão de artigos ou parágrafos.

Sectárias - Que pertence a uma seita. Ao sectarismo sempre se

opôs o espírito de tolerância.

Proverbiais - Que diz respeito a provérbio / notório, conhecido.

Alegórica - Expressão de uma ideia através; de uma imagem.

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12º Aula - O Céu e o Inferno

O Céu e o Inferno

A Revue Spirite de setembro de 1865 publicava em sua seção

bibliográfica, a notícia do lançamento do quarto livro da Codificação

Espírita: O Céu e o Inferno. Dois capítulos foram publicados

antecipadamente na Revue Spiríte de janeiro de 1865 - o capítulo sob o

título A Apreensão da Morte e o sob o título Onde é o Céu, no número

de março do mesmo ano. No mês de setembro, a obra é posta à venda,

inserindo-a na Revue um resumo de seu prefácio.

Afirma-se que estava dado o golpe de misericórdia nos dogmas

fundamentais da teologia católica. Em O Céu e o Inferno, Allan Kardec

reafirma o caráter científico do Espiritismo. As concepções

antiquíssimas de céu e inferno, pregadas, insensatamente, pela teologia

dogmática, assumiram, na obra kardequiana, uma dimensão jamais

cogitada. Ali estava a explicação racional do após a morte oferecida com

naturalidade pelos Espíritos.

À proporção em que os livros kardequianos iam sendo lançados,

os mitos religiosos, baseados em idéias absurdas e fantasiosas, iam por

“água abaixo”. Daí, a monumental reação ao Espiritismo e ao

Codificador. Sentiam, os corifeus da teologia dogmática (que então

imperava na Europa), que o edifício que construíram, através dos

séculos, à revelia dos ensinamentos luminosos dos Evangelhos, iria

fragorosamente por terra, caso não adotassem imediatas providências.

Iniciou-se, então, um processo de desgaste à Doutrina e à Kardec,

levantando-se contra os dois tremendas e infundadas acusações. Os

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púlpitos, além dos órgãos de imprensa tendenciosos, eram os tribunos de

que se valiam os “representantes de Deus na Terra” para atacar, sem

escrúpulos, o magnífico trabalho dos “mortos”, que retornavam, com

inusitada lucidez, para dizer que continuavam vivos, depois da morte,

preservando, incólumes, seus caracteres morais e intelectuais.

No capítulo I, de O Céu e o Inferno - O futuro e o Nada, Kardec

propõe:

“Nós vivemos, nós pensamos, nós agimos - eis o que é positivo. E

nós morremos - o que não é menos certo. Mas ao deixar a Terra para

onde vamos? No que nos transformamos? Estaremos melhor ou pior?

Seremos ainda nós mesmos ou não mais o seremos? Ser ou não ser - esta

é a questão. Ser para todo o sempre ou nunca mais ser. Tudo ou nada.

Viveremos eternamente ou tudo estará acabado para sempre? Vale a

pena pensarmos em tudo isso?”

Essas premissas kardequianas expressas de uma forma direta e

objetiva, resumem o próprio conteúdo do livro. Para dirimir tais e

preliminares dúvidas, Kardec evoca os seres invisíveis, e, juntos, vão

lançando luzes na escuridão da ignorância e da credulidade cega.

Kardec ilustra as suas revolucionárias idéias com um caso que

evidencia a força do niilismo sobre as consciências humanas a despeito

dos poderosos condicionamentos religiosos:

“Um jovem de dezoito anos sofria de uma doença cardíaca que foi

declarado incurável. O veredicto da ciência havia sido: pode morrer

dentro de oito dias ou de dois anos, mas não passará disso. O jovem ficou

sabendo e logo abandonou o estudo e se entregou aos excessos de toda

espécie. Quando lhe mostravam quanto essa vida era perniciosa para a

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sua situação, ele respondia: ‘Que me importa, desde que só tenho dois

anos de vida? De que me valeria cansar a mente? Gozo o tempo que me

resta e quero me divertir até o fim!’”

Eis a conseqüência lógica do niilismo. Mas se esse jovem fosse

espírita poderia responder:

“A morte só destruirá o meu corpo, que abandonarei como uma

roupa usada; mas eu, Espírito, continuarei a viver. Eu serei, numa vida

futura, o que fizer de mim mesmo nesta vida. Nada do que eu tenha

adquirido em qualidades morais e intelectuais se perderá, porque isso

representa uma conquista para o meu adiantamento. Toda a imperfeição

de que houver me livrado será um passo importante no caminho da

felicidade, minha ventura ou minha desgraça futura depende da

utilização de minha existência presente. É pois de meu interesse

aproveitar o pouco tempo que me resta, evitando tudo o que possa

diminuir as minhas forças”.

Qual dessas duas doutrinas será preferível?

A verdade é que, enquanto o materialismo apóia a morte como fim

último e irreversível, o Espiritismo luta para conscientizar o Homem

quanto ao valor da vida. Finalmente, o Espiritismo, relembrando os

ensinos de Jesus, revive para a Humanidade a verdade de que o Espírito

independe da matéria, preexiste e sobrevive à morte física, estando todos

sujeitos à lei do progresso infinito.

Glossário

Bibliografia - Descrição e conhecimento dos livros / relação de

obras consultadas pelo autor de um determinado trabalho.

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Inserir - Introduzir, implantar, intercalar.

Teologia - Doutrina a cerca das coisas divinas.

Infundadas - que não tem fundamento ou alicerce.

Púlpitos - Tribuna onde se pregam nos templos os oradores sacros.

Incólumes - São e salvo, ileso.

Caracteres - Caráter, temperamento / Letras escritos, tipo de

impressão.

Mitos - Fato, passagem dos tempos fabulosos, tradição que sobre

a forma de alegoria deixa evidente um fato natural, histórico ou

filosófico.

Niilismo - Descrença completa, redução a nada.

Ventura - Sorte, destino, felicidade.

Dirimir - Solucionar, resolver / tirar dúvida.

13º Aula - A Gênese

A Gênese

A 06 de janeiro de 1868 era lançado, em Paris, o livro A Gênese,

os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo (La Gênese les

Miracles et ies Predictions Selon le Spiritism) assinado por Allan

Kardec. O novo livro era como o coroamento de um grandioso trabalho

desenvolvido por mais de uma década, desde o lançamento de O Livro

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dos Espíritos, pedra fundamental da Doutrina Espírita. Esclarece

Kardec:

“Esta obra é um complemento das aplicações do Espiritismo sob

um ponto de vista especial. O material estava pronto, ou, pelo menos, já

elaborado, há muito tempo, aguardando o momento de ser publicado.

Convinha, primeiramente, que as idéias que lhe iam servir de base

chegassem ao amadurecimento e, além disso, levar em conta a

oportunidade das circunstâncias. O Espiritismo não possui mistérios nem

teorias secretas. Tudo nele deve ser revelado de modo claro, a fim de que

todos possam julgá-lo com conhecimento de causa. Mas... cada coisa

deve vir a seu tempo, para vir com segurança. Uma solução dada

irrefletidamente, antes da elucidação completa da questão, seria causa de

retardamento ao invés de progresso. No presente caso, a importância do

assunto impôs-nos o dever de evitar qualquer precipitação”.

O primeiro capítulo de A Gênese trata dos caracteres da

Revelação Espírita. Em seu “caput”, Kardec pergunta:

“Podemos considerar o Espiritismo como a revelação? Nesse

caso, qual o seu caráter? Em que está fundada a sua autenticidade? Por

quem e de que maneira ela foi feita? A Doutrina Espírita é uma revelação

no sentido teológico da palavra, quer dizer, é ela, sob todos os aspectos,

o produto de um ensinamento oculto vindo do alto? É ela absoluta ou

suscetível de modificação? Trazendo aos homens a verdade toda pronta,

a revelação não teria como efeito impedi-las de fazer uso de suas

faculdades, já que lhes poupara o trabalho da investigação? Qual pode

ser a autoridade do ensinamento dos Espíritos, se eles não são infalíveis

e superiores à Humanidade? Quais são as verdades novas que eles nos

trazem? O homem precisa de uma revelação e não pode encontrar em si

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mesmo e em sua consciência tudo o que lhe é necessário para se

governar? Tais são as questões sobre as quais cumpre ater-se o sentido

da palavra revelação: revelar, do latim revelare. Cuja raiz é velum, véu,

significa literalmente sair de sob o véu e no sentido figurado: descobrir,

dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida! Em sua acepção

vulgar mais geral, diz-se de qualquer coisa ignorada que é esclarecida,

de qualquer idéia nova que abre caminho para aquilo que não se sabia”.

Desse ponto de vista, todas as ciências que nos esclarecem sobre

os mistérios da Natureza são revelações, e pode-se dizer que há para nós

uma revelaçao incessante. A astronomia revelou-nos o mundo astral que

não conhecíamos: a Geologia a formação da Terra; a Química: a lei das

afinidades; a Fisiologia: as funções do organismo, etc. Copérnico,

Galileu, Newton, Laplace, Lavousier são reveladores.

O caráter essencial de toda revelação deve ser a Verdade.

O Espiritismo, tendo-nos dado a conhecer o mundo invisível, a

natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseqüência, o

destino do Homem depois da morte, é uma verdadeira revelação, na

acepção científica da palavra.

Pela sua natureza, a revelação espírita tem um duplo caráter: ela

provém simultaneamente da revelação divina e da revelação humana.

Provém da primeira, no que seu advento é providencial, e não o resultado

da iniciativa e de um intento premeditado do Homem. Provém da

segunda, pelo fato de que esse ensino não é privilégio de nenhum

indivíduo, mas é dado a todos pela mesma via. Em resumo, o que

caracteriza a revelação espírita é que sua fonte é divina, e que a

elaboração é o resultado do trabalho do homem.

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Quanto ao modo de elaboração, o Espiritismo procede exatamente

do mesmo modo que as ciências positivas, quer dizer, ele aplica o

método experimental. Apresentam-se fatos de uma nova ordem que não

se podem explicar pelas leis conhecidas; ele os observa, compara-os,

analisa-os e, remontando dos efeitos às causas, ele chega à lei que os

rege; depois, ele deduz suas conseqüências e procura suas aplicações

úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida. Assim, não colocou

como hipóteses nem a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o

perispírito, nem a reencarnação, nem nenhum dos princípios da

Doutrina; ele concluiu pela existência dos Espíritos quando essa

existência sobressaiu com evidência da observação dos fatos. Não foram

os fatos que vieram posteriormente confirmar a teoria, mas a teoria que

veio subseqüentemente explicar os fatos. É, pois, rigorosamente exato

dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação, e não o produto da

imaginação.

Nos capítulos seguintes Kardec debate o problema da existência

de Deus, do Bem e do Mal, do Instinto e da Inteligência e da mútua

destruição dos seres vivos, que tanto perturba o espírito humano; do

papel da Ciência na gênese, da Uranografia Geral17, Esboço Geológico

da Terra, Revoluções do Globo, Gênese Orgânica e Espiritual, Gênese

Moisaica, os Fluídos, os Milagres dos Evangelhos e Os Tempos são

Chegados. Este último Capítulo trata da nova geração que habitará a

Terra na Era Nova, quando a Humanidade, tendo necessidades e

aspirações mais amplas, mais elevadas, compreende o vazio das idéias

das quais está farta e a incapacidade das instituições para a sua

felicidade. Da adolescência ela passa a idade viril. O passado já não mais

17 Este capítulo foi extraído de uma série de comunicações ditadas por Galileu Galilei, na Sociedade Espírita de Paris, entre 1862 e 1863 através do então jovem médium Camille Flammarion. que seria, mais tarde, uma das glórias da Astronomia.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

satisfaz seus novos anseios. Não pode ser mais conduzida pelos mesmos

meios, não mais se contenta com ilusões e prestígio. A sua razão mais

amadurecida exige alimentos mais substancíosos. O presente é

demasiado efêmero. Ela sente que o seu destino é mais vasto e que a vida

corpórea é demasiado restrita. Finalmente, o progresso moral, secundado

pelo progresso intelectual, irmanará os homens numa mesma crença,

alicerçada nas verdades eternas...”.

O Capítulo derradeiro de A Gênese é - no dizer de Hermínio

Miranda “uma janela panorâmica aberta para o futuro”.

Dir-sei-a que Kardec, pressentindo o final de sua existência

corpórea, quis deixar registradas, nessa obra, palavras de esperança, de

esclarecimento e de consolo à Humanidade, sempre perdida em suas

delirantes concepções!

Glossário

Década - Série de dez; dezena; espaço de dez anos.

Elucidação - Esclarecimento, explicação.

Caput - Início de um artigo ou sentença.

Susceptível - Que facilmente se ofende; melindroso.

Acepção - Sentido em que se emprega um termo; significado.

Preconceber - Conceber antecipadamente; idear com antecipação.

Viril - Varonil ou próprio do homem; esforçado, enérgico.

Efêmero - Passageiro, transitório.

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Advento - Vinda, chegada.

14º Aula - A Desencarnação de Allan Kardec

A Desencarnação de Allan Kardec

Denizard Hippolyte Léon Rivail, Allan Kardec, nascido em Lyon,

em 3 de outubro de 1804, desencarnou aos 65 anos, em Paris, passage

Saint-Anne, 59, 11 a circunscrição, que pertencia ao “rondissement” e

Maire de Ia Banque, no dia 31 de março de 1869. A causa da morte

deveu-se ao rompimento de um aneurisma. O professor estava de

mudança para a Vila Sêgur. Madame Allan Kardec (à época com 74

anos) tinha estado ocupada em encaixotar louças e cristais, as camas já

tinham sido desmontadas e saíra às compras, como qualquer dona de

casa. Foi quando um mensageiro do livreiro Pierre Paul Didier veio em

busca de alguns números da Revista Espírita. Kardec, de chinelos e

envolto em seu chambre, ergueu-se para entregar o pacote e caiu

fulminado sobre a sua familiar mesa de carvalho18.

Em carta datada de 31 de março de 1869, o Sr. E. Muller, grande

amigo do Codificador, relata ao confrade Sr. Finet a desencarnação de

Allan Kardec:

18 Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kardec havia comprado, com o produto de suas obras pedagógicas, 2.666 metros quadrados de terreno na Avenida Ségur, atrás dos Inválidos, em Paris. Tendo essa compra esgotado os seus recursos, ele contraiu um empréstimo de 50.000 francos com o Banco Foncier, destinado á construção, nesse terreno de seis casas pequenas, com jardim. Alimentava a esperança de recolher-se a uma delas na Vila Ségur, tornando-a, depois de sua morte, num asilo onde seriam recolhidos, na velhice, os defensores indigentes do Espiritismo.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

“Sozinho, em sua casa, Kardec punha em ordem seus livros e

papéis para a mudança que se vinha processando e a pretendia terminar

no dia seguinte (1º de abril). Seu empregado, aos gritos da criada e do

mensageiro de Didier, acorreu ao local, ergueu-o... nada, nada mais!

Delanne (pai de Gabriel Delanne) acudiu com toda a presteza,

friccionou-o, magnetizou-o (passes), mas em vão. Tudo estava acabado.

Venho vê-lo. Penetrando a casa, com móveis e utensílios diversos

atravancando a entrada, pude ver, pela porta aberta da grande sala de

sessões, a desordem que acompanha os preparativos para a mudança de

domicílio; introduzido numa pequena sala de visitas, que conheceis bem,

com seu tapete encarnado e seus móveis antigos, encontro a Sra. Kardec

assentada no canapé, de face para a lareira; ao seu lado, o Sr. Delanne;

diante deles; sobre os colchões colocados no chão, jazia o corpo, restos

inanimados daquele que todos amamos... parecia repousar docemente e

experimentar a sua e serena satisfação do dever cumprido.

Tudo isso era triste; entretanto, um sentimento de doce quietude

penetra-nos a alma...”

Uma segunda carta de E. Muller, constitui precioso documento

histórico sobre os trâmites que se sucederam após a desencarnação de

Allan Kardec:

“Paris, 04 de abril de 1869.

Amigos (espíritas de Lyon):

Curvado, abatido, começo apenas a despertar de emoção muito

natural.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

Pareceu-me ter estado a sonhar; todavia, tal não ocorreu e não

posso ter o consolo de uma ilusão. Tudo é realidade, verdade brutal

sancionada por um fato. Mas sou feito de molde a que meu pensamento

não pode se acostumar à idéia de que ele já não existe. - Que ele já não

existe: compreendeis bem o que minha pena deseja dizer? Pois o que

penso meu coração desmente o que ela exprime. Entretanto, é bem

verdade! Sexta-feira nos dirigimos ao campo de repouso, conduzindo os

seus despojos carnais e o lúgubre ruído da terra cobrindo o seu caixão

repercutiu em ecos no meu coração. Que vos direi? Que sofri e não

chorei?

Minha intenção, após a realização da cerimônia fúnebre era a de

vos escrever logo em seguida; porém, o meu pensamento e o meu

organismo abatido não permitiram que meu coração tivesse esse doce

consolo; eu não pude fazê-lo! Eis, todavia, na medida em que minhas

lembranças podem ser exatas, as circunstâncias da cerimônia:

Precisamente ao meio dia (2 de abril de 1869) o cortejo se pôs a

caminho. Um carro mortuário modesto, abriu-o arrastando, docemente

comprimida, a multidão numerosa composta por aqueles que puderam

se encontrar nessa homenagem ao Codificador do Espiritismo. O

acompanhamento fúnebre foi conduzido por Sr. Levent, vice-presidente

da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Vinham, em seguida, os

médiuns, a Comissão, a multidão de amigos e simpatizantes, os

interessados de toda espécie; os empregados e as pessoas desocupadas

fechavam o cortejo - ao todo mil ou mil e duzentas pessoas.

O carro fúnebre seguiu pela Rua de Grammont, atravessou os

grandes “boulevards”, a Rua La Fitte, Notre-Dame-des-Lorrettes, a Rua

Fontaine, as avenidas exteriores de Clichy e penetrou no cemitério de

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Montmatre com a multidão que o seguia. Bem longe, no fundo, mais

longe ainda, nos limites do cemitério, uma vala escancarada aguardava

o seu ocupante, e os curiosos romperam as filas para ouvir os discursos

(pobres criaturas). As cordas do coveiro envolveram o esquife que

desceu lentamente ao fundo da sepultura. Um grande silêncio se fez. O

vice-presidente da SPEE se aproximou da vala e sua voz emocionada,

convicta, em nome da Sociedade, solicitou ao extinto o prosseguimento

de seus conselhos e lhe disse não um adeus, mas um até breve. Camille

Flammarion, sobre um pequeno cômoro, ai existente, tomou a palavra

em nome da Ciência unida ao Espiritismo, e, de enérgica maneira,

afirmou, aos olhos de todos, a fé que o animava. Em seguida foi a vez de

Alexandre Delanne, que, falando em nome de nossos irmãos da

província, prometeu ao Espírito Allan Kardec que todos seguiríamos a

rota por ele tão laboriosamente traçada. Um quarto e último discurso foi

pronunciado por nosso confrade, o Sr. Barrot. Cada orador, dirigindo-se

ao Espírito Allan Kardec, lhe dizia: “Velai por nós, velai por vossas

obras, vós que hoje possuís toda a liberdade”.

Nada nas palavras desses oradores lembrava essas tristes orações

fúnebres que fazem o coração desesperar por suas palavras: “Adeus, eu

não te verei nunca mais”. Longe de nós esse triste e absurdo pensamento;

o Espiritismo, além das concepções humanas que sustentam as religiões

fornece-nos a certeza da sobrevivência do ser e da preservação de seus

caracteres morais e intelectuais. Todos os discursos sobre a tumba do

mestre terminaram por animadoras palavras, imbuídas por inabalável

convicção imortalista: “Até logo, querido amigo de nossos corações, até

nos revermos na Espiritualidade! Que possamos, como tu, cumprir com

a missão que Deus nos confiou neste plano de provas e expiações”.

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Em seguida a multidão se dispersou, retomando aos seus afazeres

ou às suas reflexões. A Sociedade deveria se reunir na Rua Sant’ Anne

para solicitar uma evocação: assim sendo os seus membros

individualmente para lá voltaram sem demora19.

Muito vosso, Muller”

Todos os jornais da época se ocuparam com a morte de Allan

Kardec e procuraram medir-lhe as conseqüências. Eis o que escreveu o

Sr, Pagès de Noyez, no Journal de Paris, de 03 de abril de 1869:

“Aquele que por longo tempo ocupou o mundo científico e

religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec chamava-se Rivail e morreu

na idade de 65 anos. Vimo-lo deitado em um simples caixão, no meio da

sala de sessões que há tantos anos presidia; vimo-lo com o semblante

calmo, sereno, como se extinguem aqueles a quem a morte não

surpreende e que, tranquilos quanto ao resultado de uma vida honesta e

laboriosamente preenchida, imprimem como que um reflexo da pureza

de sua alma sobre o corpo que abandonaram”.

E prossegue:

“Resignados pela fé baseada na razão e pela convicção da

imortalidade da alma, inúmeros discípulos tinham vindo lançar um

derradeiro olhar àqueles lábios descorados que ainda na véspera lhes

falavam a linguagem do Espírito. O presidente da Sociedade Parisiense

19 Conta André Moreil em Vida e Obra de Allan Kardec como era de prever e por intermédio de diversos médiuns, o Espírito Allan Kardec dita algumas instruções: ‘Como posso agradecer, meus senhores, os bons sentimentos e as verdades eloquentemente expressas sobre os meus despojos mortais? Certamente não duvidais que ali estava presente e me sentia profundamente feliz e sensibilizado pela comunhão de pensamentos que nos unia de coração e de Espírito. Recomendo aos amigos que se mantenham no bom caminho do Espiritismo.

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de Estudos Espíritas está morto; mas o número de adeptos cresce todos

os dias, os corajosos pregadores da imortalidade e da reencarnação

proliferam na França e em várias partes do mundo, para o desespero da

ortodoxia religiosa. O Espiritismo, realmente, é arauto de uma Nova Era

neste mundo de tantos sofrimentos e incompreensões. A figura de Allan

Kardec se confunde, sem embargo, com a dos grandes construtores da

felicidade humana”.

O Dólmen de Kardec

Após as exéquias de Allan Kardec, reuniram-se os membros

efetivos da SPEE e decidiram mandar construir um monumento que

simbolizasse o reconhecimento dos espíritas à memória do mestre.

Estabeleceu-se, com a concordância de Madame Allan Kardec,

que o monumento seria simples e que recordasse o pseudônimo gaulês.

Pensaram, então, nas edificações sepulcrais célticas. Essas construções,

que despertam a atenção dos estudiosos, cobrem uma parte ponderável

do solo bretão, atingindo a Europa Ocidental, a bacia do mediterrâneo, o

Irã, a Líbia, a Índia, o Extremo Oriente, pressupondo que seu uso era

universal. Projetada, pois, a construção do dólmen, confiaram esse

trabalho ao escultor francês Charles-Romain Capellaro, expositor

premiado nos salões parisienses, desde 1860, e que era simpático às

concepções espíritas. Adquiriu-se no Cemitério do Pere-Lachaise em

terreno situado na confluência da 44ª divisão e a uma altitude onde se

descortina toda a necrópole.

Concluída a obra, exumaram-se os despojos de Allan Kardec (que

estavam no cemitério de Montematre) sendo transladado para a sua nova

morada. No dia 31 de março de 1870, pelas duas horas da tarde, os

espíritas franceses inauguravam o monumento dolmênico, erguido em

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memória do Codificador do Espiritismo. O túmulo, de impressionante

simplicidade, fala aos olhos e à alma a linguagem dos séculos

desaparecidos, evocando a lembrança das antigas gerações que

consagraram, por seu culto e por suas sepulturas, as crenças

reencontradas pelo Espiritismo modemo.

Na inauguração do dólmen de Kardec, discussaram, emocionados,

os confrades Levent, Desliens, Leymarie e Guilbert.

O monumento sepulcral do mestre de Lyon é constituído de três

pedras de granito bruto, em posição vertical (esteios), sobre as quais

repousa uma quarta pedra tubular (mesa) em suave declive, de modo a

delimitarem, todas elas, um espaço (câmara), de cujo centro se eleva um

pedestal quadrangular, igualmente de granito, no topo da qual está

colocada a herma, em bronze, de Allan Kardec, executada por Capellaro.

Na face dianteira do referido pedestal lêem-se as seguintes inscrições:

“Foundateur de Ia Philosophie Spirite -Tout effet a une cause. Tout effet

intelligent a une cause intelligent. La puissance de Ia cause est en raison

de Ia grandeur de I’effet - 3 October 1804 - 31 Mars 1869”.

No bordo frontal da pedra, que pesa seis toneladas, e serve de teto,

se inscreveu o apotegma que sintetiza, magistralmente, a Doutrina

kardequiana de justiça e progresso:

Naitre, Mourir, Renaitre Encore Et Progresser Sans Cesse Telle Est La Loi.

Nesse mesmo Dólmen foi sepultado, em 1883, o corpo da

veneranda companheira do Codificador, gravando-se, na face esquerda

do pedestal que sustenta o busto de Kardec, o nome da viúva, Amélie

Gabrielle Boudet, seguido das respectivas datas de nascimento e

desencarnação.

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O cemitério de Pêre-Lachaise, fundado em 1804, é uma das

necrópoles mais visitadas de Paris e do mundo. É um verdadeiro museu;

abriga verdadeiras obras de arte, da arte sepulcral, em homenagem a

inúmeras celebridades que refulgiram, com talento e maestria, no campo

da política, da música, da literatura, do teatro da filosofia, da guerra e do

Espírito. Um dos túmulos mais, visitados, senão o mais visitado, é o de

Kardec, sempre cheio de flores, ali depositadas, diariamente, por uma

multidão de admiradores oriundos não só da França, mas de diversas

partes do mundo. Encontrar-se diante do túmulo do Codificador do

Espiritismo, é como voltar ao passado, a uma era de fantásticas

realizações no campo sempre fértil e misterioso do Espírito. É estar

diante de toda uma formidável e enigmática cultura, de que Allan Kardec

fez parte, preparando-se como druida para a magnífica e intransferível

missão de sintetizar, em grandiosa doutrina, as mais legítimas e fecundas

aspirações do Ser eterno.

Origem Da Sentença “Nascer, Morrer, Renascer ainda e progredir sem cessar, tal é

a lei”.

No Dólmen de Allan Kardec se insculpiu uma sentença admirável,

que encerra a própria essência ética e filosófica do Espiritismo: Naitre,

mourir, renaitre encore et progresser sans cesse, telle est la loi.

O verbo “viver”, encontrado em alguns escritos, não integra a

frase original, acrescentada por alguém, no Brasil, há muito tempo,

pretendendo - quem sabe? - completar a inspirada sentença.

Há quem garanta que a frase é de Kardec. Parece que ela teria sido

da lavra de um dos discípulos do Codificador do Espiritismo. Entretanto,

ela é encontrada em diferentes escritos, de diversos autores, em diversas

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datas. Ei-la na obra Cle de la Víe, de Louis Michel, organizada por C.

Sardou e L. Pradel Editores, Paris, datada de 1° de agosto de 1857:

“Saturées de I’aimant, divin, de I’amour divin, des provision

divines de toute nature, les âmes solairies, par cet aimant, par cet amour,

par tous ces divers agents célestes, front naitre, livre, circuler,

evolutionner, et, par les âmes de ces derniêres front joir des mêmes

avantages Ia plus abcure image de Diue elle-Même, I’homme rest,

ancore, en dehors de I’unité; dês qu’il consent à s’y preter un peur”.

Em discursos pronunciados pelo Sr. Sabó, no dia 14 de outubro de

1861, na Reunião Geral dos Espíritos em Bourdeaux na presença de

Kardec:

“(...) pour aller à lui, faut naitre, mourir et ranaitre jusqu’à ce qu’on

soit arrivé aux limites de la perfection (...) (Revue Spíríte, 1861).

Ainda se pode citar, aqui, a tradução que Camille Seldon

(pseudônimo de Élise Krinitz) fez do romance de J. W. Goethe: Díe

Waheverwandtschaften, 1809. Na segunda tradução, sob o título Les

Affínítes Électíves, publicada em Paris pelos Editores G. Charpentier e

E. Fasguelle, com prefácio da tradutora, datado de janeiro de 1872,

registra-se, na pagina 78, esse período de discurso que um pedreiro

proferira no lançamento da pedra fundamental de uma casa:

“Naitre pour mourir, mourir pour renaitre, telle est Ia loi

universelle. Les hommes sont soumis à bien plus forte raison leurs

travaux”.

Deve-se esclarecer que esta frase não consta, em verdade, do

original alemão do romance de Goethe, que apenas fala de efêmera

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passagem das coisas deste mundo inteiramente de acordo com o original

alemão está a tradução, em português, feita e 1948, por Conceição G.

Sotto Maior, editada pelos irmãos Pongetti.

Será que Camille Seldon teve conhecimento da sentença

insculpida no Dólmen de Kardec? Parece que não. Na verdade, a notável

sentença havia muito andava no ar e fora “soprada”, acredita-se, aos

ouvidos da tradutora.

O Testamento Moral de Allan Kardec (Escrito alguns dias antes de sua

desencarnação)

A Revue Spirite dedicou sua edição de 1° de maio de 1887 às

comemorações do aniversário de desencamação de Allan Kardec,

realizadas no dia 03 de abril daquele mesmo ano, junto à tumba do

Codificador no Pére-Lachaise, em Paris.

Na oportunidade, discursou, dentre outros, Pierre-Gäetan

Leymarie, destacando-se os trechos a seguir:

“Allan Kardec, em seus derradeiros pensamentos, aqueles que ele

não pôde retocar, registra que sofreu a paixão que animou os homens de

sua equipe; cansado da luta, fatigado pelas insinuações malévolas,

desiludido, ele deixou a Sociedade de Estudos que criara, após exonerar-

se do cargo de presidente, não pretendendo dedicar-se a coisas estáveis

senão depois de um ano de repouso. Sobre um terreno da Vila Ségur,

desejava construir uma casa de trabalho com uma sala de reuniões;

carecia de homens de boa vontade, instruídos, modestos, empregados

residentes e pagos, que, sob a vista de uma direção, dessem seguimento

ao trabalho espírita. Fala de 30.000 francos de rendimentos para começar

a pôr seu plano em ação, e de uma soma superior mais tarde;

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infelizmente, os que deviam ajudar financeiramente esqueceram suas

promessas...”

Em seguida, Pierre-Gäetan Leymarie transcreve as reflexões de

Allan Kardec, escritas dias antes de desencamar:

“Não me incumbe, decerto, fazer o inventário do bem que fiz; mas

num momento em que tudo parece esquecido, é permitido, creio eu,

evocar à minha lembrança que minha consciência me diz que nenhum

mal fiz a ninguém, que fiz todo bem que pude; e, se alguma ingratidão

me foi feita, não poderá ser para mim motivo para também fazê-la. A

ingratidão é uma das imperfeições da Humanidade, e como nenhum de

nós está isento de reproches, devemos fazer aos outros o que fazemos a

nós próprios, a fim de podermos dizer, como Jesus: ‘Quem estiver sem

erro que atire a primeira pedra’. Continuarei, portanto, a fazer todo o

bem que puder, mesmo aos meus inimigos, porque o ódio não me cega

e eu os terei sempre à mão para livrá-los de um mau passo, se a ocasião

se apresentar. Compreendo uma crença que nos manda fazer o bem pelo

mal, por mais forte razão, o bem pelo bem. Não entenderei jamais que

nos prescrevam fazer o mal pelo mal. A paixão é má conselheira, que

nos cega e nos leva a cometer somente atos irrefletidos que

lamentaremos mais tarde. Há poucos exemplos, creio eu, de pessoas que

se felicitam pelo que fizeram num primeiro momento de exaltação”.

Leymarie, após a leitura, comenta:

“Estas palavras do mestre, meus irmãos em Espiritismo, merecem

ser, meditadas. Nossa Sociedade Científica de Espiritismo as adota

integralmente, e recomenda a todos os seus membros e a todos os

espíritas, sem exceção, que sejam tolerantes e brandos, perseverantes e

lógicos, como foram o Sr. e a Sra. Allan Kardec”.

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Na mesma solenidade, o Espírito Cáritas deu, através da

mediunidade de Laurent de Faget, a seguinte comunicação:

“Vós louvais um homem, o colocais o escudo da probidade. Sabeis

bem como ele mereceu as homenagens que se lhe tributam, que linha de

conduta observou, que benefícios espargiu sobre a Humanidade.

“Por que louvais Allan Kardec? Porque ele rasgou o caminho que

trilhais, porque foi ele o pioneiro convicto e infatigável de vossa querida

Doutrina, colocada entre o falso espiritualismo, que degrada a verdade e

o materialismo que a encobre”.

Glossário

Aneurisma - Dilatação circunscrita da parede de uma artéria.

Esquife - Caixão de defunto.

Cômoro - Pequena elevação de terreno.

Descoradas - Desbotadas.

Ortodoxia - Que está de acordo com uma doutrina definida; que é

rígido em suas convicções.

Arauto – Porta-voz.

Exéquias - Cerimônia fúnebre.

Bretão - Habitantes da Bretanha, na França.

Dólmen - Monumento druida, pré-histórico.

Necrópole - Cemitério.

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Exumar - Ato de desenterrar um cadáver.

Apotegma - Dito ou palavra memorável; sentença, provérbio.

Insculpir - Gravar.

Lavra - Autoria.

Tumba - Túmulo, sepultura.

Inventário – Registro.

Reproches - Censura, reprovação.

Probidade - Honestidade, retidão de caráter.

Confraria - Irmandade.

Neoclassicismo - Tendência artística e literária que defendia o

retorno da arte e da literatura do Renascimento.

Laico - Aquele que é estranho ou alheio a um determinado

assunto.

Masdeismo - Religião da Pérsia século VIII, A. C.

15ª Aula - Obras Póstumas

Obras Póstumas

Informa Zêus Wantuil que a Revue Spírite de 1889, nos números

de 15 de junho e de 1º de julho, respectivamente às páginas 383 e 416, o

gerente comunica aos leitores que “Oeuvres Posthumes” aparecerão

brevemente.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

Em 1º de outubro desse mesmo ano, página 608 da Revue Sprite,

H. Joly informa que “Ouvres Posthumes” está no prelo (sous presse).

Acontece que um surto de gripe grassava em Paris nesse ano de

1889, e foi esse acontecimento que retardaria a saída não só de “Ouvres

Posthumes”, como também de outros livros, incrusive “Compte Rendu

du Congrés Spirite et Spiritualiste Internacional”, de 1889, que estava

prometido para aquele ano e só foi lançado em abril de 1890.

Na Revue Spírite de abril de 1890, apareceu, afinal, na coluna

intitulada “Ouvrages Nouvellement Parus” (obras recentemente

surgidas) as “Ouvres Posthumes” de Allan Kardec, ao preço de 3fr.50.

Tal informação foi repetida algumas vezes no mesmo ano de 1890.

Não se sabe se “Obras Póstumas” realmente saiu em abril ou em

maio de 1890. Pierre Gaetan Leymarie, na Revue Spírite de agosto de

1890, ao comentar um artigo publicado em “le Parisien”, diz em nota de

rodapé:

“Ouvres Posthumes”, 6° volume de Allan Kardec que acaba de

aparecer, 3 fr-50, com porte franco; 3 fr com porte franco para os

assinantes da Revue, assim como os cinco volumes precedentes.

Seja nesse ou naquele mês, a 1ª edição francesa saiu mesmo em

1890, embora não haja no frontispício nenhuma data que assinale o

lançamento.

A segunda edição francesa apareceu, também, em 1890, conforme

consta no Catalogue Général des livres imprimés de la Bibliothéque

National e, Paris, tomo II (1899), coluna 324, edição esta igualmente

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editorada, como a primeira, sob os auspícios da Société de Libraire

Spirite.

Tanto interesse despertou “Ouvres Posthumes” entre os estudiosos

da Doutrina Espírita, já em número expressivo em nosso País, que o Dr.

Adolfo Bezerra de Menezes, então Vice-Presidente da Federação

Espírita Brasileira, tomou a si a tarefa de traduzi-la para o Português,

publicando-as em fascículos. O primeiro fascículo saiu em janeiro de

1891 sendo a sua edição patrocinada pelo Centro da União Espírita do

Brasil.

Sob a forma de livro, somente em 1892, a Tipografia Moreira

Maximino & Cia., do Rio de Janeiro, imprimiria, in-8° “Obras

Póstumas”, traduzida da 1ª edição francesa pelo Dr. Bezerra de

Menezes.

Em 1900, revisada e em nova composição, era dada a lume, no

Rio de Janeiro, pela Livraria Psychica, a 2ª edição em idioma português.

Mais tarde, o Dr. L. O. Guillon Ribeiro realizou uma nova

tradução de “Obras Póstumas”, num português irrepreensível.

“Obras Póstumas”, toda ela organizada por Pierre-Gäetan

Leymarie, contém no princípio, uma biografia de Allan Kardec,

reproduzida da Revue Spírite de maio de 1869, seguida do discurso

pronunciado pelo ilustre astrônomo Camille Flammarion junto ao

túmulo do mestre Allan Kardec, no cemitério de Montmartre20.

20 O discurso de Camille Flammarion não consta do corpo original de “Obras Póstumas”. Foi nele incluído, conforme o Prof. J. Herculano Pires, por conveniência do momento.

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Na primeira parte agrupam-se vários escritos inéditos de Allan

Kardec, dos quais não se sabe qual o melhor e mais eloqüente,

destacando-se “As Cinco Alternativas da Humanidade”. A segunda

parte é constituída de extratos do “Livro das Previsões e Revelações

Concernentes ao Espiritismo”, como era o título original do

manuscrito composto por Allan Kardec, que tencionava dar lhe

publicidade, se não fora colhido pela morte súbita, em 1869.

Este apontamento está na Revue Spirite de 15 de março de 1887,

e neste mesmo número é dada uma informação de que as notas que

formaram o “livro” estavam guardadas no cofre da “Sociedade

Anônima do Espiritismo” desde 1875, ano em que a viúva Allan

Kardec as entregou à referida sociedade, juntamente com a

correspondência kardequiana e outros manuscritos espíritas

considerados importantes.

Ainda na segunda parte, a obra apresenta curioso e instrutivo

histórico da vida missionária de Kardec como o Codificador por

excelência, vindo em seguida o Projeto de 1868 e a tão comentada

Constituição do Espiritismo, a última expressão do pensamento do

mestre lionês. Foi nesse ponto que a “morte corpórea o deteve”, como

escreveu Pierre-Gäetan Leymarie.

A verdade é que “Obras Póstumas” representa o testamento

doutrinário de Allan Kardec. Reúne os seus derradeiros escritos e as

anotações iniciais, destinadas a servir, mais tarde, para a elaboração da

História do Espiritismo, que ele não pôde escrever.

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As Cinco Alternativas da Humanidade

São cinco as alternativas da Humanidade, segundo expressa Allan

Kardec em “Obras Póstumas”, resultantes das doutrinas do

materialismo, do panteísmo, do deísmo, do dogmatismo e do

Espiritismo. Cada uma dessas alternativas acha-se resumida na

apreciação de Kardec, em tudo comparado, à luz dos conhecimentos de

que a Humanidade dispõe.

Doutrina Materialista

Segundo esse sistema, o Homem é um ser material. Sua

inteligência é uma propriedade da matéria. Nasce e morre com o corpo

físico. Não há que cogitar de coisa nenhuma, nem antes do nascimento,

nem após a morte do corpo21.

Conseqüências: não se cogita do futuro. O homem deve gozar de

tudo que possa, enquanto permanece vivo, porque as afeições e os laços

morais desaparecem com a morte. Cada um deve viver para si da melhor

maneira possível. É estupidez qualquer sacrifício em favor dos outros,

uma vez que também eles desaparecerão para sempre. O Bem e o Mal

são meras convenções. A lei civil é a única a ser obedecida, por

conveniência de todos. Os materialistas são intolerantes, admitindo o

21 “Ao degradar-se os átomos, materialistas da estirpe de Büchner, Haeckel e Huxley, seriam hoje - como assinala o Dr. Sérgio Vale – “generais inativos e reformados, por falta de munição bélica - a matéria. A base das suas especulações desapareceu do mercado mundial. Quem o diz e quem o prova não é a Espiritualidade; é a Ciência. Que faremos dos materialistas e dos seus dogmas? Nem sequer podemos arquivá-los, piedosamente, tal como enterramos os corpos dos nossos mortos”.” Rodopiam hoje - conclui o Dr. Sérgio Vale - nos espaços infinitos, decompondo-se cada vez na ciranda interminável dos motos verticosos...”

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Deusmatéria como o Ser Supremo a ser obedecido e todos os interesses

materiais como os únicos dignos de consideração.

Doutrina Panteísta

Esse sistema admite a existência de um princípio inteligente,

independente da matéria, extraído do todo universal, ao nascer o homem.

Ao morrer, o princípio inteligente (alma) volta ao todo, desaparecendo a

individualidade.

Determinada corrente panteísta admite a conservação da

individualidade, por tempo indefinido, somente voltando à massa

universal após ter chegado à perfeição.

Conseqüência: sem o princípio da individualidade, seja num ou

noutro caso, desaparece a consciência de cada ser e, por conseguinte, a

responsabilidade.

Doutrina Deísta

Há duas categorias de deístas: os independentes e os

providencialistas.

Os independentes crêem em Deus, Criador de todas as coisas, que

estabeleceu suas leis para todo o Universo, as quais funcionam por si

mesmas, sem que o Criador não mais ocupe com nenhuma forma de

providência. Assim, as criaturas fazem o que querem e podem.

Conseqüência: o deísmo independente é o despertar e o cultivo

do orgulho em seus seguidores, por se julgarem senhores absolutos de

seus destinos.

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O deísta providencialista admite não só a existência de Deus e o

seu poder criador, como crê na sua contínua e permanente intervenção

junto à criação, nem se submete ao dogmatismo das religiões.

Doutrinas Dogmáticas

Para elas a alma é criada por Deus por ocasião do nascimento do

Ser. Admitem a sobrevivência e a individualidade, após a morte, mas

não há progresso das almas, que conservam eternamente as qualidades

intelectuais e morais adquiridas durante a sua única existência na Terra.

Os maus são condenados eternamente aos castigos do inferno. Os

bons são recompensados com a visão de Deus e a vida no céu. A

condenação ou a absolvição, por toda a eternidade, fica sujeita a um juízo

final, quando se dará a separação definitiva dos condenados e dos efeitos.

Deus cria, também, os anjos, ou as almas privilegiadas, que não

precisam ser submetidas a trabalhos para chegarem à perfeição.

Conseqüências: as doutrinas dogmáticas, produtos da elaboração

mental de diversos fundadores de religiões, interpretando livros

sagrados, não dão solução lógica a inúmeras questões que sempre

preocuparam o espírito humano, tais como:

a) Por que nascem os homens ora bons, ora maus, uns inteligentes,

outros néscios?22

22 Anuncia-se, na atualidade, o descobrimento dos genes da inteligência. Os pesquisadores ligados à engenharia genética acreditam que o problema dos seres inteligentemente bem dotados estaria resolvido. Falta, então, serem descobertos os genes da burrice, o que explicaria o problema dos seres menos dotados...

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b) Que sorte terão as crianças que morrem em tenra idade e qual o

destino dos idiotas e cretinos que não têm plena consciência de suas

ações?

c) Por que as inferioridades e defeitos de nascença do Ser?

d) Onde a justiça no tratamento dos selvagens e do homem

civilizado, se eles não escolheram onde nascer?

e) Por que a criação privilegiada dos anjos, sem necessidade de

enfrentarem as provações rudes, em contraste com as outras criaturas?

Doutrina Espírita

Contrapondo-se às doutrinas anteriormente resumidas, com suas

contradições e dogmas impróprios, a doutrina dos Espíritos responde à

todas as indagações formuladas e apresenta soluções às aparentes

injustiças da Criação. Parte ela da existência de Deus, “a inteligência

suprema, causa primária de todas as coisas”.

O princípio inteligente (Espírito) independe da matéria (resposta

ao materialismo).

A alma é individual, preexistente e sobrevive ao corpo. Todas as

almas criadas partem de uma mesma origem, todas simples e ignorantes,

mas submetidas ao progresso contínuo: Portanto não existem privilégios,

sendo os anjos seres que chegaram à perfeição depois de escalar todas as

etapas da evolução. Todas as almas gozam de liberdade de escolha de

seus caminhos, em incessante evolução.

A vida corpórea nos mundos materiais é uma fase transitória para

o Espírito. A vida normal é a vida espiritual, livre do envoltório material.

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O progresso se dá tanto no estado corpóreo quanto no estado livre do

Espírito.

A existência do Espírito no corpo físico acontece tantas vezes

quantas necessárias para atingir superior estádio evolutivo. Quando

atingido, num mundo, o máximo de evolução possível, deixa-o para

passar a outro mundo mais adiantado.

A felicidade ou infelicidade relativas, dependem do progresso

moral e intelectual. Todo mal praticado redunda em autopunição, mas há

sempre para todos, a possibilidade de reabilitação. Portanto, não há

punição eterna.

As almas dos cretinos e idiotas são da mesma natureza das dos

outros encarnados, apenas cerceadas pelas deficiências do organismo,

pelos abusos da inteligência em vidas pregressas. As crianças que

morrem cedo podem ser Espíritos com larga experiência adquirida em

vidas anteriores. A morte prematura pode ser complemento de prova,

não as eximindo de futuras expiações de suas responsabilidades.

Allan Kardec ao traçar o perfil das cinco alternativas da

Humanidade não pretendeu esgotar-lhes as suas fundamentais

características. Ele oferece ao leitor de Obras Póstumas um conjunto

de considerações sustentadas em análises criteriosas. Ao ressaltar a

primazia da doutrina que codificou, quis, acreditamos, demonstrar que

ela pode, por si só, atender às mais justas aspirações do Ser.

Glossário

Surto - Impulso, arrancada / Epidemia, irrupção.

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Auspícios - Sob os auspícios de alguém, sob a sua proteção, com

o seu apoio. Sob felizes auspícios, sob os melhores auspícios, com muita

probabilidade de êxito.

Materialismo - Posição filosófica que considera a matéria como a

única realidade e que nega a existência da alma, de outra vida e de Deus.

Deísmo - Sistema dos que acreditam em Deus mas rejeitam toda

revelação.

Néscio - Ignorante, estúpido.

Estádio - Fase, época, período de um processo.

Pregressas - Que aconteceu anteriormente.

Prematura - Que nasce antes do tempo normal; que amadurece

antes do tempo; temporão; precoce.

Primazia - Superioridade; primado; prioridade.

Ser - Tudo que possui existência.

16ª Aula – Conclusão

Conclusão

Substituir a fé cega em uma vida futura, pela certeza inabalável,

resultante de verificações científicas, eis o inestimável serviço prestado

por Allan Kardec à Humanidade. Introduzir a luz da observação e mesmo

da experimentação, em domínio até então reservado às obscuras e

intermináveis discussões filosóficas, era fazer obra de mestre, era

quebrar as velhas molas do pensamento, injetar sangue novo no antigo

espiritualismo, renovar a Psicologia, indicando-lhe outro caminho mais

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fecundo, e preparar a mais rica colheita de novos conhecimentos de que

se tem notícia nesses dois mil anos.

Semelhante revolução intelectual provoca sempre tempestades. O

Espiritismo foi combatido por numerosos adversários, por estar em

oposição a quase todas as opiniões reinantes, pois que suas experiências

demonstram a falsidade das teorias materialistas, a insuficiência dos

sistemas espiritualistas, que desconhecem a verdadeira natureza da alma,

e os erros dos ensinos religiosos relativos à origem e ao destino do

princípio pensante. Prodigalizaram-lhe também insultos, zombarias,

anátemas. Mas, levado pela irresistível força oriunda da observação

científica, o Espiritismo despreza os ultrajes e, respondendo com fatos

aos sofismas de seus contraditores, lança por terra os obstáculos

acumulados em sua trajetória, e dia a dia conquista novos adeptos nas

próprias fileiras de seus adversários. Quando inteligências como as de

William Crookes, Russel Wallace, Oliver Lodge, F. Zolner, Cesare

Lombroso, F. Myers, Richard Hodgson, Paul Gibier, Emesto Bozzano,

Camille Flammarion se vêem obrigadas a reconhecer a incontestável

realidade das relações entre vivos e mortos, a gente se sente em boa

companhia e, assim, nem as calúnias, nem os clamores rancorosos dos

detratores da nova verdade serão capazes de impedir-lhe o triunfo

definitivo.

A verdade é que o túmulo deixou de nos causar horror, porque ele

é agora a porta que se abre para um mundo novo onde a vida é mais

suave que a daqui. A alma humana, em resposta aos negadores da

sobrevivência, se revela após a morte com a mesma atividade que tivera

na Terra, mostrando-se, até, na chapa fotográfica a esses doutores que

jamais conseguiram encontrá-la sob os seus escalpelos. Extraordinário

prodígio ao reconstruir ela, temporariamente, um corpo físico

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semelhante ao que possuía na vida terrena, e esta corporificação

momentânea é o mais peremptório argumento susceptível de destruir os

erros grosseiros do materialismo. A comunhão constante com a

Humanidade desencarnada confirma a nossa imortalidade pessoal e

permite-nos, outrossim conhecer, sem vacilação, a verdadeira natureza

da alma, levantando-se uma ponta do véu que ocultava sua origem e seus

destinos.

Que liberdade e que reconforto para o pensamento humano ao não

se sentir mais desalentado pelos dogmas tão terrificantes como os do

pecado original e das penas eternas! Que alívio concebermos o Ser

Supremo sem aquelas feições de justiceiro implacável, a condenar ao

suplício sem fim as miseráveis e fracas criaturas que somos nós.

Felizmente a realidade é mais nobre e mais grandiosa que essas sombrias

invenções da Teologia. A sorte da nossa eternidade futura não se decide

nos curtos instantes de uma vida terrestre, ondulação mal perceptível no

imenso oceano das idades.

A lei de evolução do princípio espiritual, cuja execução se

processa por vidas sucessivas, permite-nos compreender o motivo das

desigualdades morais e intelectuais que separam os filhos de um mesmo

pai, a razão da existência, no mesmo globo, de selvagens e povos

civilizados, de idiotas ao lado de gênios que são a glória da nossa raça.

É pelos incontestáveis e concordantes testemunhos dos que vivem no

espaço que sabemos não existir nem inferno nem paraíso e que somos os

únicos artífices do nosso futuro. E lentamente, através de esforço

ininterrupto, que desenvolvemos nosso Ser espiritual, que ampliamos

nossa inteligência, que penetram em nós os sentimentos do justo, do

belo, do bem, e desaparecem os obscuros instintos do egoísmo, das

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paixões, das iniquidades e dos vícios, para darem lugar ao sentimento de

fraternidade que nos aproxima desta causa primária que é toda Amor.

Allan Kardec, através de suas conversas com os Espíritos, não só

deduziu toda essa nobre doutrina filosófica, senão que sua atenção foi

ainda atraída para as manifestações extra-corpóreas da alma encarnada.

O mestre de Lyon conheceu todos os fenômenos psíquicos, rotulados

hoje com novos nomes e, classificando-os, determinou-lhes as causas. A

transmissão do pensamento que, com o nome de Telepatia, obteve

grande repercussão nos· nossos dias, foi estudada em O Livro dos

Espíritos e em A Gênese. A possibilidade do desdobramento do ser

humano está indicada em O Livro dos Médiuns, com provas suficientes,

e os casos muito interessantes de clarividência que se verificaram no

passado, no presente e que se apreciarão no futuro, foram longa mente

descritos na Revue Spirite.

É ainda a Allan Kardec que devemos as primeiras e precisas

noções a respeito do perispírito, corpo inseparável da alma. Inumeráveis

observações, feitas sobre as aparições de vivos e de mortos, afirmam, de

maneira categórica, a sua existência.

O conhecimento desse organismo suprafisiológico faz do

Espiritismo uma doutrina original, distinguindo-o nitidamente do

espiritualismo religioso ou filosófico. O princípio inteligente não é mais

uma abstração ideal, vaga entidade incorpórea; é um ser concreto,

possuidor de sentidos especiais apropriados ao meio em que é chamado

a viver após a sua partida da Terra, isto é, no Espaço. Certas faculdades

superiores da alma, tais como a telepatia e a clarividência têm,

evidentemente, a sua sede fora do cérebro, de vez que este é estranho às

suas manifestações. Provavelmente é no perispírito que vamos encontrar

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suas condições de existência, pois que se faz preciso a emancipação da

alma para que elas se exerçam.

Quanto mais estudarmos esse organismo superior, melhor lhe

compreenderemos a importância para explicar certo número de

problemas biológicos. A experimentação espírita tem uma utilidade de

primeira ordem nesse particular, porquanto se toma indispensável

submeter a exame científico a natureza e as propriedades deste corpo

fluídico, para melhor lhe apreciarmos a ação durante a vida e após a

morte.

As materializações dos Espíritos são fenômenos que põem em

evidência esse mecanismo perispiritual que dá à alma o poder de se

apresentar diante de nós com os atributos anatômicos e fisiológicos da

criatura terrestre. Se um Ser dos Espaços é capaz de reconstituir

momentaneamente a forma típica que tivera na Terra - recebendo do

médium parte ponderável de sua substância (o ectoplasma) não será

descabido supormos que a alma opera de maneira idêntica no

nascimento, porém, lentamente, segundo as leis da gestação, para que

sua união com o corpo material seja durável. O ensino dos Espíritos,

nesse ponto, está em concordância com a opinião de Claude Bernard23,

que claramente viu que a construção, a manutenção e a reparação de um

organismo vivo não revelam leis físico-químicas.

“Vemos - afirma ele - aparecer na evolução do embrião um

simples esboço do Ser antes de qualquer organização. Os contornos do

23 Claude Bernard: fisiologista francês (1813-1878), fundador da medicina experimental, teve, por suas idéias e seus métodos, influência considerável no domínio da pesquisa científica. Sua obra capital Introductíon à J’étude de Ia medicine experimentale recordações de existências anteriores, ou à predição de reencarnações que mais tarde se verificam tais como anunciadas.

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corpo e os órgãos do Ser permanecem detidos a princípio, iniciando-se

as bases orgânicas provisórias que servirão de aparelhos funcionais

temporários do feto.

“Ainda não se distingue nenhum tecido. Toda a massa se constitui

apenas de células plasmáticas e embrionárias. Mas neste bosquejo vital,

está traçado o desenho ideal de um organismo ainda invisível para nós,

que assinala a cada parte e a cada elemento o seu lugar, sua estrutura e

suas propriedades”.

E, mais adiante, o ilustre fisiologista precisa ainda seu pensamento

nestes termos:

“O que é essencialmente do domínio da vida e que não pertence

nem à Física, nem à Química, nem a coisa nenhuma, é a idéia diretriz

desta ação vital. Em todo o gérmen vivo há uma idéia diretriz que se

desenvolve e se manifesta pela organização. Durante toda a sua duração

o Ser fica sob a influência dessa mesma força vital criadora, e a morte

chega quando ela não se pode realizar... é sempre a mesma idéia que

conserva o Ser, reconstituindo as partes vivas, desorganizadas pelo

exercício ou destruídas por acidentes ou enfermidades”.

Nós que sabemos por experiência que a alma sobrevive à morte,

que a vemos reedificar, temporariamente, o corpo anatomicamente

semelhante àquele que possuía na Terra, estamos autorizados a supor que

o perispírito, sob a influência do Espírito, contém a idéia diretriz que

preside à edificação do corpo físico, de vez que o perispírito possui ainda

este poder de reconstrução após a morte.

Não é tudo. Se a alma é o arquiteto de seu envoltório terrestre,

possível será tirar-se desse fato uma confirmação da lei de reencarnação.

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Se é exato que o feto resume, nas primeiras semanas de vida intra-

uterina, todas as etapas percorridas pelos seres vivos depois da célula

inicial; se, além disso, temos ainda em nós órgãos atrofiados, vestígios

dos que foram úteis aos nossos ancestrais, deve-se concluir que o

perispírito, que responde por essas formas desaparecidas e que

aperfeiçoa e modela a matéria, passou, outrora, pelas organizações

inferiores onde elas existiram; pois que, sem isso, ele, o perispírito, não

poderia engendrá-los. Seguindo essa direção, os Espíritos poderão

encontrar, no estudo do ser humano, novas provas desta grande e

magnífica verdade das vidas sucessivas, que já possui em seu ativo toda

uma coleção de fatos relativos às recordações de existências anteriores,

ou à predição de reencarnações que mais tarde se verificam tais como

anunciadas.

Os fatos espíritas receberam a consagração do tempo, resistiram a

todos os métodos críticos a que foram submetidos, e, em nossos dias,

com a evolução operada nas teorias científicas, vêmo-las convergir para

as que Allan Kardec e os Espíritos sempre ensinaram.

Sugestão de Leitura Suplementar

- “Enciclopédia de Parapsicologia, Metapsíquica e Espiritismo” -

3 volumes João Teixeira de Paula. Cultural Brasil Editora Ltda. 3°

edição.

- Coleção da Revista “Estudos Psíquicos”, fundada em Lisboa,

Portugal, por Maria Gonçalves Duarte Santos – volumes referentes à

décadas de 1950 e 1960.

- Os livros da Codificação do Espiritismo e “Obras Póstumas”

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- “Viagem Espírita em 1862” em que se relatam os

pronunciamentos de Allan Kardec a diversos grupos espíritas franceses

- Edições “O CLARIM”.

- “ALLAN KARDEC” - Pesquisa Biobibliográfica e Ensaios de

Interpretação. Zêus Wantuil e Francisco Tbiesen. Edições FEB – 3ª

Edição.

- “Memórias Históricas do Espiritismo na Bahia”. Lúcia Silva.

Edições TELMA - 1ª edição

- “Afinal Quem Somos?” Pedro Granja. Editora Brasiliense Ltda

- 4ª edição.

- Resumo da Doutrina Espírita. Gustave Geley. LAKE - 3ª edição.

- Allan Kardec e o Espiritismo. Chrysanto de Brito. Editora ECO

- 1ª edição.

- Noções Básicas da Doutrina Espírita” . Alberto Pavam - 1ª

edição

- “O Espiritismo”. Paul Gibier. Edições FEB – 3ª edição 196 ::

- “Revista Educação Espírita”. Coordenação José Herculano Pires.

EDICEL - 7 volumes

- “O Fenômeno das Mesas Falantes” José Lhomme Edições ECO

- Ia edição em português

- “Ponderações Doutrinárias”. Deolindo Amorim. Edições FEB –

1ª edição.

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Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo

- “Vida e Obra de Allan Kardec”. André Moreil. EDICEL – 1ª

edição.

- “O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas”. Deolindo

Amorim. Livraria Ghignome Editora - 33 edição

- “As Mesas Girantes e o Espiritismo”. Zêus Wanteil. Edições

FEB.

- “Elucidações Kardecistas”. Carlos Bemardo Loureiro. Livraria

Espírita. “Alvorada” – 2ª edição.

- “O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária”.

Canuto Abreu. Edições LFU – 1ª edição. Enciclopédia Consultada:

“Novíssima Enciclopédia Delta Larousse”. Editora Delta S/A.