Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

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1 Enny José Pereira Parejo ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar privilegiada para o Sentipensar privilegiada para o Sentipensar privilegiada para o Sentipensar privilegiada para o Sentipensar Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação-Currículo. Orientador: Profª Dra. Maria Cândida Moraes. Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2008

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Enny José Pereira Parejo

ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinarESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinarESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinarESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar

privilegiada para o Sentipensarprivilegiada para o Sentipensarprivilegiada para o Sentipensarprivilegiada para o Sentipensar

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título

de Doutor em Educação-Currículo.

Orientador: Profª Dra. Maria Cândida Moraes.

Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2008

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Folha de AprovaçãoFolha de AprovaçãoFolha de AprovaçãoFolha de Aprovação

Aprovado em ___/___/_______

Banca Examinadora

___________________________________________

Ecleide Cunico Furlanetto

Profa. Dra. em Educação-Currículo (UNICID)

___________________________________________

Sonia Regina Albano de Lima

Profa. Dra. em Comunicação Semiótica (UNESP)

___________________________________________

Lucila Maria Pesce de Oliveira

Profa. Dra. em Educação-Currículo (PUC)

___________________________________________ Ivani Catarina Arantes Fazenda

Profa. Dra.em Antropologia (USP)

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DedicatóriaDedicatóriaDedicatóriaDedicatória

Dedico este trabalho à minha Mestra e orientadora Maria Cândida Moraes, por tudo o que me tem dado, tanto que as palavras

sozinhas não conseguem dizer.

A Luiz Carlos, meu marido; Nilo, meu filho; e a meu pai, que durante todo esse processo suportaram pacientemente tantas

ausências.

À minha mãe que, de algum lugar nesse imenso cosmo, deve estar vendo e vibrando, pois sempre vibrou mais que eu, e antes

de mim em tudo o que me foi importante.

A todos os meus alunos, de ontem e de hoje, com quem aprendo diariamente o que é necessário aprender e ensinar.

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AgradecimenAgradecimenAgradecimenAgradecimentostostostos

Agradeço aos sujeitos dessa pesquisa, Matheus, Adriana, Giba, Liebe, Jaques e Rodrigo, que tão generosamente aceitaram estar

comigo nessa jornada, descortinando sua intimidade e construindo um processo que para mim será inesquecível.

Agradeço à Adriana Rocha Bruno pelas sábias orientações dadas,

inclusive fora dos momentos previstos.

À Yonne Santiago, um anjo de última hora, pela iluminação de

meu trabalho com sua revisão dedicada, que vai muito além do texto.

À Tatiane Clauzet, que gentilmente cedeu o uso das imagens de suas maravilhosas obras plásticas que tanto enriqueceram meu

escrito.

Agradeço a Deus por suas conspirações divinas e

milimetricamente precisas, sem as quais teria sido muito difícil encontrar os meios para finalizar este trabalho.

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SintoniaSintoniaSintoniaSintonia

Estar sempre perto das invenções.

Gostar das coisas impossíveis e

Estar sempre aqui e agora.

Fertilizar corações

Adubar as razões

Amar as sementes e

Semear raízes caules folhas flores e frutos.

Solfejar palavras e gritar canções.

Lamber os dias as noites os sóis as luas

Varrer calçadas e ruas

Sonhar a vida e a morte

Romper os laços de azar e sorte

Vacinar todas as intrigas

Sorrir em paz a paz

Ironizar as brigas

Fermentar anseios e

Idolatrar as mãos amigas

Cismar as mesmas encimesmações

Renovar os foliões e

Perfurar atrizes nos seus atos mais tácitos ou sublimes.

Enfeitar as fantasias com seus crimes

Enfeitiçar feitiços alucinantes

Alucinar os céus mais deslumbrantes

E deslumbrar os ais

Dos pensamentos mais fulgurantes

Vencer os invencíveis medos em todos os instantes e

Amar amores... os mais significantes ...

Pois que todos são...

E estar sempre por perto nas horas das invenções.

Yonne Santiago - 1978

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ResumoResumoResumoResumo

O presente estudo tem por finalidade investigar o Sentipensar, ou

seja, a maneira pela qual sentimento e pensamento bem articulados,

adquirem uma dimensão passível de contemplar as necessidades de uma

Educação mais abrangente, destinada a um ser humano multidimensional.

A proposta de Sentipensar emerge do trinômio Sentir-Pensar-Agir e,

se viabiliza na prática a partir da Aprendizagem Integrada, na qual, impacto

emocional, multissensorialidade, ambientes e climas favoráveis – entre

outras características – possibilitam uma aprendizagem vívida e significativa

para o sujeito, capaz de ‘reencantar’ o processo educacional.

Neste estudo, a Escuta Musical é apresentada como uma atividade

integrativa, uma estratégia didática privilegiada para o Sentipensar, dentre

outras estratégias possíveis. A pesquisa partiu do pressuposto que a Escuta

Musical – por suas características intrínsecas que afetam ao ser humano de

diversas formas, algumas bastante prazerosas – pode promover a

reintegração das dimensões humanas e reinserir organicidade no processo

educacional, por meio da articulação entre razão e sensibilidade,

pensamento reflexivo e vivência. O interesse pela temática partiu de minhas

experiências pessoais e da observação atenta de centenas de alunos que

tiveram o mesmo tipo de experiência. O foco central é descobrir se, a

estratégia de Escuta Musical efetivamente tem, e por quê, o poder de

potencializar o pensamento reflexivo, como parece ser o caso.

Historicamente, somos seres cindidos; desde que Descartes afirmou

“penso, logo existo”, e antes dele, Platão enalteceu o mundo das idéias em

oposição ao mundo dos sentidos; e antes ainda, os estóicos adotaram por

ideal “a imperturbabilidade da alma por paixões” (ataraxia); o corpo foi para

um lado – res extensa –, a alma para o outro – res cogitans. Estas idéias

proferidas por grandes pensadores, plasmaram visões de mundo que

estavam em curso, em suas respectivas épocas; e, implantaram-se

firmemente em nossas concepções mais íntimas, tornando-se “o paradigma”

da cultura ocidental, para os últimos trezentos anos.

Opor-se a tais pensadores e à força dos processos engendrados por

suas idéias, exigiu a espera de séculos e do prenúncio do séc. XX quando, a

partir da Biologia, teve início o resgate da organicidade do todo; e um pouco

mais tarde, com a revolução científica do início do séc. XX – Teoria Quântica

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e Relatividade –, o pensamento sistêmico integrativo se alastrou por todas

as áreas – da biológica à social, do infinitamente pequeno ao infinitamente

grande.

Este movimento, em busca da totalidade e de uma concepção

unificadora de mundo, está nos convidando a assumir uma nova perspectiva:

o paradigma Eco-sistêmico. O caminho iniciado nos confins inacessíveis da

ciência começa, paulatinamente, a passar pela vida das pessoas comuns,

pela história do cotidiano. As resistências são muitas, mas os primeiros

passos foram dados.

As teorias que fundamentam esta pesquisa preparam a concretização

de um novo projeto: a Complexidade nos oferece a possibilidade de lidar

com o paradoxo e incorporá-lo; a Transdisciplinaridade, através da lógica

aberta do Terceiro Incluído, orienta a expansão do olhar sobre o mundo e

sobre o indivíduo; o Sentipensar insere estas idéias no ambiente

educacional. Todas juntas, nos conduzem à era da consciência planetária.

PalavrasPalavrasPalavrasPalavras----chave:chave:chave:chave: Escuta Musical. Aprendizagem Integrada. Complexidade.

Transdisciplinaridade. Sentipensar.

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AbstractAbstractAbstractAbstract

This study aims to investigate Sentipensar, that is, the way in which

feelings and well articulated thinking acquire a dimension which is capable

of contemplating the needs of a multidimensional human being’s broader

education.

The proposed Sentipensar comes from the trinomial Feel-Think-Act

[in the Portuguese language, Sentir-Pensar-Agir]. In practice, it makes

Integrated Learning possible, in which, emotional impact, multi-sensoriality,

favorable climates and environments, among other features, enable a vivid

and significant learning situation for the subject, capable of 're-enchanting'

the educational process.

In this study, Musical Listening is presented as an integrative activity,

a privileged didactic strategy of Sentipensar, among other possible

strategies. The search started with the assumption that Musical Listening –

through its intrinsic characteristics that affect human beings in various

ways, some quite pleasant - can promote the reintegration of human

dimensions and reinject organicity in the educational process, through the

link between reason and sensitivity, reflexive thinking and experience.

Interest in this theme began with my personal experiences and careful

observation of hundreds of students who had the same kind of experience.

The main focus is to discover whether the strategy of Musical Listening

effectively has the power to enhance reflexive thinking, as seems to be the

case, and to discover why it has such power.

Historically, we are separate and distinct beings; since Descartes said

"I think, therefore I am", and before him, Plato praised the world of ideas as

opposed to the world of the senses, and even before Plato, the Stoics

adopted as their ideal the "imperturbability of the soul by desire" (ataraxia),

the body going to one side - res extensa - the soul to the other - res

cogitans. These ideas proffered by great thinkers developed visions of the

world that were current in their respective times, and established

themselves firmly in our most intimate concepts, becoming the paradigm of

Western culture for the last three hundred years.

Opposing such thinkers and the strength of the processes generated

by their ideas required waiting for centuries, and for the harbinger of the

twentieth century when, beginning with biology, the rescue of the organicity

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of the whole began, and a little later, with the beginning of the scientific

revolution of the twentieth century - Relativity and Quantum Theory -

integrative systemic thinking was spread to all areas - from biological to

social, from the infinitely small to the infinitely large.

This movement, in search of totality and a unifying concept of the

world, is inviting us to take a new perspective: the Eco-systemic paradigm.

The journey that started in the inaccessible frontiers of science begins,

slowly, to affect the life of common people in their everyday life. There is

much resistance, but the first steps have been taken.

The theories underlying this research prepare the way for the

implementation of a new project: Complexity gives us the opportunity to

deal with paradox and incorporate it; Transdisciplinarity, through open logic

of the Included Third, guides the expansion of a look at the world and at the

individual. Sentipensar inserts these ideas in the educational environment.

All together, it leads us to the era of planetary consciousness.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Musical Listening. Integrated Learning. Complexity.

Transdisciplinarity. Sentipensar.

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SumárioSumárioSumárioSumário

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................11113333

Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)....................................................................................................................................................................................................................................................................................20202020

1. O Problema de Pesquisa1. O Problema de Pesquisa1. O Problema de Pesquisa1. O Problema de Pesquisa............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................25252525

1.1 A trajetória: de algumas inquietações ao problema.......................................26

1.2 Objetivos da tese............................................................................................31

1.3 Justificativa.....................................................................................................32

1.4 Enquadramento teórico...................................................................................33

1.4.1 A Teoria da Complexidade de Edgar Morin............................................34

1.4.2 O Paradigma Educacional Eco-sistêmico de Maria Cândida Moraes.....35

1.4.3 Sentipensar - teoria e prática para reencantar a Educação...................37

1.4.4 A concepção de emoções e sentimentos de Antonio Damásio...............39

1.4.5 Basarab Nicolescu e a Transdisciplinaridade.........................................40

2. Metodologia2. Metodologia2. Metodologia2. Metodologia...................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................42...................................42...................................42...................................42

2.1 Abordagem da pesquisa...................................................................................43

2.2 Breve histórico da abordagem qualitativa.......................................................44

2.3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de

Desenvolvimento Eco-sistêmico......................................................................48

2.3.1 Princípios filosóficos na metodologia de

Desenvolvimento Eco-sistêmico.............................................................51

2.3.2 Questões metodológicas na pesquisa de

Desenvolvimento Eco-sistêmico.............................................................54

2.3.3 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa de

Abordagem Eco-sistêmica.......................................................................57

3. A Complexidade: um novo paradigma 3. A Complexidade: um novo paradigma 3. A Complexidade: um novo paradigma 3. A Complexidade: um novo paradigma

para reencantarpara reencantarpara reencantarpara reencantar a Educaçãoa Educaçãoa Educaçãoa Educação................................................................................................................................................................................................................................................................................................................60606060

3.1 Um mundo fragmentário...................................................................................64

3.1.1 Mas... O que é Complexidade?.................................................................66

3.1.2 Inteligência cega: O paradigma simplificador.........................................67

3.1.3 Século XVI - uma revolução paradigmática:

o paradigma tradicional mecanicista.......................................................70

3.2 Fragmentação e mecanicismo na situação escolar.........................................74

3.2.1 Análise dos problemas educacionais à luz dos operadores

cognitivos da Complexidade.....................................................................76

3.3 Conclusões (sempre) provisórias: uma possível era do sujeito.....................86

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4. 4. 4. 4. SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar:::: por uma educação qpor uma educação qpor uma educação qpor uma educação que religue Razão,ue religue Razão,ue religue Razão,ue religue Razão,

Emoção e SensibilidadeEmoção e SensibilidadeEmoção e SensibilidadeEmoção e Sensibilidade ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................99992222

4.1 O que é Sentipensar?......................................................................................96

4.2 Educar para Sentipensar: princípios filosóficos básicos................................98

4.3 Aprendizagem integrada: estratégias e práticas do Sentipensar................103

4.3.1 Características metodológicas da aprendizagem integrada.................106

4.4 Ser humano multidimensional........................................................................110

4.4.1 Circuitos integradores...........................................................................111

4.4.2 O corpo como possibilidade de renovação da experiência humana.....113

4.5 Fundamentos neuropsicológicos do Sentipensar: interdependência

entre regiões subcorticais e neocorticais na racionalidade..........................116

4.5.1 Emoções e Sentimentos........................................................................120

4.5.2 A cadeia Emoção-Sentimento................................................................122

4.6 A Escuta Musical............................................................................................126

4.6.1 Ouvir ou escutar música?......................................................................126

4.6.2 Como processamos os sons?................................................................127

4.6.3 De onde provêm a força emocional da música?....................................130

4.6.4 Benefícios neuropsicológicos da Escuta Musical..................................132

4.6.4.1 Memória emocional.....................................................................132

4.6.4.2 Música e relaxamento.................................................................135

4.6.4.3 Ação anti-estresse da música....................................................136

4.6.4.4 Arrepios musicais.......................................................................137

4.7. Música e cognição....................................................................................138

4.7.1 Efeitos de transferência.................................................................138

4.7.2 A sintaxe musical e a cognição......................................................140

4.7.3 A teoria dopaminérgica dos sentimentos positivos......................141

5. Transdisciplinaridade: Abertura 5. Transdisciplinaridade: Abertura 5. Transdisciplinaridade: Abertura 5. Transdisciplinaridade: Abertura do do do do Olhar sobre o MundoOlhar sobre o MundoOlhar sobre o MundoOlhar sobre o Mundo ............................................................................................................................141414145555

5.1 O espírito transdisciplinar: comentário de uma experiência........................147

5.2 A trindade transdisciplinar: Complexidade, Níveis de Realidade e

o Terceiro Incluído..........................................................................................152

5.3 A Escuta Musical como estratégia transdisciplinar......................................162

6. A Pesquisa de Campo6. A Pesquisa de Campo6. A Pesquisa de Campo6. A Pesquisa de Campo........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................111166664444

6.1 Uma experiência de Sentipensar em sala de aula.........................................168

6.2 A disciplina Didática do Ensino Musical........................................................170

6.3 Perfil dos participantes..................................................................................173

6.4 Descrição da pesquisa....................................................................................176

6.4.1 A estratégia inicial de Escuta Musical..................................................178

6.4.2 Instrumentos de coleta de dados.........................................................181

7. Análise dos Dados7. Análise dos Dados7. Análise dos Dados7. Análise dos Dados.....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................18.............18.............18.............187777

7.1 Categorias para análise dos dados................................................................188

7.1.1 Abertura do olhar...................................................................................189

7.1.2 Fluxos energéticos.................................................................................198

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7.1.3 Dialogicidade processual.......................................................................205

7.1.4 Transcendência......................................................................................212

7.1.5 Percepção da estratégia de Escuta Musical pelos sujeitos..................217

Conclusão e Considerações FinaisConclusão e Considerações FinaisConclusão e Considerações FinaisConclusão e Considerações Finais .............................................................................22.............................................................................22.............................................................................22.............................................................................222222

EpílogoEpílogoEpílogoEpílogo...........................................................................................................................................2...................................................................................................................2...................................................................................................................2...................................................................................................................241414141

Referências BibliográficasReferências BibliográficasReferências BibliográficasReferências Bibliográficas ........................................................................................24........................................................................................24........................................................................................24........................................................................................243333

AnexosAnexosAnexosAnexos.............................................................................................................................................................248.............................................................................................................248.............................................................................................................248.............................................................................................................248

Anexo 1 - A música do grupo (Áudio)..........................................................250

Anexo 2 – Relação das músicas utilizadas na estratégia

de Escuta Musical ao longo da pesquisa.......................................250

Anexo 3 – Transcrição da fita da avaliação final do

curso de Didática do Ensino Musical............................................251

Anexo 4 - Respostas ao questionário semi-estruturado.............................260

Anexo 5 – Letras de músicas........................................................................263

Anexo 6 – Historinha para ouvir – Estória da Estrelinha (Áudio)................265

Anexo 7 – Carta da Transdisciplinaridade....................................................265

Anexo 8 - Partitura gráfica e Pentagrama....................................................268

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Ampulheta do Horizonte Tatiana Clauzet

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Cenário transdisciplinarCenário transdisciplinarCenário transdisciplinarCenário transdisciplinar

Fim de tarde. O universo parecia conspirar para que tudo fosse perfeito: o azul profundo – do céu e do mar; uma brisa cálida, quase uma carícia – de olhos fechados, eu poderia me sentir na intimidade da cozinha, com o forno ligado preparando alguma coisa gostosa que em seguida eu comeria; a temperatura era muito agradável, uma espécie de útero materno, azul, envolvente; as crianças corriam, era o epílogo da brincadeira, a noite viria e iríamos embora, talvez por isso brincassem ainda mais intensamente.

Dentro de mim havia alguma sombra indefinível, um certo não sei quê – medo, dúvida, incerteza? – que se insinuava, turvando a perfeição do momento. As crianças brincam com uma intensidade que somente elas conseguem experimentar, eu pensava, enquanto percebia que o teatro de meu corpo era diferente do grande teatro da natureza que estava em volta de mim.

Num instante quase precipitado, fui até a beira da água – ela também estava quase morna, deliciosa; pude sentir seu toque de forma prazerosa, nos pés. Deitei-me. Abri e soltei braços e pernas. Fechei os olhos. No vai-e-vem suave das pequenas ondas, pude sentir aquela mornidão tomar conta do meu corpo, a sensorialidade se intensificou esvaziando a minha mente. Agora eu vivia apenas para esperar a próxima carícia.

Abri os olhos. Eu estava no azul. Eu não podia ver mais nada, apenas o azul. Minha visão periférica não percebia montanhas, pedras ou pessoas. De fato não havia coisa ou objeto que eu pudesse ver. Até o limite só havia o azul; percebi que o azul do mar se fundia com o azul do céu e, pouco a pouco, algo se delineou – um contorno, redondo, ligeiramente fluorescente: as bordas da Terra!!

Pude perceber que a Terra é redonda. Não, isso é muito pouco, pude sentir com meu corpo que a Terra é redonda, e muito além disso; pude me dar conta naquele momento que nada me separava da imensidão, minhas partículas estavam vagando pelo cosmo e as dele estavam entrando em mim, eu fazia parte de tudo aquilo... eu faço parte de tudo isso.

Naquele dia percebi, pela primeira vez, que eu estava à beira do oceano cósmico, em contato direto e carnal com a imensidão do espaço infinito!!

Ouvi alguém ou alguma coisa, o que me fez sair do grande azul. Levantei-me e, em princípio, foi como levitar; os pés mal sentiam o chão, sentia-me expandida, como se não houvesse ninguém ou nada capaz de me deter.

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A experiência sensorial total, como a que acabo de descrever, sempre

atraiu minha atenção. Possivelmente, por ser musicista e ter iniciado minha

formação com uma professora marcante, com quem pude ter os mais

variados tipos de experiências criativas e vivenciais. O conservatório tomou

o lugar dessa pessoa extraordinária, com sua carga de tecnicismo

mecanicista – além da cultura totalmente européia – que lhe é peculiar.

Tecnicismo1 e Mecanicismo2 não são prerrogativas especiais da

formação musical, mas permeiam nosso sistema educacional como um todo,

o que faz com que o pensamento racional – e mais que isso, racionalista –

seja a meta a alcançar. Isso quer dizer que os estudos assumem

características de esterilidade, no que diz respeito à possibilidade de

encantamento para o ser humano. A forma de estudar, as estratégias e

técnicas utilizadas, não são apenas mecanicistas, mas também, em geral,

reducionistas3; tomam a parte pelo todo, currículos e seres humanos se

reduzem a apenas um ou a alguns de seus aspectos. A maneira de estar em

uma sala de aula se torna desincorporada, afastada da experiência concreta;

pois, a possibilidade da experiência concreta e significativa só passa a

existir quando se considera o indivíduo multidimensional que é o aluno e a

realidade multidimensional na qual nos inserimos todos.

Falar da incorporação de experiências vivenciais, em uma sala de aula

comum, significa falar da reconciliação de todas as dimensões humanas e do

reconhecimento de um ser humano não apenas racional, mas também

1 Predomínio da técnica em detrimento da expressividade.

2Concepção de mundo segundo a qual o cosmos e os seres humanos são máquinas dependentes de

mecanismos para seu funcionamento. Não há outra explicação possível, e nenhum sentido de

finalidade. 3 O reducionismo considera os fenômenos a partir de um ou alguns de seus aspectos, tomando-os

pelo todo, o que proporciona uma visão incompleta do objeto considerado.

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sensível, e ainda, de estratégias didáticas que possam contemplar a todas as

vertentes desse ser.

Sensibilidade, emoção e corpo andam juntos; e, juntos permanecem à

margem do processo educacional. A questão é intrincada; ao excluir o

corpo, excluímos emoção (não nos esqueçamos que a emoção é um produto

da fisiologia) e, conseqüentemente, a sensibilidade e os sentimentos (que

nada mais são do que a experiência consciente de nossas emoções); tudo

isso dá margem a processos educacionais desencantados, e a relações

humanas autoritárias, nas quais é possível tornar-se insensível ao ser do

outro.

Eis o grande problema da visão ocidental: fragmentar e sempre

fragmentar. A cisão cartesiana veio corroborar nossa mania fragmentadora

e reafirmou a supremacia da racionalidade sobre todas as outras dimensões.

O ser humano se tornou fragmentário.

Sendo educadora musical e formadora de outros educadores, e tendo

sido oprimida em minha sensibilidade pela fragmentação avassaladora do

paradigma mecanicista, me pareceu fundamental contribuir de alguma forma

efetiva para a transformação dessa realidade. Em minha trajetória, encontrei

pessoas e pensamentos extraordinários que poderiam lançar luzes ao

caminho. Primeiro, aquela professora de música maravilhosa, à qual me

referi anteriormente, com quem pude viver a experiência de meu ser

integral na tenra infância; depois a música, pois, em meio ao mecanicismo

das práticas e ao autoritarismo, consegui estabelecer com ela uma relação

que era só minha e que era emocionante; depois, encontrei grandes teorias

de diversas áreas com as quais possivelmente passarei o resto de minha

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vida, sentindo-me cada vez maior (e menor): a Teoria Quântica4, a Teoria

dos Sistemas5, a Teoria da Autopoiese6, a Teoria da Complexidade, o

Pensamento Eco-sistêmico7, a Transdisciplinaridade e a Teoria do

Sentipensar. Todas essas teorias, de uma maneira ou de outra, nos acenam

para a mudança de paradigma, pois trazem em seu bojo a conexão, uma

concepção integradora de ser humano e a consciência de que fazemos parte

de um todo muito maior.

Meu desejo de transformação e o instrumental de que dispunha me

fizeram chegar ao Doutorado com o tema da Escuta Musical, como uma

estratégia de Sentipensar, pois a música sempre foi meu porto seguro e o

sentipensamento me ofereceu a possibilidade de reunir as dimensões

dicotomizadas do ser humano – sentir e pensar.

Ao longo de minha trajetória, estive muitas vezes à beira de cair num

extremo, o da vida sensorial pela vida sensorial, ao concentrar toda a minha

energia no aspecto vibratório e sensível da música. Minha experiência

pessoal, tanto quanto a de meus alunos, acenaram para uma abrangência

muito maior; os relatos de transformações pessoais e profissionais, o

desenvolvimento de faculdades de reflexão e sociabilidade, me fizeram ver

que a música poderia contribuir muito mais do que eu havia pensado. Em

meio ao caos dos pensamentos, conheci minha orientadora, o pensamento

sistêmico e as idéias do Sentipensar, e percebi que esse era o caminho.

4 A teoria quântica estuda o mundo infinitamente pequeno das partículas subatômicas e suas

propriedades. Será abordada com mais detalhes ao longo deste estudo. 5 A teoria dos sistemas estuda todos os seres, objetos e processos do ponto de vista da totalidade.

Ter uma concepção sistêmica de alguma coisa, significa ter uma visão global, integrada. 6 Do grego: auto = próprio, poiesis = criação; a palavra autopoiese significa autocriação. A Teoria é

de autoria de Humberto Maturana e Francisco Varela, e nos explica que todos os seres vivos são

autocriadores, no sentido de que, na interação com o ambiente, são capazes de renovar suas

estruturas continuamente, garantindo a manutenção da vida. 7 O Pensamento Eco-sistêmico, as teorias da Complexidade, da Transdisciplinaridade e do

Sentipensar serão abordados com mais detalhes no Enquadramento Teórico (Capítulo 1)

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A Escuta Musical poderia ser uma estratégia de conciliação entre

razão e emoção, entre experiência sensível e cognição, entre vivência e

reflexão; poderia ser um meio eficiente para promover essas conciliações

em sala de aula, em qualquer sala de aula; não somente na sala de música;

não somente na educação infantil ou no ensino fundamental, mas na

faculdade, na pós-graduação ou em qualquer outro lugar no qual

acontecesse a relação formal de ensino-aprendizagem. Logo, percebi que a

Escuta Musical poderia ser uma estratégia privilegiada para o Sentipensar.

E esse foi um grande e iluminado momento de minha existência.

No primeiro capítulo deste escrito, abordarei a origem do problema de

pesquisa, delimitarei o tema, os objetivos, a relevância pessoal e social das

temáticas abordadas e o enquadramento teórico, através do qual pretendo

fundamentar minhas hipóteses.

No segundo capítulo, apresentarei a metodologia de pesquisa. Trata-

se de uma nova abordagem dentro da pesquisa qualitativa, a Metodologia de

Desenvolvimento Eco-sistêmico, cujos princípios e procedimentos se

adequam perfeitamente a um mundo compreendido como processo e

transformação.

O terceiro capítulo trará o pano de fundo essencial para esta pesquisa

– a Teoria da Complexidade – através da qual se torna possível o

questionamento do paradigma mecanicista vigente e a análise de suas

conseqüências para o processo educacional.

O quarto capítulo apresentará o conceito de Sentipensar e seus

princípios, a aprendizagem integrada como forma prática e concreta para

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viabilizar o sentipensamento, a fundamentação neuropsicológica do

Sentipensar e dos efeitos da Escuta Musical.

O quinto capítulo, sobre a Transdisciplinaridade, apresenta o trinômio

de sustentação da teoria: complexidade, níveis de realidade e terceiro

incluído, e analisa a escuta musical sob o ponto de vista de uma lógica

ternária, com aberturas consistentes para regiões íntimas da subjetividade

humana.

O sexto capítulo explica e descreve a dinâmica da pesquisa de campo,

seu espaço concreto de realização, os instrumentos utilizados para a coleta

de dados e o perfil dos participantes.

A análise dos dados obtidos tem lugar no sétimo capitulo, a partir de

alguns focos específicos de observação, que emergiram do arcabouço

teórico utilizado, e também do processo vivenciado durante o tempo da

pesquisa.

Page 20: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

20

Mapa ConceitualMapa ConceitualMapa ConceitualMapa Conceitual

Abertura Incorporação do paradoxo Multidimensionalidade Ética e valores

Sentir Criatividade Emoção

Corpo

Pensar Agir Reflexão Aprendizagem Integrada

Brecha microfísica (Quântica)

PARADIGMA

ECO-SISTÊMICO PARADIGMA

MECANICISTA

Fragmentação Mecanicismo Tecnicismo Reducionismo Causalidade

Não-fragmentação Organicidade Expressividade Abrangência Não-linearidade

COMPLEXIDADE

EDUCAÇÃO SENTIPENSAR

TRANSDISCIPLINARIDADE

ESCUTA MUSICAL

Cisão Cartesiana: anulação do sujeito

Ressurreição do Indivíduo

Brecha macrofísica (Relatividade)

Page 21: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

21

RRRRevisão da Literaturaevisão da Literaturaevisão da Literaturaevisão da Literatura

Não sou um ser acadêmico. Isto é certo. Nunca projetei – como tantos

e tantas – minha entrada nesse mundo mais formalizado dos estudos.

Quando li pela primeira vez as normas da ABNT, senti a mesma sensação

descrita ao início – “um certo não sei quê – medo, dúvida, incerteza?”. O que

para tantas pessoas nada mais é do que uma necessidade, uma pequena

pedra a mais do caminho escolhido, para mim representava um enorme

desafio. No entanto, por ter sempre amado a escrita, salvei-me na jornada.

Escrevo um diário, escrevo confidências ao meu filho, escrevo enquanto

espero alguma coisa. E assim, o ato de escrever me inseriu no mundo

acadêmico.

Sou um ser vivencial. Isto também é certo. Parece-me muito natural

iniciar uma aula de didática fazendo a roda com meus alunos, de mãos

dadas, colocando alguma música, contando alguma estória, ou sugerindo

uma parada – alguns momentos de esvaziamento mental. Por isso, desejei

escrever um trabalho que pudesse ser acadêmico, até certo ponto, mas que

jamais perdesse o contato com meus alunos, ou com qualquer pessoa

comum que desejasse entrar no assunto. Não desejei escrever apenas para

meus pares da academia; e, essa é também a razão para escrever de forma

quase redundante, com muitas explicações, muitas notas de rodapé, muitas

idas e vindas. Uma coisa é certa: por alguma razão, o mundo acadêmico se

apossou de mim, talvez por necessitar demais dessa “coisa dionisíaca” que

posso oferecer; e, talvez ainda, por eu necessitar demais de sua sistemática

apolínea.

Page 22: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

22

O tema de minha pesquisa é imenso, macroconceitual8, reúne o

Sentipensar e a Transdisciplinaridade. Seria perfeitamente possível

escrever uma tese inteira tendo por base única, a Teoria do Sentipensar, ou

a Teoria da Transdisciplinaridade. Tudo é grandioso: o tema, as teorias e

suas implicações; foi difícil fazer um recorte nessa imensa teia, mas eu

preferi assim, e preferi porque sei que esse trabalho será utilizado por

muitos que pouco conhecem de tudo isso, mas que querem muito conhecer;

e também, para apresentar mais uma idéia pouco acadêmica: eu diria que,

para um educador, é melhor voltar ao humanismo, é melhor tentar saber um

pouco de tudo o que existe, pelo menos até que se possa escolher um ponto

focal.

Meu tema de pesquisa parte da necessidade de conceber o aluno, o

processo educacional e a realidade a partir de uma perspectiva

multidimensional. Todas as teorias que estão em jogo neste trabalho me

oferecem essa possibilidade, porém parece-me que, nenhuma de forma mais

completa que a da Complexidade; essa teoria oferece uma base filosófica

muito consistente, para que se possa unir conceitos aparentemente opostos,

mas complementares, como é o caso de ‘sentir e pensar’ (nesse sentido,

considero-a também como base de fundamentação do Sentipensar); nos

oferece solução de continuidade entre a vida biológica, a vida social e a vida

planetária, e – muito importante – nos ensina a ver o mundo de forma não-

fragmentária. Ao incorporar toda a transformação que adveio das brechas

microfísica (Teoria Quântica) e macrofísica (Teoria da Relatividade), como

nos ensina Morin em diversas de suas obras. A Complexidade pode

constituir uma base filosófica sólida que fundamenta qualquer fenômeno que

8 Um macroconceito associa conceitos atômicos e simples - algumas vezes antagônicos - e os

articula de forma coerente, levando à compreensão de idéias ainda mais abrangentes.

Page 23: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

23

ocorra em nosso mundo e que aspire, de alguma forma, ser compreendido

como totalidade integrada.

A meu ver, Sentipensar está para o processo educacional assim como

a Complexidade está para a vida, unindo opostos, abrindo fronteiras para um

mundo mais integrado, consciente e adequado para a vida. No Sentipensar,

reunimos todas as facetas cindidas do aluno, do professor e do processo

educacional: contemplamos o ser sensível, criativo, e também o ser

cognitivo; consideramos o indivíduo e sua subjetividade, mas também o ser

relacional; abordamos conteúdos inovadores e, coerentemente, estratégias

de aprendizagem integrada multissensoriais e impactantes; tratamos do

conhecimento, mas também dos ambientes, espaços e climas que favorecem

sua construção.

E a Transdisciplinaridade? O que dizer sobre ela? Ela poderia nem

estar nesta tese (seria mais ou menos como ser criança e dispensar a

sobremesa). A Transdisciplinaridade é uma licença poética? Sim, eu a

considero dessa forma, neste contexto. Porém, é através dela que o

encantamento se efetiva, pois, através de sua lógica aberta, todas as

peculiaridades mais íntimas da subjetividade se reafirmam; através dela, se

torna possível a grande viagem por mares interiores, por dimensões até

bem pouco tempo negadas; através dela, acessamos o ser interior mais

profundo, a autodescoberta, e também aprendemos o respeito às

alteridades. A Transdisciplinaridade é o espaço privilegiado do indivíduo, e

eu não desejei privar meu leitor desse espaço.

Além dessas teorias que foram aqui exploradas a partir de uma

perspectiva filosófica, faltava-me ‘alguma ciência mais dura’, pensei eu

(certamente, todos esses séculos de paradigma mecanicista continuam a

Page 24: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

24

atuar sobre mim de alguma forma); encontraremos então, em especial no

Capítulo 4, a descrição de uma série de estudos neurológicos atuais, que me

auxiliaram na fundamentação dos processos de emoção, sentimento,

cognição musical e efeitos da escuta musical.

O desejo de oferecer um ‘cardápio variado’, e de me tornar acessível

a um público maior, fez com que eu inserisse enquadramentos teóricos nos

Capítulos 3, 4 e 5, e não somente num único capítulo de revisão da

literatura. Esse mesmo desejo, sem dúvida, fará com que muitos considerem

meu trabalho pouco científico. Enfim, são as escolhas da vida; eu fiz a

minha.

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25

1. O Problema de Pesquisa1. O Problema de Pesquisa1. O Problema de Pesquisa1. O Problema de Pesquisa

Lua Subindo no Sertão Tatiana Clauzet

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26

1.11.11.11.1 A trajetória: de algumas inquietações ao problemaA trajetória: de algumas inquietações ao problemaA trajetória: de algumas inquietações ao problemaA trajetória: de algumas inquietações ao problema

Desde a infância me dedico aos estudos musicais. Graduei-me e atuo

profissionalmente há vinte e cinco anos. Minha área específica de interesse

é a formação e atualização de professores de música, professores de

educação infantil e demais profissionais interessados na utilização da música

como recurso para o desenvolvimento da criança.

Durante os últimos dezoito anos – período que abrange minha

atividade como formadora de professores de música e educação infantil, na

Espanha e no Brasil – tive como preocupação básica a necessidade de levar

os professores à consciência da importância da música como fenômeno

essencialmente sensível, ou seja, música como som, freqüência vibratória e,

portanto, como fenômeno sensorial, fisiológico e emocional, antes de ser um

fenômeno de linguagem. Essa tomada de consciência me pareceu

fundamental como forma de oposição a um sistema de ensino/aprendizagem

musical extremamente racionalista, mecanicista e reducionista, baseado

quase que exclusivamente no tecnicismo da prática instrumental, na

decodificação e codificação da linguagem, e na comunicação verbal.

Realizei estudos especializados em pedagogia musical no Brasil e na

Europa (Espanha, França e Áustria). Na Espanha, tive a oportunidade de

participar de um projeto nacional de formação de professores de música que

visava a integração do país à comunidade européia, no período que vai de

1987 a 1992; não havia música no currículo escolar e havia urgência em

incluí-la. Minha atuação no projeto, coordenado pela Junta de Andalucia, no

sul do país, foi inesperada, tive então que me adequar a essa nova

necessidade.

Page 27: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

27

Uma das primeiras percepções que o contato com os professores

espanhóis me proporcionou foi a de que o processo de formação musical

era, na verdade, bem pouco musical, centrado na teoria, na leitura de

partituras e negligenciando o principal para uma arte dos sons: a

possibilidade de ouvir e sentir música. Foi um período profundamente

enriquecedor, a partir da relação dialética que mantive com variados grupos

de professores: ensinei, é certo, mas aprendi muito mais. Pude resgatar

algo que se tornaria para mim a pesquisa de uma vida: o poder sensorial da

música. Os cursos na Espanha tornaram-se espaços privilegiados de relação

humana, criatividade e vivências da emoção.

No Brasil, a partir de 1993, pude constatar problemas parecidos na

relação entre os professores e a música, apesar da realidade sociocultural

ser bem diferente nos dois países. Percebi que a relação entre as pessoas e

a música é profundamente afetada pelo paradigma educacional antigo, ao

qual me referi anteriormente, no qual fomos todos formados; no caso da

música, este paradigma privilegia o tecnicismo em detrimento da

expressividade e da formação humana; faz-se então necessário questioná-

lo. A busca de um novo paradigma educacional, que permitisse ter uma

visão mais global do aluno e dos processos de ensino/aprendizagem,

tornou-se para mim um ponto crucial.

Na cultura ocidental, o racionalismo e o mecanicismo têm dominado

nossas mentalidades, nossas formas de ação e interação humana, tornando-

as muitas vezes estéreis, desprovidas de beleza, significado, expressão e

sentido de humanidade; de tal maneira que, H. J. Koellreutter9 sempre se

9 Eminente compositor e pedagogo musical alemão, falecido em setembro de 2005, responsável pela

introdução, no Brasil, das correntes musicais vanguardistas do séc. XX, e pela formação de uma

geração de compositores brasileiros. Atuou no Brasil a partir de 1937.

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referia em seus cursos ao Positivismo10 e ao Mecanicismo como os

“inimigos número um” da educação musical.

Em meu trabalho de Mestrado explorei, sobretudo este tema; a

necessidade da música como arte sensível e sensibilizante, destinada a

seres humanos, interpretados como totalidades integradas de corpo, mente

e espírito, que pudessem ser, ao mesmo tempo, racionais e intuitivos,

lógicos e sentimentais, intelectuais e sensíveis. Minha proposta apresentou-

se, na verdade, como possibilidade de um novo paradigma existencial, ou

seja, como concepção sistêmica de seres humanos e processos

educacionais.

Naturalmente, a abrangência dessas questões, as entrevistas

realizadas junto a vários participantes de meus cursos, tanto quanto os

novos referenciais teóricos a que tive acesso, me fizeram rapidamente

perceber que eu não estava falando apenas de educação musical, mas sim,

de uma proposta de formação sensibilizatória que poderia vir a tornar-se um

instrumento metodológico para o desenvolvimento humano, uma ferramenta

educacional a serviço de alunos e profissionais de qualquer área de atuação.

Partindo então, de uma situação na qual era urgente conscientizar

pessoas sobre a importância do sentir, cheguei a uma outra situação que me

foi colocada pelos próprios entrevistados, que me vem sendo trazida no dia

a dia por alunos e professores, e que eu, de forma clara, já havia percebido

em minha experiência pessoal: parece existir uma articulação intrínseca,

uma filiação inalienável, entre sentir e pensar.

10

Corrente filosófica que interpreta a ciência como único conhecimento possível e válido. Qualquer

outro tipo de conhecimento, como por exemplo o metafísico, não tem valor. O Positivismo foi uma das

doutrinas de sustentação do progresso industrial e teve bastante influência no Brasil. Seu principal

expoente é Augusto Compte.

Page 29: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

29

Ao mesmo tempo, ao longo desses anos, passei por um processo de

mudança que considero uma evolução: se antes só me ocupava do sentir, da

intuição e do sentido humano e integrativo da minha ação e da ação dos

professores, nos últimos anos, em especial, percebi que era também

necessário refletir sobre tudo isso e levar os professores a refletirem

comigo. Havia neles uma tendência a querer obter sempre receitas didáticas

prontas para aplicação no próprio trabalho, enquanto em mim vivia o desejo

de que se emancipassem, de que se tornassem mais criativos, menos

dependentes daquelas atividades propostas. Em conseqüência desses

anseios, passei a ter outras preocupações. Se até há pouco tempo, me

colocava insistentemente a questão “como fazer com que os professores

sintam alguma coisa através da música?”, hoje tenho uma outra questão que

se agrega a essa: “como fazer com que os professores pensem sobre sua

prática?” E, mais que isso, “como fazer com que tomem gosto pela prática

reflexiva e, decisivamente, se apropriem dela?”

Além de procedimentos conhecidos e tradicionais da prática reflexiva,

tais como, ler, escrever, relatar, debater, partilhar idéias – que estou

passando a adotar cada vez mais –, posso perceber que o próprio ato de

sentir (entendido como uma tomada de consciência de emoções que leva a

sentimentos de bem-estar, alegria, completude, entre muitos outros

relatados pelos entrevistados), constitui-se num canal poderoso de abertura

à reflexão. O sentir parece potencializar, enriquecer e aprofundar o pensar;

em avaliações orais ou escritas, participantes dos meus cursos corroboram

essas percepções, o que me motiva ainda mais a continuar pesquisando o

assunto. Os professores referiram-se a essa questão de forma instigante,

com expressões do tipo “abrir a cabeça para novas experiências”, “ter

bagagem para poder pensar”, “considerar o indivíduo em toda a sua

Page 30: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

30

‘inteireza’”, “desenvolver o uso da intuição, da razão, da sensação e do

sentimento”; reportaram a tomada de consciência sobre temas essenciais à

educação: o desafio de colocar novas metas, a responsabilidade de

transmitir conteúdos, sem deixar de estabelecer pontes com a riqueza que o

aluno traz; e ainda, manifestaram percepção da dinâmica relacional que

envolve todo esse processo, da questão do necessário autoconhecimento do

professor, e do descortinar de um movimento interior consubstanciado em

aspectos cognitivos, sensoriais, emocionais e afetivos.

Através da fala dos professores pode-se perceber, ainda que de

forma não-intencional, que as atividades sensibilizatórias provocaram

inquietude, vontade de refletir, abertura para a transformação, e mudanças

efetivas. Passei a sentir a necessidade de compreender o conteúdo real e

íntimo dessas falas dos professores, no intuito de aprimorar meu trabalho

como formadora e a qualidade da formação que ministro, assim como

procurar contribuir para o avanço desse conhecimento no Brasil.

A busca por referenciais teóricos apropriados para empreender uma

reflexão de tal natureza, levou-me de encontro ao conceito de

“Sentipensar” elaborado por Saturnino de La Torre11, em 1996, e que

começa a ser divulgado no Brasil através do grupo de pesquisadores

coordenado por Maria Cândida Moraes12, do qual faço parte. Este novo

conceito nos resume de forma clara as aspirações de um novo paradigma

11

Saturnino de la Torre é um eminente educador e catedrático em Criatividade, da Universidade de

Barcelona, reconhecido internacionalmente. Mantém ativo intercâmbio de idéias e projetos com o

Brasil, em colaboração com Maria Cândida Moraes, através da PUC de São Paulo e de outras

instituições. 12

Maria Cândida Moraes é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e da

Universidade Católica de Brasília. Eminente pesquisadora brasileira, dedica-se ao estudo de teorias

importantes para a perspectiva de humanização do mundo acadêmico, dentre elas, a Teoria da

Complexidade, a Teoria da Autopoiese e a Teoria da Transdisciplinaridade. Tenho o privilégio de tê-

la como orientadora de meu trabalho de doutorado.

Page 31: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

31

para a educação: “trabalhar conjuntamente pensamento e sentimento”,

fundir e integrar diferentes “formas de perceber a realidade, a partir da

reflexão e do impacto emocional, fazer convergir num mesmo ato de

conhecimento a ação de sentir e pensar.” (TORRE, 2000, p. 546).

A trajetória descrita me fez chegar ao Doutorado com o seguinte tema

de pesquisa: ESCUTA MUSICAL: Uma Estratégia Transdisciplinar

Privilegiada para o Sentipensar.

Diante das situações e problemáticas consideradas acima, uma

pergunta emerge para concretizar meu problema de pesquisa: Quais as

relações existentes entre o sentir – desencadeado pela atividade integrativa

de escuta musical – e o refinamento da capacidade reflexiva?

Prossegui em busca da resposta a essa questão, realizando a pesquisa

de campo (Capítulo 6) com seis alunos da disciplina de Didática do Ensino

Musical, por mim ministrada no curso de Licenciatura em Música da

Faculdade de Música Carlos Gomes. Todos os sujeitos escolhidos para a

pesquisa exercem atividade profissional na área musical, como músicos ou

professores de música. Cursaram dois semestres da disciplina Didática do

Ensino Musical, I e II, respectivamente, no 2º semestre de 2005 e 1º

semestre de 2006.

1.2 Objetivos da tese1.2 Objetivos da tese1.2 Objetivos da tese1.2 Objetivos da tese

No presente estudo, me proponho a pesquisar o Sentipensar como

estratégia metodológica para a formação humana, partindo da suposição que,

pela via do equilíbrio entre emoção e razão – alcançado especificamente

Page 32: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

32

através da escuta musical como caminho para o sentipensamento – se pode

promover a transformação do indivíduo, e o enriquecimento da prática

educacional.

Esse objetivo principal, se apóia em objetivos-satélites que lhe dão

sustentação e consistência; são eles: questionar o paradigma educacional

vigente e suas bases de apoio – racionalismo, mecanicismo, reducionismo e

fragmentação; revalorizar o ser humano e a experiência humana sensível,

em sala de aula; questionar a lógica rígida, que subjaz aos processos

educacionais através dos princípios da Complexidade e da

Transdisciplinaridade e reencantar a educação, valorizando as

características criativas, artísticas, intuitivas e subjetivas, tanto quanto as

reflexivas e formais.

1.3 Justificativa1.3 Justificativa1.3 Justificativa1.3 Justificativa

As reflexões aqui propostas inserem-se num momento de mudanças

profundas em todos os âmbitos da experiência humana e social, o qual pode

ser caracterizado como de mudança de paradigmas. O novo milênio iniciou-

se, sob o signo da esperança de uma nova era, mais propícia à realização

das mais profundas aspirações humanas; porém vivemos, por outro lado, o

sombrio; um mar de intolerâncias, violência, desigualdades, plasmados em

conflitos e guerras sem sentido. O progresso econômico e tecnológico não

trouxe ao mundo o bem-estar prometido no séc. XIX, e ao analisar estas

questões, vê-se na base da degradação da vida, a própria degradação do ser

humano, configurada numa eterna luta pelo poder, na insensibilidade, na

perda dos valores essenciais, na destruição do meio ambiente e na

exploração de uns por outros.

Page 33: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

33

A educação pode ser um dos espaços privilegiados para a viabilização

de mudanças possíveis na sociedade, desde que se torne uma educação

diferenciada; que prepare crianças, desde tenra idade, bem como futuros

profissionais, para viverem seus mútuos compromissos; uma educação que

contemple o ser humano por inteiro, brindando-lhe com conhecimentos

específicos da cultura, mas também com a possibilidade de um olhar

sensível e perscrutador para a realidade; uma educação que ensine técnicas,

mas também a apreciação da beleza; que possa unir arte e tecnologia, razão

e sensibilidade; uma educação que não abandone o sentido ético da vida.

Enfim, uma educação para o SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar.

1.4 Enquadramento teórico1.4 Enquadramento teórico1.4 Enquadramento teórico1.4 Enquadramento teórico

A natureza complexa do ser humano, da qual decorre sua

multidimensionalidade, implica na conscientização da interdependência

existente entre emoção, sentimento e racionalidade, assim como na

concepção da unidade funcional existente entre corpo, cérebro e mente.

Para a educação, isso significa assumir o aluno como uma totalidade

indivisível, e a aprendizagem como articulação e manifestação dessas

diversas dimensões.

Eminentes cientistas e pesquisadores, nas últimas décadas, têm se

dedicado a compreender essa relação dinâmica e integrativa existente entre

o sentir e o pensar, e têm demonstrado a impossibilidade de dicotomizar

esses processos. A partir de perspectivas diversas – filosóficas,

pedagógicas, neurobiológicas, antropológicas, entre outras – surgem

diferentes teorias que nos apresentam uma visão mais global de mundo na

qual razão, emoção e sensibilidade aparecem intrinsecamente relacionadas.

Page 34: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

34

A partir dessas teorias, será possível estabelecer bases sólidas para a

tomada de consciência da importância de se ter sentidos aguçados e corpos

preparados, tanto quanto mentes brilhantes, em processos educacionais e

de formação de professores.

1.4.1 1.4.1 1.4.1 1.4.1 A Teoria da Complexidade de Edgar MorinA Teoria da Complexidade de Edgar MorinA Teoria da Complexidade de Edgar MorinA Teoria da Complexidade de Edgar Morin

A Teoria da Complexidade é a primeira construção teórica que pode

fundamentar uma pesquisa que tem por finalidade discutir o resgate da

multidimensionalidade para o ser humano, para a realidade e para processos

educacionais. “Complexus é o que é tecido junto”, segundo Morin. A

Complexidade nos oferece o antídoto para a fragmentação e para a

disjunção, às quais estamos tão habituados, tornando possível conceber o

ser humano em sua inteireza.

Pela via da Complexidade, compreendemos que toda obra é sempre

obra aberta, ao inesperado, ao novo, às emergências, e abraçamos como

meta educacional, as interações dinâmicas que permeiam o processo de

construção do conhecimento. Estas são relações vivas, que se estabelecem

entre professor e aluno, entre alunos, e entre estes e o ambiente;

caracterizam-se pelo fluxo e pelas trocas constantes de energia e

informação. Suas estratégias são contextualizadas e jamais negligenciam o

aspecto relacional.

A Teoria da Complexidade, ao admitir a multidimensão da realidade e

dos objetos de estudo sobre os quais se debruça, incorpora

necessariamente essa dinâmica organizacional, articulando as partes de um

sistema num todo coerente. Essa dinâmica, mais uma vez, reforça o caráter

Page 35: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

35

autônomo de qualquer sistema – entendendo-se por sistema um evento, um

aluno, um processo, uma comunidade – implicando sempre no movimento

orgânico entre partes constituintes e o todo; essa autonomia é relativa e

torna-se estritamente dependente das trocas efetuadas com o meio. O

ambiente é nutridor e possibilitador das unidades autônomas, regula tanto a

dependência quanto a autonomia.

O pensamento complexo abre portais para novas lógicas possíveis na

interpretação do mundo em que vivemos, assim, opostos antagônicos podem

ser reunidos numa unidade complementar; essa comunhão se faz através

dos princípios integradores da Complexidade. Se a própria realidade pode

ser múltipla, a Complexidade nos convida à aceitação plena do diálogo que

torna possível a coexistência desses opostos, assim como à aceitação da

diversidade. Em última análise, esse pensamento nos aproxima das atitudes

de respeito, do comportamento ético e da incorporação de valores caros

para nossa cultura, tão caros quanto esquecidos. Por essa razão é que

figuram entre os saberes para uma educação do futuro, propostos por Edgar

Morin, o “ensinar a compreensão” e “ensinar a ética do gênero humano”

(MORIN, 2002).

1.4.2 1.4.2 1.4.2 1.4.2 O O O O pppparadigma aradigma aradigma aradigma eeeeducacional ducacional ducacional ducacional eeeecocococo----sistêmico de Mariasistêmico de Mariasistêmico de Mariasistêmico de Maria Cândida MoraCândida MoraCândida MoraCândida Moraeseseses

O pensamento eco-sistêmico vem sendo cuidadosamente elaborado

por Maria Cândida Moraes, ao longo das últimas décadas, como resultado de

sua busca incessante por um novo paradigma educacional que possa

reencantar a educação. O termo ecoecoecoeco----sistêmicosistêmicosistêmicosistêmico resulta da junção de dois

macroconceitos: por um lado, sistêmico, indicando a relação dinâmica e

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36

recursiva13 existente entre as partes e a totalidade de um sistema, assim

como todos os processos resultantes de sua organização; por outro,

ecológico, sinalizando para o mundo de conexões, no qual se inserem as

ações educacionais.

Na gênese do pensamento de Maria Cândida, encontram-se o

pensamento sistêmico e, posteriormente, as idéias de Edgar Morin, de

Humberto Maturana e Francisco Varela, suas bases epistemológicas

fundamentais.

Um conjunto de princípios e teorias articula-se no pensamento da

autora – Princípio da Incerteza14, Princípio da Complementaridade15, Teoria

das Estruturas Dissipativas16, Teoria da Autopoiese, Teoria da

Transdisciplinaridade e, naturalmente, Teoria da Complexidade – legando-

nos uma construção teórica inestimável para refletir sobre a problemática

educacional, assim como para transmutar o paradigma vigente.

A dinâmica dos processos, o fluxo, e uma encantadora organicidade,

entram para o discurso educacional através dos pressupostos

epistemológicos fundamentais do pensamento eco-sistêmico:

13

Um processo recursivo, segundo Morin (2005, p. 231), é aquele no qual “os estados ou efeitos finais produzem os estados ou causas iniciais (...) processo pelo qual uma organização ativa produz os elementos e efeitos que são necessários à sua própria geração ou existência”. 14

O Princípio da Incerteza consiste num enunciado da Mecânica Quântica, formulado inicialmente em

1927 por Werner Heisenberg. Constituindo mais um dos paradoxos da Física Quântica, esse princípio

constata a impossibilidade de medir com precisão e ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de um

elétron, gerando grande incerteza quanto a seu comportamento. 15

O Princípio da Complementaridade, enunciado por Niels Bohr em 1928, assevera que a natureza da

matéria e da energia é dual – ondulatória e corpuscular. Estas naturezas não são contraditórias, mas

sim, complementares; daí, o nome do princípio. A percepção de onda ou corpúsculo, pelo observador,

depende do tipo de experiência realizada, por isso a ciência contemporânea assume a estreita

imbricação existente entre o pesquisador e o objeto pesquisado. 16

A Teoria das Estruturas Dissipativas, de autoria de Ilya Prigogine, explica como os processos

químicos estão sujeitos a um jogo de interações não-lineares, nos quais, os fluxos de matéria estão

sujeitos a flutuações, a assumir diferentes direções e organizar-se em diferentes configurações

dinâmicas, oferecendo belas metáforas para as incertezas nos processos humanos.

Page 37: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

37

intersubjetividade, interatividade, complexidade, emergência, auto-

organização, autonomia, mudança, incerteza, causalidade circular, inter e

transdisciplinaridade, temas analisados com maior detalhamento nos

capítulos subseqüentes.

As propostas do pensamento Eco-sistêmico são de grande relevância

para a evolução da educação; sua incorporação sofre resistências, mas é

significativa no que tange às reais possibilidades de mudança,

conscientização e ampliação de visão de mundo, conforme se pode

depreender da colocação de Moraes (2004, p. 154):

Um pensamento ecológico-sistêmico é, portanto, um

pensamento relacional, dialógico, interligado, indicando que

tudo que existe co-existe e que nada existe fora de suas

conexões e relações. É um pensamento que se estende além

da ecologia natural, englobando a cultura, a sociedade, a

mente e o individuo.

Finalizando este breve recorte, a autora nos lembra ainda que todas

as nossas ações são ações ecologizadas, ou seja, situam-se numa teia de

conexões, têm o poder de afetar os ambientes e pessoas que nos cercam,

da mesma maneira como somos por eles afetados. No viver cotidiano,

geramos campos vibracionais de interação. Compreender a Educação sob

esse olhar torna-se um ato de poesia.

1.4.3 1.4.3 1.4.3 1.4.3 SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar –––– tttteoria e eoria e eoria e eoria e pppprática prática prática prática para ara ara ara rrrreencantar a Educaçãoeencantar a Educaçãoeencantar a Educaçãoeencantar a Educação

A teoria do Sentipensar, formulada por Maria Cândida Moraes e

Saturnino de La Torre, é um poderoso recurso para reencantar a Educação

que se coloca como questão fundamental neste estudo. Através da

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38

conjugação de pensamento e sentimento, abre-se um espaço de existência

possível para dimensões tradicionalmente negligenciadas no processo

educacional: emoção, subjetividade, expressão artística, criatividade,

corporalidade, sentido metafórico incorporado à vida, entre muitas outras.

O pensamento dos autores se desenvolve basicamente em duas

vertentes: primeiro, explicar como as emoções podem colocar em marcha

ações, motivações e impulsos que afetam os processos de aprendizagem;

em seguida, desenvolver recursos metodológicos ou estratégias para a

educação emocional, que podem envolver diferentes linguagens artísticas, e

até mesmo cenas do cotidiano como, por exemplo, contemplar a beleza do

mar e refletir sobre a vida. Uma das obras mais interessantes de Torre,

intitulada Diálogos con el mar17, apresenta suas reflexões poéticas,

relacionando metaforicamente as situações e eventos naturais observados

com o dinamismo da vida interior.

Torre (2000, p. 546) explica o valor da dimensão emocional nos

processos educacionais, reforçando ainda mais a visão de um ser humano

integral, defendida também pelas teorias já apresentadas:

(...) a dimensão emocional do ser humano, que há tão-

somente duas décadas estava proscrita em muitas instituições

educativas, emerge com valor próprio junto à experiência e à

razão. Porque nos demos conta que ao analisar os feitos

humanos a partir da vida ou a partir da educação, é preciso

recorrer à vertente emocional caso queiramos obter uma

explicação compreensiva dos mesmos.18

Neste estudo, a escuta musical se apresenta como uma estratégia de

Sentipensar, um recurso a mais para a educação emocional, com capacidade

17

Diálogos con el mar. Barcelona: Editorial Laertes, 2004. 18

Tradução da autora.

Page 39: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

39

de colocar em jogo todas as dimensões humanas, criando a partir do

impacto emocional as condições para uma manifestação completa do

indivíduo, inclusive de sua racionalidade.

Os princípios e propostas do Sentipensar têm importância capital na

elaboração deste trabalho; a vivência de emoções em sala de aula promove

o encontro do ser consigo mesmo, preparando-o para atuar por inteiro, e

reintegrando dimensões fragmentadas por uma vida de vivências

educacionais mecanicistas, positivistas e reducionistas.

1.4.1.4.1.4.1.4.4444 A A A A cccconcepção de oncepção de oncepção de oncepção de eeeemoções e moções e moções e moções e ssssentimentos de Antonioentimentos de Antonioentimentos de Antonioentimentos de Antonio DamásioDamásioDamásioDamásio

Antonio Damásio é um neurobiólogo de destacada importância no

cenário contemporâneo. Um dos focos mais importantes de seus estudos

refere-se à ligação intrínseca existente entre razão e emoção. Muito embora

ao longo da história sempre tenha havido pensadores que admitiram a

relevância do assunto, nunca houve tanto quanto na atualidade, condições

para o estudo da neurobiologia humana e de como os fenômenos

neurológicos se interligam aos psicológicos e à própria vida social.

O desenvolvimento neurológico do ser humano se confunde com a

própria história da evolução. No início, contávamos com as estruturas

límbicas e com as emoções primárias do cérebro primitivo, habilitadas a

assegurar a sobrevivência; ao longo do tempo, desenvolvemos a afetividade

e nos tornamos conscientes dessas emoções; em período relativamente

recente da história humana, desenvolvemos as estruturas corticais

superiores. Estas se tornaram o apanágio da racionalidade. Subitamente, a

história evolutiva humana parece ter caído no esquecimento; movidos pelas

Page 40: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

40

convicções de um paradigma disjuntor, cartesiano, negligenciamos as

limitações que uma disfunção emocional pode imprimir à racionalidade;

cindimos emoção e razão. A Contribuição de Damásio para este estudo é

constatar a base emocional da racionalidade; por essa razão, suas idéias

tornam-se também muito importante para a compreensão do Sentipensar.

Do ponto de vista neurológico, além do pensamento de Damásio,

outras pesquisas sobre plasticidade cerebral e cognição musical virão

subsidiar a fundamentação do Sentipensar, em especial, as conduzidas por

Robert Zatorre, Tobias Esch e suas respectivas equipes, Jaak Panksepp e

David Servan- Schreiber, entre outros.

1.4.5 1.4.5 1.4.5 1.4.5 Basarab Nicolescu e a TransdisciplinaridadeBasarab Nicolescu e a TransdisciplinaridadeBasarab Nicolescu e a TransdisciplinaridadeBasarab Nicolescu e a Transdisciplinaridade

As reflexões sobre o mundo contemporâneo propostas pela teoria

transdisciplinar, terminam de emoldurar o quadro epistemológico que me

fundamenta. Elaborando explicações possíveis para um mundo atribulado,

ameaçado de destruição tanto no plano material quanto espiritual, a

Transdisciplinaridade contribui aqui, uma vez mais, para a crítica do que

Nicolescu chamou “razão triunfante”: as conquistas mais brilhantes da

humanidade se ofuscam por uma incapacidade crônica de verticalização do

homem. Segundo o autor, esse processo se dá quando a consciência humana

se eleva atravessando e integrando níveis de percepção da realidade, em

direção a uma “verticalidade consciente e cósmica”, que permite ao ser

humano acessar uma realidade muito mais abrangente (NICOLESCU, 2005,

p. 65).

Page 41: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

41

A lógica transdisciplinar é muito adequada para as situações

complexas com as quais nos deparamos, na vida em geral e na educação,

pois o ser humano é concebido na totalidade de suas dimensões visíveis e

invisíveis; interessa tanto o que está por fora, quanto o que está por dentro;

seus mitos, crenças, imagens representações; a realidade – também

multidimensional e multireferencial – admite múltiplos enfoques e a

existência do inexplicável.

O pensamento transdisciplinar se sustenta em três pilares: a

Complexidade, a lógica do Terceiro Incluído (T) e a existência de diferentes

Níveis de Realidade, que permitem conciliar opostos, aparentemente,

inconciliáveis. O que não pode ser compreendido em determinado nível de

realidade torna-se compreensível a partir de um nível mais elevado, no qual

opostos contraditórios se integram. Se tomarmos como exemplo, o conceito

de Sentipensar, e o considerarmos a partir de uma perspectiva tradicional,

sentir e pensar surgem inconciliáveis; se o considerarmos a partir de um

outro nível de realidade, ao qual acedemos pela verticalização da

consciência, sua união torna-se possível e passam a constituir uma unidade

complexa.

A dinâmica transdisciplinar é abordada com mais detalhes em outra

parte desse escrito; interessa naturalmente a este trabalho, por incorporar a

subjetividade e unir o que se encontra artificialmente separado.

Fundamentando minhas percepções em aspectos diversos das teorias

já explanadas, e aguçando o sensível olhar-pensante, como diria Martins

(1996, p. 20), é que pretendo encontrar os caminhos para dar resposta ao

problema de pesquisa.

Page 42: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

42

2. Metodologia2. Metodologia2. Metodologia2. Metodologia

Janela Oriental Tatiana Clauzet

Page 43: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

43

2.1 Abordagem da pesquisa2.1 Abordagem da pesquisa2.1 Abordagem da pesquisa2.1 Abordagem da pesquisa

Partir em busca do novo é sempre um ato de coragem; o novo tem

sido rejeitado de início, em todas as instâncias; na dúvida, nos tornamos

misoneístas, aferrados às velhas referências que trazem com elas a

segurança.

No entanto, vive-se num mundo de certezas abaladas e de trânsito

constante entre a ordem e a desordem, entre a estabilidade e o caos. As

teorias expostas desde o início incorporam essa instabilidade, abrem espaço

para a relação orgânica, dialógica e recursiva, que pode permitir a

coexistência desses opostos.

A complexidade desses opostos se manifesta na natureza,

primeiramente; e, no ser humano, que também é natureza, por mais que se

esqueça disso; a complexidade se manifesta a cada vez que se lida com a

natureza e com o humano.

Entendo a Educação como uma relação entre seres humanos, portanto,

revestida de complexidade. A complexidade está naturalmente nesta

pesquisa, por envolver o humano e por enfocar processos educacionais

numa concepção ampla. Tanto a aprendizagem como o ensino são processos

de natureza complexa. A cada vez que se enfoca um objeto de estudo de

forma contextualizada nos inserimos numa complexidade crescente.

Por questão de coerência – problemas complexos exigem

metodologias complexas de pesquisa – é que se tornou necessário criar uma

nova forma de fazer pesquisa, a metodologia de desenvolvimento Eco-

Page 44: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

44

sistêmico. Segundo Moraes19: “é preciso examinar a congruência

paradigmática existente entre as teorias que fundamentam a pesquisa, o

método selecionado e os respectivos procedimentos estratégicos

planejados”.

Os pioneiros da pesquisa qualitativa, a partir da virada do séc. XX,

foram também aqueles que, pela primeira vez, deram voz aos sujeitos

pesquisados. A abordagem fenomenológica de pesquisa deu um passo além,

atribuindo importância aos atos de consciência dos sujeitos pesquisados, a

seu universo interior e aos significados por eles atribuídos aos fenômenos

vividos e, ainda, considerando a maneira pela qual a consciência de cada

indivíduo lhe permite captar e perceber a realidade; esses foram grandes

passos em direção a uma metodologia de pesquisa para as ciências

humanas.

A metodologia de desenvolvimento Eco-sistêmico transcende tais

conquistas, assumindo a total subjetividade do ser humano com tudo o que

comporta de incerto, de oculto, de interno, de externo e de maravilhoso. O

ser humano transcendente torna-se agora o objeto de pesquisa, o ser

humano transcendente é o observador pesquisador; ambos se encontram na

intersubjetividade e se inserem na complexidade do mundo.

2.2.2.2.2 Breve histórico da abordagem qualitativa2 Breve histórico da abordagem qualitativa2 Breve histórico da abordagem qualitativa2 Breve histórico da abordagem qualitativa

Segundo Sandin (2003), a pesquisa qualitativa nasceu no início do séc.

XX, desenvolvendo-se ao longo do mesmo, na Grã-Bretanha e na França, e

19

‘Perspectivas teórico-epistemológicas da complexidade e suas implicações na pesquisa

educacional’, de autoria de Maria Cândida Moraes e Armando Valente, a ser editado pela PAPIRUS,

2008.

Page 45: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

45

ainda, através das escolas americanas de Sociologia e Antropologia das

Universidades de Chicago e, posteriormente, Columbia, Harvard e Berkeley.

Na gênese dessa abordagem de pesquisa – séc. XIX – encontra-se a

necessidade de equacionar as condições de vida das populações urbanas,

em especial, o impacto de imigrações maciças, situação de pobreza, entre

outros problemas das grandes cidades.

No mesmo período, cientistas, missionários e viajantes, num

movimento característico da época, lançaram-se ao mundo interessados nas

formas de vida não-ocidentais. A partir desse interesse antropológico

surgiu a etnografia. A palavra, segundo Sandin, origina-se de ethnoi, que

para os gregos significava estrangeiros. Na pesquisa etnográfica, o

pesquisador se insere no ambiente a ser pesquisado, na tentativa de

compreender a cultura e o cotidiano dos grupos pesquisados.

A Escola de Chicago, fundada em 1892 por Albion W. Small, teve

papel importante nessa evolução durante as décadas de 1920 a 1930,

aplicando estratégias de pesquisa de campo a minorias sociais – gangues,

imigrantes trabalhadores, gângsteres, entre outros. Pela primeira vez, essas

populações passaram a ganhar voz, configurando um verdadeiro avanço

metodológico.

A partir dos anos 50, começou a consolidar-se o campo da

Antropologia educativa, em especial, a partir dos trabalhos de

pesquisadores da Universidade de Columbia. Estes defendiam a inclusão da

disciplina nas políticas públicas de pesquisa. Outra conquista do período, do

ponto de vista metodológico, foi a adoção da entrevista, como uma

estratégia fundamental da pesquisa qualitativa.

Page 46: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

46

Os anos 60, tidos como os “anos de ouro” da pesquisa qualitativa,

assistiram significativos avanços metodológicos. A participação de

pesquisadores da Educação nesse período era ainda tímida; o positivismo, e

os métodos quantitativos e estatísticos dominavam o campo da pesquisa

educacional. No entanto, como explica Sandin (2003, p. 81), “numerosos

educadores começaram a questionar os métodos de investigação

tradicionais, que se baseavam exclusivamente na medição, e apareceram

monografias descritivas da vida escolar”. Apesar de resistências, começou a

crescer o interesse por parte de instituições governamentais em

investimentos para estudos etnográficos acerca da escolarização de

diversos grupos sociais. Data também desse período, talvez a mais valiosa

das aquisições – o questionamento da hegemonia de grupos sociais:

(...) os métodos qualitativos supuseram uma ruptura com o

que havia sido denominado “hierarquia de credibilidade”, a

idéia de que a opinião e visão das pessoas que detêm o poder

são mais valiosas. Frente a essa idéia, a perspectiva

qualitativa defende e reconhece a visão dos mais pobres, dos

excluídos, enfatizando a compreensão das perspectivas de

todos os participantes. (SANDIN, 2003, p. 81)

A partir dos anos 80, os pesquisadores já dispunham de uma ampla

variedade de métodos e estratégias de pesquisa. O séc. XX viu nascer e se

desenvolver diversos enfoques de pesquisa, dentre eles, o interacionismo

simbólico, a etnometodologia, a fenomenologia e o enfoque crítico marxista;

diversificaram-se também os métodos de coleta e análise de dados

qualitativos; e, com o advento da informática a pesquisa qualitativa mudaria

para sempre.

Na gênese do desenvolvimento educacional da pesquisa qualitativa

encontra-se a necessidade de avaliar os resultados dos programas

Page 47: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

47

educacionais implementados pelo governo americano ao longo dos anos 60

e 70. Na mesma época, começaram a surgir publicações sobre pesquisa

qualitativa, revistas, e os primeiros encontros reunindo pesquisadores

qualitativos.

Em grande medida, os debates metodológicos dos anos 80

permanecem atuais para nossa época: dados quantitativos versus dados

qualitativos, científico versus intuitivo, postura empirista versus interação

humana. Como ressalta Chizzotti:

O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas,

fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para

extrair desse convívio significados visíveis e latentes que

somente são perceptíveis a uma atenção sensível e, após este

tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto,

zelosamente escrito, com perspicácia e competência

científicas, os significados patentes ou ocultos do seu objeto

de pesquisa.20

Um avanço notável, agregado pela abordagem qualitativa, é

justamente a admissão de uma realidade fluente, sujeita às emergências e à

abertura da possibilidade de aproximação entre sujeito e objeto pesquisado,

em função da interpenetração existente entre ambos, o que permite a troca

e a compreensão. Na pesquisa qualitativa, vivências subjetivas começam a

ser valorizadas; as concepções, valores e visões de mundo dos atores

encontram forma de estar presentes.

20

‘Pesquisa qualitativa’, de autoria de Antonio Chizzotti, a ser editado (2003).

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48

2.2.2.2.3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco----

sistêsistêsistêsistêmicomicomicomico

Um dos aspectos mais importantes em qualquer pesquisa é justamente

a tomada de decisão sobre a metodologia a ser adotada em relação ao tipo

de objeto de estudo e ao contexto. Esta coerência acima evocada como uma

congruência paradigmática requer, segundo Moraes21, análises a partir das

“implicações de natureza ontológica, epistemológica e metodológica, que

explicam o funcionamento da realidade e do que é cognoscível”, ou seja, é

necessário tomar consciência das concepções que se tem, acerca da

natureza da realidade, do conhecimento e dos métodos utilizados.

Questões metodológicas são tratadas com grande ênfase nos

ambientes acadêmicos, as questões de natureza ontológica e epistemológica

são normalmente negligenciadas. A questão ontológica implica em como se

interpreta a natureza da realidade; a questão epistemológica refere-se

àquilo que se entende por conhecimento, as duas questões são naturalmente

imbricadas. Toda escolha implica num momento de decisão; a escolha de

uma metodologia é um desses momentos. A postura filosófica do

pesquisador torna-se então fundamental; sua atitude diante da vida e sua

concepção de mundo, fatores determinantes.

A questão paradigmática não deve ser esquecida, nesse contexto.

Assumimos paradigmas de ação na vida cotidiana, tem-se normas sobre

como fazer cada coisa, conjuntos de regras obedecidas às vezes cegamente,

como diria Morin (2002, p. 26) “o paradigma é inconsciente, mas irriga o

21

“Perspectivas teórico-epistemológicas da complexidade e suas implicações na pesquisa

educacional”, de autoria de Maria Cândida Moraes e Armando Valente, a ser editado pela PAPIRUS,

2008.

Page 49: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

49

pensamento consciente, controla-o e, neste sentido, é também

supraconsciente”.

Existem três enfoques que se tornaram tradicionais na pesquisa em

Educação, constituindo-se em paradigma de pesquisa: a perspectiva

empírico-analítica de base racionalista e positivista, identificada com o

paradigma clássico ou tradicional; a perspectiva humanístico-interpretativa,

de base fenomenológica e a perspectiva crítica baseada na tradição

filosófica da teoria crítica. (SANDIN, 2003, p. 32).

Pode ser bem ilustrativo considerar um exemplo, de como a visão que

se tem do mundo interfere nas escolhas do pesquisador. Na perspectiva

tradicional, a dimensão ontológica da realidade é ser estática, mensurável,

objetiva, passível de fragmentação por observações e deduções lógicas; o

conhecimento sobre ela só poderia ser linear, purificado de incertezas,

determinado e, em muitos aspectos, mecanicista. A coerência paradigmática,

nessa situação, exigiria um pesquisador neutro, um sujeito desprovido de

nuances internas, assim como também exigiria meios de coleta de dados

quantitativos, matematicamente rígidos, submetidos a análises muitas vezes

reducionistas.

Moraes (2004, p. 20), refletindo sobre essa questão, corroborou a

contribuição das três perspectivas citadas acima, para a pesquisa

educacional, mas consciente da necessidade de um novo paradigma para

uma Educação renovada - em acordo com as exigências de uma realidade

multidimensional, na qual sujeito-pesquisador e objeto de pesquisa passam

a relacionar-se organicamente -, propôs um novo enfoque de pesquisa, o

paradigma complexo ou eco-sistêmico:

Page 50: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

50

No pensamento Eco-sistêmico, pelo contrário, a realidade é

dinâmica mutável e multidimensional, ao mesmo tempo,

contínua e descontínua, estável e instável. Uma realidade

incerta e de natureza complexa. Esta linha de pensamento,

que tem a complexidade como um dos fundamentos

principais, ressalta a multidimensionalidade da realidade, dos

processos, dos sujeitos, bem como a causalidade circular de

natureza recursiva ou retroativa, a ordem em sua relação com

a desordem, reconhecendo a presença do indeterminismo, da

incerteza, do acaso e das emergências nos mais diversos

níveis. Uma realidade, portanto, constituída de processos

globais, integradores e não-lineares.22

22

“Perspectivas teórico-epistemológicas da complexidade e suas implicações na pesquisa

educacional”, de autoria de Maria Cândida Moraes e Armando Valente, a ser editado pela Papirus,

2008.

Page 51: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

51

2.3.1 2.3.1 2.3.1 2.3.1 Princípios filosóPrincípios filosóPrincípios filosóPrincípios filosóficos na Metodologia de ficos na Metodologia de ficos na Metodologia de ficos na Metodologia de DDDDesenvolvimento Ecoesenvolvimento Ecoesenvolvimento Ecoesenvolvimento Eco----

sistêmicosistêmicosistêmicosistêmico

Uma pesquisa baseada na Metodologia de Desenvolvimento Eco-

sistêmico envolve uma multiplicidade de pressupostos filosóficos, que

devem ser levados em conta; ressalto, a seguir, aqueles que me pareceram

ser absolutamente imprescindíveis:

� A complexidade do real e de todos os processos em educação ― objetos

de pesquisa, sejam pessoas, situações ou grupos, estarão sempre situados

organicamente num ambiente e sujeitos a interações, interferências e

interdependências, que passam a ser constitutivas da relação. A realidade é

multidimensional, os sujeitos são multidimensionais, não há como estudá-los

sem os inserir na teia da qual fazem parte. Por essa razão, inspirada em

Morin, Moraes ensina que “toda ação é sempre ação ecologizada”23, o que

significa que toda ação promove mudanças, alterações no ambiente, e que a

pesquisa está sujeita a probabilidades, incertezas e conseqüências, nem

sempre previsíveis. As próprias disciplinas tornam-se multidimensionais,

quando se tem sobre elas um olhar que expande; a visão complexa

reconhece o lugar das disciplinas, porém, em função de seus pressupostos,

destaca a importância da interdisciplinaridade e a necessidade de ir além,

através da Transdisciplinaridade.

� Visão transdisciplinar ― a Transdisciplinaridade originou-se da percepção

que, existimos num mundo, no qual, diferentes dimensões ou níveis de

23

“Ecologia dos saberes – Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação”, de Maria Cândida

Moraes, a ser editado em 2008.

Page 52: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

52

realidade coexistem, a começar pela coexistência da dimensão quântica

inerente a toda a matéria, e pelo mundo macrocósmico, cenário de nossas

vidas. Mais do que nunca a compreensão, do ser humano e da realidade

multidimensionais, torna-se agora urgente. A Transdisciplinaridade impõe a

abertura do olhar sobre o mundo, a expansão da consciência utilizando uma

lógica que incorpore o aparentemente contraditório, a lógica ternária, sobre

a qual se falará mais adiante. O ser humano em sua subjetividade, por

“medida de segurança”, sempre esteve afastado da ciência; a complexidade

humana colocava em cheque o determinismo na ciência e,

conseqüentemente, na pesquisa. O sujeito-pesquisador deveria ser

“neutro”, para evitar contradições e a falta de objetividade. A

Transdisciplinaridade coloca o sujeito transcendente no centro do processo.

� Incorporação orgânica da subjetividade – felizmente, a objetividade não

está mais associada à ausência de humanidade. A ciência elucidou a

interdependência entre sujeito e objeto de estudo, e o quanto ambos

exercem mútuas interferências; a objetividade só pode ser “objetividade

entre parênteses”, como propõe Maturana (2002). Como pode existir

realidade independente do sujeito que a observa? O sujeito está de volta à

ciência com corpo, mente e transcendência, além de que, nossa mente é uma

“mente encarnada” como ensinam Varela e seus colaboradores (2003). A

pesquisa, neste momento, reconhece “o pleno emprego das forças

subjetivas”, acrescenta Barbier (2002, p. 86). Nossas construções racionais,

mais do que nunca, dependem de acordos intersubjetivos.

� Caráter processual – a pesquisa, na atualidade, vai perdendo o caráter

determinista e incorporando cada vez mais a característica de processo

auto-organizador, no qual, caminhar torna-se tão significativo quanto

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53

chegar. As idas e vindas são interpretadas com naturalidade; encontra-se

espaço para aprender com a experiência e o erro. Os agentes e

componentes materiais da pesquisa encontram-se em interação, sujeitos à

retroalimentação e à recursão24: resultados parciais são incorporados

durante a pesquisa, transformando-a numa espiral evolutiva; a causalidade

deixa de ser linear, transformando-se em causalidade circular. Processos

caracterizam-se pela mudança no transcorrer do tempo, dessa maneira dão

lugar a emergências, ou seja, a novas ocorrências. As emergências não

devem ser compreendidas como “desvios de rota”, mas sim, como

“novidades qualitativas”25, pois vivificam o processo de pesquisar,

tornando-o orgânico, aberto, flexível, passível de incorporar novas

descobertas que, cada vez mais, exigem um olhar atento do observador.

� Ética e valores – nunca antes foi tão necessário repensar as questões

éticas e os valores que regem nossa cultura, pois agora é a própria

sustentabilidade da vida que se encontra ameaçada. A biosfera está em

perigo, pois não se soube tomar decisões pensando até a sétima geração a

partir de nós, não se aprendeu a “escutar o abrir das folhas na primavera, o

ruído das asas de um inseto”26; nem a preservar as relações humanas e o

diálogo intercultural. A questão do respeito se impõe, e como não poderia

deixar de ser, também na pesquisa científica: a preocupação com os sujeitos

envolvidos deve ser a tônica, evitando todas as formas de manipulação,

comunicando claramente intenções e resultados, assim como pautando todas

as ações por decisões democráticas e não-autoritárias, baseadas no diálogo.

24

Segundo Morin, um processo recursivo é aquele no qual “os estados ou efeitos finais produzem os

estados iniciais ou as causas iniciais”, gerando uma dinâmica circular. 25 “Ecologia dos saberes – Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação”, de Maria Cândida

Moraes, a ser editado em 2008. 26

Carta do Chefe Seattle. Disponível em: http://www.comitepaz.org.br/chefe_seattle.htm.

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54

2.3.22.3.22.3.22.3.2 Questões mQuestões mQuestões mQuestões metodológicas na pesquisa de desenvolvimento Ecoetodológicas na pesquisa de desenvolvimento Ecoetodológicas na pesquisa de desenvolvimento Ecoetodológicas na pesquisa de desenvolvimento Eco----sistêmicosistêmicosistêmicosistêmico

Na perspectiva tradicional positivista de pesquisa, o processo de

pesquisar caracterizava-se por grande determinação; métodos, estratégias e

cronograma deveriam estar rigorosamente previstos antes do início da

pesquisa, não admitindo, portanto, a eclosão de emergências. Tal exigência,

a priori, me faz pensar nos planejamentos escolares, realizados antes do

ano letivo e antes de qualquer contato entre professores e alunos, feitos

para um aluno abstrato e para uma turma ainda virtual; o planejamento

deveria ser construído no iniciar das aulas, com a total participação dos

sujeitos envolvidos, ou pelo menos, a partir desse contato, pois o

planejamento não deveria preceder a existência de uma situação real; assim

como “o método não precede a experiência, o método emerge durante a

experiência e se apresenta ao final, talvez para uma nova viagem”. (MORIN;

CIURANA; MOTTA, 2003, p. 20) Como explica Moraes27:

Esta opção metodológica é conseqüência da percepção de que

existe uma relação recursiva entre teoria e método, entre

método e estratégia onde o método é gerado pela teoria que,

ao mesmo tempo, regenera a própria teoria, bem como as

estratégias derivadas da metodologia regeneram o próprio

método que lhe deu origem. Assim, a partir do método de

pesquisa é que se planejam as estratégias de ação capazes de

responder às incertezas cognitivo/emocionais e históricas que

se apresentam.

Outra questão metodológica fundamental se evidencia a partir da frase

de Maturana “tudo o que é dito, é dito por alguém” (MATURANA; VARELA,

2002, p. 32). A frase não nos permite esquecer, uma vez mais, que por trás

da pesquisa existem subjetividades ― do pesquisador, dos sujeitos

27 “Ecologia dos saberes – Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação”, de Maria Cândida

Moraes, a ser editado em 2008.

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55

envolvidos na pesquisa ― e que tudo o que se possa dizer sobre um fato ou

situação tem sempre caráter interpretativo, é sempre a visão de um sujeito

determinado, com um determinado conjunto de referências, sobre um fato

da realidade que exige explicação. Construímos idéias, interpretações,

roteiros para pensar sobre fatos em qualquer pesquisa, no entanto, não se

pode esquecer que tais construções não constituem uma representação fiel

da realidade, mas sim, uma interpretação possível, aquilo que se consegue

perceber dela: ”o mapa não é o território”28, diria Korzybski, a realidade é

sempre mais do que aquilo que se pode dizer sobre ela.

Na pesquisa qualitativa com enfoque Eco-sistêmico, as hipóteses

verificáveis são substituídas pela “pergunta de pesquisa”, mais aberta,

admitindo o caráter processual em questão e, sobretudo, livre do

determinismo gerado pela rigidez das etapas a seguir na confirmação de

uma hipótese. Perguntas de pesquisa são mais adequadas à complexidade

dos fenômenos humanos que se deseja conhecer.

Em vista da grande abertura de olhar e flexibilidade metodológica

propostos pela abordagem Eco-sistêmica de pesquisa, resta esclarecer de

que maneira esta se submete aos critérios de rigor científico exigidos em

qualquer pesquisa.

Ao longo da trajetória científica e intelectual ocidental, a subjetividade

sempre esteve associada à falta de rigor; a proposta Eco-sistêmica, como

discutido anteriormente, revaloriza esse sujeito e tudo o que lhe caracteriza.

O critério objetividade é substituído pelo de interação entre todos os

participantes e componentes da pesquisa, articulados de forma coerente e

28

Frase de Alfred Habdank Skarbek Korzybski (1879-1950) filósofo e cientista polonês que

desenvolveu uma teoria geral sobre a semântica.

Page 56: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

56

intersubjetiva. A interdependência e coerência dessas partes garantem a

consistência do todo; alterar uma parte significa alterar o todo e,

conseqüentemente, invalidar todo o procedimento.

Na perspectiva Eco-sistêmica, tampouco se fala de generalização ou

transferibilidade, termos que se originam de um pensar absoluto, regido por

leis absolutas e que ignoram a especificidade intrínseca a cada objeto

pesquisado, seja indivíduo, grupo ou situação. A generalização coisifica o

resultado da pesquisa, tornando-o neutro e transferível a qualquer

ambiente, o que se sabe não ser mais possível. Os conceitos de polinização

e fertilização do conhecimento substituem a possibilidade de generalização;

cada pesquisa será sempre única, mas poderá partir de sementes, do pólen

deixado por pesquisas anteriores como explicam Torre e Moraes29: “a

polinização nos permite não só ir mais além do dado obtido sem renunciar ao

contexto em que se gerou, mas também ser germe e origem de novas

propostas”.

Finalmente, e provisoriamente, visto que muito ainda haverá de ser

dito sobre os critérios de rigor na pesquisa de abordagem Eco-sistêmica,

parece importante ressaltar seu caráter ético, que oferece mais uma

garantia de validade. A ética está presente na própria escolha do tema de

pesquisa, na escolha do método e das estratégias e, sobretudo, nas relações

sociais envolvidas, o que significa construir um diálogo democrático, franco

e aberto com os sujeitos, com as instituições, e comprometer-se na

divulgação e partilha de resultados.

29

Projeto “Escenarios y redes de aprendizaje integrado para una enseñanza de calidad” (ERAIEC)

elaborado por Maria Cândida Moraes e Saturnino de La Torre, e promovido pela Red Internacional de Ecologia de los Saberes, em 2007.

Page 57: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

57

2.2.2.2.3.3 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa de abordagem Eco3.3 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa de abordagem Eco3.3 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa de abordagem Eco3.3 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa de abordagem Eco----

sistêmicasistêmicasistêmicasistêmica

A questão da coleta de dados numa pesquisa de abordagem Eco-

sistêmica segue a impulsão geral dos princípios filosóficos discutidos:

tornam-se flexíveis na aplicação a fim de incorporar as exigências de uma

visão complexa e transdisciplinar, para tanto, sujeitam-se às mesmas

normas de processos orgânicos com suas interações, retroações,

recursividades. Durante minha pesquisa, apenas para citar um exemplo

claro, pude experienciar tal processo, pois a estratégia de Escuta Musical

produzia, a cada aula, efeitos sentidos pelos sujeitos da pesquisa ― meus

alunos. Estes, à continuação, agregavam a suas experiências anteriores,

cada vez mais, referências vivenciadas em situação de escuta e de interação

com o grupo, de tal maneira que é possível dizer que, a cada aula o grupo se

transformava; e, conseqüentemente, transformavam-se os destinos da

pesquisa e as decisões a tomar, assim como surgiam variações nas

estratégias de coleta de dados, configurando um processo vivo de

pesquisar, que apenas corrobora a fala de Moraes30: “dados não são

coletados, mas sim, construídos”.

Princípios éticos e valores não podem ser esquecidos quando se tem a

intersubjetividade como um dos pressupostos epistemológicos. Na presente

pesquisa, me inseri como observador ativamente participante no processo;

tornei-me um elemento do grupo, entrando em interação e troca

intersubjetiva com ele, revelando minhas intenções e partilhando decisões.

Naturalmente, como em toda pesquisa, houve momentos em que não seria

totalmente indicado que os alunos soubessem exatamente o que eu estaria

30

“Ecologia dos saberes – Complexidade, Transdisciplinaridade e Educação”, de Maria Cândida

Moraes, a ser editado em 2008.

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58

observando, mas passada a experiência, essa intencionalidade era

comunicada, estabelecendo com eles um pacto de consentimento, informado

no uso dos dados obtidos.

A Metodologia de Desenvolvimento Eco-sistêmico cria novos

instrumentos de coleta de dados; não descarta os eficientes instrumentos já

existentes, a exemplo da observação participante, da entrevista semi-

estruturada, da história de vida, do estudo de caso, entre outros, porém, os

submete aos novos operadores cognitivos, constituídos pelos princípios da

Complexidade que funcionam como instrumentos para um pensar complexo.

Ela provoca uma expansão no que concerne à sua aplicabilidade num

contexto complexo e transdisciplinar, como explicam Torre e Moraes31:

“Não pretendemos gerar recursos únicos, mas sim, tomar alguns dos já

existentes dotando-lhes de um olhar amplo, interativo, intersubjetivo e

crítico”.

Dentre os novos instrumentos de coleta de dados propostos pela

Metodologia de Desenvolvimento Eco-sistêmico, podem ser citados os que

seguem: Testemunhos, Declarações de impacto, Depoimento ou declaração

sentida, Depoimento coletivo; inspirados da proposta de Sentipensar, que

possibilita a união de sentimentos, pensamentos e ações, ou seja, a

incorporação do ser sensível e das emoções dos sujeitos. Idéias de

inspiração artística também podem gerar instrumentos eficientes, a exemplo

da Estratégia de encenação e das Dinâmicas criativas aparentadas do

psicodrama.

31

Fala dos autores em projeto elaborado para a Rede Internacional de Ecologia dos Saberes,

Barcelona, 2007.

Page 59: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

59

A presente pesquisa se utilizou de uma dessas estratégias artísticas

como instrumento de coleta de dados, que será descrita em detalhes no

Capítulo 6.

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60

3. A 3. A 3. A 3. A CCCComplexidadeomplexidadeomplexidadeomplexidade: um novo paradigma para reencantar a educação: um novo paradigma para reencantar a educação: um novo paradigma para reencantar a educação: um novo paradigma para reencantar a educação

A Complexidade não elimina a simplicidade (...)

integra nela tudo o que põe ordem, clareza,

distinção, precisão no conhecimento;

(...) o pensamento simplificador desintegra

a complexidade do real(...)

E. Morin

Saber Cuidar Tatiana Clauzet

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61

O cenário O cenário O cenário O cenário

Eu era a aluna naquele ambiente ao mesmo tempo tão sonhado e hostil. Sonhado, pois, desde sempre eu havia sido criada para admirar aquele mundo europeu, a França, “o berço da cultura”; hostil, pois eu não havia dimensionado o quanto seria difícil navegar naquele mar de diferenças, ora encaradas como exóticas, ora encaradas como excludentes. Eu estava no Conservatoire National de Région de Musique de Lyon.

O fascínio era grande ao ver aquele mundo tão bem preparado e instituído para estudar música em comparação ao nosso Brasil, onde há que ser bandeirante, explorador, desbravador dos sete mares, e ainda mais, há vinte anos.

E o que dizer das bibliotecas e lojas nas quais era possível encontrar tudo o que se quisesse e tão acessível...

Por outro lado, quem vive em São Paulo pode viver em qualquer lugar, quem é brasileiro está preparado para o mundo (são meus adágios preferidos), pois aqui nada nos é dado, e tudo deve ser duramente construído, o que tornava a experiência do conservatório e das bibliotecas francesas ainda mais fascinantes. Mas havia algo que, sem dúvida alguma, somente um brasileiro poderia ter: criatividade a toda prova; e mais que isso: poder de criação.

A estrutura do conservatório era rígida, com sistemas de emulação e premiação, com professores ultracompetentes e rígidos, havia uns poucos ao lado de quem era possível respirar – não posso ser tão injusta.

Ali também estavam presentes as diferenças culturais, havia cidadãos de segunda classe, aqueles considerados “muito velhos” para estar ali; eu estava inserida neste grupo, e estrangeiros, de uma maneira geral. Por duas vezes, pelo menos, senti que minha competência foi colocada em cheque: na primeira vez, quando numa aula se precisou de alguém que tocasse um acompanhamento ao piano, à primeira vista, ninguém se habilitou a fazê-lo; eu me ofereci, mas o professor hesitou, e pude ler em seu rosto que ele não acreditava que eu seria capaz; uma outra vez, falávamos de compositores contemporâneos e citei um compositor italiano que ele aparentemente não conhecia, senti também uma ponta de escárnio, “eu deveria estar enganada”, “ele nunca ouvira falar daquele compositor...”

Page 62: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

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Havia um professor especial, o incômodo que ele me causava passou a ser algo subliminar em minha vida, ele era tão sábio e competente quanto frio; e um ano depois de conhecê-lo, passou a habitar meus sonhos e depois minhas sessões de terapia. Ele maravilhava a todos com todo o conhecimento que tinha, e sua capacidade de tocar quase qualquer obra do repertório ocidental em qualquer tonalidade, e suas leituras de Bachelard, entre muitos outros talentos. Ele costumava dizer-nos que se começássemos a estudar assiduamente naquele momento quando morrêssemos teríamos apenas uma pequena parte do conhecimento necessário, etc. etc..

Sua disciplina era Análise musical – período clássico. Estávamos analisando todos os segundos movimentos de sonatas de Beethoven. Um dia, uma dessas sonatas ficou como tarefa e ele colocou como dever de casa o desafio de descobrir a forma musical daquele movimento.

Lancei-me à tarefa com entusiasmo, como sempre fazia, escutei inúmeras vezes e a forma continuava ambígua, poderia ser uma forma lied, mas por alguma razão, achei também que poderia ser uma forma sonata sem desenvolvimento e isso seria bem pouco usual e eu nem sabia se existia... A dúvida cresceu e decidi levá-la para a sala de aula.

A aula começou naquele lugar que tinha mais ou menos a estrutura física de um tribunal. Ele perguntou com uma ponta de ansiedade quem tinha feito a tarefa. Respondi logo que eu tinha feito e como sabia que deveria tentar ser o mais objetiva possível, eu disse que poderia ser uma forma lied, mas também uma forma sonata sem desenvolvimento.

O tempo fechou. O professor ficou muito incomodado e disse agressivamente, “e se fosse a prova? você responderia que tanto pode ser uma coisa como outra? Como ficaríamos? Que nota eu poderia lhe dar, zero ou dez?” Na época, eu não dispunha de arsenal argumentativo, apenas me calei, e a aula transcorreu normalmente durante duas horas com muitas citações de Bachelard e outros filósofos, com muitas intervenções ao Piano, exemplos e explanações competentes, e... ao final, depois de muitas idas e vindas, ele enunciou com ênfase que a forma era sonata sem desenvolvimento.

Compreendi que eu não poderia ter tido o direito de antecipar-me, eu não poderia ter tido sucesso na tarefa, pois isso não estava previsto, e ainda mais eu, uma sul-americana...

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Comentário sobre a experiênciaComentário sobre a experiênciaComentário sobre a experiênciaComentário sobre a experiência

A experiência relatada acima é uma experiência típica do cenário

educacional tradicional que todos de minha geração conheceram tão bem:

não-dialógica, opressora, magistocentrista, um tipo de experiência que nega

o outro e a subjetividade do outro e, com isso, tudo que pode haver de

incerto na maravilhosa construção que é o humano.

O professor não havia compreendido ainda, apesar de sua erudição, o

quanto a partir de agora nossas vidas estariam regidas por incerteza, o

quanto existe a aprender na ambigüidade e, até mesmo no erro; não havia

aprendido a conciliar opostos, apenas aparentemente contraditórios. Zero ou

dez poderia ser a nota, não havia intermediação, nada de caminho do meio,

nada de discutir e chegar juntos à conclusão, a resposta deveria vir de um

só, e esse indivíduo era ele.

O professor vivia plenamente na dimensão cartesiana, como aliás é

bem natural na França, mas poderia não ser, pois de lá também vieram os

grandes, alguns dos mais importantes pensadores de todos os tempos, de

uma visão integradora da vida: Lupasco, Morin, Random, entre outros.

No entanto, aquele professor ainda tinha algo a aprender, pelo menos

mais uma coisa: como conceber a vida de forma não-fragmentária.

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3.3.3.3.1111 Um mundo fragmentárioUm mundo fragmentárioUm mundo fragmentárioUm mundo fragmentário

Tal como noutros períodos de transição, difíceis de entender e

de percorrer, é necessário voltar às coisas simples, à capacidade de formular perguntas simples, perguntas que,

como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à

nossa perplexidade. Boaventura Sousa Santos

As concepções sobre a Educação têm que mudar com urgência, e a

questão da fragmentação de processos e do ser humano pareceu-me ser um

ponto focal dos mais importantes para essa discussão. Colocar a

fragmentação no centro da questão realça todas as formas possíveis de

integração, pois vive-se num universo educacional cindido, tanto no nível

macro, quanto no nível micro, como bem explica Moraes (1999, p. 85):

A cosmovisão quântica implica, em nível macro, uma concepção

de totalidade da realidade a ser transformada, a formulação de

conceitos e modelos interligados, e o desenvolvimento de

organizações sociais correspondentes, que se comuniquem e

cooperem entre si. Pressupõe um movimento dialético entre as

diferentes esferas do poder público, entre as diversas

instâncias setoriais, para que demandas comuns e específicas

sejam, ao mesmo tempo, ponto de partida e de chegada.

No nível individual, essa cosmovisão importa um novo diálogo

criativo entre a “mente” e o “corpo”, entre interior e exterior,

sujeito e objeto, hemisfério cerebral direito e esquerdo,

consciente e inconsciente, indivíduo e seu contexto, ser

humano e natureza. Até que ponto a educação, os ambientes de

aprendizagem, as propostas curriculares e as práticas

educacionais vêm facilitando esses diálogos? O diálogo do

indivíduo consigo mesmo, com a sociedade e a natureza?

Page 65: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

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Por outro lado, em esferas mais restritas e diretamente ligadas à sala

de aula, como é o caso, por exemplo, do ambiente pedagógico e

administrativo das escolas, os níveis de fragmentação permanecem; o ser

humano e suas necessidades foram esquecidos no processo. Não é

totalmente surpreendente que se tenha chegado a isso diante de nossa

descendência intelectual; refiro-me ao pensamento cartesiano e a todas as

idéias que ajudaram a forjar o paradigma mecanicista sob o qual temos

vivido nos últimos quatro séculos.

A Educação pode ligar mundos, o macro e o micro, o externo e o

interno, o individual e o coletivo, razão e emoção, e tudo isso ocorre

simultaneamente enquanto se vive a vida e a escola. Ao confrontar estes

extremos e sua possibilidade de ocorrência simultânea, percebe-se num

mundo de complexidade, um mundo paradoxal, impreciso, aberto, no qual os

opostos convivem, se complementam, dialogam, interagem. O ser humano é

complexo em sua multidimensionalidade; a Educação é complexa em sua

multidimensionalidade. A unidimensionalidade falseia a compreensão da

realidade, trata-se de “um modo mutilador de organização do conhecimento,

incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real”, como diz

Morin (2003, p. 14).

O movimento filosófico e científico que se constrói na atualidade,

aponta para uma realidade extremamente mais complexa, multifacetada,

para um ser humano cheio de mistério. Todas as formas de redução

falharam, o paradigma disjuntor, como diria Morin, não dá mais conta de

explicar esse mundo de complexidade no qual estamos imbricados.

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66

3.3.3.3.1.11.11.11.1 Mas... O que é Complexidade?Mas... O que é Complexidade?Mas... O que é Complexidade?Mas... O que é Complexidade?

A Teoria da Complexidade oferece uma nova perspectiva de

compreensão e análise do mundo. A palavra vem sendo utilizada desde fins

dos anos 60; dentre uma plêiade de pensadores a ela dedicados destaca-se

Edgar Morin, que a define como complexus, ‘o que é tecido em conjunto’. Na

concepção cotidiana, a palavra complexidade remete ao que é difícil, à

complicação, este é seu sentido coloquial. A complexidade se nos apresenta

como uma realidade ampla, difícil de abraçar, um “fenômeno quantitativo:

extrema quantidade de interações e interferências entre um número muito

grande de unidades” (MORIN, 2003, pg. 51). Porém, complexidade não é

complicação: o ser humano não é complicado, a realidade não é complicada;

ambos são fenômenos complexos e isso quer dizer que fazem parte de um

ambiente complexo de conexões e que devem ser considerados a partir de

uma multiplicidade de pontos de vista.

O pensamento disjuntor racionalista não se habituou à análise

contextualizada, coloca-se agora a necessidade urgente de reaprender a

pensar de forma integrativa, reinserindo seres e fenômenos em seu

ambiente. Trata-se de uma concepção sistêmica; parte do pressuposto de

que esses fenômenos são complexos, articulam em si grande número de

aspectos integrados numa dinâmica relacional e organizacional interna, que

depende de uma interação com o meio. O pensamento complexo ensina que

somos seres relacionais, indivíduos em interação com a sociedade – embora

internamente constituídos por uma outra dinâmica - e ainda, que tecemos

juntos a teia da vida.

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3.1.23.1.23.1.23.1.2 Inteligência Cega: O paradigma simplificadorInteligência Cega: O paradigma simplificadorInteligência Cega: O paradigma simplificadorInteligência Cega: O paradigma simplificador

(...) o simples não existe: só há o simplificado(...)

Gaston Bachelard

Tudo o que se pensa e se faz, é decidido pelo paradigma que nos

rege, não se escolhe um paradigma. Este, pode ser compreendido como o

conjunto de idéias que se forma sobre determinado assunto ou situação,

sejam estas conscientes ou inconscientes. Desde o útero materno

vivenciamos os paradigmas de nossos pais, as idéias e experiências que

estes consideram boas e adequadas. Valores e crenças nos são ensinados

pelas pessoas que mais amamos: pais, parentes, professores e, por isso é

tão difícil questionar e perceber o próprio comportamento. Uma mudança de

paradigma exige mexer no âmago do ser, questionar; exige estar sempre

munido da palavra “por que?”.

Segundo Koellreutter, a palavra por que é uma universidade, pois

através dela e simplesmente dela, se torna possível chegar à compreensão

de qualquer coisa que se deseje, e caso se una ao questionamento um olhar

agudo e perspicaz, não haverá dificuldade no mundo que fique sem resposta.

Foi assim que, prodigiosamente, se ergueu todo o império da civilização, na

esteira de uns pioneiros, às vezes, tidos como loucos, que sempre se

perguntaram de antemão: por que? e partiram em busca da resposta. O

senso comum ― aquele conjunto de idéias intuitivas que se tem sobre como

fazer alguma coisa ―, em geral, espontâneo e acrítico, é que torna tão difícil

promover a mudança na escola. (LUCKESI, 2000, p. 95)

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Além disso, se está também sob o domínio da Inteligência Cega, como

diria Morin, a inteligência que fragmenta, disseca para compreender,

esquecendo-se de voltar ao todo, que toma a parte pelo todo. Em última

análise, é um tipo de inteligência que retira do ser humano o que há de mais

humano: sua complexidade, sua multidimensionalidade, adotando formas

reducionistas para atender a esse ser. A Inteligência Cega é “um modo

mutilador de organização do conhecimento, incapaz de apreender a

complexidade do real”.

O simples não existe, as menores coisas estão inseridas em teias

complexas de relacionamento. Em música, sempre se nutre algum

preconceito em relação às peças simplificadas para Piano, por exemplo. Na

simplificação, a obra conserva algo de sua essência, a melodia talvez, que

emocionalmente cativa ao ouvinte. Este, se interessa apenas por ter acesso

à parte da música que lhe cativou, negligenciando o ambiente do arranjo

criado pelo autor. No entanto, a sutileza concebida pelo autor, em termos de

um acompanhamento diáfano, com harmonias bem encadeadas e

surpreendentes, se esvai, dando lugar a uma espécie de vaidade do ouvinte,

que se empenha em ouvir aquilo que entende ser a obra musical; o simples,

por outro lado, nada perde e tudo agrega, basta pensar nas pequenas peças

do ‘Microcosmo’, de Bela Bartok, ou naquelas de J. S. Bach, compostas para

o livro de Anna Madalena, muito simples, acessíveis a qualquer iniciante;

preservando, porém, sua essência, sua integridade; nelas, o autor continua

presente, na íntegra.

O Pensamento Complexo recusa todas as formas de simplificação e

recupera, para seres e fenômenos, a complexidade do real. Este se parece

muito mais com uma teia, a teia da vida, como diria Capra (1996). Na teia,

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todas as partes se interligam. Tornam-se interdependentes, e alterar parte

dela promove sua total mudança.

A escola trabalha com concepções disjuntivas: separa as dimensões

do aluno, separa o professor do aluno, negando a dialogicidade que anima

este relacionamento; isola conteúdos de seu contexto histórico e da trama

estrutural que poderia via a clarificá-los, desintegra o processo de ensino-

aprendizagem. Na visão educacional magistocentrista, vigente por tanto

tempo e ainda resistente em nossa época, se tem a garantia de que existe o

ensino, mas nem sempre se pode garantir que exista a aprendizagem, pois

esta deveria se dar na troca efetuada entre os atores, e entre estes e o

ambiente que os envolve. Paulo Freire, o grande apóstolo do diálogo, coloca

a prática dialógica no cerne de qualquer processo em Educação.

A nova cegueira fragmentadora e alienante coloca em risco o próprio

destino da humanidade; o uso inadequado da razão, a substituição dos

valores qualitativos pelos quantitativos, a valorização desenfreada do

consumo e do dinheiro, a mercadologização de tudo e de todos, podem

destruir as possibilidades antes que se concretizem:

Por um lado, as potencialidades da tradução tecnológica dos

conhecimentos acumulados fazem-nos crer no limiar de uma

sociedade de comunicação e interativa libertada das carências e

inseguranças que ainda hoje compõem os dias de muitos de nós: o

séc. XXI a começar antes de começar. Por outro lado, uma reflexão

cada vez mais aprofundada sobre os limites do rigor científico

combinada com os perigos cada vez mais verossímeis da catástrofe

ecológica ou da guerra nuclear faz-nos temer que o séc. XXI termine

antes de começar. (SANTOS SOUSA, 2003, pg. 14)

Page 70: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

70

3.1.3 3.1.3 3.1.3 3.1.3 Século XVI: uma revolução paradigmática: o paradigma tradicional Século XVI: uma revolução paradigmática: o paradigma tradicional Século XVI: uma revolução paradigmática: o paradigma tradicional Século XVI: uma revolução paradigmática: o paradigma tradicional

mecanicistamecanicistamecanicistamecanicista

Na filogênese do pensamento ocidental, aprende-se a mutilar o todo,

seccioná-lo em pequenas e, pretensamente, mais compreensíveis partes;

essa é a essência do método científico. O pensamento que sustenta nossa

ação é o do Paradigma cartesiano, mecanicista, chamado por Morin

“paradigma simplificador”.

Descartes plasmou a transformação do pensamento, em curso nos

sécs. XVI e XVII. Suas idéias simbolizaram e materializaram uma ruptura

com a concepção medieval do mundo ― configurada pelo pensamento

aristotélico e pela doutrina escolástica32. Esta revolução paradigmática

engendrou uma nova concepção de mundo: “Os protagonistas do novo

paradigma conduziram uma luta apaixonada contra todas as formas de

dogmatismo e de autoridade” (SANTOS, 2003, p. 15). Uma nova ordem

científica estava se consolidando e lançando as bases de uma nova forma de

ideologia ― o cientificismo. Esta afetaria profundamente a humanidade, e iria

imperar soberana pelos séculos seguintes.

Descartes é tido como um dos pensadores mais importantes e

influentes da história ocidental; sua prioridade era construir um “método”

para a busca da verdade, partindo do zero e descartando todas as doutrinas

que lhe haviam sido ensinadas: “Meu desígnio se limita a tratar de reformar

meus próprios pensamentos e edificar sobre um terreno inteiramente meu, e

32 O problema-chave da filosofia escolástica é harmonizar as esferas da fé e da razão. Seus maiores

representantes foram Sto. Agostinho (final do séc. IV) e São Tomás de Aquino (séc. XIII). Separados

no tempo e no espaço por quase um milênio, dão a justa medida do poder da Igreja durante todo o

período medieval, o que justifica plenamente a oposição que passa a sofrer, a partir do séc. XVI.

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se vos apresento aqui o modelo, tendo me satisfeito bastante minha obra, a

ninguém aconselho por isso que a imite”. Para tanto, decide “descartar

como absolutamente falso” tudo aquilo que lhe oferecesse a menor dúvida

(DESCARTES, 1984, pg. 13). Assim, descarta os sentidos que enganam,

descarta demonstrações racionais “porque há homens que se equivocam ao

raciocinar”, desconfia de seus próprios pensamentos, pois “estes podem

apresentar-se também como sonhos sem nada de realidade”, mas chega a

uma verdade que considera inquebrantável: para poder duvidar de todas as

coisas, era necessário que ele próprio – o que pensa – existisse com

certeza. Daí então a célebre frase: “Penso, logo existo”.

Ao estabelecer o pensar como critério único de existência, promoveu

uma cisão indelével no ser humano. Por um lado, ficou o sujeito pensante

(ego cogitans), o ser reflexivo; por outro lado, a vida material, o corpo, os

objetos do mundo (res extensa).

Ao interpretar a matéria como alguma coisa totalmente separada da

alma, o mundo como uma coleção de objetos, e o corpo humano como um

conglomerado de funções independentes, o terreno estava fertilizado para o

florescimento de uma visão mecanicista de mundo; o corpo humano e o

cosmos transformaram-se em máquinas. Isaac Newton foi um dos principais

arquitetos da visão de mundo mecanicista. Em 1666, formulou a Lei da

Gravitação Universal, e, em 1687, as Leis do Movimento33, uma verdadeira

revolução científica, a partir da qual veio a consagração e quase

33

Essas leis foram apresentadas em seu livro intitulado Philosophiae Naturalis Principia Mathematica e consistem nos seguintes enunciados: Primeira Lei ou princípio da inércia: Todo corpo continua em

seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a

mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele. Segunda Lei ou princípio fundamental da mecânica: A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na

direção da linha reta na qual aquela força é imprimida. Terceira Lei ou lei de ação e reação: A toda

ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são

sempre iguais e dirigidas a partes opostas.

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sacralização de sua teoria, tida como uma explicação absoluta para o

funcionamento do mundo por pelo menos 250 anos, até ser contestada pela

Teoria da Relatividade e pelas surpreendentes descobertas da Teoria

Quântica, no séc. XX. Como ilustra Capra (1983, p. 25):

Essa visão mecanicista do mundo foi sustentada por Isaac

Newton, que elaborou sua mecânica a partir de tais

fundamentos, tornando-a o alicerce da Física clássica. Da

segunda metade do séc. XVII até o fim do séc. XIX, o modelo

mecanicista newtoniano do universo dominou todo o

pensamento científico. Esse modelo caminhava paralelamente

com a imagem de um Deus Monárquico que, das alturas

governava o mundo, impondo-lhe a lei divina. As leis

fundamentais da natureza, objeto da pesquisa científica, eram

então encaradas como as leis de Deus, ou seja, invariáveis e

eternas, às quais o mundo se achava submetido.

A visão mecanicista de mundo depende de um determinismo absoluto;

a máquina do mundo, posta a funcionar por iniciativa divina, era

completamente previsível; conhecendo-se as causas iniciais, se poderia

prever todo o comportamento dos corpos e fenômenos. A causalidade

linear, intimamente associada ao pensamento determinista, viria a

desmoronar; toda e qualquer forma de determinismo causal viria a ser

abalada a partir de meados do séc. XIX, com descobertas impactantes no

campo da Biologia, da Termodinâmica, da Física, da Cosmologia,

estendendo-se também às ciências humanas. O mundo não seria mais o

mesmo, nem as concepções sobre ele; uma nova revolução paradigmática

estava se armando.

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Tais doutrinas fertilizaram o terreno para uma concepção materialista

da vida e do ser humano. O Iluminismo34 e o Positivismo da segunda metade

do séc. XVIII são os últimos alicerces de uma visão de mundo centrada na

racionalidade, na objetividade e na exclusão de qualquer possibilidade

metafísica.

34

Movimento filosófico da segunda metade do séc. XVIII – século das luzes, na França ― que

propunha a razão e a ciência como formas para a explicação de todos os campos da experiência

humana.

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74

3.23.23.23.2 Fragmentação e mecanicismo na situação escolar Fragmentação e mecanicismo na situação escolar Fragmentação e mecanicismo na situação escolar Fragmentação e mecanicismo na situação escolar

Voltando ao cenário inicial deste Capítulo, lá estava eu, no

Conservatório de Lyon, no olho do furacão; forças antagônicas lutavam

entre si: o sonho e minhas projeções interiores, por um lado, versus o

ambiente marcadamente determinista que encontrei, um ambiente que em

muito me desiludia; não era aquilo que eu esperaria encontrar. A escola

também é assim; como professores, desejamos que seja um espaço de

ensino, de silêncio, concentração; não é nada disso, porém, o que esperam

os alunos. Estes vêem na escola mais um espaço de convivência, mais um

espaço para viver a vida.

Eu era ‘diferente’ no Conservatório; muito mais velha do que deveria

ser, segundo o paradigma vigente, apesar de ter apenas vinte e oito anos;

pouco para mim, muito para eles. A diferença era muitas vezes exótica, mas

na maior parte do tempo excludente; sempre havia um momento para eu ser

lembrada que era diferente... e assim é, também, em qualquer sala de aula:

“seres exóticos” são rapidamente enquadrados, ainda quando pouco se sabe

sobre eles.

Aquele ambiente padecia de muitos contrastes que não dialogavam,

muitas oposições que não se encontravam; por um lado, o professor em sua

racionalidade técnica cartesiana, por outro lado, alunos sem voz; por um

lado, aqueles que foram premiados, por outro, aqueles que estavam errados,

a priori; por um lado, excesso de autoconfiança, por outro, desconfiança

total do conhecimento do outro; por um lado, a dúvida e o erro construindo

um caminho de conhecimento, por outro lado, a exigência do acerto, e em

presença dele, sua negação, em nome do ego exacerbado.

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Era um ambiente problemático. Os ambientes escolares sempre se

tornam problemáticos quando o outro lado não tem voz, quando a redução e

a disjunção impedem que os opostos aparentes se integrem numa lógica

ternária35 e inclusiva; e, quando erros não são interpretados como

emergências resultantes da riqueza do processo.

Mais uma vez, trata-se da fragmentação que separa: fragmentação de

processos, fragmentação de disciplinas, fragmentação da visão de mundo e,

sobretudo, fragmentação do ser humano que existe no aluno. A esse

processo incessante de fragmentação de tudo e de todos, herança das

origens culturais e do paradigma racionalista disjuntivo que nos tem sido

transmitido, Morin denominou Inteligência Cega, como discutido

anteriormente.

Na Educação, além de tudo, suporta-se um processo neoliberal feroz.

Escolas transformam-se em empresas, o conhecimento se torna uma

mercadoria, pais e alunos consumidores. Professores são desautorizados em

sua função de educar, pois no paradigma mercadológico em que se assenta

boa parte das escolas, os esforços concentram-se em incrementar a

mercadoria, e não exatamente na transformação interior que a Educação

pode e deve promover.

A Inteligência Cega e mutiladora continua coordenando as concepções

sobre o aluno e sobre o processo de educar. Por tudo isso, a Complexidade

me pareceu uma teoria tão adequada para discutir os problemas

educacionais e, o Sentipensar uma necessidade tão urgente. Os princípios

35

A lógica ternária é a lógica da Transdisciplinaridade; nela, os opostos se integram através de um

terceiro termo, o Terceiro Incluído, como exemplifica a própria temática desta tese: sentir, pensar,

conduz ao sentipensamento. É a lógica adequada para a análise de fenômenos complexos, pois

permite transcender e ir além do aparente.

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da Complexidade, também denominados por Morin ‘operadores cognitivos’,

oferecem um excelente pano de fundo filosófico para a transformação da

Educação, em teoria e prática.

2222.1 Análise dos problemas educacionais à luz dos operadores cognitivos da .1 Análise dos problemas educacionais à luz dos operadores cognitivos da .1 Análise dos problemas educacionais à luz dos operadores cognitivos da .1 Análise dos problemas educacionais à luz dos operadores cognitivos da

complexidadecomplexidadecomplexidadecomplexidade

A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objetos daquilo que os envolve. Não pode conceber o

elo inseparável entre o observador e a coisa observada. Edgar Morin

Operadores cognitivos são princípios básicos que nos ajudam a

conhecer e interpretar os fatos e processos da realidade, ou seja, nos

permitem operacionalizar o trânsito das idéias, relacionando aspectos,

circunstâncias e sujeitos envolvidos nas situações que se deseja

compreender. Segundo Moraes (1997, p. 13), “são princípios-guia

constitutivos de um pensar complexo”.

Concepções reducionistas e fragmentárias têm sido adotadas sobre o

aluno, sobre o currículo e sobre o processo educacional como um todo. O

saber do aluno, via de regra, não é incorporado; a dimensão privilegiada é a

da racionalidade.

O mesmo se pode dizer do currículo, tradicionalmente tratado como

uma organização estática, uma reunião de conteúdos extremamente

hegemônica, fragmentária, reducionista, disjuntiva, linear, fechada ao fluxo

de informações. Numa concepção abrangente de Educação, o currículo

torna-se um tecido complexo, multidimensional e aberto ao novo.

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Todas essas “perdas” foram abundantemente exemplificadas pela

situação narrada na abertura deste Capítulo. A seguir, algumas

considerações sobre o processo educacional a partir dos operadores

cognitivos da Complexidade.

���� O Princípio Sistêmico-organizacional

Através deste Princípio, chega-se a compreender os atores e

componentes do processo educacional ― educador, educando, conhecimento,

relação professor-aluno, relação sujeitos/meio, conteúdo, material didático,

procedimentos de ensino, currículo, avaliação – como sistemas orgânicos em

estreita relação, entre si, e com o ambiente. Os sistemas vivos são abertos

em suas trocas de energia e informação com o meio, porém fechados em

sua forma de operar.

Assim como os sujeitos necessitam fechar-se em sua individualidade

utilizando seus recursos cognitivos para que se realize o processo de

ensino/aprendizagem, necessitam igualmente abrir-se para a influência do

meio; a autonomia de cada um é estritamente dependente do fluxo de

informações que circula e não pode construir-se no isolamento. Isso implica

numa dinâmica relacional.

“A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos

os objetos daquilo que os envolve”, ensina Morin (2003, p. 18). Destrói,

portanto, a possibilidade de concepção do aluno, dos processos

educacionais, e do currículo como conjuntos integrados, totalidades; isola-

os do contexto promovendo a fragmentação. Separa o aluno do

conhecimento e da possibilidade de refleti-lo; separa o professor do aluno,

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inviabilizando as relações qualitativas entre ambos. Esse foi o

acontecimento notável de minha experiência no Conservatório de Lyon, o

isolamento e a fragmentação, passaram a afetar a qualidade do

relacionamento humano e, portanto, a produtividade do processo de

aprendizagem. A falta de troca, ou seja, o bloqueio do fluxo gerou

desassossego e menos eficiência.

���� Princípio Retroativo

A organização interna de um ser vivo ou de um processo depende de

circuitos retroativos; estes, rompem a causalidade linear e instituem a

causalidade circular, se retroalimentam circularmente produzindo

organização, “o circuito retroage sobre o circuito, renova a sua força e a

sua forma, agindo sobre os elementos/acontecimentos que, caso contrário,

tornar-se-iam logo particulares e divergentes”, explica Morin (2005, p.

228). O organismo humano é resultado de um processo de múltiplas

retroações organizadoras, fechadas em si, produzindo sua auto-regulação, a

exemplo da circulação do sangue, do ar, a circulação de alimentos, os

hormônios, entre milhares de outros circuitos. Da mesma maneira

retroorganizadora e circular, se dá o processo educacional; os hábitos de ler

e escrever, por exemplo, a cada vez que postos em prática, reorganizam

aquisições anteriores que são então reforçadas.

O mesmo se dá nas relações humanas; o fluxo energético da troca

acontece no circuito orgânico das relações, circularmente: simpatia gera

simpatia, diálogo gera diálogo, opressão gera opressão, violência gera

violência, sempre que realimentados no fluxo retroativo. Por isso, dizia

Jung, (1963) que a aprendizagem depende de um “vetor emocional” que se

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estabelece entre professor e aluno; talvez se pudesse falar de um circuito

emocional que opera circularmente, gerando motivação e alegria de

aprender, ou quando não existe, levando ao desânimo e à tristeza.

���� Princípio Recursivo

E de circuito em circuito, chegaremos ao circuito recursivo ao mesmo tempo o mais fechado e o mais aberto: a consciência do

homem. Edgar Morin

“A dinâmica engendrada a partir deste princípio, vai além da pura retroatividade auto-reguladora, pois gera uma dinâmica

de natureza autopoiética, ou seja, auto-produtora de sua organização, auto-produtora daquilo que a produz.

Maria Cândida Moraes

Um processo recursivo é aquele no qual “os estados ou efeitos finais

produzem os estados iniciais ou as causas iniciais” (MORIN, 2005, p. 231).

Ao final de minha dissertação de Mestrado, lembro-me de haver pensado e

escrito: ‘todo final é um recomeço, todo final é um novo portal que se abre a

realizações’. Eu me sentia profundamente transformada, o fluxo e a energia

do crescimento haviam perpassado meu ser, eu estava ali inteira, e pronta

para realimentar novo processo. O resultado de minha transformação é que

me permitiria continuar.

A Educação poderia ser definida como um “multiprocesso retroativo”

fechado em si mesmo e aberto ao fluxo de informações proveniente do

meio. Tais processos, representados por minicircuitos retroativos –

aprender a ler, compreender o significado denotativo e conotativo das

palavras, relacionar conceitos, partilhar informações, entre muitos outros –

se influenciam, “se geram, e, se regeneram”, como diria Morin (2005, p.

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231), atuando na transformação profunda do educando; o circuito global

resultante da interação de todos esses circuitos mais específicos é o

significado da recursão; um educando renovado emerge e, sobre essa

estrutura cognitiva global é que se erguerão novas descobertas.

A recursividade é característica da vida e de todos os processos

vivos; através dela ocorre a renovação constante, a dialógica interativa

entre a ordem e a desordem, e as múltiplas aprendizagens que advêm da

possibilidade de unir opostos contraditórios que se tornam complementares.

���� Princípio Hologramático

A relação antropossocial é complexa, porque o todo está na parte que está no todo.

Edgar Morin

O Princípio Hologramático evidencia a tensão entre o todo e as partes,

e ao mesmo tempo a transcende; vai além do holismo, pois o todo nada pode

agregar sem a dinâmica interna gerada a partir do relacionamento entre as

partes, que geram o todo; vai além do reducionismo, pois é no todo que a

parte encontra plena razão de ser.

Esse princípio é biológico ― cada célula do corpo contém a informação

da quase totalidade do que somos – e, é social – contemos em nós todos os

produtos da sociedade que integramos; valores, crenças, mitos e o conjunto

de tudo isso: nosso substrato cultural.

Produzimos a sociedade e somos produzidos por ela. Produzimos a

escola e somos produzidos por ela. A incorporação desse princípio impede

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qualquer forma de absolutismo: o professor é também uma das partes desse

grande todo social, carrega em essência a mesma cultura do aluno.

Dessa maneira, todas as produções escolares, o material didático, os

conteúdos, o currículo, estão impregnados de dupla autoria:

indivíduo/sociedade. Uma questão deve se colocar sempre: a quem

pertencem estas idéias? Ou ainda, quem são todos esses outros que vivem

em mim?

���� Princípio Dialógico

(...) tudo o que produz ordem e organização produz também irreversivelmente desordem.

Edgar Morin

O Princípio Dialógico também poderia ser chamado Princípio da

Integração; é o que permite associar termos antagônicos, mas

complementares. De uma forma geral, idéias antagônicas se excluem dentro

de uma lógica formal clássica; a primeira forma de inclusão seria justamente

a do pensar integrador; por isso Morin (2002) propõe, como um de seus

sete saberes, ensinar a compreender os princípios do conhecimento

pertinente; é o conhecimento que se opõe ao pensamento disjuntor e

descobre as ligações e interdependências existentes nos fatos,

relacionamentos e processos.

Um exemplo muito iluminador é a dialógica existente entre ordem e

desordem, que esteve presente na própria gênese do Universo, na

organização e constituição de qualquer ser vivo e, naturalmente, na

construção do conhecimento. Morin explica o diálogo entre ordem e

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desordem e como ambas são mutuamente geradoras através do circuito

tetralógico:

desordens interações ordem

organização

A turbulência inicial, resultante da “catástrofe térmica original”,

desencadeou as interações entre partículas que, ao longo de milhões de

anos, ao se tornarem recorrentes, puderam gerar as primeiras moléculas e

os princípios da vida.

Os processos educacionais não dependem de uma catástrofe inicial

geradora, porém, incorporam a dinâmica dialógica entre ordem e desordem.

A cada vez que se escreve um texto, que se reorganiza um currículo ou

material didático, subitamente nos inserimos no caos da presença de todos

os elementos misturados, e num tipo de desordem que, com a reflexão, se

reorganiza e volta a ser ordem. Esse movimento dialógico representa o

inacabamento, a abertura de todos os processos e, naturalmente, o

inacabamento do ser humano em constante construção e reconstrução.

Em Educação, o Princípio Dialógico ensina a aceitar e conciliar

opiniões divergentes, aceitar as diferenças, e a lançar sobre o conhecimento

e sobre nossos semelhantes um olhar aberto, expansivo e integrador. Numa

concepção dialógica de Educação, a frase de meu professor francês não

poderia ter lugar: “e se fosse a prova? Você responderia que tanto pode ser

uma coisa como outra? Como ficaríamos? Que nota eu poderia lhe dar, zero

ou dez?”

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���� Princípio da Auto-Eco-Organização

Por trás desse princípio encontra-se um macroconceito de

importância capital para a vida e, naturalmente, para o processo

educacional. Organização implica em circuitos retroativos circulares e na

coordenação destes no processo de recursão; a organização de seres

viventes e seus processos se tornam realidade a partir da recursividade.

Auto é tudo o que se refere ao si, a como os seres se organizam,

reorganizam e se transformam, no processo de auto-organização, o que

quer dizer que os organismos são produtores de si mesmos, seres

autocriadores; a palavra eco, por sua vez, indica justamente essa inserção

no ambiente, de forma ecológica e nutridora.

A relação com o meio depende de fluxos nutrientes, seja no plano

biológico ou no plano sociológico; depende-se do meio para obter energia e

informação. Como seres vivos, temos uma base de constituição físico-

química e estamos sujeitos às leis da Termodinâmica. O processo

educacional tende a tornar-se entrópico36, desordenado, pela degradação da

energia; isso é uma peculiaridade de todos os sistemas vivos e não-vivos –

máquinas, por exemplo ― que se utilizam de algum tipo de energia. As trocas

constantes efetuadas com o meio circundante é que devolvem os sistemas à

ordem, através de uma afluência constante de energia.

36

Esse trecho escrito por Morin (2005, p. 53), aclara o conceito de entropia: O segundo

princípio da Termodinâmica, formulado por Clausius, em 1850, estabelece a idéia de

degradação de energia, e introduz a idéia de entropia: Enquanto todas as formas de energia

podem se transformar integralmente uma na outra, a energia que toma a forma calorífica

não pode se reconverter inteiramente, perdendo então uma parte de sua aptidão para

efetuar um trabalho. Ora, toda transformação, todo trabalho libera calor, contribuindo para

esta degradação. Essa diminuição irreversível da aptidão de se transformar e de efetuar um

trabalho, própria do calor, foi denominada por Clausius de entropia.

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O alimento não deve ser provido somente ao corpo físico; o

conhecimento alimenta o espírito – é um tipo de energia ―, por isso em

Educação é tão importante permitir que ocorram os fluxos, primeiramente,

nas trocas entre as pessoas, que devem ser reais e qualitativas; para que

isso ocorra é necessária a abertura, novamente o olhar que expande e o

pensamento que integra. É necessário interpretar os componentes do

processo educacional com grande flexibilidade, sujeitos aos fluxos, às

trocas e à mudança, características de todos os processos vivos.

���� Princípio da reintrodução do sujeito cognoscente

A objetividade , instituída como critério supremo de verdade, teve uma conseqüência inevitável: a transformação do sujeito

em objeto. A morte do homem, que anuncia tantas outras mortes, é o preço a pagar por um conhecimento objetivo.

Basarab Nicolescu

O mundo paradoxal e surpreendente da Física Quântica e da

Relatividade, reintroduziu o sujeito com total vigor. Este passou a afetar a

realidade observada, passou-se a viver a Era da Dialogia sujeito-objeto.

A Ciência sempre primou por um distanciamento entre pesquisador e

coisa pesquisada, estabelecendo como critério a neutralidade. A partir da

descoberta da imbricação existente entre sujeito e objeto, nos fenômenos

quânticos e na Teoria da Relatividade, a própria ciência passou a admitir o

espaço da subjetividade.

A Educação, mais que qualquer outra área, tem que primar pela

formação do humano, por promover a transformação do pensamento e,

coerentemente, saber lidar com a diversidade de tipos humanos, garantindo

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seu espaço subjetivo de manifestação e de interpretação da realidade. A

educação terá que partir, cada vez mais, de um sujeito que conhece e

transforma a realidade a seu modo.

As transformações requeridas para a prática pedagógica têm sido

exaustivamente discutidas na atualidade, deixando, porém, à margem, um

aspecto essencial: a formação do ser interior. Ao tomar como exemplo a

formação do professor, dentre todos os fatores citados como obstáculos à

sua mudança, encontra-se a mesma falha, referente a seu desenvolvimento

pessoal, emocional, criativo, relacional e filosófico. Esta dimensão não está

ausente do discurso educacional, mas sim, encontra-se ausente das práticas

formativas; é necessário repensar a formação inicial e contínua do

professor, para que se contemple essa faceta de forma séria e duradoura,

tanto quanto é necessário repensar a formação do educando.

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3333. Conclusões (sempre) provisórias: uma possível era do sujeito.. Conclusões (sempre) provisórias: uma possível era do sujeito.. Conclusões (sempre) provisórias: uma possível era do sujeito.. Conclusões (sempre) provisórias: uma possível era do sujeito.

Pensamos situar-nos hoje num ponto crucial dessa aventura, no ponto de partida de uma nova racionalidade que não mais

identifica ciência e certeza, probabilidade e ignorância.

Ilya Prigogine

A ordem cósmica só poderia inventar um observador abstrato. Somente a desordem poderia revelar a seus próprios olhos o

observador concreto. Efetivamente, enquanto a ordem é justamente o que elimina a incerteza, apaga o espírito humano (pois toda certeza subjetiva se toma por realidade objetiva), a

desordem é justamente o que faz surgir a incerteza no observador, e a incerteza tende a fazer com que o incerto se

interrogue, (...)assim, diante de toda desordem coloca-se inevitavelmente a questão: isso é aparência ou realidade? Não

é a forma provisória da nossa ignorância? Não é a forma irracionalizável de uma complexidade fora do alcance de nosso

entendimento? Edgar MORIN

Talvez não seja exagerado afirmar que estamos na Era do sujeito; a

história dirá. Possivelmente, a grande idéia a se reter, das discussões

anteriores, é a de um mundo regido pela Complexidade, um mundo incerto,

impreciso, sujeito ao caos e à deriva filosófica, um mundo para ser

reconstruído em novas bases que incorporem o humano. “Hoje, a tentação é

mais a de um recuo, que se traduz por um ceticismo geral quanto ao

significado de nossos conhecimentos. Assim, a filosofia pós-moderna

defende a ‘desconstrução’ ”, nos diria Prigogine. (1996, p. 22). Valores

necessitam ser resgatados e a fé no futuro reconstruída; essa é uma missão

para a Educação: reencantar o ser humano.

A ciência moderna propôs uma epistemologia que visava à elaboração

de leis absolutas, as chamadas “leis da natureza”. O cânone positivista de

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Comte ― ver para prever, para prover ― pressupunha um mundo estático,

não sujeito à mudança e ao fluxo, um mundo neutro, sem nuances de

humanidade, um mundo perfeito para o demônio de Laplace37 que, do alto de

seu ponto de vista absoluto e único, poderia prever todo o devir da natureza

e da humanidade.

A própria ciência, tendo excluído o sujeito por necessidade de

“objetividade”, volta a incorporá-lo, na tentativa de transcender seu

paradoxo. O sujeito voltou com força total e “imiscuiu-se” em todos os

assuntos, desde a perplexidade gerada no mundo subatômico, até a Teoria

da Relatividade. Como explica Covolan:

(...) a Física Quântica apresentou uma dificuldade essencial: a

necessidade de se atribuir um papel fundamental para a figura

do observador (...). Isso decorre do fato da Teoria Quântica ser

de caráter não-determinístico, ou seja, trata-se de uma teoria

para a qual a fixação do estado inicial de um sistema quântico

(...) não é suficiente para determinar com certeza qual será o

resultado de uma medida efetuada posteriormente sobre esse

mesmo sistema. (...) quem define o que estará sendo medido e

tomará ciência de qual resultado se obtém com uma

determinada medida é o observador. (...) Contudo, não é tanto

esse problema de caráter epistemológico que se quer focalizar

aqui, mas sim, a possibilidade de que certos efeitos quânticos

possam fazer parte do funcionamento do cérebro e estejam

envolvidos na manifestação da consciência.38

O primado da racionalidade, que foi criticado ao longo de todo esse

escrito, estabeleceu alguns pares de opostos antagônicos que são, em

37

O Demônio de Laplace é um experimento mental concebido pelo físico Pierre Simon Laplace. Tal

personagem estaria apto, de posse de todas as variáveis que determinam o estado do Universo num

instante determinado, a prever o seu estado num instante futuro. Tal conceito só pode sustentar-se

num Universo regido por determinações mecânicas absolutas.

38 COVOLAN, Roberto J. M. Consciência Quântica ou Consciência Crítica? Disponível em:

www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica02.htm.

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verdade, complementares, sujeito/objeto é um deles. O cientificismo

pregava a necessidade da neutralidade do sujeito-observador em relação ao

fenômeno observado, um sujeito que não fosse mais que um coletor de

experiências, que não se envolvesse ou interferisse na evolução do fato

observado, nada de sua psique ou de seu corpo deveria misturar-se ao fato

científico. Nessa ótica, ao se conceber a Educação como uma ciência,

compreende-se como esta pode afastar-se tão radicalmente de seu foco

real; possivelmente, a busca de tornar-se científica é que desviou a

Pedagogia de sua trajetória, e transformou a experiência de sala de aula em

algo inerte para os alunos, uma experiência não-motivante, desprovida de

encantamento. Isso é o que ocorre para o ser humano quando não pode

existir integralmente.

Da mesma forma, plasmou-se a separação entre subjetividade e

objetividade. A subjetividade, ou seja, tudo aquilo que é inerente ao interior

do ser humano, suas concepções, suas visões singulares do mundo, regidas

por experiências pessoais ― sensações, emoções, sentimentos – tornaram-

se marginais na concepção moderna de ciência, e confinaram-se aos

campos da introspecção: Filosofia, Psicologia, Artes, ciências humanas, de

forma geral. Não foram poucas as tentativas de tornar mais científicas,

essas disciplinas. As Artes ficaram com o pouco que restou da subjetividade

humana, as Artes podem ser subjetivas, podem ser irracionais, não

necessitam necessariamente seguir padrões de coerência tidos como

científicos; por isso mesmo, no senso comum, as Artes são tão marginais

quanto admiráveis, e os artistas – loucos – têm direito a pensar e sentir tudo

o que quiserem.

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O mundo nem sempre é o que parece ser, o mundo é como aparece, é

como pode ser discernido na experiência de um sujeito determinado. Não

existe um mundo dado à priori, não trabalhamos com representações de

objetos, fenômenos e eventos externos, mas sim, os reconstruímos a cada

vez que se apresentam à nossa percepção. Não existe uma objetividade

pura, uma “objetividade-sem-parênteses”, diria Maturana, através da qual é

possível conceber o mundo como algo separado de nós. Só existe a

“objetividade-entre-parênteses”, através da qual nos tornamos unos com o

mundo, e este se contamina do olhar subjetivo. Nas palavras de Maturana:

(...) colocando a objetividade-entre-parênteses, me dou conta

de que não posso pretender que eu tenha a capacidade de

fazer referência a uma realidade independente de mim.

(MATURANA, 2002, p. 45)

A ameaça persiste: ruptura e fragmentação podem induzir ao erro e à

cegueira:

“Assim, o saber que liga um espírito a um objeto é reconduzido

seja ao objeto físico (empirismo), seja ao espírito humano

(idealismo), seja à realidade social (sociologismo). Assim, a

relação sujeito/objeto é dissociada, a ciência se apodera do

objeto, a filosofia do sujeito”. (MORIN, 2005, p. 31)

Percebe-se com clareza que sujeito e objeto não poderão seguir

dissociados, existe muito mais organicidade nesse relacionamento do que

poderiam admitir os pressupostos da ciência clássica.

Ao longo da formação escolar, tivemos que conviver com as

disciplinas exatas, as disciplinas biológicas e as disciplinas humanas; a falta

de um olhar complexo sobre esse currículo impediu de ver o quanto de

humano e biológico pode existir no exato e vice-versa, jamais se saberá

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como teria sido o desenvolvimento da ciência sem essa cisão, como teriam

sido os cientistas, se formados numa concepção filosófica mais abrangente.

Foi uma perda ou um ganho de tempo? Não sabemos, com certeza; mas sim,

é certo, pode existir uma filosofia mais abrangente para a ciência, e aqueles

que a fazem não podem perder de vista o alcance do efeito de suas

descobertas; esse é um compromisso ético.

Creio não ser necessário ressaltar que o pensamento cientificista

legou progressos e conquistas imprescindíveis, nos expandimos além das

fronteiras da terra, foram descobertas curas para doenças, tecnologias, e

fantásticos meios de comunicação e transporte foram desenvolvidos, e o

mundo se tornou uma aldeia global. No entanto, passados quase quatro

séculos, ao fazer um balanço, percebe-se primeiramente que tais

descobertas e desenvolvimentos foram partilhados com a humanidade numa

escala mínima, e o progresso não garantiu bem-estar a todos. Algo se

perdeu no meio do caminho. O objetivo final de todo conhecimento nunca

poderá se afastar de um compromisso com o bem-estar de todos e com a

preservação de nosso lar: a Terra.

A separação entre nós e o mundo é responsável por boa parte das

agruras vividas, e das perdas sofridas, incita ao comportamento predatório e

destruidor; auto-destruidor, pois ao destruir aquilo de que fazemos parte,

produzimos a própria destruição, e admitimos que outros também o façam. É

essa abominável separação que nos faz agora perseguir o sentido ético da

vida, na busca eterna da resposta para as questões que não querem calar:

quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?

O sujeito está de volta e parece ter vindo para ficar, com todas as

suas incertezas, mitologias, sonhos, desejos, medos, subjetividades, razão,

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loucura; um sujeito noosférico39, errático e perfeito, sábio e louco – sapiens

demens, diria Morin –, que há de reencantar a vida e a Educação.

39

A noosfera, segundo Morin é “a esfera das coisas do espírito”; na Transdisciplinaridade,

representa um nível de realidade possível. A noosfera é um espaço do ser interior, profundo

ancestral, sistematicamente negado pela ciência, no paradigma mecanicista.

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4444....SSSSentipensarentipensarentipensarentipensar ---- por uma educação que religue razão, emoção e por uma educação que religue razão, emoção e por uma educação que religue razão, emoção e por uma educação que religue razão, emoção e

sensibilidadesensibilidadesensibilidadesensibilidade

Não podemos continuar educando com procedimentos de

ontem alunos que já vivem no amanhã. Sentipensar é educar para a vida, para os valores, para uma

convivência e bem estar sustentáveis, mediante impactos criativos.

S. de la Torre e M.C. Moraes

Tecendo o Horizonte Tatiana Clauzet

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Cenário para SentipensarCenário para SentipensarCenário para SentipensarCenário para Sentipensar

Em trabalho realizado para a PUC de São Paulo, em 2002, para uma

das disciplinas de mestrado, entrevistei diversas alunas que cursavam o

último ano de Pedagogia e já exerciam atividade profissional. Havia duas

perguntas básicas: qual o pior aspecto da formação recebida até ali, e qual o

melhor aspecto; a transcrição de trecho da entrevista, apresentada a seguir,

ilustra, magistralmente, a necessidade do Sentipensar em sala de aula.

Falando sobre um dos melhores professores do curso:

(...) ele sabia explicar, ele pedia a nossa opinião, assim, ele não chegava na sala e apresentava o tema, só ele falando; não era só expositivo, ele ia perguntando o que a gente sabia, alguma aluna ia completando... aí ele fazia um resumão e explicava tudo.

Falando sobre a melhor disciplina:

Aluna - (...) uma matéria que eu estou tendo agora no terceiro ano que eu adorei é Introdução à Psicopedagogia, muito bom, muito bom, a professora trabalhou na auto-estima, tanto a auto-estima individual como a coletiva... Eu - a de vocês? Aluna - a nossa... Eu - Como ela fez isso? Aluna - Ela começou com trabalhos assim... em grupos... no início do ano, tudo o que ela fazia ela pedia para a gente redigir. (...) então ela fez a dinâmica do nome... e a partir disso ela começou a tentar... a tentar... a descobrir, né? A partir do nome, se a pessoa aceitava o nome, porque que ela não aceitava, se ela queria mudar o nome, e como que foi a infância dela e o nome, a adolescência dela e o nome, depois de adulto e o nome... ela trabalhou muito bem, muito gostoso. (...) aí a sala começou a se desenvolver melhor, tanto é que as aulas dela são as mais produtivas: todo mundo participa, ninguém reclama... Eu - por causa dessas dinâmicas... Aluna - por causa das dinâmicas, (...) você se sentia à vontade nas aulas. E a minha sala tinha muito problema de convivência, (...) eu acho que eram vários líderes para um grupo só. Então, tinha muito choque, todo mundo queria mandar, todo mundo queria falar na mesma hora, então nós tivemos várias brigas. E, com o desenrolar

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dessa dinâmica ela começou a perceber – ninguém falava – ela começou a sentir que havia muito conflito no grupo, então ela começou a trabalhar a auto-estima coletiva do grupo. Melhorou bastante. Então... foi muito bom. Eu - Você acha que deveria existir matérias assim todos os anos? Aluna - Todos os anos! (entusiasticamente), tanto é que nós fizemos uma proposta e enviamos para a coordenação (propondo) desde o primeiro ano. Eu - Como é o nome da matéria? Aluna - Introdução à Psicopedagogia. Eu - Então o foco foi voltado para vocês... Aluna - Foi, acabou sendo, no I semestre foi. Aí o que ela colocou para não ficar assim tão fora de uma Psicopedagogia voltada para o aluno: que o que estava acontecendo com a gente podia estar acontecendo numa sala de aula, então foi uma maneira de trabalho que ela passou para gente estar trabalhando, desde o individual até o problema coletivo. Eu - Vocês puderam perceber que o professor tem que se trabalhar, não só ficar aprendendo para fazer com o aluno... Aluna - É... e agora a gente está trabalhando no II semestre identidade e autonomia. Ela apresentou um filme que chama “A Onda”. Fala sobre o nazismo e da importância do professor... porque nesse filme o professor, ele... faz uma experiência com os alunos (os alunos são muito rebeldes); ele começa a aula mostrando o campo de concentração, né? e os alunos ficam assim horrorizados: “como a sociedade deixava acontecer a matança?” Aí o que aconteceu: ele (o professor do filme) entrou na outra aula falando sobre disciplina, e ele fez uma experiência com os alunos, então ele começou a ter maneiras, assim antipáticas, como era a do nazista, então começou a falar que os alunos tinham que sentar retos na cadeira... que quando falasse com o professor tinha que levantar... Ele fez isso como experiência. Só que os alunos levaram isso muito a sério, ele apresentou de uma maneira séria, então os alunos achavam que eles deviam ser daquela maneira, só que eles não fizeram a ligação com o nazismo, né? e aí foi se desenrolando o filme e acabaram criando uma associação que era a onda; então, era assim, quem não estivesse engajado dentro dessa comunidade eles agrediam, então virou um ciclo, né? (...) e dois alunos começaram a perceber que tudo aquilo era um erro, que era um absurdo aquilo que estava acontecendo, e todos os alunos começaram a andar igual, tinham o mesmo comportamento faziam as mesmas coisas, e eles tinham um lema. Muito interessante... e aí no final de tudo, o professor desfez isso, e os alunos que estavam fissurados, fanáticos por esse movimento, eles realmente perceberam o quanto o ser humano é frágil - o pior é que o salão inteiro chorou - porque eles perceberam que qualquer pessoa,

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qualquer coisa, podia estar induzindo eles, se eles não tivessem uma postura...

A aluna ressaltou aspectos absolutamente cruciais para as questões

que vimos discutindo, por exemplo, o melhor professor era um professor

dialógico; a melhor disciplina, a que se voltava diretamente para o problema

dos alunos e da relação entre eles; e que, além disso, utilizava estratégias

insólitas: escrever sobre a experiência pessoal vivida na aula; dinâmica

reflexiva sobre os nomes dos alunos; trabalho da auto-estima do grupo;

comparação da situação deles em aula com a de seus próprios alunos;

análise de situação escolar no filme “A Onda” e análise da situação

psicodramática criada pelo professor do filme. Além disso, é importante

ressaltar que tais situações ocorreram nas disciplinas de Psicopedagogia e

História da Educação, o que demonstra a necessidade de que as disciplinas

assumam novos enfoques, mais humanos e criativos.

Todos estes procedimentos são exemplos do que Moraes e Torre

apontam como estratégias para o desenvolvimento da inteligência emocional

(2004), assim como a estratégia que utilizo em minhas aulas envolvendo a

Escuta Musical. Estas e outras estratégias e disciplinas deveriam fazer

parte do currículo de formação de professores de forma constante e

duradoura, não como evento especial ou isolado, assim como poderiam fazer

parte do currículo escolar, num tipo de educação que chamarei de Educação

para o Sentipensar.

Page 96: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

96

4.1 4.1 4.1 4.1 O que é O que é O que é O que é SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar????

Sentipensar é um poético neologismo, criado por Saturnino de La

Torre, em 1997. A expressão traduz a preocupação de seu autor em unir na

experiência educativa esses mundos tão próximos, interdependentes e, ao

mesmo tempo, separados por um verdadeiro abismo: o pensamento e o

sentimento. Nas palavras de Saturnino:

Sentipensar é o processo mediante o qual colocamos para

trabalhar conjuntamente, o pensamento e o sentimento. É a

fusão de duas formas de interpretar a realidade, a partir da

reflexão e do impacto emocional, até convergir num mesmo ato

de conhecimento a ação de sentir e pensar. (MORAES e

TORRE, 2004, p. 54)

O sentipensamento nos permite integrar dualidades interpretadas

como realidades excludentes que, na verdade, são complementares.

Possibilita que se questione e se transcenda polaridades, reinterpretando-

as de forma integrada e complementar, tão necessárias à evolução de

nossos discursos e ações sobre Educação.

A palavra “ação” reveste-se de importância capital, pois Sentipensar

não é apenas a união de sensibilidade e razão, mas sim, também deve

comportar a garantia de que tais concepções cheguem efetivamente ao ato,

em sala de aula; assim, Sentipensar, como macroconceito, articula os

conceitos de pensar, sentir e agir; isso quer dizer que, ao conjunto de

princípios filosóficos que enuncia, deve corresponder um conjunto de

princípios metodológicos, coerentemente selecionados e viabilizáveis na

prática. A ação do professor deve manter a coerência em relação às idéias

que veicula.

Page 97: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

97

Sentipensar não é um conceito que brotou ao acaso na imaginação de

seu autor; fundamenta-se na própria dinâmica de funcionamento cerebral.

Segundo Schreiber (2004, p. 18) temos dois cérebros, o emocional e o

cognitivo, “um verdadeiro cérebro dentro do cérebro”. O primeiro, responde

pelo bem-estar psicológico e pela regulação da homeostase40, e é

essencialmente ligado ao corpo; o segundo – neocórtex –, é “o centro da

linguagem e do pensamento”. O equilíbrio entre esses dois cérebros

representa o equilíbrio entre razão e emoção; cada um deles contribui de

maneira diferente para a vida e para o comportamento; o funcionamento

integrado desses dois cérebros está na base dos objetivos de Sentipensar.

Schreiber explica, com base nas pesquisas de Damásio, que as

emoções “devem estar moderadas pela análise racional que o cérebro

cognitivo fornece. Senão, decisões impetuosas tomadas no calor da ação

podem pôr em perigo o complexo equilíbrio de nossas relações com os

outros” (SCHREIBER, 2004, p. 23); por outro lado, o cérebro cognitivo é um

componente essencial de nossa humanidade, o qual se responsabiliza pelo

controle das funções cognitivas superiores, pela elaboração de projetos

futuros, e pelo comportamento moral.

É principalmente essa idéia do ímpeto emocional, em descontrole, que

tem servido de argumento contrário às emoções ao longo da história. É

necessário equilibrar e integrar as ações de “nossos cérebros”, essa é a

proposta do Sentipensar que confere fluência ao processo educacional:

A inteligência emocional é mais bem expressa quando os dois

sistemas – os cérebros cortical e límbico – cooperam

constantemente. Nesse estado, nossos pensamentos, decisões

40

Segundo Damásio (2004), homeostase é um conjunto de processos fisiológicos de regulação da vida,

dos quais fazem parte o metabolismo, os reflexos básicos, as respostas imunitárias, os

comportamentos que expressam dor e prazer, pulsões, motivações e, ainda, as emoções, entre outros.

Page 98: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

98

e movimentos se fundem e fluem naturalmente, sem que

precisemos prestar atenção neles. (SCHREIBER, 2004, p. 41)

Sentipensar é uma grande idéia para um futuro que já começou.

Através da incorporação de seus princípios promove-se não somente a

reintegração de um pensar sobre o mundo, mas acima de tudo,

desencadeamos um processo de repensar o papel do humano na Educação.

O ser humano em formação é um ser complexo, um emaranhado de

dimensões, um ser multidimensional que se apresenta como um desafio

novo, a cada aula. A Educação deve preparar-se para vislumbrar a

diversidade de aspectos formativos da personalidade: racionalidade,

sensibilidade, sociabilidade e ética.

4.24.24.24.2 Educar para Educar para Educar para Educar para SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar: Princípios filosóficos básicos : Princípios filosóficos básicos : Princípios filosóficos básicos : Princípios filosóficos básicos

Sentipensar é, portanto, o encontro intensamente consciente

entre sentimento e razão. É como uma espiral em desenvolvimento permanente que tem sua razão de ser na

fusão de duas energias, a exemplo do óvulo e do espermatozóide, de maneira que avançam unidos, formando um

todo complexo, interativo, presentes em cada ato humano. S. de la Torre e M.C. Moraes

� Educar para a Complexidade e para a Era planetária

Sentipensar é uma proposta filosófica e metodológica coerente com o

paradigma da complexidade; propõe uma visão holística, da realidade e do

processo educacional, plasmada na integração de seus três eixos

constitutivos complementares: sentir, pensar, agir. A partir da visão

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99

complexa ou ecossistêmica, Sentipensar permite conciliar opostos,

compreender antagonismos, contextualizar fatos e problemas, numa rede

muito mais ampla de interconexões. Como explica Moraes (2004, p. 41):

Esta é uma condição para o desenvolvimento de um maior

sentimento de cidadania planetária, uma cidadania auto-

sustentável, como a única maneira possível de se construir um

futuro viável para todos, um futuro rico em possibilidades

criadoras para toda a sociedade, em especial, para as gerações

vindouras.

� Educar o ser humano multidimensional

No Sentipensar, o ser humano multidimensional é reintegrado, e

algumas de suas esferas de existência, tradicionalmente dicotomizadas ― o

âmbito afetivo-emocional e o âmbito cognitivo ―, podem voltar a reunir-se.

Grandes pesquisadores da atualidade ― Maturana, Damásio e Morin, entre

muitos outros ― corroboram o valor do solo emocional como base fértil para

nossas ações racionais e para a tomada de decisões. “A dimensão emocional

do ser humano, que há duas décadas apenas estava proscrita em muitas

instituições educativas, emerge com valor próprio junto à experiência e à

razão”, explica Torre (2000, p. 546). Incluir emoção e sentimento significa

também reincluir o corpo, esse eterno negligenciado.

A dimensão emocional é indispensável à vida e, naturalmente, à vida

da sala de aula, como ensina Torre no texto a seguir:

A inteligência emocional, e não a capacidade abstrata de

raciocinar, é realmente a que determina o êxito nas relações

humanas e muitas vezes também profissional. É a inteligência

emocional a que determina atos e decisões importantes da

Page 100: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

100

vida. É a inteligência emocional a que mais contribui para um

clima construtivo nas organizações. É a inteligência emocional

que permite tirar proveito social das aprendizagens. É a

inteligência emocional a que governa os atos da vida diária. É a

inteligência emocional a que está na base de muitas atuações

criativas. É a inteligência emocional a que mais nos aproxima

da felicidade. Porque esta tem a ver com a própria consciência

e harmonia consigo e com os outros, tem a ver com o

equilíbrio entre expectativas e realizações.41 (TORRE;

TEJADA, 2006, p. 3)

� Educar para a ética, para valores humanos e para o amor

Sentipensar é uma proposta significativamente humana e socializante,

primando pela valorização de aspectos da individualidade, tanto quanto pela

possibilidade de desenvolver o sentido ético nas relações humanas e

educacionais. A compreensão e aceitação do outro, nos reintroduz na

possibilidade de uma vida com valores humanos preciosos, baseados na

cooperação, na compreensão, na interação, na convivência e no amor:

“educar na biologia do amor”, como diria Moraes (2003). Isto significa

respeitar o outro e aceitá-lo em plenitude. Para tanto, é necessário acoplar-

se ao outro, entrar em sintonia, e juntos acoplarem-se ao ambiente que

acolhe a todos.

A Inteligência cega, e o ego, nos haviam afastado da possibilidade de

compreender e amar ao outro, em plenitude; ela só é possível numa relação

íntegra, entre seres humanos também íntegros que preservam o espaço de

manifestação de sua multidimensionalidade. Somente com emoção e

sentimento é possível compreender o verdadeiro sentido da alteridade,

abandonar o ego e toda forma de subjugação. Somente seres humanos

41

Tradução da autora.

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101

integrais estão preparados para o religare, o que implica em respeitar e

ligar-se a si mesmo, ao outro e à natureza, ou seja, compreender o

verdadeiro e abrangente sentimento de pertinência: “uma maior consciência

ecológica traz consigo um sentimento de pertencimento mútuo que nos une

à terra e ao cosmo”, ensina Moraes (2004, p. 41).

� Educar para a mudança

Vive-se uma era de grande evolução tecnológica, uma mudança de

paradigma que, possivelmente, no futuro venha a ser conhecida como Era da

Informação. No entanto, não se pode esquecer que o ser humano é quem

está no centro do processo, de forma aparentemente paradoxal; quanto mais

o desenvolvimento científico e tecnológico se torna acessível a nós, mais se

necessita das qualidades intrínsecas ao ser humano; valores pessoais e

éticos que sensibilizem e responsabilizem o indivíduo no uso das novas

tecnologias e conquistas científicas do nosso tempo, “tecnologia e

humanismo, não são, portanto, dois conceitos contrapostos, mas sim,

complementares no mais intrínseco do ser humano: em sua dimensão

emocional”. (TORRE; TEJADA, 2006, p. 7). Por isso mesmo, uma das metas

importantes do Sentipensar é promover mudanças atitudinais, que coloquem

de manifesto reais transformações interiores.

A mudança não ocorre apenas devido a fatores ambientais externos

ao indivíduo, mas sim, também a partir do próprio indivíduo que, interagindo

com o meio, promove mudanças em sua própria estrutura, se acopla ao meio

transformando-o ― como explicam Maturana (2001) e Moraes (2003) ―,

concebe a mudança como “uma correlação”, envolvendo o sujeito

cognoscente, por um lado, e a realidade a conhecer, por outro.

Page 102: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

102

Compreender a mudança é um ato de autocriação que envolve

desenvolvimento e transformação da consciência humana (TORRE, 2005, p.

57).

� Educar para compreender a diversidade humana

A Educação pode e deve valorizar a diversidade humana através do

enriquecimento de estratégias metodológicas que permitam ao aluno, ao

mesmo tempo, manifestar-se e autoconhecer-se. A base de aceitação do

outro está em aceitar a si próprio. Educar para Sentipensar promove a

abertura e integração do interno e do externo no ser humano; não somente

promove a reintegração de todas as suas dimensões, mas possibilita a

abertura de um portal interior para o autoconhecimento, e de um portal

exterior, para a vida compartilhada e para a consciência planetária.

� Educar para a Transdisciplinaridade

Na Educação para o Sentipensar, todas as formas de perceber,

compreender e vivenciar o mundo são admitidas e bem-vindas, todos os

saberes são incorporados. O ser humano, finalmente liberto das cadeias

epistemológicas, aprende a transcender a si mesmo e à realidade que o

cerca. O Sentipensar estabelece o reencontro entre as zonas interiores

proibidas e sua manifestação concreta nas experiências educacionais e

vivenciais, abre o diálogo entre razão e intuição, entre o sagrado e o

científico, readmite o “inferno da subjetividade” de Basarab (2005), a esfera

noológica de Morin (2002), reconhece o “mito oculto sob a etiqueta da

ciência ou da razão” e nos permite mergulhar, sem reservas, na zona de

não-resistência da Transdisciplinaridade; portanto, as estratégias de

Page 103: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

103

Sentipensar são também transdisciplinares, libertando-nos de uma lógica

insípida e resgatando nossa natureza complexa.

Por tudo o que foi dito, e por tudo o mais que poderia ser dito sobre

Sentipensar – pois, como seres inconclusos jamais conseguiremos abranger

o todo em qualquer aspecto –, é que sua filosofia se propõe a resgatar, para

a Educação e para todos os seus atores, o sentido do reencantamento, a

idéia de prazer, alegria, bem-estar e vida na escola, um espaço mental e

concreto, onde a sala de aula se torna um espaço de convivência, as

relações entre professor e aluno se tornam compreensivas, e o sonho de

uma sociedade mais justa e sustentável se mostra um pouco mais próximo.

4.3 4.3 4.3 4.3 Aprendizagem integrada: estratégias e práticas do Aprendizagem integrada: estratégias e práticas do Aprendizagem integrada: estratégias e práticas do Aprendizagem integrada: estratégias e práticas do SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar

A estratégia ou recurso metodológico é como a alavanca que torna possível o movimento ou mudança

desejada.(...) Com estratégias facilitamos a ação ou pelo menos a tentativa inicial de levar em consideração o

emocional em nossas aulas, do nível infantil ao universitário. Porque é aqui onde mais se deverá incidir para contrabalançar o efeito racionalizador de algumas

tecnologias e conhecimentos científicos. Saturnino de la Torre

Educar, no paradigma da Complexidade, exige coerência entre

princípios filosóficos, métodos e estratégia didática, equilíbrio entre teoria e

prática e, sobretudo, exige determinação e persistência para alcançar os

objetivos traçados. A locomotiva desse processo é a Aprendizagem

Integrada, definida por Moraes (2004, p. 82) da seguinte forma:

Page 104: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

104

Processo mediante o qual vamos construindo novos

significados das coisas e do mundo ao nosso redor, ao mesmo

tempo em que melhoramos estruturas e habilidades cognitivas,

desenvolvemos novas competências, modificamos nossas

atitudes e valores, projetando tais mudanças na vida, nas

relações sociais e laborais. E isto baseado em estímulos

multissensoriais ou processos intuitivos que nos impactam e

nos fazem pensar, sentir e agir.

As tensões fragmentárias que nos cercam não deixam de lado os

acontecimentos e decisões escolares; a escola, como ambiente de

relacionamento humano e de formação de seres humanos vive, como todos

os setores da sociedade, problemas complexos decorrentes da tensão entre,

por um lado, a fragmentação crescente e níveis sofisticados de

especialização, e por outro, a necessidade de formar o ser humano de forma

integrada e multidimensional. A tensão da especialização manifesta-se no

currículo, nas práticas e, principalmente, na mentalidade dos docentes:

A educação inicial e a formação posterior têm sua razão de ser

enquanto buscam um desenvolvimento pessoal equilibrado; isto

é, em conhecimentos, atitudes, hábitos, crenças e habilidades

tanto pessoais quanto sociais. O desenvolvimento emocional e

da própria imagem pode ser mais importante do que o êxito

acadêmico.42 (TORRE, 2005, p. 18)

A Aprendizagem Integrada fundamenta-se, epistemologicamente, no

paradigma integrador da Complexidade; neurologicamente, na plasticidade

cerebral, afetada pelas diversas interações com o meio, estudada mais

adiante; psicopedagogicamente, na “criação de situações de aprendizagem,

nas quais estejam presentes os diferentes sentidos e processos mentais, e

nas quais se compartilhem significados” (TORRE, 2005, p. 23) e tem seus

fundamentos socioafetivos na qualidade dos relacionamentos estabelecidos

42

Tradução da autora.

Page 105: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

105

em sala de aula e, de forma muito especial, no papel humano do educador,

conforme explica Torre:

Daí o relevante papel socioafetivo do educador, tanto mais

importante quanto menor seja a idade do sujeito. Os aspectos

relacionais e as motivações são mais importantes que os

instrutivos, pois, a influência aumenta com os laços

socioafetivos, e diminui quando estas relações geram conflito,

tensão e distanciamento.43 (TORRE, 2005, p. 24)

As expressões utilizadas por Torre (2005), para caracterizar a

Aprendizagem Integrada, dão uma perspectiva muito clara de sua total

adequação a um sistema educacional orientado pelo paradigma

ecossistêmico: ela é interdisciplinar, holística, planetária, estratégica,

relevante, vinculada à vida, experiencial, multissensorial, que incorpora os

erros, (...) gratificante e motivadora, autopoiética e criativa, implicativa,

compartilhada. Tais características transcendem a questão escolar ou

acadêmica transformando esta proposta numa “universidade para a vida”.

43

Tradução da autora.

Page 106: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

106

4.4.4.4.3333.1. Características me.1. Características me.1. Características me.1. Características metodológicas da aprendizagem integradatodológicas da aprendizagem integradatodológicas da aprendizagem integradatodológicas da aprendizagem integrada

Sentipensar: Exato. Por isto se diz que, quando o amor e a criatividade trabalham juntos, é fácil esperar uma marca

indelével, uma obra-mestra, um ambiente feliz. Sentir: Quem põe o coração naquilo que faz, consegue recursos

aonde os incapazes se dão por vencidos. Pensar: Agora sei que, embora lhe tirem tudo, sempre ficará o

mais importante. Sentipensar: Assim é, meus amigos, dentro de nós está tudo o

que fora nos falta. Sentir e pensar são os meus dois olhos, meus dois ouvidos, minhas duas mãos, o meu Eu completo.

Somos uma unidade, você e eu.44

O trecho citado, criativamente, concebido por Saturnino de La Torre

para ilustrar o embate entre Sentir e Pensar, constitui um recurso didático

poderoso que, num momento da aula ou de uma apresentação, pode suscitar

reflexões interessantes, e a mobilização de variados recursos humanos

imaginativos, reflexivos, criativos; e, indo mais além, recursos que afetam o

estado de consciência dos alunos, preparando-os para o trabalho

intelectual, e potencializando suas habilidades cognitivas. A Aprendizagem

Integrada proporciona as técnicas e estratégias para Sentipensar, dentre

elas: relato imaginário, cinema formativo, música comentada, espetáculos

artísticos, dramatizações, diálogos analógicos, textos poéticos ou literários,

experiências compartilhadas, ambientes virtuais de aprendizagem, situações

ocasionais da vida, excursões, utilização de humor, entre outras

possibilidades. Aqui, talvez seja o momento de enfocar, com maior clareza,

algumas das características metodológicas da Aprendizagem Integrada:

44

Trecho final do diálogo imaginário entre Sentir, Pensar e Sentipensar, transformados em

protagonistas nesta criativa estratégia didática de Saturnino de la Torre.

Page 107: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

107

� As estratégias de Aprendizagem Integrada são multissensoriais.

Freqüentemente, envolvem uma multiplicidade de estímulos: visuais,

táteis, sonoros, motores, entre outros, que têm o efeito de potencializar a

ação do cérebro através da sinestesia45 que se estabelece entre os sentidos.

A palavra, dessa maneira pode, enfim, ceder algum espaço para outras

linguagens. Quanto mais essas linguagens colaborem entre si, maior reforço

terá a aprendizagem.

� As estratégias de Aprendizagem Integrada baseiam-se no impacto

emocional.

O impacto emocional envolve a pessoa como um todo, e caracteriza as

estratégias didáticas em coerência com a filosofia de Sentipensar. Segundo

Moraes e Torre (2002, p. 70), “o impacto é uma estratégia que induz

eficazmente o Sentipensar, pois, graças ao efeito surpresa, provoca-se na

pessoa uma reação emotivo-cognitiva persistente que facilita a reflexão e a

mudança”. Assim, relatos imaginários, belas imagens, uma parábola, uma

música, subitamente lançam o sujeito num plano diferente de consciência,

via emoções e sentimentos. Nas palavras de Torre (2005, p. 20):

(...) as estratégias que favorecem a Aprendizagem Integrada

são aquelas que estimulam os diferentes sentidos, a

imaginação, a intuição, a colaboração, o impacto emocional, a

aplicabilidade. (...) Estratégias como o cinema formativo, a

música comentada, os espetáculos artísticos, (...) são variantes

metodológicas de grande valor formativo... Cada formador ou

guia pode imaginar, a partir destes exemplos, de que modo

pode facilitar esse tipo de aprendizagem mais profunda e

persistente no tempo.46

45

Sinestesia é a sensação secundária, despertada por outra, vinda por outro sentido; um exemplo

poderia ser “ver a luz de uma poesia”, não se trata de um sentido metafórico, mas de uma

transposição que pode realmente ocorrer. 46

Tradução da autora.

Page 108: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

108

Através do estudo de Damásio e Maturana, aprende-se que, no

subsolo da razão subjaz a emoção. As experiências que causam impacto

emocional podem agir como moduladores do estilo cognitivo; a pesquisa

neuropsicológica fundamenta tal afirmação. Mais adiante essa questão será

analisada com detalhes.

� As estratégias de Aprendizagem Integrada requerem ambientes, climas, e

situações especificas.

Bastante relacionado ao impacto emocional e à escolha da estratégia

de Sentipensar, está a questão do ambiente favorável, que tanto pode ser

externo (uma sala agradável, bonita, com iluminação adequada) ― “há uma

pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço”, diria Paulo Freire

―, quanto interno, como por exemplo, aquele ambiente gerado ao

experimentar o sentimento de pertencer ao grupo e ser ouvido

dialogicamente.

Climas e ambientes agradáveis favorecem “a expressão das

diferentes dimensões do ser humano”. (MORAES; TORRE, 2002, p. 50).

Tudo isso me leva a formular aqui, a mesma questão dos autores:

Até que ponto as circunstâncias criadas pelos filmes, imagens,

sons, cores, ambientes virtuais ou ambientes lúdicos

promovem interações que favorecem a mudança de estado

emocional, gerando campos energéticos e vibratórios que

podem estimular a ocorrência de ações/reflexões mais

significativas?

Contextos e situações prazerosas “modelam o operar da inteligência”,

criam “um novo espaço de ação/reflexão fundado nas emoções” (MORAES,

Page 109: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

109

2004, p. 64), levando o indivíduo a experimentar estados de bem-estar e

harmonia que o fazem desejar o crescimento, a transformação e a

transcendência, rumo a níveis de consciência mais elevados.

� A Aprendizagem Integrada utiliza procedimentos indutivos que levam à

aprendizagem inferencial.

Espera-se que o processo de Aprendizagem Integrada possa

desenvolver a capacidade crítica dos alunos, aguçando a capacidade

reflexiva e dedutiva, de variadas e criativas formas, habilitando-os dessa

maneira à resolução de situações-problema e a equacionar temas diversos

de estudo. Como explica Moraes (2004, p. 70), isso significa “partir do

concreto, vivencial, particular, para elevar-se progressivamente em direção

ao conceitual e teórico”.

� A Aprendizagem Integrada possibilita e estimula a criatividade.

Diversos aspectos colaboram e contribuem para que isso ocorra,

dentre eles, as situações de bem-estar vivenciadas, a conexão que se

estabelece entre a escola e as situações da vida cotidiana, a junção de

diversos tipos de estímulos sensoriais e situações imaginativas em

estratégias inovadoras, o caráter dinâmico das relações que se estabelecem

entre os atores. Sentipensar significa acionar todas as dimensões do ser

humano, implica numa “cooperação global de todo o organismo” (TORRE,

2005, p. 21), que envolve aspectos neurofisiológicos – emoção, sensações

de bem-estar e diferentes estilos cognitivos – aspectos psicossociais, e

aspectos transcendentes.

Page 110: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

110

A experiência de sentir -se íntegro e pertencente ao ambiente, gera

um estado prazeroso de fluxo, no qual tudo parece fácil e favorável à

criatividade; são “momentos brancos”, ou nas palavras de Moraes e Torre

(2005, p. 71), “instantes de ânimo alto, de fluxo, nos quais tudo parece

contribuir para nossos objetivos”.

4444....4444 O ser humano multidimensional O ser humano multidimensional O ser humano multidimensional O ser humano multidimensional

A mudança de paradigma nos conduz à reintegração das dimensões

humanas, do processo educacional e da inserção deles, no todo maior, o

hólos. As bases teóricas deste estudo permitem vislumbrar a

multidimensionalidade do ser humano a partir de perspectivas diversas: a

Teoria da Complexidade incorpora a dinâmica processual interna do ser

humano, tanto no que concerne à sua constituição biológica como no que

concerne à articulação desta esfera com a esfera antropossociológica;

através da conciliação de opostos, possibilita a concepção do ser humano

como totalidade integrada; a Teoria transdisciplinar adentra o ser de modo

profundo, através dos níveis de realidade e da zona de não-resistência

(estudada no Capítulo 5); admite facetas humanas questionadas desde

sempre, a exemplo da intuição; o Sentipensar, a partir de uma base

neuropsicológica, integra o ser humano emocional e cognitivo, e propõe

estratégias concretas para lidar com o fato.

O ser humano, em sua multidimensionalidade, é um exemplo perfeito

de sistema complexo, estende sua influência a toda parte, do micro ao

macrocosmo. Por outro lado, é um sistema fechado em sua individualidade,

único, diferenciado, e sua originalidade jamais será destruída por participar

do todo social.

Page 111: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

111

Talvez, pela primeira vez na história do pensamento Ocidental, se

esteja reunindo todas as condições para valorizar o ser humano como

unidade multidimensional; o que antes se espalhava por vastos territórios,

da filosofia, da ciência, da antropologia, da religião, entre muitos outros,

encontra-se agora respaldado tanto em teorias científicas quanto na

sabedoria popular, para constituir-se em todo coerente.

4444....4.4.4.4.1 Circuitos integradore1 Circuitos integradore1 Circuitos integradore1 Circuitos integradoressss

O humano é um ser a um só tempo plenamente biológico e plenamente cultural, que traz em si a unidualidade

originária. Edgar Morin

Morin propõe, para a análise do ser humano multidimensional, três

circuitos integradores: o circuito Cérebro-mente-cultura, o circuito Razão-

afeto-pulsão e o circuito Indivíduo-sociedade-espécie (MORIN, 2002, p.

52). Estes circuitos integradores evidenciam a multidimensionalidade do ser

humano e a diversidade de aspectos que podem ser considerados em sua

análise, fazendo-a partir das origens primeiras da espécie; passando por

seu desenvolvimento afetivo - base das relações humanas; evoluindo das

construções mais primitivas do cérebro límbico às mais elaboradas do

neocórtex; do ser animal, ocupado da sobrevivência, ao ser complexo,

vivendo em sociedade e tendo suas relações com seus semelhantes

mediadas pela cultura. Em suma, esses circuitos integradores possibilitam a

rearticulação das esferas biológica e antropossociológica da experiência

humana, oferecem solução de continuidade entre elas.

Page 112: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

112

O primeiro circuito Cérebro-mente-cultura ilustra a relação de

interdependência existente entre a produção de uma consciência individual e

sua inserção no social mediada pela cultura:

Não há cultura sem cérebro humano (aparelho biológico dotado

de competência para agir, perceber, saber, aprender), mas não

há mente (mind), isto é, capacidade de consciência e

pensamento sem cultura. A mente humana é uma criação que

emerge e se afirma na relação cérebro-cultura. Com o

surgimento da mente, ela intervém no funcionamento cerebral

e retroage sobre ele. (MORIN, 2002, p. 52)

O circuito Razão-afeto-pulsão foca a evolução do homem, e como a

humanidade surgiu da animalidade, no momento em que evolucionariamente

aprendemos a sobreviver na convivência afetiva; e ainda, como as funções

superiores do cérebro evoluíram das estruturas mais primitivas do cérebro

reptílico:

O cérebro humano contém: a) paleocéfalo, herdeiro do cérebro

reptiliano, fonte de agressividade, do cio, das pulsões

primárias, b) mesocéfalo, herdeiro do cérebro dos antigos

mamíferos, no qual o hipocampo parece ligado ao

desenvolvimento da afetividade e da memória a longo prazo, c)

o córtex, que, já bem desenvolvido nos mamíferos, chegando a

envolver todas as estruturas do encéfalo e a formar os dois

hemisférios cerebrais, hipertrofia-se nos humanos no

neocórtex, que é a sede das aptidões analíticas, lógicas,

estratégicas, que a cultura permite atualizar completamente.

Assim emerge outra face da complexidade humana que integra

a animalidade (mamífero e réptil na humanidade, e a

humanidade na animalidade). (MORIN, 2002, p. 53)

O terceiro circuito Indivíduo-sociedade-espécie ressalta o sentido de

pertencimento para o indivíduo e a relação recursiva existente entre os

componentes da “tríade constitutiva do conceito de homem” (MORIN, 2005,

p. 26):

Page 113: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

113

Indivíduo sociedade

espécie

Morin afirma, com grande ênfase: “todo desenvolvimento

verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das

autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de

pertencer à espécie humana” (MORIN, 2002, p. 54).

A negação do aspecto trinitário da espécie humana –

indivíduo/sociedade/espécie – representa mais uma base para as cisões que

assolam nossa cultura. O Sentipensar se reafirma como proposta filosófica

adequada para conduzir a mudança na Educação, pois não existem

hierarquias no indivíduo; vivenciamos nossas dimensões de forma

emaranhada, e somente deixamos de fazê-lo quando constrangidos por

alguma restrição imposta. Nesse caso, conhecemos o resultado: uma

educação fragmentária e destituída de humanidade.

4444....4.4.4.4.2 O Corpo como possibilidade de renovação da experiência humana2 O Corpo como possibilidade de renovação da experiência humana2 O Corpo como possibilidade de renovação da experiência humana2 O Corpo como possibilidade de renovação da experiência humana

(...) uma aula com emoção, com relaxamento, onde o corpo é integrado no ser, não está só um intelecto aqui,

não tem só um monte de cabeças pensando... Um dos sujeitos da pesquisa

Muito se tem falado sobre o corpo, sobre a inteligência emocional,

sobre a sensorialidade; lamentavelmente, no entanto, os corpos continuam

fora do processo, e com eles, a possibilidade de sentir. Essa é minha tese

Page 114: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

114

pessoal mais cara: os corpos foram descartados da experiência humana

para garantir a isenção do pensamento, para consolidar a superioridade da

razão, mantendo em quarentena aquelas indesejáveis e contaminadoras

emoções. A história da negação do corpo é quase a mesma história da

negação das emoções. Estas histórias exigiriam outro estudo completo, uma

outra tese, no entanto, devem pelo menos ser tangenciadas – enquanto

espero o momento oportuno para estudá-la ― pois, não há como conceber

um ser humano multidimensional desincorporado.

Durante muitos séculos perdurou, e ainda perdura, “a dúvida” com

relação à emoção, evidenciando-se o medo da perda da racionalidade ou de

sua simples perturbação. Para o corpo, no entanto, sempre houve “a

certeza” de que deveria permanecer à parte, isolado, estigmatizado, fosse

para negar a existência da emoção, fosse para negar ao ser humano o

sentimento de integridade.

Em seu tratado das paixões humanas, Descartes propôs a não-

existência de qualquer relacionamento entre as “paixões da alma” e as

“paixões do corpo”:

(...) conheci então que eu era uma substância cuja essência ou

natureza é pensar, e que, para existir, não tem necessidade de

lugar algum nem depende de nenhuma coisa material, de modo

que este eu, quer dizer, a alma pela qual sou o que sou, é

inteiramente distinta do corpo, e inclusive que é mais fácil de

conhecer do que ele e que, ainda que não existisse, a alma não

deixaria de ser como é. (DESCARTES, 1984, p. 27)

A experiência humana total e multidimensional não pode prescindir da

inclusão do corpo no processo; através dele, emoções e sentimentos

retomam seu lugar na educação e na vida. A grande dificuldade é que,

Page 115: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

115

reconsiderar o papel do corpo exige uma mudança de paradigma; e,

transcender a cisão tão radical que Descartes ajudou a consolidar.

O pensamento de Antonio Damásio, estudado a seguir, oferece uma

bela porta de entrada para a consideração de um ser humano sem hiato

entre corpo e alma; em sua discussão sobre o “erro de Descartes”,

Damásio explica que “antes do aparecimento da humanidade, os seres já

eram seres” e que, para nós, “no princípio foi a existência e só mais tarde

chegou o pensamento” (DAMÁSIO, 2000, p. 279). Assim como a

Complexidade articula vida biológica e antropossocial, Damásio articula vida

orgânica, alma e espírito, justificando-se por oferecer a estes últimos

“origem tão humilde”:

(...) a mente verdadeiramente incorporada que concebo não

renuncia aos seus níveis mais refinados de funcionamento,

aqueles que constituem sua alma e seu espírito. Do meu ponto

de vista o que se passa é que a alma e o espírito, em toda sua

dignidade e dimensão humana são os estados complexos e

únicos de um organismo. (...) É claro que essa não é uma tarefa

fácil: tirar o espírito do seu pedestal em algum lugar não

localizável e colocá-lo num lugar bem mais exato, preservando

ao mesmo tempo sua dignidade e sua importância; reconhecer

sua origem humilde e sua vulnerabilidade e ainda assim

continuar a recorrer à sua orientação e conselho. Uma tarefa

indispensável e difícil, sem dúvida, mas sem a qual talvez seja

melhor que o erro de Descartes fique por corrigir. (DAMÁSIO,

2000, p. 282) (Grifo da autora)

O esforço em direção ao ser humano integral começa exatamente

neste ponto: readmitindo a existência ativa do corpo, através do qual se

estabelece a interface com o mundo, e se tornam acessíveis emoções,

sentimentos e pensamentos.

Page 116: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

116

4.5 4.5 4.5 4.5 Fundamentos neuropsicológiFundamentos neuropsicológiFundamentos neuropsicológiFundamentos neuropsicológicos do cos do cos do cos do SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar: : : : interdependência entre interdependência entre interdependência entre interdependência entre

regiões neocorticaisregiões neocorticaisregiões neocorticaisregiões neocorticais47474747 e subcorticaise subcorticaise subcorticaise subcorticais48484848 na racionalidade na racionalidade na racionalidade na racionalidade

Ao longo da história da cultura Ocidental, as emoções têm sido vistas

com desconfiança. Muito embora não caiba no âmbito deste trabalho uma

análise completa de tal evolução, pareceu-me essencial comentar pelo

menos uma destas visões, a dos Estóicos (300 a.C.). Estes propunham que

os animais eram inexoravelmente guiados pelo instinto e os homens pela

razão; a maneira como as emoções podiam “mover” o ser humano,

perturbando sua racionalidade os incomodava; negaram-lhes, portanto,

significado, e adotaram por ideal, de forma radical, a ataraxia

(imperturbabilidade da alma por paixões) e a apatia (indiferença a todas as

emoções através do exercício da virtude); nesta concepção, a perfeita

racionalidade do mundo identifica-se com a ausência total de elementos

perturbadores, como pode ser o desvio da vontade por uma emoção. A

doutrina estóica exerceu grande influência no pensamento Ocidental e

muitos de seus fundamentos são ainda evocados em doutrinas modernas e

contemporâneas. As teorias sobre a emoção que se sucederam ao longo da

história colocaram em evidencia uma tensão: atribuir significado à vida

emocional ou não atribuir (ABBAGNANO, 1998, p. 323).

Teve-se que esperar a segunda metade do séc. XX para que

importantes pesquisadores, de diversas áreas, resgatassem para as

emoções o lugar que lhes compete na psique humana, nas ações da vida

cotidiana, e em especial, na Educação. Antonio Damásio reavivou o debate

47

São as regiões evolutivamente mais modernas do córtex cerebral – neocórtex-, responsáveis por

funções cognitivas superiores tais como a percepção, a linguagem, o pensamento consciente, entre

muitas outras. 48

São as regiões mais primitivas do córtex, responsáveis pelas funções de regulação homeostática,

emoções, entre outras. Localizam-se na parte interna do cérebro, enquanto o neocórtex o recobre

externamente.

Page 117: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

117

em torno da estreita interdependência existente entre razão e emoção; em

seu livro, O Erro de Descartes, discute, analisa e clarifica uma série de

casos patológicos e situações normais nas quais se evidencia o fato.

Damásio retomou o estudo do caso Phineas Gage, que após sofrer um

terrível acidente de trabalho em 1848, com graves lesões no lobo frontal,

passou por fantástica transformação da personalidade. Após o acidente,

Gage não teve qualquer seqüela na fala, na linguagem, ou mesmo nos órgãos

dos sentidos, no entanto, as transformações em seu caráter foram de tal

monta que aos poucos tornou-se um marginal social, foi demitido de seu

emprego e abandonado pela família.

Ilustração baseada no livro Princípios da Neurociência de KANDEL, Eric R.; SCHWARTZ,

James H.; JESSELL, 2003.

Parietal

Frontal

Occipi -tal

Temporal

Na ilustração, observa-se o

hemisfério esquerdo do córtex cerebral, e os quatro lobos

cerebrais: frontal, parietal, temporal e occipital. O lobo frontal

relaciona-se ao planejamento de

ações futuras e controle do

movimento, desempenha funções

também no processamento da

música; o lobo parietal relaciona-se

à sensação somática; o lobo

occipital com a visão; o lobo

temporal, com a audição, e através

de suas estruturas profundas –

hipocampo e amígdala - com a

emoção, a memória e a

aprendizagem.

Page 118: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

118

Damásio reabriria o caso, quase cento e quarenta anos depois, queria

descobrir que regiões do cérebro haviam sido lesadas para compreender

exatamente o que havia ocorrido. As pesquisas de Damásio revelaram que

Gage havia sofrido lesões no córtex pré-frontal ventromedial, o que

comprometeu sua “capacidade de planejar o futuro, de se conduzir de

acordo com as regras sociais que tinha previamente aprendido e de decidir

sobre o curso de ações que poderiam vir a ser mais vantajosas para sua

sobrevivência”. (DAMÁSIO, 2000, p. 55).

Córtex pré frontal (em azul)

Estas ilustrações mostram regiões do córtex, de acordo com os tipos de corte que

se pode efetuar, e os nomes utilizados para indicá-las. Ventromedial quer dizer

inferior e na região mediana (interna).

Ventral (inferior)

Dorsal (superior)

Caudal Rostral

Lateral medial lateral

Ventral

(inferior)

(superior)

Dorsal

(superior)

Page 119: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

119

O mais revelador, no entanto, foi constatar que as estruturas corticais

superiores, responsáveis pela racionalidade, se construíram a partir das

regiões mais primitivas do cérebro humano, envolvidas na regulação

homeostática do organismo e no processamento das emoções primárias,

como explica Damásio, neste trecho (2000, p. 157):

A aparelhagem da racionalidade, tradicionalmente considerada

neocortical, não parece funcionar sem a aparelhagem da

regulação biológica, considerada subcortical. Parece que a

natureza criou o instrumento da racionalidade não apenas por

cima do instrumento de regulação biológica, mas também a partir dele e com ele. Os comportamentos que se encontram

para além dos impulsos e dos instintos utilizam, em meu

entender, tanto o andar superior como o inferior: o neocórtex é

recrutado juntamente com o mais antigo cerne cerebral, e a

racionalidade resulta de suas atividades combinadas.

A ilustração a seguir, mostra o sistema límbico, na região subcortical,

profundamente implicado no processamento de emoções. Constitui-se do

lobo límbico (em azul) que circunda o corpo caloso (estrutura que interliga

os dois hemisférios cerebrais). São estruturas integrantes do sistema

límbico o giro do cíngulo, o giro parahipocampal, o hipocampo, a amígdala, o

hipotálamo e o tálamo:

Giro do Cíngulo

Amígdala Hipocampo

Giro parahipocampal

Corpo caloso

Page 120: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

120

4.4.4.4.5.15.15.15.1 Emoções e Sentimentos Emoções e Sentimentos Emoções e Sentimentos Emoções e Sentimentos

Se imaginarmos uma emoção forte e depois tentarmos abstrair da consciência que temos dela todos os

sentimentos dos seus sintomas corporais, veremos que nada resta, nenhum “substrato mental” com que

constituir a emoção, e que tudo o que fica é um estado frio e neutro de percepção intelectual.

William James

Emoções e sentimentos captam nossa atenção de forma irresistível na

discussão que ora se encaminha, como parte integrante da racionalidade;

emergindo de estruturas cerebrais muito antigas, do cérebro límbico,

participam ativamente do processo de regulação biológica do organismo, a

homeostase, e fundam as bases das estruturas corticais superiores a que

chamamos neocórtex.

A palavra homeostase refere-se a um conjunto de processos de

regulação da vida, dos quais fazem parte o metabolismo, os reflexos

básicos, as respostas imunitárias, os comportamentos que expressam dor e

prazer, pulsões, motivações e, para culminar, emoções e sentimentos

(DAMÁSIO, 2004), sem os quais a vida não pode existir. Emoção,

etimologicamente, significa “movimento para fora” (DAMÁSIO, 2000, p.

168); o ponto de referência é o corpo, e a emoção, aquilo que só pode

ocorrer a partir de uma vivência do corpo, resultando em sua regulação

ótima para a vida. As emoções fazem parte de nossa evolução biológica e

são “um meio natural de avaliar o ambiente que nos rodeia e reagir de

forma adaptativa”. (DAMÁSIO, 2004, p. 62). Damásio classifica as emoções

em três categorias interdependentes. São elas: emoções de fundo, emoções

primárias e emoções sociais.

Page 121: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

121

As emoções de fundo falam de um estado basal do corpo, muitas

vezes inconsciente. Sua percepção no próprio organismo se dá de forma

difusa, nem sempre fácil de qualificar, ou implica na leitura de

manifestações sutis no comportamento de outra pessoa: uma tristeza

subjacente, ou alegria que contagia, que se espelha em cada gesto, nas

expressões faciais, no tônus geral da pessoa e são qualificadas como

percepções intuitivas. Resultam do conjunto de processos regulatórios do

organismo, e como informa Damásio “nosso bem-estar ou mal-estar resulta

dessa calda imensa de interações regulatórias” (DAMÁSIO, 2004, p. 52).

As emoções primárias são aquelas que dão a tonalidade a nossas

vidas, cotidianamente ― medo, raiva e tristeza, por exemplo. As emoções

sociais incluem a compaixão, a simpatia, a gratidão, o orgulho, entre várias

outras, e, como o nome indica, se engendram nas relações sociais. Pode-se

dizer que os diferentes tipos de emoção representam uma elaboração, um

refinamento de sua constituição, que parte da vida biológica e se estende à

vida mental: as emoções sociais incorporam elementos mais simples das

emoções primárias que, por sua vez, incorporam processos diversos da

regulação biológica; isso fez com que Damásio utilizasse, para explicá-las, a

metáfora da boneca russa (DAMÁSIO, 2004, p. 53).

Algumas emoções são inatas, encontram-se prontas para entrar em

ação automaticamente, no momento do nascimento, por isso foram

denominadas emoções inatas ou pré-organizadas; outras, por sua vez,

dependem de aprendizagem, de uma interação mínima com o ambiente; a

reação do indivíduo a esse tipo de emoções depende da associação de um

certo estímulo ou situação à uma resposta emocional, adquirida na

experiência individual.

Page 122: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

122

Aos poucos, vai se percebendo que a fronteira entre emoções e

sentimentos é tênue, são processos interdependentes que em nossa escala

de tempo podem parecer simultâneos. Damásio define a emoção como “uma

coleção de mudanças no estado do corpo (...) sob o controle de um sistema

cerebral dedicado (...) o qual responde ao conteúdo dos pensamentos

relativos a uma determinada entidade ou acontecimento”. (DAMÁSIO, 2000,

p. 168). Para definir o sentimento de forma muito simples, se poderia

afirmar que eles representam a tomada de consciência das emoções.

4.4.4.4.5.5.5.5.2 2 2 2 A cadeia emoçãoA cadeia emoçãoA cadeia emoçãoA cadeia emoção----sentimentosentimentosentimentosentimento

(...) sentir os estados emocionais, o que equivale a dizer que se tem consciência das emoções, oferece-nos flexibilidade de resposta, com

base na história específica de nossas interações com o meio ambiente. Embora sejam precisos mecanismos inatos para por a bola do conhecimento em jogo, os sentimentos oferecem-nos algo extra.

Os sentimentos são a expressão mental de todos os outros

níveis da regulação homeostática. Antonio Damásio

A partir de um estímulo emocional competente (EEC) que pode ser um

evento real ou apenas sua recordação, respostas químicas e neurais são

ativadas, produzindo uma mudança no estado do corpo e nas estruturas

cerebrais que têm por função mapear o estado do corpo e produzir as

imagens mentais encadeadas ou pensamentos correspondentes à emoção

vivenciada. Todo esse processo tem por resultado levar o organismo à

reação que tanto pode ser uma reação de defesa, em uma situação de

perigo, como a ativação de estados regulatórios requeridos para o bem-

estar.

Page 123: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

123

A resposta do corpo ocorre tão logo se detecta o EEC, seja de forma

automática e inconsciente, nas emoções inatas, ou, de forma consciente e

deliberada, quando as emoções envolvem respostas adquiridas. Nosso

organismo está evolutivamente preparado para reagir a um estímulo, ainda

quando este não se apresentou plenamente à consciência.

Antes da consciência, sinais começam a ser enviados a uma das

regiões desencadeadoras de emoção (amígdala, cíngulo ou córtex pré-

frontal ventromedial), e em seguida, num processo extremamente rápido, às

regiões executoras da emoção (prosencéfalo basal, hipotálamo, tronco

cerebral); a partir disso, podemos começar a sentir incômodo ou bem-estar,

ou qualquer outro tipo de reação subliminar. As respostas encetadas pelo

corpo nesse momento são múltiplas e prodigiosas, colocando em marcha um

complexo processo homeostático como ilustra Damásio no trecho a seguir

(DAMÁSIO, 2000, p. 166):

As disposições nessas últimas regiões respondem: a) ativando

os núcleos do sistema nervoso autônomo49 e enviando os sinais

do corpo através dos nervos periféricos, (...) as vísceras são

colocadas no estado mais tipicamente associado ao tipo de

situação desencadeadora; b) enviando sinais ao sistema motor,

de modo que a musculatura esquelética complete o quadro

externo de uma emoção por meio de expressões faciais e

posturas corporais; c) ativando os sistemas endócrino e

peptídico, cujas ações químicas resultam em mudanças no

estado do corpo e do cérebro; (...) d) ativando, com padrões

especiais, os núcleos neurotransmissores50 (...) no tronco

cerebral e prosencéfalo basal, os quais liberam então as

49

O sistema nervoso autônomo se constitui de dois ramos: o ramo simpático que libera adrenalina e

noradrenalina, regulando as reações de “luta ou fuga”; e, o ramo parassimpático, que libera a

Acetilcolina promovendo relaxamento e calma. A ação dessas substâncias se inicia a partir do cérebro

emocional. 50

Neurotransmissores são substâncias químicas liberadas pelos neurônios que modulam a atividade

cerebral e o comportamento. Adrenalina e Noradrenalina, por exemplo, preparam o corpo para a luta;

a Acetilcolina tranqüiliza e faz o coração bater mais lentamente.

Page 124: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

124

mensagens químicas em diversas regiões do telencéfalo

(gânglios basais e córtex cerebral).

Essas respostas inconscientes do corpo são um dos principais

argumentos que advogam pela emoção como processo prévio ao sentimento,

e que define o sentimento como uma tomada de consciência da emoção

vivida. Nas palavras de Damásio (2004, p. 37):

(...) temos emoções primeiro e sentimentos depois porque na

evolução biológica as emoções vieram primeiro e os

sentimentos depois. As emoções foram construídas a partir de

reações simples que promovem a sobrevida de um organismo e

que foram facilmente adotadas pela evolução.

Começa-se, então, a perceber a atividade do corpo; imagens mentais

são geradas, referentes à qualidade da emoção experimentada; toma-se

consciência das sensações; nesse momento, é possível afirmar algo a

respeito delas, nomeá-las, é o momento em que a emoção se transforma em

sentimento. As imagens mentais, que acompanham as emoções, emergem

dos mapas corporais que representam toda essa prodigiosa coordenação

neurofisiológica acima descrita.

Na seqüência, pode-se visualizar os processos que conduzem da

emoção ao sentimento:

Page 125: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

125

EEC EEC EEC EEC Regiões cerebrais envolvidasRegiões cerebrais envolvidasRegiões cerebrais envolvidasRegiões cerebrais envolvidas: : : :

Córtices iniciais51

(representações autônomas52

),

Avaliação do EEC Avaliação do EEC Avaliação do EEC Avaliação do EEC Integração do estímulo em

Córtices de associação de alta ordem53

Desencadeamento daDesencadeamento daDesencadeamento daDesencadeamento da

emoção emoção emoção emoção Sistema límbico: amígdala, cíngulo, córtex pré-frontal

Prosencéfalo basal

Execução da Execução da Execução da Execução da emoção emoção emoção emoção Tronco cerebral

Hipotálamo

Ativação de estado Ativação de estado Ativação de estado Ativação de estado Sistema somatossensorial: respostas internas

do corpodo corpodo corpodo corpo musculares, viscerais, químicas e eletroquímicas

Percepção do funcionamento Percepção do funcionamento Percepção do funcionamento Percepção do funcionamento Mapas cerebrais do corpo

do corpodo corpodo corpodo corpo

Imagens mImagens mImagens mImagens mentais entais entais entais Emergem dos mapas corporais de forma

ainda não elucidada

SentimentoSentimentoSentimentoSentimento Percepção consciente do estado do corpo

e dos pensamentos

ReaçãoReaçãoReaçãoReação

51 Conjunto de áreas cerebrais referentes ao processamento inicial de informação proveniente de um

dos sentidos . 52

São padrões potenciais (off line) de atividade neuronal, interconectando diferentes conjuntos de

neurônios que participam de determinado estímulo sensorial quando ativados. 53

São áreas associativas do cérebro que servem para associar a entrada de informação sensória à

resposta motora e efetuar os processos mentais que intervêm entre a entrada da informação sensória

e a saída de informação motora.

Page 126: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

126

4.4.4.4.6666 A Escuta A Escuta A Escuta A Escuta MusicalMusicalMusicalMusical

Todas essas reações homeostáticas e a emergência do sentir de uma

emoção interessam sobremaneira a este estudo, pois, são profundamente

afetadas pelo processo de Escuta Musical. Parâmetros fisiológicos, sob o

controle do sistema nervoso autônomo – pressão sanguínea, fluxo sanguíneo

nas estruturas cerebrais, liberação de hormônios, ritmo respiratório, entre

outros –, se vêem sensivelmente modificados sob o efeito da Escuta

Musical.

O estimulo musical e as modificações induzidas no estado do corpo

mantém sua constância no tempo, dialogam, se influenciam mutuamente ao

longo do processo de escuta de forma recursiva, começam a preparar os

estados de bem-estar, ou mesmo mal-estar, que modularão a qualidade dos

pensamentos e afetarão os estilos cognitivos. Seria praticamente impossível

realizar uma descrição completa desse emaranhado complexo de processos

dinâmicos que têm lugar nesse momento. Através das falas dos sujeitos se

verá que estes não permaneceram alheios a essa revolução dinâmica, que

teve como palco seus corpos e mentes.

4.6.14.6.14.6.14.6.1 Ouvir ou escutar musica?Ouvir ou escutar musica?Ouvir ou escutar musica?Ouvir ou escutar musica?

Ouvir e escutar não são sinônimos, pois implicam em posturas muito

diferentes em relação ao fenômeno sonoro. Ouvir é um de nossos sentidos

fisiológicos, e o ato de ouvir decorre de se ter um aparato auditivo em bom

funcionamento; escutar é diferente, exige uma atitude engajada por parte do

ouvinte, que envolve o desejo de apropriar-se do fenômeno ouvido. Nas

palavras de Tomatis (1975, p. 122):

Page 127: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

127

OuvirOuvirOuvirOuvir é se deixar aproximar pelo som (...) é se deixar

passivamente invadir por ele. É se abandonar sem defesa, sem

que haja, portanto, uma real percepção. É, por exemplo,

permitir ao discurso do outro nos atingir sem uma verdadeira

participação de nossa parte. (...) Escutar Escutar Escutar Escutar é um engajamento

total do corpo a fim de que o ser que existe no interior desse

corpo possa beneficiar-se daquilo que deseja perceber. A

percepção em relação à sensação induz a necessidade de uma

manifestação voluntária. Existe uma passagem ao ato que não é

outra coisa senão a participação do sujeito chegando ao

oferecimento de seu ouvido, de seu corpo e de seu sistema

nervoso à mensagem musical ou verbal que ele deseja integrar.

É a escuta como atitude engajada, imbuída de intencionalidade, o que

interessa para esta pesquisa; a escuta como entrega, vivência e

sensorialidade; quando as vibrações sonoras, material e concretamente, nos

atingem, nos tocam e sensibilizam, dando vazão a emoções e sentimentos. A

esse tipo de escuta venho chamando Escuta Musical Sensível.

4.4.4.4.6.6.6.6.2222 Como processamos os sons? Como processamos os sons? Como processamos os sons? Como processamos os sons?

Os estímulos auditivos chegam a nós através da orelha externa; as

ondas sonoras fazem vibrar o tímpano, as vibrações são transmitidas à

orelha média através dos três ossículos – bigorna, martelo e estribo. A

vibração do estribo estimula mecanicamente a cóclea – órgão auditivo

responsável pela análise das freqüências do som, localizado na orelha

interna – as células ciliadas são excitadas e se movem com a chegada da

onda sonora; é quando tem início o processamento auditivo.

Através de um processo altamente complexo – a transdução – a

energia mecânica que ativa as células ciliadas é transduzida em potenciais

elétricos que então são transportados pelas fibras nervosas para o tronco

Page 128: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

128

cerebral (via nervo coclear). No tronco cerebral, mais exatamente no

tálamo, a música é, pela primeira vez, analisada e filtrada; as características

de freqüência e direção dos sons são examinadas. O tálamo é um elo

essencial de comunicação entre o estímulo sensorial e seu processamento

cerebral; “guardião da consciência”, decide sobre o próximo destino da

música no cérebro (ESCH et al., 2005, p. 10); esse efeito de comporta que o

tálamo exerce é importante para a avaliação da informação musical e para a

proteção do organismo de alguma sobrecarga sonora que possa danificar o

sistema. Via tálamo, a informação chega a áreas corticais primárias (córtex

auditivo), onde outras características do som são analisadas em separado –

timbre, duração, intensidade, por exemplos. A informação, até então

processada em áreas unimodais do cérebro, é então integrada em áreas de

associação ou córtices de alta ordem. Essas áreas, além de integrarem a

informação multimodal, preparam o indivíduo para a ação, ou seja, para

reagir ao estímulo musical recebido. (KANDEL et al., 2003, p. 590).

Observe-se a ilustração:

Tronco encefálico

Córtex auditivoCórtex auditivoCórtex auditivoCórtex auditivo

Pavilhão da orelha

Martelo

Tímpano

Bigorna Estribo

Cóclea

Nervo coclear

Ilustração baseada no livro Princípios da Neurociência de KANDEL, Eric R.;

SCHWARTZ, James H.; JESSELL,

2003.

Page 129: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

129

No processamento musical sempre se admitiu a lateralidade

específica do funcionamento cerebral, uma espécie de divisão do trabalho.

Assim, de maneira geral, o hemisfério direito trabalha na estrutura geral da

música, processando a informação de forma holística, o que envolve a

expressividade e outras características mais imprecisas e globais da

música, ao passo que o hemisfério esquerdo conduz a análises mais sutis,

precisas, de caráter estrutural.

Numa pesquisa realizada por Altenmüller (2003, p. 346), o autor

procurou saber se a maneira de ouvir música teria influência sobre os

diferentes locais de processamento musical. Os sujeitos tinham de 13 a 15

anos, e foram divididos em três grupos. No primeiro (grupo declarativo),

todos os sujeitos tinham formação musical suficiente para empreender uma

análise estrutural da música, e passaram por um pré-teste, no qual puderam

familiarizar-se com as estratégias que seriam utilizadas no teste, de forma

teórica; os indivíduos do segundo grupo (grupo procedimental), também com

formação musical, passaram por um pré-teste prático, no qual puderam

tocar e improvisar utilizando as estratégias que seriam propostas no teste;

e, um terceiro grupo foi constituído por indivíduos sem formação musical. O

primeiro grupo teve ativação significativa do lobo temporal frontal esquerdo,

refletindo provavelmente um tipo de processamento cognitivo verbal e

analítico; o segundo grupo revelou incremento da atividade do lobo frontal

direito, e bilateralmente dos lobos parietais e occipitais, o que reflete uma

forma mais global de processar, incluindo associações visuo-espaciais, com

certeza decorrentes da vivência prática anterior.

O resultado dessa pesquisa comprovou que, o tipo de contato ou

treinamento musical recebido, afeta a plasticidade cerebral. Redes

Page 130: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

130

neuronais, amplamente difundidas nos dois hemisférios cerebrais,

desenvolvidas de forma específica para cada pessoa, podem estar

subjacentes ao processamento musical. Nas palavras de Altenmüller (2003,

p. 351), “os substratos cerebrais do processamento musical refletem a

‘biografia’ auditiva aprendida, a experiência pessoal acumulada ao longo do

tempo”.

4.6.4.6.4.6.4.6.3333 De onde provêm De onde provêm De onde provêm De onde provêm a força emocional da música?a força emocional da música?a força emocional da música?a força emocional da música?

Talvez música, e toda arte de alguma forma, leve a transcender a mera percepção precisamente por acessar

nossa neurobiologia mais primitiva.54 Robert Zatorre

Provavelmente a música faça parte de nossas vidas desde tempos

imemoriais, perpassando vivências afetivas e sociais ao longo da evolução.

Segundo Panksepp e Bernatzky (2002, p. 140), nosso amor pela música

pode ser decorrência de uma “habilidade ancestral” para receber e

transmitir sons com mensagens emocionais; a relação afetiva mãe-filhote

talvez tenha realizado uma transição importante, quando as mães

começaram a se comunicar com seus filhos de formas arrebatadoras. O

nome que esse idioma especial recebe atualmente é “mamanhês”, ou seja,

aquele idioma específico entre mãe e bebê, caracterizado pelo uso

intrinsecamente afetivo de entonações melódicas em freqüência mais

elevada que a habitual e ritmo entrecortado, o que permite ao bebê ter

tempo para ensaiar algum tipo de resposta (LAZNIK; PARLATO-OLIVEIRA,

2006, p. 62).

54

Tradução da autora

Page 131: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

131

Além desse aspecto, emocional e humano, a música pode também ter

tido origem na relação do homem com o meio ambiente: “o mecanismo de

processamento de tons (freqüência do som) não teria se desenvolvido para a

música per se, mas poderia ser parte de um sistema geral para utilizar sons

naturais do ambiente”55 (ZATORRE, 2005, p. 313).

A música esteve presente ainda, na gênese da vida social, talvez

também na origem da comunicação verbal (HURON, 2003, p. 66). Segundo

Panksepp e Bernatzky (2002, p. 145), a música foi um elemento agregador,

ritualístico:

(...) a música funciona como um ímã para as atividades sociais

humanas. Essa não é uma observação trivial, pois pode

clarificar uma das maiores funções adaptativas da música na

evolução humana, a habilidade da música para promover

interações sociais é um aspecto evidente de seu uso em todas

as sociedades.

A partir de cinco meses no útero materno, e imediatamente ao nascer,

os bebês já são detentores de uma competência musical prodigiosa:

percebem freqüências, tempo e timbre de forma refinada, muito mais do que

a necessária para se fazer música; agrupam elementos estruturais da música

por suas características intrínsecas (percepção gestáltica); reconhecem e

reagem a transposições de tonalidade e andamento; têm excelente memória

melódica e conseguem reconhecer melodias convencionais ou pouco

convencionais, superando, nesse aspecto, a performance dos adultos, que

retêm apenas melodias convencionais de sua experiência (TREHUB, 2003,

p. 3). Zatorre faz notar que “o sistema nervoso dos bebês parece ser

equipado com uma capacidade para classificar os diferentes sons musicais

55

Tradução da autora.

Page 132: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

132

que atingem seus ouvidos com vistas a construir uma gramática, ou um

sistema de regras.”56 (ZATORRE, 2005, p. 314).

Possuímos habilidades muito antigas para perceber e processar

música. (ESCH, 2005; HURON, 2003; PANKSEPP, BERNATZKY, 2002;

ZATORRE, 2005). Todas as evidências apresentadas até aqui permitem

deduzir que o processamento musical não é uma aquisição recente, mas sim,

antiga, o suficiente para ter participado dos estágios primordiais do

desenvolvimento humano evolutivo.

4.64.64.64.6....4444 BBBBenefícios neuropsicológicos da enefícios neuropsicológicos da enefícios neuropsicológicos da enefícios neuropsicológicos da Escuta MusicalEscuta MusicalEscuta MusicalEscuta Musical

Claramente, a música dá voz a nossos sentimentos, e provê uma maneira altamente ética e única para estudar

as emoções do cérebro/mente humanos.57

Jaak Panksepp

4.6.4.14.6.4.14.6.4.14.6.4.1 Memória emocionalMemória emocionalMemória emocionalMemória emocional

A escuta musical atua no nível neuropsicológico do ser humano. Ouvir

música é fonte de emoções (PANKSEPP, 2002; ZATORRE, 2005). Tão logo

as vibrações sonoras são processadas no córtex auditivo, uma série de

reações fisiológicas tem início, ativando o sistema límbico, responsável pelo

processamento de emoções; e, resgatando memórias emocionais que ficam

associadas à música ― sejam elas prazerosas ou indesejáveis. Segundo

Schreiber (2004, p. 93), a memória tem uma propriedade especial ― chamada

56

Tradução da autora. 57

Tradução da autora

Page 133: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

133

“propriedade de conteúdo acessível” ― que permite a ela ser acionada a

partir de qualquer de seus elementos constituintes:

(...) o odor de perfume de uma ex-namorada pode ser

suficiente para que toda a memória dessa pessoa volte:

imagens, pensamentos e palavras. E mais, ao contrário dos

computadores que precisam de equivalentes exatos, a

recuperação da memória no sistema nervoso procede por

analogia; portanto, qualquer coisa que possa, mesmo que

vagamente, nos lembrar de algo que saibamos pode trazer de

volta a memória.

As observações de Schreiber referiam-se ao resgate de eventos

traumáticos na experiência de seus pacientes, porém é possível inferir, por

analogia, que o cérebro conserve essa propriedade para outros tipos de

evento; assim, quando se ouve música significativa, memórias emocionais

podem ser reativadas, induzindo reações corporais e mentais diversas.

As informações provenientes do córtex auditivo interagem com

diversas regiões cerebrais, em especial, com o lobo frontal, para formação

da memória e avaliação do estímulo emocional (ZATORRE, 2005, p. 312).

Como se viu, memórias musicais emocionais podem ser geradas a

partir de interações sociais primordiais. Segundo Panksepp e Bernatzky

(2002, p. 137):

(...) uma passagem obrigatória para o processamento auditivo,

o colículo inferior, é onde a voz materna deve deixar suas

primeiras marcas afetivas: essa região (...) é ricamente dotada

de receptores opióides que devem modular o apego que

desenvolvemos por certos sons (por exemplo, as vozes

daqueles que amamos) e, portanto, por uma linha paralela de

raciocínio, a certos tipos de música.

Page 134: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

134

Circuitos cerebrais muito antigos – motivação e recompensa –,

intimamente ligados a essas memórias, são estimulados quando se ouve

música que nos agrada; tal despertar emocional é acompanhado por

marcadores somáticos (sensações secundárias do corpo, desencadeadas a

partir da emoção sentida), a partir da escuta, esses circuitos são

mentalmente reforçados com sentimentos positivos ligados à música,

induzindo sentimentos de completude e bem-estar. A ativação do sistema de

recompensa maximiza o prazer gerado pela música, não somente por sua

própria atividade, mas também por promover, simultaneamente, alterações

que diminuem a atividade em estruturas cerebrais associadas a emoções

negativas, a exemplo da amígdala e do hipocampo, que passam a receber

impulsos sinápticos58 inibitórios (BLOOD; ZATORRE, 2005, p. 11.823).

Na ativação do circuito cerebral de motivação e recompensa se

registra aumento da atividade cerebral no córtex pré-frontal e orbitofrontal,

giro cingulado, amígdala, hipocampo e núcleo accumbens, as mesmas

estruturas que serão estimuladas na resposta de relaxamento (ESCH et al.,

2005, p. 9).

Em musicoterapia, em especial na chamada musicoterapia receptiva,

os pacientes ouvem músicas emocionalmente significativas que trazem

associações e memórias; estas podem ser então trabalhadas de forma

emocionalmente segura ou tão simplesmente prazerosa (ESCH et al., 2005,

p. 10).

58

Sinapse é o ponto no qual dois neurônios – célula nervosa – se comunicam através da transmissão

de sinais eletroquímicos. A célula que transmite o sinal é chamada pré-sináptica, a que o recebe,

pós-sináptica. É através de trilhões de sinapses organizadas em circuitos que se realiza todo o

processamento cerebral.

Page 135: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

135

4.6.4.2 4.6.4.2 4.6.4.2 4.6.4.2 Música e relaxamento Música e relaxamento Música e relaxamento Música e relaxamento

A Escuta Musical é indutora de relaxamento e, por essa via, promove

alterações nas funções homeostáticas do organismo, desencadeando uma

cascata de reações fisiológicas sob controle do sistema nervoso autônomo.

Tais alterações são decorrentes de um metabolismo reduzido e de um

decréscimo geral na atividade cerebral: o consumo de oxigênio diminui, o

que altera os padrões respiratórios e o batimento cardíaco; a pressão

sanguínea se reduz com a estimulação da vasodilatação periférica, o que faz

decrescer o ritmo cardíaco, gerando uma agradável sensação de bem-estar.

A resposta de relaxamento envolve, de maneira complexa, diversas

estruturas subcorticais do sistema límbico: – ínsula, cíngulo, amígdala e

hipotálamo –, como explica Esch (2005, p. 12):, “uma associação de música

e emoção, neurotransmissores e produção do hormônio do stress, respostas

autonômicas, comportamento e estados de humor, se torna óbvia”.

O relaxamento também leva a uma diminuição geral da atividade

cerebral, facilmente detectável no eletroencefalograma: o estado de

relaxamento caracteriza-se por ondas Alfa (freqüência de 8 a 13 Hz) e pela

sincronização das ondas cerebrais; daí provém a expressão popular “entrar

em Alfa”; ao entrar em meditação profunda, a freqüência das ondas cai ainda

mais – ondas Teta. Esse tipo de onda, presente num indivíduo normal e

desperto, representaria algum tipo de disfunção cerebral, no entanto, o

estado meditativo é diferente, pois é um estado ativo (KANDEL et al., 2003,

p. 916).

Page 136: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

136

4.6.4.3 4.6.4.3 4.6.4.3 4.6.4.3 Ação antiAção antiAção antiAção anti----estresse da música estresse da música estresse da música estresse da música

Pesquisas comprovam que a música tem uma atuação decisiva na

redução dos níveis do hormônio do estresse no organismo (ESCH, 2003;

TREHUB, 2003) e na elevação da concentração de endorfina59 e

endocanabinóides60 no sangue, o que facilita o relaxamento.

Em presença de um estímulo estressante, a amígdala é ativada e envia

uma mensagem ao hipotálamo, o hormônio ACTH (adrenocorticotrófico) é

liberado pela hipósife e libera o cortisol no sangue. O cortisol inibe algumas

funções, a exemplo da secreção de insulina; a glicose liberada pelo fígado

fica disponível para consumo muscular; o cortisol age também no cérebro

favorecendo o comportamento agressivo para a defesa, ou simplesmente

para reagir a inúmeros pequenos ataques cotidianos, como pode ser, um

desentendimento no trabalho.

O estresse faz parte da vida e tem uma ação positiva, no entanto,

quando se instala de forma permanente, se torna prejudicial afetando a

memória, a capacidade de concentração, o sistema imunológico, as funções

de reprodução, além de favorecer o surgimento da diabete tipo 2 e da

depressão.

A Escuta Musical tem o poder de estancar a reação de estresse no

organismo; a partir dela, como se viu, as estruturas límbicas interagem com

o córtex auditivo, nesse caso, em especial a amígdala, responsável pela

reação de medo; o hipotálamo deixa de ser ativado e de ativar a hipófise; na

falta do ACTH a liberação de cortisol é interrompida; os efeitos calmantes 59

A endorfina é um neurotransmissor que entre diversas outras propriedades também atua na

resposta de relaxamento. 60

Endocanabinóides são também substâncias produzidas no cérebro que atuam como moduladoras nos

processos metabólicos e de secreção hormonal.

Page 137: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

137

começam então a se fazer sentir. Músicas com andamento lento, tempo

regular, e que respeitem as normas da tonalidade são as mais indicadas para

essa finalidade; o repertório escolhido deve considerar tais aspectos

(KHALFA, 2005, p. 72).

4.6.4.4 4.6.4.4 4.6.4.4 4.6.4.4 Arrepios musicaisArrepios musicaisArrepios musicaisArrepios musicais

Os arrepios musicais, que se experimenta diante de músicas

aprazíveis, são mais uma forma de manifestação das emoções. Em pesquisa

realizada por Blood e Zatorre (2001, p. 11.819), o fluxo sanguíneo de

regiões cerebrais foi medido através da TEP (tomografia por emissão de

pósitrons); os autores partiram da hipótese da estimulação do sistema

motivação-recompensa, estar relacionada à ocorrência dos arrepios. Os

sujeitos da pesquisa tinham formação musical, escolheram músicas do

repertório clássico que normalmente lhes causavam agradáveis sensações

de arrepio, e se encontravam numa das seguintes condições: 1. Ouvindo a

música por eles selecionada, 2. Ouvindo uma música controle, 3. Silêncio, e

4. Ouvindo ruídos amplificados e equalizados; a escuta de cada condição

durava 60 segundos e se repetiu por três vezes, em ordem aleatória. Os

sujeitos qualificaram suas reações emocionais numa escala que ia de

desprazeroso a prazeroso (-5 a +5); diversas outras medidas foram

efetuadas: batimento cardíaco, eletromiograma61, ritmo respiratório,

resposta eletrodérmica e temperatura da pele.

As experiências de arrepio foram relatadas pelos sujeitos em 77% dos

scanners quando soava a música por eles escolhida, correspondentes a

61

O eletromiograma é um exame no qual são registrados os impulsos elétricos provenientes dos

músculos, o que ajuda a determinar se eles estão normais.

Page 138: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

138

alterações na atividade autônoma: elevação no batimento cardíaco e

respiratório e no eletromiograma. Não foram relatados arrepios nas

condições de escuta da música-controle, de ruído ou silêncio. Na escala

utilizada, a avaliação de prazer ou desprazer dos sujeitos foi mais elevada

do que a própria intensidade dos arrepios, sugerindo que estes se

manifestam após a potencialização de certo estado emocional. O aumento do

fluxo sanguíneo cerebral afetou justamente o circuito cerebral de

recompensa, ilustrando mais uma vez a profusão de interconexões que as

emoções promovem no cérebro humano.

4.4.4.4.7777 Música e cogniçãoMúsica e cogniçãoMúsica e cogniçãoMúsica e cognição

4.7.1 4.7.1 4.7.1 4.7.1 Efeitos de transferênciaEfeitos de transferênciaEfeitos de transferênciaEfeitos de transferência

As pesquisas comprovam que o relaxamento e situações de bem-

estar podem melhorar a concentração, a capacidade de memória, e,

conseqüentemente, o desempenho cognitivo. (ASHBY et al., 1999; ESCH,

2003; ZATORRE, 2005). Seria por essa razão que o senso comum passou a

admitir que a música nos torna mais inteligentes? O efeito Mozart alimentou

essa hipótese durante a última década.

O efeito Mozart62 é um efeito de transferência ― transfer effect ―,

baseado na similaridade de processos envolvidos na situação original e na

62 O primeiro estudo data de 1993, F. Rauscher, G. Shaw e K. Ky. Os pesquisadores se perguntavam

se uma breve exposição a certos tipos de música poderia incrementar habilidades cognitivas. Trinta e

seis estudantes de 2º grau foram divididos em três grupos, os quais passaram dez minutos numa das

seguintes condições: a) ouvindo a Sonata para Dois Pianos em Ré maior, de Mozart, K 448; b) ouvindo

uma gravação com instruções de relaxamento; e c) em silêncio. Imediatamente após, os grupos foram

testados em raciocínio espacio-temporal, utilizando uma das baterias do teste Stanford-Binet: depois

de observar uma folha de papel dobrada várias vezes e submetida a vários cortes com uma tesoura,

os estudantes deveriam predizer quais seriam os padrões formados no papel desdobrado. A pontuação

Page 139: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

139

situação facilitada, como por exemplo, ocorre com a habilidade para andar

de bicicleta, aproveitada também para a prática do skate ou do esqui.

(WEINBERGER, 1999, p. 1). No caso do efeito Mozart, a transferência se dá

do domínio das estruturas musicais elaboradas para o domínio das

habilidades espacio-temporais. Os pesquisadores não conseguiram repetir o

experimento com sucesso e passaram a questionar sua validade, a partir de

perspectivas diversas: qualquer música de estrutura comparável à música de

Mozart poderia suscitar o efeito, pois música é um estímulo muito mais

poderoso para o cérebro do que as condições de controle (instruções de

relaxamento, silêncio ou música minimalista); diante de música de igual

interesse e com o mesmo grau de complexidade, o efeito simplesmente

desapareceu, como observado em diversos estudos (CHABRIS, 1999;

THOMPSON, 2001; WEINBERGER, 2000); as preferências musicais dos

sujeitos, como se viu, modelam seus parâmetros de reação, interferem na

performance cognitiva; assim, o efeito Mozart poderia ser nada mais do que

o efeito positivo do humor induzido pela música, na performance cognitiva

(BLOOD, ZATORRE, 2001; PANKSEPP, BERNATSKY, 2002; THOMPSON,

2001) Esses dados tornam-se importantes para esta pesquisa, pois através

das discussões anteriores, viu-se que a música tem a capacidade de induzir

tais estados positivos.

Inúmeros outros efeitos musicais de transferência têm sido

observados, um exemplo seria a facilitação da aprendizagem da leitura, em

decorrência da habilidade musical para discriminar diferentes alturas,

compreender e emitir novos sons (SPYCHIGER, 1998). Comprova-se,

portanto, que a música contribui para o desenvolvimento de diversas

do grupo que ouviu Mozart foi significativamente superior ao dos outros dois grupos, no entanto, o

efeito era muito breve, não mais que dez a quinze minutos.

Page 140: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

140

funções cognitivas, ainda que por breves períodos de tempo. O grande

desafio para a pesquisa neuropsicológica, neste momento, é elucidar como a

plasticidade cerebral se altera a partir de efeitos permanentes que um

contato duradouro com a música possa desencadear. A pesquisa nesse

campo apenas se inicia, mas certamente poderá contribuir para consolidar a

presença da música no currículo escolar básico.

4.7.2 4.7.2 4.7.2 4.7.2 A sintaxe musical e a cogniçãoA sintaxe musical e a cogniçãoA sintaxe musical e a cogniçãoA sintaxe musical e a cognição

A sintaxe musical ― maneira como os elementos da estrutura musical

estão organizados e encadeados (acordes, escalas, tonalidades, entre muitos

outros) ― não nos deixa indiferentes. Provavelmente, a percepção desses

elementos estruturais se inicie num nível profundo e inconsciente, pois a

música tem nos acompanhado desde tempos remotos quando não se

necessitava conhecer e racionalizar sobre a sua estrutura. Como explicam

Panksepp e Bernatzky (2002, p. 134):

(...) há certos aspectos físicos ou mentais da chamada ‘vida

interior’, que têm propriedades similares àquelas da música,

padrões de movimento e repouso, de tensão e relaxamento, de

concordância e discordância, preparação, resolução, ‘excitação’

etc.63

Quando se estuda música, toma-se consciência desses padrões.

Envolvemo-nos com a sintaxe musical, sendo ou não músicos, consciente ou

inconscientemente. Segundo Sloboda (1985, p. 16):

As provas sugerem que pessoas não treinadas (em música) têm

um conhecimento implícito daquilo que os músicos podem falar

explicitamente. Nesse sentido, existe semelhança entre a

63

Tradução da autora.

Page 141: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

141

música e a linguagem. Mesmo que tenham um conhecimento

consciente muito limitado, indivíduos comuns falam sua língua

natural, baseados nas mesmas regras gramaticais das quais se

servem lingüistas profissionais64.

Desde o início, com as primeiras canções de ninar, percebemos

intuitivamente o encadeamento das estruturas musicais, observando as

reações das pessoas, construímos representações mentais sobre a música,

que permanecem latentes e se manifestam sempre que evocadas em

situações concretas. Aprende-se música na vida cotidiana, no processo de

crescer e conviver na família e nos grupos sociais freqüentados.

4.7.3 4.7.3 4.7.3 4.7.3 A Teoria dopaminérgica dos sentimentos positivosA Teoria dopaminérgica dos sentimentos positivosA Teoria dopaminérgica dos sentimentos positivosA Teoria dopaminérgica dos sentimentos positivos

As pesquisas têm comprovado, de modo convincente, que os

sentimentos positivos experimentados pelas pessoas podem afetar

sistematicamente o processamento cognitivo. Sentimentos positivos podem

ajudar a melhorar nossa performance na solução criativa de problemas, no

incremento da memória e na escolha de estratégias para tarefas que

implicam na tomada de decisões (ASHBY et al., 1999, p. 529).

Nas pesquisas descritas por Ashby, os sentimentos positivos foram

induzidos de formas simples: antecipação de uma pequena recompensa em

dinheiro, assistir a um filme de comédia, ler cartoons divertidos, ou

experimentar a sensação de obter sucesso numa tarefa difícil. A natureza

simples dessas estratégias indica que os efeitos podem ser prontamente

acessados por coisas simples que se experimenta diariamente.

Possivelmente, na estratégia de Sentipensar, a música atue como uma

64

Tradução da autora.

Page 142: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

142

dessas estratégias indutoras de sentimentos benéficos, com o poder de

promover mudanças no estado cognitivo; tais sentimentos foram

amplamente relatados pelos sujeitos da pesquisa.

A cada vez que o circuito cerebral para recompensa é ativado pela

escuta de música que nos agrada, ocorre a liberação de dopamina em áreas

frontais do cérebro (córtex pré-frontal e giro anterior do cíngulo), a

exemplo do que ocorre também para estímulos biológicos relativos ao sexo

e à alimentação, ou artificialmente ativados por drogas (BLOOD; ZATORRE,

2001, p. 11.823).

A teoria dopaminérgica dos sentimentos positivos ― elaborada por

Ashby, Turken e Isen ― partiu da seguinte hipótese: “algumas alterações no

processamento cognitivo que foram observadas na condição de sentimentos

positivos são devidas ao incremento dos níveis de dopamina no cérebro

associados aos sentimentos positivos” (ASHBY et al., 1999, p. 529). Trata-

se de uma primeira descrição do mecanismo neuropsicológico subjacente à

influência dos sentimentos positivos na cognição.

No artigo intitulado A neuropsychological theory of positive affect and

its influence on cognition (ASHBY et al., 1999), amplamente documentado

em pesquisas já realizadas nessa área, Ashby e seus colegas descreveram e

comentaram resultados de mais de vinte cinco experimentos, realizados

com diferentes sujeitos em contextos variados (escolas, organizações,

contextos de consumo, situações de negócios, entre muitas outras),

servindo-se de diferentes métodos para a indução de sentimentos positivos

e diversas medidas de flexibilidade cognitiva; os autores relataram a

Page 143: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

143

observação de alterações comportamentais e de estilo cognitivo, associadas

à elevação dos níveis de dopamina, como veremos a seguir:

Os sentimentos positivos levam à flexibilidade e facilitam a

solução criativa de problemas através de uma ampla variedade

de situações. (...) A pesquisa sugere que os sentimentos

positivos aumentam a habilidade de uma pessoa para organizar

idéias de múltiplas formas e para acessar perspectivas

cognitivas alternativas.

(...) sentimentos positivos têm conseqüências previsíveis em

diferentes tipos de tarefa. (...) em associação de palavras (as

pessoas com afetos positivos ranquearam melhor, tendo mais

associações do que o grupo controle). (...) incrementaram a

fluência verbal bastante mais em relação ao grupo controle, em

situação neutra.

(...) pessoas na condição de sentimento positivo são hábeis

para classificar de formas mais flexíveis e são mais hábeis

para ver meios pelos quais membros não típicos de certas

categorias possam a ser aceitos ou vistos como membros

dessas categorias. (...) Esse efeito foi observado para

categorias de itens naturais, para produtos e na classificação

de grupos sociais humanos (habilitando um grupo socialmente

diferente a ser integrado e percebido como tomando parte de

uma situação).

(...) na condição de sentimento positivo, pessoas foram

observadas percebendo o interesse em resolver uma tarefa

interessante, mas não uma tarefa medíocre, mais do que o

grupo controle. (...) a riqueza de uma tarefa é estritamente

relacionada à sua complexidade, variedade, diversidade e

interesse.

(...) sentimentos positivos têm sido mostrados como fatores de

melhoria na performance de tarefas diversas que são

tipicamente utilizadas como indicadores de criatividade e

inovação na solução de problemas. (...) cada resposta (à

experiência descrita de arranjo criativo) pode ser vista como

envolvendo flexibilidade cognitiva, ou a habilidade de colocar

Page 144: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

144

idéias juntas em novas e úteis formas – uma definição clássica

de criatividade.65

A descrição detalhada dos fenômenos constatados por essa série de

experimentos científicos teve lugar nesse escrito, pois se, a partir da

análise dos dados se confirme a indução de sentimentos positivos através da

música, essa teoria será uma base importante de fundamentação das

relações existentes entre sentir e pensar, e da utilização de uma estratégia

de Escuta Musical para promover o incremento do pensamento reflexivo.

65 Citações traduzidas por esta autora.

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145

5555.... TTTTransdisciplinaridaderansdisciplinaridaderansdisciplinaridaderansdisciplinaridade: abertura do olhar sobre o mundo: abertura do olhar sobre o mundo: abertura do olhar sobre o mundo: abertura do olhar sobre o mundo

Como pode uma concha vazia ser habitada por fantasmas infinitos, como um homem oco torna-se o Deus de um povo? A

cisão entre o espaço interior e o espaço exterior de um ser humano pode trazer um esclarecimento interessante a este

gênero de processo. Quando o espaço interno se reduz a nada, o espaço externo pode tornar-se monstruoso.

Basarab Nicolescu

Do alto do infinito Tatiana Clauzet

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146

Cenário TransdisciplinarCenário TransdisciplinarCenário TransdisciplinarCenário Transdisciplinar

Estávamos na PUC de São Paulo, era um seminário sobre a Complexidade e a Transdisciplinaridade na educação. Eu deveria participar de uma mesa de debates que depois de assistir a um vídeo sobre o processo criativo em Pablo Picasso, procuraria elucidar para o público presente os princípios da Transdisciplinaridade. A mesa se compunha de palestrantes brasileiros e espanhóis. Eu não havia tido tempo suficiente para preparar minha fala, o que incluiria naturalmente assistir ao vídeo antecipadamente, no entanto, não me preocupei excessivamente com isso, pois, para mim é um comportamento habitual tecer meus comentários mentais e teorias ao assistir qualquer filme ou apresentação artística. Porém, não pude deixar de pensar que a situação era um tanto inédita para o ambiente acadêmico. A mesa teve início na tarde do primeiro dia do simpósio. Decidi a priori concentrar minha atenção na parte de áudio, pois sendo a música minha área de especialização, com certeza haveria algo a agregar sobre isso. De fato, o áudio era muito interessante a começar pelo som do pincel atômico com o qual Picasso traçava suas figuras. Havia uma deliciosa sincronia entre som e imagem, e aquele som sobre o silencio tornou-se encantatório. Na seqüência, havia uma música clássica, possivelmente anos 20, de caráter fragmentário, os elementos pareciam misturar-se algumas vezes ao acaso, numa espécie de arte combinatória, uma espécie de caleidoscópio de som, o mesmo estava acontecendo com as imagens que se construíam e desconstruíam o tempo todo. Som e imagem estavam sincronizados do ponto de vista material e concreto, mas também a partir dos sentidos que se podia atribuir a toda essa dinâmica. Iniciei minha fala recordando idéias do mestre Koellreutter: “não existe nada mais programado do que uma improvisação”. Sim era necessário dize-lo, pois, em especial aos olhos de meus colegas de mesa, tudo poderia parecer uma grande improvisação; tão pouco havia algum mal nisso, pois, a improvisação é tão fundamentada e referenciada quanto a composição, para improvisar é necessário um cabedal de competências e grande quantidade de referências provenientes da linguagem que se utiliza, seja ela sonora, visual, corporal, verbal ou qualquer outra. Essa liberdade e aparente falta de planejamento foi o primeiro elemento de abertura que incorporamos naquela tarde. As falas

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147

tornaram-se poéticas, todos os palestrantes falaram algo sobre o ato de improvisar e sobre as diferentes linguagens artísticas, sobre eles próprios, sobre a subjetividade de cada interpretação, e a busca do sentido por parte de cada um, e esse foi um segundo elemento de abertura. O público se sentiu livre para interagir e as perguntas foram muito interessantes. O diálogo franco se estabeleceu, entre o conhecimento acadêmico e a sabedoria das pessoas, um terceiro elemento de abertura. O tempo passou com incrível rapidez. O olhar das pessoas era tranqüilo e por parte de várias delas havia encantamento. Pude sentir ar de liberdade. O clima foi se tornando mágico, estávamos todos conectados, pertencíamos todos àquele ambiente. Havia algo mais entre as pessoas, algo que não se vê. Havia uma energia compartilhada e unificadora que religou a todos.

No dia seguinte ainda acordei com aquela sensação e possivelmente eu a carregue sempre, me sentia energizada, me sentia feliz e em fluxo, sentia que o mundo era pequeno para mim e que eu poderia dar conta de fazer tudo o que tinha a fazer e além do mais, sentia que isso era prazeroso. No dia seguinte, aquela mesa foi evocada em vários momentos, sempre de forma prazerosa e aberta, tivemos o depoimento de duas graduandas que se sentiam incluídas naquele mundo primeiramente tão resistente dos mestres e doutores. Havíamos vivido juntos uma linda experiência de partilha. O espírito transdisciplinar havia estado conosco.

5.1 O espírito transdisciplinar: comentário da experiência5.1 O espírito transdisciplinar: comentário da experiência5.1 O espírito transdisciplinar: comentário da experiência5.1 O espírito transdisciplinar: comentário da experiência

A experiência que acabo de descrever, vivida intensamente por cada

um dos indivíduos presentes, foi uma experiência do coletivo unificado no

campo energético que se formou.

Vivemos tempos difíceis, carentes de uma reforma total do

pensamento, e de uma transmutação paradigmática profunda, comparável a

Page 148: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

148

uma revolução. Estes tempos pós-modernos caracterizam-se pela incerteza

e pela convivência de opostos; pela descrença na razão, no progresso e nos

grandes ideais que alimentaram a modernidade. A situação filosófica da pós-

modernidade mergulhou-nos num mar de desesperança, no qual parece

inútil nadar. Estamos precisamente no ponto de bifurcação, ou se sucumbe

junto às grandes narrativas modernas, ou se fortalece um discurso inovador

que, poderia apresentar-se como fonte de renovação para as possibilidades

da humanidade. A esperança já esteve presente em outra parte deste

escrito, quando discuti o conceito de Sentipensar, e agora retorna pelas

mãos da Transdisciplinaridade; ela é muito necessária e, como educadores,

é preciso que nos tornemos seus arautos, anunciando entusiasticamente sua

chegada.

Os saberes, o acúmulo de conhecimentos pela humanidade, não têm

garantido uma vida mais feliz. Estamos à beira de um ataque de nervos,

afastados do ser interior; é como se não houvesse mais autoconhecimento

possível. A ‘mãe terra’ também pede socorro. Como poderia ser diferente?

Como cuidar do ambiente, se somos incapazes de nos cuidar?

A Carta da Transdisciplinaridade (vide Anexo 7) e seus signatários,

falam de uma “tecnociência triunfante”; e, em contraste, de uma nova forma

de obscurantismo: “o ser interior cada vez mais empobrecido”; como

teríamos chegado a isso? O que é possível ainda fazer?

O espírito transdisciplinar alia-se a nós numa incessante luta por um

mundo sustentável e relações humanas mais felizes. Mas o que seria o

espírito transdisciplinar? A análise do cenário transdisciplinar, que abre esta

seção, permite vislumbrar algumas respostas.

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149

O espírito transdisciplinar manifestou-se na construção atenta, sutil e

improvisada das ações daquela tarde e, de forma bem especial, para mim;

sentei-me à mesa com a disposição de elaborar o conhecimento a partir dos

dados que me fossem apresentados; isso implicava abertura em todos os

sentidos: das percepções, das capacidades analíticas, abertura também da

escuta, tanto dos dados concretos apresentados no áudio, como da fala dos

outros participantes e do público, a partir das quais eu faria minha própria

construção.

O espírito transdisciplinar se manifestou na exposição dos sujeitos,

promovendo a “ressurreição do indivíduo”, como diria Basarab (2005, p.

11); olhares e opiniões se entrecruzaram e se esclareceram mutuamente.

Na subjetividade das interpretações, reorganizadas através de uma troca

intersubjetiva, a busca do sentido pode ter lugar transformando-se

gradualmente, a cada traço de Picasso, a cada alternância de imagem. Por

um momento, durante aquela mesa, desejei ter a panorâmica dos sentidos

atribuídos por todas as pessoas àquela dinâmica, o que comporia uma

espécie de polifonia mental a várias vozes. A subjetividade do “outro” nunca

me pareceu mais inacessível; a sensação, por instantes, foi de impotência;

então, pensei, pensei, e me coloquei a questão fatídica: será que nunca será

realmente possível saber “como o outro pensa e sente?” Conclui que o

sentido da alteridade é precisamente isso: o esforço de compreensão de

como o outro sente e pensa, e encontrei consolo.

O diálogo esteve presente, assim como a disponibilidade para a

escuta. Diálogos entre aparentes opostos: o mundo acadêmico e a sabedoria

das pessoas, a fala do especialista e a fala do leigo, o pressuposto

disciplinar e a integração interdisciplinar, a arte e a ciência, a escuta do

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150

outro e a escuta de si; são diferentes formas de diálogo configurando, mais

uma vez, o cenário transdisciplinar.

A atitude transdisciplinar implica numa escuta sensível, aquele que

ouve deve “saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro,

para compreender do interior as atitudes e os comportamentos, o sistema

de idéias, de valores, de símbolos e de mitos” (BARBIER, 2002, p. 94); a

escuta sensível é, então, o portal de comunicação que se abre entre as

subjetividades.

Através da escuta sensível possibilita-se a aceitação do outro, e sua

compreensão “fundamentada no respeito absoluto às alteridades unidas pela

vida comum numa só e mesma Terra”, diz a Carta em seu Artigo 13; por

isso mesmo, a transdisciplinaridade é transcultural, não privilegia o foco

numa cultura ou em outra, mas sim, naquilo que está entre as culturas e que

pode uni-las. Toda forma de hegemonia não é compatível com a visão

transdisciplinar. Da fala das duas graduandas que quiseram dar seus

depoimentos no contexto da experiência que se está analisando,

depreendia-se a alegria da aceitação, a liberdade de expressão e,

sobretudo, o sentido de pertencer a um ambiente. Esse é o espírito

transdisciplinar que se almeja para a sala de aula.

Todos os fatores discutidos aqui, até o momento, tiveram alguma

parcela de responsabilidade na magia e encantamento experimentados

durante aquela tarde, no entanto, o grande orquestrador, a meu ver, só pode

ter sido o espírito artístico; este vive em cada um de nós, algumas vezes

sufocado, impedido, às vezes espezinhado, porém, quando se manifesta,

liberta e promove a catarse humana. A arte esteve presente naquela tarde,

no fantástico processo criativo de Picasso, na articulação criativa entre

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151

áudio e imagem, no diálogo criativo que se estabeleceu entre as diferentes

disciplinas representadas à mesa, na participação criativa do público,

naquela sensação de improviso e indeterminação que terminou por libertar a

todos. A arte, tantas vezes negligenciada, finalmente encontrou seu lugar:

A visão transdisciplinar é completamente aberta, pois, ela

ultrapassa o domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e sua

reconciliação, não somente com as ciências humanas, mas

também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência

interior.66

Encerrados os debates, no dia seguinte – e eu diria, ainda hoje –,

restaram os influxos da maravilhosa experiência com o vídeo de Picasso.

Experimentou-se uma sensação de religação e de aceitação que gerou

alegria, prazer e muita vontade de continuar por essa via. Havia algo mais

no ar, algo mais que a simples noção de missão cumprida, mais forte do que

simplesmente ter conseguido falar algo de significativo; havíamos criado,

juntos, um campo energético, um campo vibracional.

A natureza humana talvez nunca venha a ser completamente

conhecida; sabemos – porque sentimos – que somos mais do que a visão

reducionista concorda em nos conceder:

Em nosso aspecto mais elementar, não somos uma reação

química, mas sim, uma carga energética. Os seres humanos e

todos os seres vivos são uma configuração energética dentro

de um campo de energia conectado com todas as demais

coisas do mundo. Este campo de energia pulsante é o motor

central de nosso ser e de nossa consciência, o alfa e o ômega

de nossa existência. (MCTAGGART, 2006, p. 18)

66

Carta da Transdisciplinaridade – Artigo 5.

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152

O tempo passou rápido naquela tarde, pois o tempo não é uma linha

que corre do passado para o futuro, mas sim, uma forma de sentir, uma

forma de perceber, uma dimensão.

5.25.25.25.2 A trindade transdisciplinar: complexidade, níveA trindade transdisciplinar: complexidade, níveA trindade transdisciplinar: complexidade, níveA trindade transdisciplinar: complexidade, níveis de realidade e o is de realidade e o is de realidade e o is de realidade e o

terceiro incluÍdoterceiro incluÍdoterceiro incluÍdoterceiro incluÍdo

Uma matéria mais fina penetra uma matéria mais grosseira. As duas coexistem, cooperam numa unidade que vai da partícula

quântica ao cosmo. Nicolescu Basarab

O pensamento transdisciplinar é precisamente uma primeira abertura, uma ação concreta sobre a nossa realidade, para nela

inserir a visão de um real global e não mais causal, revelado pela nova física quântica, um real ’holistico’ no qual todos os

aspectos da realidade podem ser considerados e respeitados, sejam eles científicos, materiais, afetivos ou espirituais.

Michel Random

Entrei na temática da Transdisciplinaridade pelas portas do sentir e

do agir. Possivelmente, através do comentário construído na abertura desse

Capítulo, seja possível deduzir o significado da Transdisciplinaridade; no

entanto, o que responder a meu aluno – incipiente e insipiente – quando

coloca a questão: mas afinal, o que é Transdisciplinaridade?

Tenho que responder concretamente e de forma compreensível;

respondo então que a Transdisciplinaridade é uma tentativa ainda mais

profunda do que as anteriores de unir as disciplinas, englobando não apenas

o diálogo entre elas, mas também todas as transformações que o ser

Page 153: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

153

humano tem que abrigar em seu interior para viver verdadeiramente este

espírito integrador.

A palavra surgiu em 1970, com Piaget, no I Seminário Internacional

sobre pluri e interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice. O

prefixo “trans” exprime a idéia de ir além e através das disciplinas, o que

significa penetrar nas entrelinhas e nos significados ocultos; “‘trans’

exprime a abertura, a ultrapassagem (...) dá-se o mesmo em ‘transgredir’: ir

além das proibições para ‘transformar’ o real” (RANDOM, 2000, p. 26).

Dessa maneira, a transdisciplinaridade procura transgredir os limites entre

as disciplinas, assim como os limites interiores que nos impomos ao assumir

uma visão transformadora de mundo.

A transdisciplinaridade se ergue sobre três pilares: a complexidade

do mundo, da natureza, do humano e de tudo o que existe; a lógica do

terceiro incluído, apresentado mais adiante, implica na abertura mental para

conciliar opostos, integrando-os numa nova forma de percepção; e, os

níveis de realidade, que pressupõem a existência de uma realidade

multidimensional e a transformação de nossos níveis de percepção. Nesse

sentido, a transdisciplinaridade é mais um dos desenvolvimentos

existenciais, gerado a partir das descobertas quânticas: dois mundos

diferentes coexistindo no mesmo tempo e lugar, o mundo macro de nossa

realidade concreta e o mundo micro em eterno movimento na forma de

energia e matéria que nos constitui; esses dois níveis de realidade nos

dizem respeito diretamente.

E por que não outros mundos, outras dimensões? Possivelmente,

existam outros mundos que transitam entre o macro e o micro, entre o

visível e o invisível, mundos que a transdisciplinaridade interpreta e assume

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154

como diferentes níveis de realidade, e assim, realidade macro, realidade

quântica, realidade virtual, e ainda, realidades interiores plasmadas nos

diferentes sentidos que os indivíduos atribuem à vida, nos diferentes

conjuntos de valores que alimentam as culturas, ou seja, nos diferentes

níveis de percepção que se constrói sobre a realidade.

Muito se tem dito sobre a ‘realidade’. Para Basarab (2005, p. 30),

Realidade é “aquilo que resiste às nossas experiências, representações,

descrições, imagens ou formalizações matemáticas”67, ou seja, a realidade é

o território e não o mapa, e tem muito de indescritível.

A física quântica revelou uma realidade misteriosa, interconectada, na

qual os eventos e indivíduos surgem interligados. Tal constatação se iniciou

na percepção de que as partículas subatômicas que, em algum momento

tenham interagido, permanecem conectadas, ainda que separadas por longas

distâncias; elas permanecem ligadas por uma espécie de força invisível que,

nos primeiros tempos, Einstein ironizou chamando de 'ação fantasma à

distância'; essa é uma propriedade das partículas e, em conseqüência, de

toda a matéria, e a isso se denominou princípio da não-separabilidade68.

Se existe uma conexão não-local entre as partículas, com certeza

nossos corpos estão sujeitos a ela; isso quer dizer que existe também uma

conexão entre as pessoas, uma ligação ainda por explicar, e que tem sido

alvo de estudos, mas também de especulações. Tudo isso tem implicações

mais sérias, pois o cérebro também é parte do corpo; fenômenos de

consciência podem também estar sujeitos às regras da não-separabilidade,

67

É a esse conceito que Basarab se refere quando utiliza Realidade com letra maiúscula. 68

Sobre esse tema é interessante conhecer os experimentos de Alain Aspect que comprovaram a

não-separabilidade na Física, e também as Teorias das variáveis ocultas, uma delas é a de David

Bohm, que procura encontrar outros princípios, ainda não conhecidos, que possam explicar o efeito

da não-localidade.

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e isso poderia explicar muitos fenômenos de comunicação transpessoal.

Essas idéias estão animando a vida da ciência na atualidade e gerando

diversas teorias explicativas.

Esse tipo de conexão é não-local, ou seja, não está sujeita às leis da

causalidade linear (a toda causa corresponde um efeito); aparentemente,

não existe uma causa que possa explicar o efeito que duas partículas

continuam exercendo uma sobre a outra, mesmo depois de separadas, assim

como ainda busca-se uma explicação causal para fenômenos como a

telepatia, a intuição, a premonição, a ligação forte existente entre irmãos

gêmeos, entre vários outros.

Tudo isso quer dizer que a realidade é muito maior e mais complexa

do que nossos mapas, e que há ainda muito por compreender. Culturas

milenares, tanto quanto culturas primitivas que ainda existem entre nós,

incorporaram a conexão cósmica em suas religiões, crenças e rituais de

religação entre o homem e a natureza; seria o ‘fazer parte’ de algo global e,

de uma forma de comunicação especial e mágica, denominada “visão”; nossa

cultura, racionalista, avessa às coisas do espírito, abriu uma pequena brecha

para tudo isso através da parapsicologia que, sempre lutando para alcançar

credibilidade, dedicou-se a tentar explicar o inexplicável.

A partir da revolução paradigmática da ciência, tais fenômenos

começaram a demonstrar cada vez mais evidências concretas, mas os

cientistas resistiam, como relata Random, a propósito das discussões sobre

o princípio da não-separabilidade que tiveram lugar durante o Colóquio de

Veneza em 1986:

(...) a maioria dos cientistas (...) limitava-se a constatar os

fatos sem extrair deles outras conseqüências filosóficas. No

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156

entanto, se a filosofia não podia, a partir disso, levar uma nova

visão do mundo, para que serviria a ciência? Para descobrir um

novo real envolto em proibições? Eu percebia entre esses

cientistas o medo de formular uma hipótese, por menor que

fosse, capaz de levar à mínima abertura do imaginário.

(RANDOM, 2000, p. 11)

Teorias científicas atuais explicam de forma cabal como estamos

todos inseridos num campo energético que nos conecta com tudo o que

existe; esse campo vem sendo chamado, por Erwin Laszlo, campo akásico,

palavra derivada de akasha, do sânscrito, e que significa, na filosofia hindu,

radiação ou resplendor (LASZLO, 2004, p. xi); Teresa Versyp, o chama de

campo de ponto zero ou vazio quântico, uma espécie de mar de energia e

informação resultante do jogo das flutuações quânticas, da criação e

destruição constante de partículas e anti-partículas que preenchem esse

vazio com “uma fonte de energia sem limite e sem contaminação, a energia

do ponto zero, chamada ZPE (zero point energy)” (VERSYP, 2006, p. 1).

Neste ponto, a ciência abre um portal de comunicação com as tradições

milenares; a radiação e o movimento vibratório incessante das partículas de

luz (quanta), materializam a dança eterna de Shiva, da tradição do

hinduísmo.

Essas teorias nos incitam a resgatar o antigo adágio ”há mais coisas

entre o céu e a terra do que possa supor nossa vã filosofia”. Daí a

pertinência dos níveis de realidade propostos pela transdisciplinaridade e a

necessidade de se fazer evoluir nossos níveis de percepção.

Basarab define os níveis de realidade da seguinte forma (2005, p. 31):

(...) um conjunto de sistemas invariantes sob a ação de um

número de leis gerais: por exemplo, as entidades quânticas

submetidas às leis quânticas, as quais estão radicalmente

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separadas das leis do mundo macrofísico. Isto quer dizer que

dois níveis de realidade são diferentes se, passando de um ao

outro, houver ruptura das leis e ruptura dos conceitos

fundamentais (...).

Dois níveis de realidade, portanto, submetidos a diferentes conjuntos

de leis, tornam-se incomunicáveis, separados na visão tradicional por uma

lógica clássica. Esta lógica baseia-se em três axiomas: O axioma da

identidade: A é A; o axioma da não-contradição: A não é não-A e o axioma

do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (de “terceiro incluído”)

que é ao mesmo tempo A e não-A (BASARAB, 2005, p. 35).

Ao tomar como exemplo a performance instrumental, ao longo de

vários séculos, prejudicada e reduzida por uma visão tecnicista, teria-se o

seguinte:

Técnica Sensibilidade

(A) (não-A)

Nesta concepção, os dois termos tornam-se opostos excludentes,

pois a lógica tradicional binária não permite sua existência simultânea. Essa

coexistência caracterizaria o terceiro termo incluído, inviável e, portanto,

excluído. Em música, durante muito tempo predominou essa visão – e em

muitos setores predomina ainda hoje –; uma visão tecnicista e mecânica,

tornando a performance instrumental intelectualizada, e tecnicamente

impecável; com o passar do tempo, e com a exigência de níveis de

excelência, se requer algo mais que técnica, se requer o espírito artístico, é

onde se sente a necessidade de “aulas de interpretação”. O objetivo dessas

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aulas é reintegrar sensibilidade e técnica, razão e emoção, algo que nunca

deveria ter sido separado, desde os níveis elementares.

Os opostos inconciliáveis, podem conciliar-se através de um terceiro

estado T, de Terceiro Incluído. No exemplo acima, esse terceiro termo

apareceria como a resultante altamente desejável: arte da performance, em

elevado grau.

Arte da performance

Técnica Sensibilidade

(A) (não-A)

Na Transdisciplinaridade, os diferentes níveis de realidade se

organizam verticalmente e se comunicam, a partir da noção integradora de

Terceiro Incluído. Este é resultante de uma lógica ternária, na qual pode

existir A, não-A e sua união; a comunicabilidade entre os dois ocorre

justamente num nível acima de realidade, com a abertura do olhar e a

verticalidade, transdisciplinares.

Tomando agora como exemplo, o Sentipensar, vê-se que este resulta

da integração entre sentir e pensar, que podem unir-se num nível acima de

realidade; Sentipensar torna-se, então, o Terceiro Incluído:

nível de percepção 2 Sentipensar nível de realidade 2

nível de percepção 1 Sentir Pensar nível de realidade 1

(A) (não-A)

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A lógica do Terceiro Incluído nos permite viver no mundo de

contradições, descortinado pela revolução científica do séc. XX; permite

encontrar explicação para paradoxos aparentemente inexplicáveis, e unir

pares de contraditórios excludentes, a exemplo destes, ressaltados por

Basarab (2005, p. 33): “onda e corpúsculo, continuidade e descontinuidade,

separabilidade e não-separabilidade, causalidade local e causalidade global,

simetria e quebra de simetria, reversibilidade e irreversibilidade do tempo,

etc...”

A cada vez que se está diante de um conceito integrado pela lógica do

Terceiro Incluído, novos opostos se anunciam. Estes encontrarão sua

síntese num próximo nível de realidade; esta estrutura caracteriza uma

abertura, uma realidade sempre no processo de vir a ser, dependente

também da evolução de nossos níveis de percepção da realidade.

Possivelmente, o vir a ser, o inacabamento, sejam características

constitutivas de tudo o que existe: o universo é aberto e está em constante

expansão, não se conhece seu início nem seu final; o ser humano é

inacabado, “onde há vida, há inacabamento”, diria Paulo Freire (1998, p.

55); o processo de conhecer é aberto, implica em transformação e mudança

interior e exterior; a realidade é inacabada e, se encontrar unidade, será

uma unidade aberta, como bem esclarece Basarab neste trecho (2005, p.

58):

A lógica do Terceiro Incluído pode descrever a coerência entre

os níveis de realidade pelo processo interativo,

compreendendo as seguintes etapas: 1. um par de

contraditórios (A, não-A) situado num certo nível de realidade

é unificado por um estado T situado num nível de realidade

imediatamente vizinho; 2. por sua vez, este estado T está

ligado a um par de contraditórios (A’, não-A’), situado em seu

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próprio nível; 3. o par de contraditórios (A’, não-A’) está, por

sua vez, unido por um estado T’ situado num nível diferente de

Realidade, imediatamente vizinho daquele onde se encontra o

ternário (A’, não A’, T). O processo interativo continua

infinitamente até o esgotamento de todos os níveis de

Realidade conhecidos ou concebíveis.

Assim, ampliando esse exemplo sobre o Sentipensar, é possível

chegar à compreensão dessa unidade:

(A) (Terceiro incluído) (não-A)

nível de percepção 4 nível de realidade 4

nível de percepção 3 Ser integral Ser integral Ser integral Ser integral nível de realidade 3

nível de percepção 2 Corpo SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar Mente nível de realidade 2

nível de percepção 1 Sentir SentimentoSentimentoSentimentoSentimento Pensar nível de realidade 1

Regulação Percepção da

biológica regulação biológica

A lógica aberta do Terceiro Incluído implica, então, numa unidade

aberta, que integra os diferentes níveis de Realidade, com implicações

importantes para o conhecimento: não existe coisa estática, não há

conhecimento completo nem teoria completa capaz de dar explicação, em si

mesma, para qualquer fenômeno observado. A evolução da ciência é um

exemplo claro dessa unidade aberta, na qual as teorias se opõem, se

complementam, por vezes se anulam, construindo os mapas do mundo

aceitos como válidos.

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O pensamento trans pode ser considerado como um antídoto para o

pensamento dual e disjuntor, pois essa unidade aberta se prolonga para o

que Basarab chamou uma zona de não-resistência, uma região (da psique?

da consciência coletiva?) até então descartada pelo pensamento ocidental e

por sua forma clássica de fazer ciência. Trata-se de um lugar de entrega

que incorpora o inexplicável, o aparentemente contraditório, uma região

onde fluímos e somos admitidos como seres plenamente subjetivos: “ao

fluxo de informação que atravessa de maneira coerente os diferentes níveis

de Realidade corresponde um fluxo de consciência atravessando de maneira

coerente os diferentes níveis de percepção” (BASARAB, 2005, p. 64).

O pensamento transdisciplinar não poderia estar ausente de um

trabalho que discute o Sentipensar e a Escuta Musical como uma de suas

estratégias, pois a arte freqüentemente nos leva para regiões de não-

resistência, regiões de não-racionalidade, impossíveis de descrever com

palavras. Este é o momento para a frase lapidar de Basarab (2005, p. 62):

“A zona de não-resistência corresponde ao sagrado, isto é, àquilo que não

se submete a nenhuma racionalização”.

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5.35.35.35.3 A A A A EEEEscuta scuta scuta scuta MMMMusical como estratégia transdisciplinarusical como estratégia transdisciplinarusical como estratégia transdisciplinarusical como estratégia transdisciplinar

Toda e qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo no meio de estruturas

formais, sejam quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.

Carta da Transdisciplinaridade – Art. 1

O que é isso que nos acomete depois de um relaxamento? Para que

regiões insondáveis nos leva a Escuta Musical? Como colocar tudo isso nos

escaninhos de uma razão mecânica?

A Escuta Musical alimenta o saber interior. Ao desenvolver um

conjunto de atitudes a ela inerentes – relaxamento, concentração, atenção,

entrega, fruição de emoções – produz uma vivência interior muito rica, reúne

as dimensões humanas separadas, integra corpo e mente, numa coordenação

perfeita para o Sentipensar. Seus efeitos beneficiam o ser humano de muitas

formas, da emoção à espiritualidade, como visto no Capítulo anterior. Não

por acaso, inúmeras pessoas a tem descrito como uma possibilidade de

autodescoberta, de renovação do contato com o ser interior, de

transcendência. Trata-se de um portal aberto para o autoconhecimento.

A Escuta Musical une as pessoas de forma sensível, leva à

compreensão da via de comunicação entre os extremos de uma dualidade, à

aceitação dos valores e formas de sentir do outro. Na forma como foi

conduzida nesta pesquisa, algo se evidenciou: o fato de se realizar a escuta

no grupo, e de experienciar tais vivências interiores no coletivo, estabelecia

uma conexão energética, uma forma de comunicação sensível, que unia o

grupo de forma cada vez mais íntima. Alguns sujeitos relataram o bem-estar

advindo de ser ouvido, ser aceito por um grupo, e de fazer parte de uma

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sintonia fina. Todo esse discurso estaria nos levando a hipertrofiar as

propriedades da escuta? Estou certa que não, pois, é no interior do seu

humano onde se iniciam todas as possibilidades.

A Escuta Musical nos leva para regiões insondáveis, às bordas do

universo interior. No Capítulo 6, que descreve a pesquisa de campo, a

“volta” da Escuta Musical, por mim denominada “despertar”, torna evidente

essa passagem por regiões insondáveis; é possível perceber essa passagem

nas expressões dos alunos e na morosidade com que o “ritmo normal” é

retomado.

Por tudo isso, e por muito mais que isso, por tudo o que não sei se

perceberei um dia, a Escuta Musical é naturalmente transdisciplinar, tanto

quanto a experiência humana: rica, complexa e indescritível. A Escuta

Musical abre um canal direto para essas regiões desconhecidas onde reina

a magia, a beleza e o contágio emocional.

Qual o caminho para a experiência humana direta? Varela o encontrou

na meditação da atenção-consciência (VARELA et al., 2003, p. 34); eu o

encontro no Sentipensar, em especial, através da Escuta Musical, mas não

só, pois esse caminho estará sempre aberto a cada vez que se incorpore,

em sala de aula, o espaço do ser humano sensível.

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6666. . . . A PA PA PA Pesquisa de Campoesquisa de Campoesquisa de Campoesquisa de Campo

A Arvore sonhadora (sem janela) Tatiana Clauzet

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Cenário transdisciplinarCenário transdisciplinarCenário transdisciplinarCenário transdisciplinar

Estávamos na Faculdade de Música Carlos Gomes, numa manhã de 3ª feira, era a última aula de um curso memorável de Didática do Ensino Musical. Ao longo de dois semestres, o grupo havia se constituído de forma afetiva, orgânica, e as emoções estavam então à flor da pele. Tínhamos que avaliar o curso nesse dia.

Eu queria muito saber como os alunos tinham vivido a experiência de escuta musical e relaxamento, antes de cada aula desse curso, mas não desejava perguntar diretamente, necessitava apreender deles, de alguma maneira se a experiência havia sido significativa ou não, por isso mesmo, a aula estava sendo gravada. Pensei em fazer uma avaliação diferente, algo que fosse marcante, que abrisse espaço para o não verbal e o artístico, tantas vezes relegados, mesmo numa escola de música. Decidi partir de uma pergunta metafórica “Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria?”

Houve alguma estranheza e hesitação no início, mas logo os alunos começaram a se expressar a respeito, de formas cada vez mais profundas, poéticas e naturalmente metafóricas. As falas seriam realmente marcantes e as emergências do processo abundantes:

“(...)seria uma surpresa a cada compasso...ela poderia ser paradoxal, não linear” “(...) é uma partitura livre, porém um pouco calculada, referenciada, interessante, acho que é isso, acho que foi uma música perfeita.” “eu penso numa forma, eu penso na Suíte,(...) eu não achei que foi caótico, foram pequenos lances encadeados, todos no mesmo tom, alguns movimentos mais acelerados, outros mais lentos, mas eu acho que a tônica do semestre se manteve, assim, teve uma coloração meio única do grupo, que eu acho que é bacana, dá um caráter de unidade.

“São várias músicas, e eu colocaria um paralelo (...) com banda de baile, porque você é obrigado a tocar tudo, interpretar da sua forma, são vários tipos de ritmo, vários tipos de música, mas um fundamento só: terminar satisfatoriamente, terminar com sucesso”.

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“Vou dar uma de metido, posso tocar uma música?”

O aluno se sentou ao Piano e começou a tocar “Começar de novo” de Ivan Lins (V. anexo 5), foi um momento de intensa emoção para o grupo, todos choraram e ao final, começaram a cantar juntos as últimas frases da música. Essa foi a primeira emergência do processo avaliatório, algo inesperado que se tornou essencial.

Ao final dos depoimentos, também escolhi a minha música: uma colagem, uma riqueza enorme de informações, de cruzamentos, de individualidades, identidades se misturando, épocas diferentes se juntando, a diversidade e a possibilidade de tudo isso estar junto. Para mim seria essa colagem inspirada por tudo que há de mais humano. Como é possível educar sem tocar na dimensão humana? Isso é o que me preocupa na formação de professores: como é possível pretender mudar a cabeça alheia sem mudar a própria cabeça? Eu não tinha certeza de que a partir desses depoimentos eu iria conseguir a síntese que estava pretendendo, apesar de sua riqueza, talvez seria ainda necessário utilizar mais algum instrumento que pudesse sintetizar melhor os dados? O que era certo é que aquele tempo excepcional de convivência estava chegando ao fim.. Movida pela idéia de meu aluno que se sentara ao piano e tocara, um pensamento me ocorreu forte e repentinamente: “E se fizéssemos aqui e agora, todos juntos, uma música que simbolizasse o curso?” A idéia cresceu rápido, e saiu: “E se fizéssemos essa música? Vamos abrir o armário de instrumentos?”, disse aos alunos. Essa foi a segunda emergência do processo, pois, até então, eu não havia pensado nesse tipo de avaliação. Seguiu-se um murmúrio geral, cada um escolhendo seu instrumento. O Piano foi escolhido, mas também vozes, instrumentos de plaquetas -xilofones e metalofones- e diversas percussões. De início, estava difícil “entrar na música” pois todos queriam discutir como ela deveria ser, qual seria seu início, de onde partiria, qual seria sua forma, entre muitas outras questões; outros insistiam para tocar, “a gente tem que sentir o som, prá gente sentir o som, a gente tem que fazer silêncio...” disse um aluno; eu coloquei que toda música partia de uma idéia, Schafer69 havia partido de uma paisagem em Snowforms, outros compositores partiam de textos ou de fórmulas

69

Murray Schafer, importante educador musical e compositor canadense da atualidade.

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matemáticas, um aluno então respondeu que já tínhamos a idéia: “a gente já tem já, é a aula, e agora vai rolar, som-diversão...” Decidi então colocar uma diretriz: ““““é o seguinte, vamos tirar o verbal da jogada, ninguém mais fala, abram as percepções para ver e ouvir o que acontecerá com o som, e antes de começar, façam silêncio, de olhos fechados, alguém quebrará esse silêncio tocando alguma coisa, a partir daí, a música se construirá, mas esperem, não tenham medo de curtir um pouco esse silêncio, fechem os olhos...” Seguiu-se menos de um minuto de silêncio, a música começou rarefeita e pontilhista, predominando percussões; aos poucos, outros instrumentos e vozes foram se agregando. A música aconteceu durante aproximadamente vinte minutos com momentos de agregação e desagregação sonora, ilustrando pontos de bifurcação, conduzindo a resultados inesperados; momentos poéticos, momentos sensuais, momentos diáfanos, sutileza e violência. Ao final, alguém gritou “quebra tudo” e outros entraram no mesmo refrão, a música cresceu, tornou-se criativamente selvagem e caótica, terminando com um sentimento de grande euforia gerado no grupo. (Ouça anexo 1)

Comentário sobre a experiênciaComentário sobre a experiênciaComentário sobre a experiênciaComentário sobre a experiência

A experiência de improvisação musical descrita acima passaria a ter a

pregnância de uma forma gestáltica que se impõe à percepção; não estava

inicialmente prevista, emergiu quase que por acaso e tornou-se figura,

sobre um fundo pleno e borbulhante de atividade; chamou para si a síntese

do que poderia ser toda essa pesquisa: houve ação e reflexão, razão e

sensibilidade: Sentipensamento.

Na não-verbalidade dos sons manifestou-se a riqueza da vida

interior, a experiência do fluxo energético conectou as pessoas, de maneira

a fazer-se sentir fisicamente; fazia calor ao final e era difícil sair, difícil

abandonar aquele magnetismo; a ligação persiste até hoje, quase um ano e

meio depois de terminada a disciplina; ao encontrar um daqueles alunos,

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existe algo mais, uma espécie de cumplicidade. Estaremos ligados para

sempre pelas lembranças, pela energia do campo.

Fizemos arte – e isso não deveria ser surpreendente numa escola de

arte – fazer arte, porém, transcende o que normalmente as escolas

conseguem ensinar, fazer arte é uma religião, no sentido do religare70 ―

aquilo que nos reúne por dentro e nos reúne ao mundo.

As subjetividades estavam lá, se reconstruindo na intersubjetividade;

a emoção estava lá, o irracional, o sentir, a arte. Era o caos71, um caos de

onde se deseja, por instantes, nunca sair.

6.1 6.1 6.1 6.1 Uma experiência de Uma experiência de Uma experiência de Uma experiência de SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar em sala de aulaem sala de aulaem sala de aulaem sala de aula

Ao introduzir este escrito, no primeiro Capítulo, pude descrever a

trajetória que, ao longo de dezoito anos de formação de professores, me

conduziu da valorização da música como fenômeno sensorial, vibratório,

sensível, e de práticas essencialmente sensibilizatórias, à tomada de

consciência do poder estratégico da música no incremento do pensar e das

habilidades reflexivas. Descobri, pela vivência intuitiva e pela observação

de meus alunos-professores, que havia interesse real em focalizar a

formação de um ponto de vista sistêmico, complexo, reintegrando atividades

de natureza sensível e prática, àquelas de natureza teórica e reflexiva, tanto

quanto reintegrando o ser humano em suas diversas dimensões.

70Religare vem do latim "re-ligare", que significa "ligar com", “ligar novamente”, restabelecer a

ligação perdida com o mundo que nos cerca ou com o nosso interior. www.religare.org.br. 71

O estado primordial, primitivo do mundo é o Caos. Era, segundo os poetas, uma matéria que existia

desde tempos imemoriais, sob uma forma vaga, indefinível, indescritível, na qual se confundiam os

princípios de todos os seres particulares. Caos era ao mesmo tempo uma divindade, por assim dizer

rudimentar; capaz, porém, de fecundar. www.mundodosfilosofos.com.br/caos.htm.

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A partir da experiência geradora vivida em Málaga, com os

professores espanhóis, também relatada no primeiro Capítulo, pude

perceber a urgência em resgatar o reencantamento, não-somente para a

educação musical infantil ou para a formação de professores de música, mas

para a Educação, de uma maneira geral. O reencantamento é necessário e

urgente, desde o trato com bebês até a formação dos futuros profissionais.

As fórmulas de encantamento deveriam ser onipresentes, em todos os

níveis educacionais, do berçário à maturidade, pois trazem consigo o prazer

do bem-estar e toda a magia das coisas belas.

Decidi observar o Sentipensar em ação numa disciplina teórica que

ministrava na Faculdade de Música Carlos Gomes. Tradicionalmente, as

disciplinas teóricas tendem a se concentrar em pressupostos teóricos e

formas de ação, muito distanciados da prática efetiva, dependendo de como

a disciplina é conduzida; torna-se um espaço conservador de discussão, no

qual os alunos, via de regra, não conseguem experienciar outras estratégias

de aprendizagem; podem aborrecer-se ou cair numa enfadonha rotina de

leituras. Além disso, o ambiente acadêmico – e isso me parece muito mais

grave – parece ignorar que seus acolhidos são também seres humanos; toda

e qualquer forma de encontro do ser humano consigo mesmo é alijada do

processo; refiro-me a práticas que levem para a sala de aula a possibilidade

de relaxar, de utilizar outras linguagens expressivas e até mesmo a

meditação, como meio de preparação de um dia de trabalho. Uma disciplina

em ambiente acadêmico me pareceu ser o ambiente ideal para uma pesquisa

sobre o Sentipensar.

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6.2 6.2 6.2 6.2 A Disciplina Didática do Ensino MusicalA Disciplina Didática do Ensino MusicalA Disciplina Didática do Ensino MusicalA Disciplina Didática do Ensino Musical

Ao longo do segundo semestre de 2005 e primeiro semestre de 2006,

a experiência foi colocada em prática na Faculdade de Música Carlos

Gomes, dando início à fase de pesquisa de campo em meu trabalho.

Tratava-se da disciplina de Didática do Ensino Musical, integrante da grade

curricular do curso de Licenciatura Plena em Música. Todos os alunos

matriculados exerciam, já, algum tipo de atividade profissional no campo da

música, como músicos, regentes ou professores de música.

Em geral, os alunos matriculados em cursos de música sofrem de uma

grande alienação quanto ao alcance de seus estudos72 e mesmo com relação

ao alcance de suas ações educativas e formativas; além do mais, a formação

no Ensino Médio não vislumbra de forma satisfatória questões relativas ao

possível trabalho futuro como professores. O resultado disso é que, com

freqüência, recebemos no curso de Licenciatura alunos com pouco contato

com as idéias do discurso educacional e com os pensadores da Educação,

configurando uma situação difícil. Por essa razão, pareceu-me

imprescindível trabalhar, no primeiro semestre, alguns conceitos da

Filosofia da Educação; a questão dos valores que permeiam a prática

educacional e a reflexão sobre a própria prática, tendo como foco uma

situação específica, vivida como aluno ou como professor; e, no segundo

semestre, partir para a análise comparativa de algumas metodologias de

ensino musical, surgidas no séc. XX, vivenciando diversos de seus

72

Além do processo acelerado de superficialidade intelectual que parece acometer aos jovens, em

nossa época, no caso específico da música, a legislação contribuiu para impulsionar tal processo de

alienação, desarticulando o Ensino Médio de música (atual curso técnico) ministrado em

Conservatórios. Esse curso, antigamente exigido de forma tácita, para a entrada no curso superior de

música, deixou de sê-lo, com apoio legal, tornou-se equiparável ao antigo curso colegial, nos anos

80; muitos alunos, desobrigados de passar pelos conservatórios, numa rápida análise, decidiram-se a

aprender música na própria faculdade. Não é necessário dizer que o nível das faculdades de música

está em queda livre.

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procedimentos em aulas práticas. A estruturação curricular dos semestres

resultou aproximadamente no que segue:

I Semestre

− Princípios de filosofia da educação;

− Conceitos de filosofia e didática;

− O processo do filosofar: Inventário, crítica e reconstrução de valores;

− Instrumentos metodológicos: observação, registro, reflexão,

planejamento, avaliação;

− O senso comum na educação e a dificuldade de mudança;

− Concepções de educação: redenção, reprodução, transformação;

− Paulo Freire, a dialogicidade; a negação da pedagogia bancária;

− Introdução à visão eco-sistêmica do aluno e dos processos de

aprendizagem: emoção, razão, intuição, cognição, corporeidade;

− Pedagogia de projetos – uma possibilidade de lidar com a

fragmentação do tempo escolar;

− Reflexão sobre a própria prática a partir de uma experiência

específica;

− TCC gestado ao longo do semestre: “Quais os valores que orientam minha prática pedagógica?”

II Semestre

− Metodologias do ensino musical: tradicionais, contemporâneas,

brasileiras;

− Visão geral das metodologias e de seus princípios metodológicos;

− Estudos comparativos de procedimentos didáticos em algumas

metodologias, musicais do século XX: Murray Schafer, H.J.

Koellreutter, George Self e Carl Orff;

− Vivências práticas de alguns procedimentos didáticos dessas

metodologias;

− Reflexão final do curso: “Quais métodos e procedimentos didáticos

utilizo em minha prática? Por que?”

Ao longo dos dois semestres foram utilizadas as seguintes estratégias

didáticas:

− Depoimento dos alunos sobre as relações anteriores com a didática,

como aluno e como professor;

− Descrição oral e escrita de experiências didáticas escolhidas;

− Leituras, eventualmente, fichamentos e quadros sinópticos;

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− Relato escrito detalhado da experiência didática escolhida para

reflexão;

− Inventário de valores da experiência, realizado coletivamente, a partir

da leitura, em sala de aula, da descrição da experiência;

− Questões para refletir e escrever, a exemplo de:

− “Quais seriam as características de um ensino de qualidade na perspectiva da formação de seres humanos integrais?”

− “Como o senso comum se manifesta na minha prática?” − “Como posso tornar minha prática mais democrática?” − Construção da monografia ao longo de todo o semestre com a

participação crítica do grupo;

− Escolha de um foco de observação de interesse pessoal e profissional

para observação e análise de metodologias do ensino musical (na

Didática II);

− Constituição de um portfólio (na Didática II) incorporando impressões

pessoais, reportagens e tudo o mais que se relacionasse ao foco de

observação escolhido;

− Assistência e análise de filmes:

“Cosmos – I Episódio” – ilustrando a geração do conhecimento a

partir da observação e do pensar;

“Sociedade dos poetas mortos” – observando os efeitos danosos

de uma pedagogia tradicional acrítica em ação;

“Discovering paradigms” – definição de paradigmas, discussão

sobre pressupostos necessários para a mudança.

� Outras características da disciplina

Na Faculdade de Música Carlos Gomes, as turmas costumam ser

pequenas, no máximo doze alunos; o número reduzido de participantes

permite construir um ambiente intimista no qual é possível haver contato e

atenção individuais para cada aluno e entre os mesmos.

Essa situação abre a perspectiva de um trabalho real de grupo, no

qual todos os trabalhos podem ser compartilhados e, inclusive, construídos,

tendo a participação do grupo em todo o processo. Outra decorrência disso

é que os alunos podem ter maior participação na escolha de conteúdos

curriculares, e de fato, essa consulta é feita ao grupo; torna-se possível

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173

atender a necessidades específicas dos alunos, não todas, naturalmente,

existindo, porém, uma abertura para isso.

Por todas essas razões e, sobretudo, pela qualidade das vivências e

do relacionamento humano que se estabelece, o vínculo afetivo torna-se

forte, facilitando o fluxo da aula e manifestações de criatividade.

6.36.36.36.3 Perfil dos participantesPerfil dos participantesPerfil dos participantesPerfil dos participantes

O grupo de sujeitos dessa pesquisa é bem especial, em relação à

média dos grupos de alunos da faculdade; dentre os seis sujeitos escolhidos,

quatro têm mais de trinta anos, e estão interessados no processo de

reflexão sobre a própria prática. A escolha de um grupo de pessoas com

mais maturidade facilitou a condução da pesquisa, pois se requeria uma

capacidade de lidar com questões sensíveis e de autopercepção.

Matheus Barrichello SigaliMatheus Barrichello SigaliMatheus Barrichello SigaliMatheus Barrichello Sigali

PROFISSÃO: Professor de Música

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: Trabalhos com bandas de baile, aulas

particulares

LOCAL DE TRABALHO: aulas particulares

IDADE: 24 anos

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA: Ser músico-terapeuta e

ministrar palestras para executivos em diversos setores do mercado de

trabalho, mostrando como a música pode ser benéfica para o

desenvolvimento profissional e humano de cada integrante de uma

determinada empresa.

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174

Liebe Silva LimaLiebe Silva LimaLiebe Silva LimaLiebe Silva Lima

PROFISSÃO: Funcionária do SESC-SP

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: Licenciada em Música pela Faculdade de

Música Carlos Gomes, exerceu atividades de oficineira no Museu de Arte e

Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso, foi proponente do

Projeto "Recicle e Faça Arte" financiado pela Secretária de Cultura do

Estado de Mato Grosso e realizado na rede de escola pública e Casa

Cuiabana em Cuiabá, participou da elaboração de Cartilhas do Programa de

Formação de Professores Indígenas para o Magistério, junto à Secretaria de

Educação do Estado de Mato Grosso. Atualmente é funcionária efetiva do

SESC , desenvolve atividades administrativas no Centro de Música da

Unidade do SESC Vila Mariana em São Paulo.

LOCAL DE TRABALHO: SESC Vila Mariana

IDADE: 36

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA: Usar o conhecimento

musical adquirido no curso de Licenciatura Plena em Música a serviço das

pessoas, tanto no âmbito da educação como também através de

performances musicais.

Jaques da SilvaJaques da SilvaJaques da SilvaJaques da Silva

PROFISSÃO: Músico

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: Regente de coro, tecladista-pianista e

professor de música.

LOCAL DE TRABALHO: Colégio Nossa Senhora Aparecida (CONSA) em

Moema

IDADE: 38

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA: Estou desenvolvendo um

projeto de ensino de música através de teclados eletrônicos em aulas

coletivas que permita um aprendizado sério do instrumento e não um faz-

de-conta que transformou esse tipo de instrumento mais num brinquedo

(sem desmerecer a importância do brincar...). A proposta associa técnicas

específicas de dedilhado usadas por organista a técnicas de piano aplicáveis

aos teclados sensitivos.

Minha paixão é transformar poemas em canções - se pudesse viveria disso.

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José Gilberto Pires EstebezJosé Gilberto Pires EstebezJosé Gilberto Pires EstebezJosé Gilberto Pires Estebez

PROFISSÃO: Músico

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: Trabalho como instrumentista em vários

estabelecimentos com música ao vivo na cidade de São Paulo. Sou

correpetidor de algumas cantoras como Alaíde Costa, Claudette Soares,

Patrícia Marx entre outras. Atuo na área educacional como professor de

piano popular no CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical dirigida

pelo Zimbo Trio) e ministro aulas particulares.

LOCAL DE TRABALHO: Escola de música CLAM

IDADE: 42

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA:

Eu pretendo aplicar meus conhecimentos acadêmicos na minha vida

profissional. Gravei recentemente um CD com a cantora Claudette Soares

atuando como instrumentista, arranjador e orquestrador, este último

aplicando os conhecimentos fornecidos pela faculdade. Meus objetivos

seriam continuar meus estudos de composição, orquestração e tentar fazer

um mestrado e doutorado nos EUA no curso de música. Quem sabe possuir

uma própria big band de jazz.

Rodrigo Alexandre SperandioRodrigo Alexandre SperandioRodrigo Alexandre SperandioRodrigo Alexandre Sperandio

PROFISSÃO: Músico

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: Atuação como músico em turnês nos anos de

2000 a 2006 nos EUA, fazendo bailes de carnaval e chorinho; em estúdios

de gravação particulares em São Paulo (capital e interior), Rio de Janeiro e

Minas Gerais; free lance como músico intérprete e contratado para várias

bandas e artistas amadores e profissionais. Atuação como professor na

Escola de música Solar das Artes em Rio Claro e aulas particulares em São

Paulo e Rio Claro.

IDADE: 32 anos

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA: Continuar exercendo o que

faço atualmente.

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176

Adriana Agostini MelloAdriana Agostini MelloAdriana Agostini MelloAdriana Agostini Mello

PROFISSÃO: Professora

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: Atuação como instrumentista e cantora em

grupo vocal, banda e orquestra. Professora de música.

LOCAL DE TRABALHO: Escola Waldorf Francisco de Assis

IDADE: 26 anos

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA: Desenvolver minha

musicalidade e capacidade de reflexão acerca da música. Enquanto

professora, contribuir para este processo nos meus alunos de maneira

interessante e prazerosa.

6666.4.4.4.4 DDDDescrição escrição escrição escrição da pesquisada pesquisada pesquisada pesquisa

A parte de campo da pesquisa consistiu em utilizar a primeira parte de

cada aula de didática, para congregar o grupo, realizar um breve

relaxamento e uma Escuta Musical Sensível73, na finalidade de reintegrar as

dimensões sensoriais, afetivas e intelectuais, preparando o trabalho

reflexivo subseqüente da aula.

A utilização de uma estratégia de Escuta Musical no curso de Didática

do ensino musical, tão diretamente implicado na ação profissional futura dos

alunos, decorre de uma constatação: é necessário humanizar o processo de

ensinar/aprender. Humanizar tal processo significa, primeiramente,

compreender o processo educacional como uma relação entre seres

humanos, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao

aprender”, diria o grande mestre Paulo Freire (1998, p. 25).

Ensinar/aprender não é apenas um ato de relacionamento humano, é uma

73

Entendo por escuta musical sensível um tipo de escuta intencional, na qual o indivíduo

tem por intenção entregar-se e ser tocado pela vibração sonora, vivendo a experiência

direta do sensível que desperta emoções e o imaginário.

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177

troca que se reveste de intensa beleza, a beleza da descoberta e da

construção do conhecimento na partilha, “podemos tratar das idéias, dos

fatos, e dos problemas, com rigor, mas sempre num estilo leve, próximo ao

dos dançarinos, um estilo amistoso”, diria ainda o grande mestre (FREIRE,

1997, p. 13).

Então, para educar é necessário ser sensível e aberto, e despender

tempo na construção do ser humano sensível. As estratégias

transdisciplinares de Sentipensar levam para a sala de aula essa

possibilidade, pois antes de serem alunos, os participantes são reconhecidos

como seres humanos sensíveis que se relacionam. Não é possível ensinar,

nem aprender fora da beleza e da sensibilidade.

Por outro lado, a estratégia de Escuta Musical é uma possibilidade

privilegiada de unir discurso e ação, teoria e prática, os três pilares do

Sentipensar confirmam essa possibilidade: sentir, pensar, agir.

A realização dessa estratégia inicial de aula se deu ao longo de dois

semestres, perfazendo um total aproximado de 32 aulas, com a participação

do grupo de alunos de Didática que se manteve o mesmo, ao longo desse

período.

Eu seria um dos participantes do grupo utilizando-me de uma

estratégia básica de coleta de dados: a observação participante, e a tomada

sistemática de notas após as aulas. Durante a aula, eu não adotaria, em

tempo algum, a postura do pesquisador, mas sim, participaria do grupo com

organicidade.

Fazia parte do conteúdo do curso discutir o conceito de Sentipensar,

em especial no primeiro semestre, quando se estudasse a visão Eco-

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178

sistêmica do aluno e dos processos educacionais. Os alunos estavam,

portanto, informados sobre o porquê de nossas praticas sensibilizatórias ao

inicio da aula; e, poucas aulas depois, vieram a saber que tais experiências

seriam objeto de estudo em minha pesquisa de doutorado, nos colocamos de

acordo sobre isso.

6.4.1 6.4.1 6.4.1 6.4.1 A estratégia inicial de A estratégia inicial de A estratégia inicial de A estratégia inicial de EEEEscuta scuta scuta scuta MMMMusicalusicalusicalusical

A cada aula se utilizou para iniciar uma estratégia de Escuta Musical,

com duração aproximada de quinze a vinte minutos, constituída pelos

seguintes momentos:

1. Reunião do grupo ― de pé, em círculo, de mãos dadas, olhos fechados,

luzes apagadas;

2. Concentração ― por breves momentos, no ritmo respiratório, e na

postura corporal;

3. Alongamento e espreguiçamento ― intuitivo de cada participante, de

acordo com a percepção daquilo que o corpo necessita para entrar em

ação;

4. Relaxamento – estando sentados nas cadeiras, em círculo, postura

ereta, mas relaxada, de olhos fechados, tinha início um relaxamento

de aproximadamente 5 a 7 minutos, conduzido por mim, utilizando

uma das seguintes estratégias:

a. Relaxamento progressivo do corpo, no qual eu conduzia a ação

citando as partes a serem relaxadas;

b. Visualização de partes do corpo e órgãos internos,

sincronizando ao ritmo respiratório; a atividade poderia ser

conduzida por mim, ou, cada aluno poderia realizar mentalmente

seu próprio processo.

5. Escuta Musical Sensível – ainda sentados, durante alguns minutos,

três a sete aproximadamente, os alunos dedicavam-se à escuta

musical, com a intencionalidade de tornarem-se sensíveis e

receptivos à vibração sonora.

6. Despertar – início da programação curricular normal do dia. O nome

dessa etapa deve-se à observação do estado dos alunos após a

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179

escuta, aparentando total relaxamento, como se houvessem estado

em algum outro lugar, possivelmente, nas profundezas do ser de cada

um.

���� Sobre a escolha e utilização das músicas

Preferências musicais, individuais e subjetivas têm forte impacto

emocional, desencadeando efeitos fisiológicos diversos. Segundo Zatorre

(2005, p. 315), “fatores culturais e sociais têm claramente papéis

importantes na modulação de nossas respostas emocionais à música”74.

Freqüentemente, negamos o gosto musical que não corresponda ao nosso, o

exemplo típico é o que ocorre entre adolescentes e seus pais.

Num estudo realizado com adolescentes, citado por Esch (2005, p.

11), ao ouvir música de sua preferência, os sujeitos tinham o hemisfério

esquerdo ativado (região frontal e temporal); por outro lado, ao ouvir música

da qual não gostavam, ativam-se as mesmas áreas do hemisfério oposto. A

região frontal anterior esquerda e o giro cingulado (sistema límbico) são

ativados com a escuta de música prazerosa. Quando a música não causa

prazer ou traz desconforto, são regiões do hemisfério direito que se ativam,

em especial, a amígdala, responsável pelo processamento do medo e da

ansiedade.

O aspecto mais difícil nessa escolha foi, para mim, justamente o fato

de estar diante de um grupo de pessoas – os sujeitos ― e de saber que as

preferências musicais variam bastante de pessoa para pessoa, como

explicam Panksepp e Bernatzky (2002, p. 151): “as preferências são

altamente individualizadas e idiossincráticas, e a escolha de itens pode

74

Tradução da autora.

Page 180: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

180

necessitar ser talhada da melhor forma para cada indivíduo”75. No caso, a

escolha foi minha, parti de minhas preferências que naturalmente já haviam

sido partilhadas com outras pessoas que, como eu, também se sentiam

tocadas por essas músicas. Tive que deduzir que as sensações dos sujeitos

não se afastariam tanto das minhas próprias; além do mais, eu era um

elemento participante do grupo. Essas deduções vieram a se confirmar na

prática, pois, muitas vezes, os alunos solicitaram cópia das músicas

utilizadas por considerarem-nas belas, tocantes e adequadas para a

finalidade. As músicas escolhidas (vide Anexo 2) obedeciam aos seguintes

critérios:

- Qualidade estética;

- Caráter encantatório ou plano – a maior parte das músicas utilizadas

tem esse caráter, decorrente das seguintes propriedades musicais:

andamento de moderado a lento, suavidade (em alguns casos,

substituída ou complementada pela diafaneidade), ausência de

contrastes, uniformidade do timbre, maior liberdade no uso do

parâmetro tempo; em todos os casos, a beleza das linhas melódicas,

ou uma qualidade temporal especial, torna-se crucial na avaliação

emocional da música;

- Duração entre três a sete minutos.

Durante os quatro primeiros momentos descritos acima (reunião,

concentração, alongamento e relaxamento), uma música de fundo estava

sempre soando. Em seguida, no quinto momento – Escuta Musical Sensível –

parte da mesma música ou outra música era escolhida para esse trabalho de

75

Tradução da autora

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181

escuta intencional, focalizada no caráter sensorial da música e em como

esse caráter nos afeta.

6.6.6.6.4.4.4.4.2222 Instrumentos de coleta de dados utilizadosInstrumentos de coleta de dados utilizadosInstrumentos de coleta de dados utilizadosInstrumentos de coleta de dados utilizados

� Observação participante

Inseri-me no grupo de alunos de Didática, da Faculdade Carlos

Gomes, como professora e como participante ativa de todas as atividades.

Tal procedimento é habitual em aulas de música e iniciação musical infantil:

o professor participa ativamente da ação, em muitos momentos. Nas aulas

de Didática, e em especial no segundo semestre, havia uma parte

substancial de prática, pois para fazer a panorâmica das metodologias de

ensino musical havíamos escolhido as seguintes categorias de observação:

Contextualização histórica, Pressupostos e princípios filosóficos,

Procedimentos didáticos utilizados. Dessa forma, alternavam-se aulas

teóricas expositivas, algumas vezes com transparências, ou discussão em

cima de algum texto do referido pedagogo; nas aulas seguintes, vivenciava-

se um ou alguns dos procedimentos propostos pela metodologia. Esses

momentos foram muito ricos para a produção musical e sintonia do grupo.

Teria sido ideal gravar tudo isso, porém, a profusão de dados seria

inadministrável; por essa razão, optei por participar totalmente do processo,

numa forma de imersão, e realizar as observações e reflexões escritas, logo

em seguida, no mesmo dia. No entanto, a riqueza das vivências era tão

grande que o papel não poderia dar conta de tudo isso, de tal maneira que a

memória ― o que ficava de sensações e sentimentos dentro de mim, em

relação à experiência, eram ainda mais determinantes.

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182

� Rodas de conversa

A cada atividade terminada, se abria a roda de conversa e cada um

podia expor o que havia sentido, como havia vivenciado a experiência,

trocar com os colegas vários tipos de informações e memórias sensoriais;

eram momentos muito ricos, com exposição das impressões e sentimentos

de cada um, e também das dúvidas e de algumas críticas; nesses momentos,

eu aproveitava para estabelecer as pontes com os pressupostos teóricos

estudados. Essas rodas de conversa contribuíram decisivamente para a

sintonia do grupo.

� Dinâmicas, atividades práticas e modelos de improvisação.

Muitas dessas atividades, criativas e expressivas, exigem algumas

vezes elevado grau de exposição por parte do aluno, seja para improvisar,

para colocar-se criativamente, tomar uma iniciativa, entre outras situações

de exposição. A vivência dessas dinâmicas foram momentos marcantes,

possibilitaram tomadas de consciência, transformações e me

proporcionaram uma forma de perceber a maneira pela qual o Sentipensar

estava se encaminhando com esse grupo; algumas delas serão comentadas

na análise dos dados.

Um rio nunca é o mesmo rio, e não é possível apertar a mesma mão

duas vezes; eu diria também que não foi possível reencontrar o mesmo

grupo a cada aula acontecida nesse Curso; o processo de transformação

interior vivenciado pelos alunos foi intenso, tanto quanto a revisão de idéias

e o direcionamento para uma renovação total de paradigma na forma de

lidar com a Educação. A espiral tornou-se mais complexa a cada volta,

caracterizando um processo aberto de pesquisa.

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183

� Depoimento oral por parte dos sujeitos

A riqueza do processo vivenciado pelos sujeitos da pesquisa, ao longo

desses dois semestres de trabalho, foi tão grande que passei a ter um

problema: como eu ria lidar com os dados e que categorias de observação

seriam escolhidas? Esse foi o momento para mais uma emergência; decidi

utilizar algum outro instrumento de coleta de dados, não previsto

inicialmente, que possibilitasse agregar um pouco as percepções dos

sujeitos e as minhas também, e ainda, que facilitasse uma forma de obter

dados comparáveis. O momento de avaliação final do curso pareceu-me

ideal, teríamos uma conversa para avaliar o curso, baseada numa pergunta,

sobre a qual cada aluno deveria discorrer. Passei um tempo pensando que

pergunta seria essa, pois eu desejava, na verdade, mais do que avaliar o

curso: perceber se a estratégia inicial de Escuta Musical havia sido

significativa para eles e por quê. Reservei as duas últimas aulas do curso

para realizar esta estratégia, caso não se conseguisse em uma única aula.

Acabei optando por uma metáfora; através de uma pergunta simbólica

eu acreditava que poderia ter acesso à informação que eu queria; partimos

da questão já mencionada anteriormente: “Caso o curso que estamos

terminando fosse uma música, que música seria?” Como se verá na análise

das respostas, a estratégia de Escuta Musical foi evocada várias vezes, de

forma espontânea, sem que qualquer referência de minha parte tivesse sido

feita, o que torna essas percepções dos alunos ainda mais valiosas para

minhas finalidades (vide Anexo 3). Na gravação dessa conversa, há uma

primeira parte, na qual os alunos se expressam livremente, tentando

associar as práticas de sala de aula a alguma música, e elaborando

explicações sobre o porquê das escolhas. A síntese do que foi esse

Page 184: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

184

encontro do grupo encontra-se na abertura deste Capítulo na parte

intitulada Cenário Transdisciplinar.

� Uma improvisação: a música do grupo

Durante essa avaliação, várias emergências tiveram lugar; a primeira,

como relatado anteriormente, quando um aluno, em vez de citar uma música

decidiu tocá-la; a segunda, quando eu mesma tive a idéia de fazer acontecer

a música do grupo; essa música, embora em linguagem de sons, plasma

todos os princípios educacionais que se veio estudando, e constitui-se no

mais belo registro de dados dessa pesquisa, muito embora em linguagem

não-referencial; além disso, essa improvisação consolida e torna memorável

a sintonia, a dialogicidade, a forma de comunicação fina que se estabeleceu

entre todos. A gravação desse belo momento encontra-se inclusa nessa

tese, no Anexo 1. Essa percepção não é apenas minha, como ilustra o

depoimento da aluna, um dos sujeitos da pesquisa:

Neste momento, vi a teoria inserida na prática, pois muito do

que estudamos em sala se refletiu nesta composição.

Conceitos, idéias dos pedagogos e o próprio conhecimento

construído pelo grupo. Os instrumentos convencionais e não-

convencionais foram bem explorados, além de terem sido

utilizados de forma criativa, personalizada, com liberdade.

Também diria que praticamos algo pré-figurativo, onde a

improvisação partiu de uma idéia e foi se constituindo de

forma aberta, livre. A música foi surgindo naquele momento

presente e a partir das idéias de cada elemento que iam sendo

lançadas e complementadas se formou uma grande teia, algo

único dentro da diversidade que cada colega trazia. Fizemos

uma improvisação coletiva realmente interessante.

Page 185: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

185

� Questionário semi-estruturado

Agora eu tinha em mãos um material mais precioso ainda, e um pouco

mais focalizado, do que havia sido o conjunto de nossas práticas ao longo de

dois semestres. No entanto, nem todos os alunos haviam se expressado

sobre a questão da estratégia inicial de escuta de forma clara, mesmo

depois de eu ter feito uma pergunta direta sobre isso, durante aquele último

encontro; no momento em que coloquei a questão, o grupo já estava se

preparando para a festa de encerramento, alguns já estavam dispersivos ou

cansados, como era natural depois de viver experiência tão intensa; além do

mais, o número de alunos me pareceu um pouco elevado para realizar a

tabulação dos dados, por isso, depois de vários meses, no transcorrer da

pesquisa, optei por realizar um questionário semi-estruturado, perguntando

dessa vez exatamente o que eu queria saber. Seis alunos disponibilizaram-

se a responder e tornaram-se efetivamente os sujeitos da pesquisa. Esses

alunos foram os únicos presentes a todas as estratégias utilizadas. A seguir,

apresento o questionário proposto aos alunos:

Título provisório da pesquisa: ESCUTA MUSICAL: uma estratégia

transdisciplinar privilegiada para o Sentipensar

Trata-se de uma pesquisa centrada no conceito de Sentipensar, termo cunhado por Saturnino de la Torre (catedrático em criatividade

da Universidade de Barcelona). O Sentipensar é a conjugação de

pensamento e sentimento no processo educacional. Acredito que a

escuta musical seja uma boa estratégia para potencializar essa fusão.

Vocês me dirão. O pano de fundo filosófico é oferecido pelas teorias

da Complexidade e da Transdisciplinaridade.

Por favor, preencha os dados abaixo:

NOME:

PROFISSÃO:

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL (sintético):

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186

LOCAL DE TRABALHO:

IDADE:

PROJETO DE VIDA EM RELAÇÃO À MÚSICA:

Por favor, responda, por escrito, às questões abaixo:

1. Transcorridos vários meses do final da disciplina Didática do

Ensino Musical, ministrada na Faculdade de Música Carlos Gomes,

que lembrança marcante você conserva dessa experiência?

2. Normalmente, as aulas se iniciavam com uma estratégia especial,

envolvendo a Escuta Musical. Você sente que essa abertura da aula

pudesse ter influência sobre as atividades subseqüentes? Que tipo de

influência?

3. Você deve se lembrar que ao final do curso, fizemos uma avaliação

do mesmo a partir da seguinte questão: Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria? A resposta resultou numa bela improvisação musical do grupo. Caso

tiver vontade de deixar algum tipo de registro escrito sobre a

experiência vivida no curso, utilize o espaço que segue abaixo. Muito

obrigada por sua participação.

As respostas dos alunos (Vide anexo 4) corroboraram amplamente

minhas percepções intuitivas iniciais que acabaram gerando o interesse em

realizar tal pesquisa sobre a Escuta Musical como uma estratégia de

Sentipensar.

A conjugação de sentimento e pensamento será evocada e confirmada

pelas falas dos alunos como se verá na análise dos dados. As respostas para

a ultima pergunta do questionário, que propunha uma forma de expressão

livre, expôs todas as características transdisciplinares da estratégia,

desnudando as subjetividades, abrindo novos horizontes e, mais que tudo,

fazendo aflorar indescritível beleza.

Page 187: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

187

7.7.7.7. AAAAnánánánálise dos dadoslise dos dadoslise dos dadoslise dos dados

Detalhe da árvore sonhadora Tatiana Clauzet

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188

7.7.7.7.1111 Categorias para aCategorias para aCategorias para aCategorias para análise dos dadosnálise dos dadosnálise dos dadosnálise dos dados

Compreender o Sentipensar tendo como pano de fundo a

Complexidade, a Transdisciplinaridade, e dados atuais da pesquisa científica

sobre cognição musical, me coloca, sem dúvida alguma, um enorme desafio:

fazer um recorte da realidade, contextualizando eventos e situações num

todo maior, sem, no entanto, reduzi-la ou falseá-la. Naturalmente, a

dificuldade se encontra tanto no recorte quanto na escolha de focos de

observação que possam levar a respostas sobre a pergunta de pesquisa.

Uma multiplicidade de aspectos pode ser considerada, e vir a constituir-se

em categoria de análise dos dados, pois, parte-se de uma realidade

multidimensional atuada por seres humanos multidimensionais. A tarefa é

grandiosa e exige humildade; por mais profunda que possa ser a reflexão,

não será mais do que aquilo que consigo perceber a partir de minha

estrutura cognitiva.

O mesmo ocorre na definição dos instrumentos de coleta de dados,

como visto anteriormente, dados não são apenas coletados, mas sim, se

constroem na relação intersubjetiva, que passa a existir entre as pessoas e

se alteram na própria recursividade do processo. Além de tudo isso, uma

pesquisa de desenvolvimento Eco-sistêmico não pode prescindir da

subjetividade que caracteriza a complexidade humana: sentimento, emoção,

intuição, sensibilidade, escuta sensível e todos esses processos existindo de

forma encarnada, integrados na corporeidade.

Os dados que serão analisados de forma atenta, a seguir, foram

obtidos em três tipos de situação: ao longo de uma vivência de forte impacto

emocional ― a avaliação final do curso de Didática ― descrita ao início do

Page 189: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

189

Capítulo 6, que resultou numa improvisação musical coletiva; através de

respostas individuais dos sujeitos a um questionário com três questões,

sendo uma delas diretamente sobre o problema de pesquisa, com base em

diversas situações vividas durante o tempo da pesquisa, e por mim

documentadas.

Partindo dos pressupostos dessas grandes teorias, mas também de

minhas observações pessoais durante as práticas desenvolvidas e, de forma

significativa, das discussões com minha orientadora, é que pude me decidir,

dentre outras possibilidades, pelas seguintes categorias de análise:

Abertura do olhar; Fluxos energéticos; Dialogicidade processual;

Transcendência e Percepção da estratégia de Escuta Musical por parte dos

sujeitos.

Para manter acesa a chama da memória e o rigor na busca da

resposta ao problema de pesquisa, antes de empreender a análise dos dados

parece-me oportuno repetir, uma vez mais, a pergunta geradora: Quais as

relações existentes entre o sentir – desencadeado pela atividade integrativa

de Escuta Musical – e o refinamento da capacidade reflexiva?

7.27.27.27.2 AAAAbertura do olharbertura do olharbertura do olharbertura do olhar

Verdadeiro emblema da atitude transdisciplinar possibilitando a

mudança e a transformação, esta categoria tem importância nada

negligenciável, a ponto de Basarab haver afirmado o que segue: “se tivesse

de resumir em duas palavras o que a Transdisciplinaridade é para mim,

colocaria como epígrafe as palavras ‘atitude’ e ‘visão’” (RANDOM, 2000, p.

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190

94). A mudança de olhar sobre o mundo é também uma prerrogativa para o

Sentipensar, pois, como Maria Cândida explica:

(...) este “implica uma compreensão de formação entendida

como transformação, mudança interior, incorporação e

desenvolvimento de competências, habilidades, atitudes,

valores e crenças (...) implica processos e interações entre o

mundo interior do sujeito e os estímulos exteriores, mediados

pela ação docente”76 (informação verbalizada)

A partir disso é que me pareceu fundamental perceber se a abertura

para a mudança se fez também presente nos sentimentos dos sujeitos dessa

pesquisa. Todos eles relataram haver passado por transformações

profundas, a partir do que vivenciaram durante o tempo da pesquisa,

relacionadas a seu desenvolvimento pessoal, profissional, às relações

interpessoais e à construção do conhecimento, entre outras, caracterizando

uma verdadeira mudança de paradigmas. As falas dos sujeitos anunciam a

abertura do olhar:

Espero que a música e o ensino musical sigam esse caminho e

que todos nós possamos quebrar e criar novos paradigmas.

QUEBRAR TUDO é CONSTRUIR TUDO. (Giba) (o grifo é do

sujeito)

(...) você plantou em cada um de nós alguma coisa, e eu acho

interessante é que cada um de nós está saindo daqui com uma

visão diferente, cada um com o seu pensamento, com a sua

forma de ver. (Matheus)

(...) fez com que eu enxergasse de outra forma, já foi plantado

na minha cabeça que a visão que eu preciso ter em termos da

educação ou em termos de música já é outra. (Rodrigo)

76

Fala de Maria Cândida Moraes em reunião de orientação.

Page 191: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

191

Ao longo desse escrito, considerou-se uma série de possibilidades de

transformação da visão de mundo. Primeiramente, a Complexidade que, ao

conciliar opostos e considerar a trama de eventos na qual nos inserimos,

resgata uma visão do todo; em segundo lugar, a proposta do Sentipensar,

que propõe a concepção de um ser humano multidimensional; e, a

Transdisciplinaridade que, mais do que teoria ou princípio, incita a

transformar atitudes e olhares e a perceber o sentido de estar aqui e agora.

A grande contribuição da Transdisciplinaridade para a vida e para o

processo educacional é a lógica do Terceiro Incluído, uma “lógica da

contradição”, na qual se torna possível uma “complementaridade

contraditória” (LUPASCO, 1941, p. viii), e a conciliação de opostos

aparentemente inconciliáveis, através de um terceiro termo T (de Terceiro

Incluído). Essa lógica não elimina a necessidade da lógica tradicional binária,

“apenas limita sua área de validade” (BASARAB, 2005, p. 40); na vida

cotidiana, continuam valendo as normas do que pode e não pode ser; é

justamente a expansão do olhar, a possibilidade de abertura o que mais

interessa. Para praticar o sentipensamento é necessário integrar e, para

tanto, questionar a Inteligência Cega, que impede a conciliação de opostos

complementares e fragmenta processos, disciplinas, visão de mundo e,

sobretudo, o ser humano que existe no aluno.

� Abertura ao processo profissional: descoberta e construção do

conhecimento

Todos os sujeitos, em algum momento, referiram-se a descobertas

pessoais, motivação e entusiasmo gerados pelo processo de construção de

conhecimento e ampliação de paradigmas. Três sujeitos citaram como

Page 192: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

192

aspecto mais marcante ― na pergunta 1 do questionário ― a possibilidade de

conhecer novos educadores:

Conhecer os educadores musicais e vivenciar seus métodos

de ensino. (Giba)

(...) conhecer educadores e pedagogos musicais que não

conhecia antes... (Rodrigo)

Achei importante a professora ter apresentado pensadores

importantes para a Educação, mesmo fora da área musical.

(Adriana)

O fluxo de mudanças importantes, que começou a operar-se na

prática dos alunos, foi realmente decisivo, promovendo alterações

substanciais em diversos aspectos da prática profissional, como por

exemplo, na busca do aprimoramento, na pesquisa de novas estratégias, no

fortalecimento da segurança, entre outros, como se depreende das falas que

se seguem:

Durante uma aula de exploração de sons do entorno da escola,

uma experiência me marcou de forma especial. O prédio ao

lado da Faculdade forma um grande paredão de reverberação.

Durante a aula, passou um helicóptero sobre a escola e alguns

de nós foram pegos pela ilusão de serem dois helicópteros, por

causa da reverberação do prédio. Essa experiência me intrigou

e me levou a estudar as técnicas de microfonação e gravação

estéreo (...) (Jaques)

(...) meus próprios alunos sentiram muita diferença, fez com

que eu desenvolvesse métodos. (Rodrigo)

(...) o que eu tiro da minha prática é que eu comecei a fazer de

novo esses registros (...) meus livros são cada vez mais

rabiscados. (Adriana)

(...) pudemos conhecer (...) propostas de nossos colegas,

como desenvolver uma aula, (...) projetos, e também (...) o

Page 193: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

193

fato deste curso ter nos proporcionado a chance de nos

avaliar também como profissionais. (Matheus)

(...) eu comecei a dar aula agora pra criança, e eu comecei a

caminhar, isso foi subsidiando mais ainda o meu jeito de dar

aula, me ajudou a ter segurança nesse caminho. (Adriana)

A improvisação foi uma experiência muito importante no meu

dia a dia (...) Lecionando, aprendi a ouvir mais meus alunos (...)

Produzindo, deixei um pouco de lado os solos que eu escrevia

antes para os músicos interpretarem, atualmente, escrevo a

cifra e peço para o músico contratado colocar sua expressão

(...) eu acabei, usando tudo que eu aprendi aqui, (...) fez a

gente olhar de outra forma (...) (Rodrigo)

(...) uma coisa que eu gravei, eu falei que pra mim cantar com

criança é muito complicado, aí você (eu) falou: porque você vai

gastar tempo fazendo uma coisa que você não faz tão bem se

você pode fazer aquilo que você faz tão bem? (Jaques)

(...) íamos para a aula com vontade de estudar e não por que

ficaríamos sem nota. (Adriana)

No segundo dia de aula com esse grupo, um evento simples que relato

a seguir, proporcionou um insight maravilhoso para que os alunos iniciassem

os questionamentos sobre suas práticas:

Solicitei a cada aluno que escolhesse um instrumento qualquer; foram

escolhidos, basicamente, pequenos instrumentos de percussão e xilofones77.

Estávamos sentados em roda, solicitei a cada aluno que improvisasse um

pequeno solo78 em seu instrumento. Todos eles tinham um paradigma sobre

como os solos devem ser, em geral, muito elaborados como no Jazz; o

primeiro aluno iniciou sua produção, em seguida, cada um dos outros;

produziam qualquer som com o instrumento, sem qualquer envolvimento

77

Instrumento de plaquetas de madeira, tocados com duas baquetas e semelhantes a pequenas

marimbas. 78 O conceito de solo instrumental em pedagogia musical é muito elástico; não é tão parecido com o

que ocorre na improvisação em jazz, ou na música popular, por exemplo. Os solos que ocorrem em

contexto educacional são, antes de tudo, formas de exploração sonora do referido instrumento ou

fonte sonora; podemos falar, por exemplo, de um solo de pandeiro, ou de um solo de caixa de

fósforos; nessa situação o aluno tem que realmente utilizar todos os seus recursos criativos para

criar algo interessante e que faça sentido para ele e para os demais.

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194

criativo ou emocional, e depois olhavam para mim com uma cara de “tudo

bem é isso aí, já fiz... e daí?”, e assim foi, com quase todos os alunos. Ao

chegar a minha vez, eu também tinha um xilofone; comecei a improvisar,

elaborando uns efeitos, tocando também a madeira lateral do instrumento, e

ainda escapando do instrumento e “tocando a mesa”, ou tocando o suporte

de metal de uma estante de partitura, e tudo isso ia se ligando às

possibilidades sonoras do xilofone; resultou num solo bem inusitado e

interessante.

Ao terminar, olhei para eles com a mesma expressão com a qual eles

tinham me olhado. Os alunos começaram a ter percepções interessantes: ”há

muito mais o que fazer com um instrumento”, “suas possibilidades podem

ser muito expandidas quando utilizados de forma não-convencional”,

“nenhum deles tinha pensado em fazer isso”, “a criatividade tinha sido muito

limitada”, e o melhor: perceberam que todas essas carências se

manifestavam também quando eles davam aula. Mais interessante que tudo

isso foi constatar que é possível mudar, é possível questionar o que se

entende por “dar aula de música” e por “solo instrumental”. Essa aula

prática promoveu uma verdadeira quebra de paradigma; não foi intencional,

e isso exemplifica o quanto esse processo foi rico em emergências.

Em outra dinâmica do mesmo tipo, colocamo-nos no centro da

reflexão sobre a construção coletiva de conhecimento:

Nesse dia, nossa vivência de Escuta Musical Sensível não versou sobre uma

música, mas sim, sobre a escuta do próprio ambiente, realizamos as etapas

iniciais (Reunião, Concentração, Alongamento, Relaxamento), em seguida,

nos sentamos e durante aproximadamente quatro minutos escutamos, de

olhos fechados, aos sons do ambiente. Essa escuta revelou-se tão musical

quanto a própria escuta de música; trata-se de uma outra perspectiva na

qual é possível atribuir status de música a tudo o que ocorre na sonosfera79

(FREGTMAN, 1989). Em seguida, os alunos, um por vez, deveriam dirigir-se

79

Nas palavras do autor da expressão: “Estamos imersos numa “sonosfera”. Esta, por si mesma,

acha-se implicada pela atmosfera terrestre, na qual o meio condutor (ar-água) e a vibração sonora

expansiva coincidem em suas origens e limites. Onde há ar há som. Onde há água há som. Onde há

vida há som.”

Page 195: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

195

ao centro da sala (onde havia um pequeno monte de folhas de papel sulfite),

pegar uma folha e voltar a seus lugares, no mais absoluto silêncio. Todos

nós ficaríamos atentos para ouvir qualquer som que fosse produzido. A

obrigatoriedade de produzir silêncio absoluto modulou todos os gestos e

movimentos, tornando-os muito mais cuidadosos, planejados e lentos; na

seqüência, comentamos essa primeira parte da aula; a alteração da dimensão

temporal foi, aliás, o que mais chamou a atenção nesse comentário. Os

alunos foram então convidados a explorar os sons que a folha poderia

produzir, durante alguns minutos, e essa sonoridade foi extremamente

contrastante com o silencio anterior, tanto quanto todas as atitudes

requeridas. Os sons foram mostrados ao grupo e reproduzidos por todos, a

partir disso, escolhemos um repertório de sons de papel com os quais

fizemos uma música, elaborada em processo coletivo, todos podendo opinar

sobre a forma de encadear os sons e de modular suas propriedades.

Novos insights tiveram lugar, afinal “o que é música?”, “Ruído também

é música? O que falta para o ruído ser música?”, “Porque é tão difícil

produzir um silêncio absoluto?”, “Por que todas essas questões ficam fora

de uma educação musical tradicional?”. Estas e outras questões foram

amplamente discutidas com base nos educadores que estávamos estudando,

Murray Schafer, George Self e H. J. Koellreutter, e nas percepções dos

alunos que não paravam de se multiplicar e enriquecer cada vez mais.

� Pesquisa e liberdade no processo criativo: a incorporação do novo

Os instrumentos convencionais e não convencionais foram

bem explorados além de terem sido utilizados de forma

criativa, personalizada, com liberdade. (Adriana)

(...) praticamos algo pré figurativo, onde a improvisação partiu

de uma idéia e foi se constituindo de forma aberta, livre

(Adriana)

As aulas de improvisação com os instrumentos pedagógicos,

podendo expressar os próprios sentimentos, e aprendendo a

explorar os sons dos mesmos. (Rodrigo)

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196

Em outra aula prática, realizamos um modelo de improvisação cujo

objetivo didático é ensinar crianças e principiantes na linguagem musical,

que os sons se escrevem da esquerda para a direita no pentagrama80 e que,

na representação gráfica, quando as notas são escritas embaixo, no

pentagrama, representam sons graves; quando escritas acima, sons

agudos. A discussão que se seguiu a esse modelo foi o mais belo exemplo

de como a prática musical pode ilustrar e tornar claros, conceitos teóricos

dos mais complexos:

Iniciei tocando alguns sons ao piano que os alunos foram representando um

a um, numa folha em branco, com pontinhos81. Esses pontos no plano

passaram a constituir uma espécie de partitura gráfica aproximativa (vide

Anexo 8), não-determinada, que pode ser executada ao piano, mas também

em qualquer outro instrumento que produza diferentes alturas82, e o

melhor, não é sequer necessário saber ler uma partitura tradicional para

tocar a partitura gráfica; por isso mesmo os iniciantes gostam muito dessa

atividade. De posse da partitura, solicitei a cada aluno que fosse ao piano e

executasse a partitura, mesmo àqueles que não eram pianistas. Ao chegar

ao piano, instrumento mitificado, os alunos hesitavam, faltava-lhes um

pouco de “coragem” para tratar o piano como um meio de expressão

através do qual é possível produzir a própria música ― um condicionamento

da formação tecnicista. Movidos, porém, pela recordação de aulas

anteriores, foram pouco a pouco se tornando mais criativos na exploração

das possibilidades do piano.

A experiência revelou-se também paradigmática e outras percepções

agregaram-se às anteriores, caracterizando ainda mais a recursividade do

processo: “é possível renovar as estratégias”, “os instrumentos são meios

para chegar à expressão”, “não é necessário sequer ser músico ou

estudante de música para encontrar sua forma de expressão”, “as

80

Pentagrama é o espaço utilizado para escrever música em partituras tradicionais, compõe-se de

cinco linhas e quatro espaços, todos utilizados na escrita musical (vide Anexo 8). 81

Vide Anexo 8. 82

Alturas são as diferentes freqüências do som, que vão do grave ao agudo. A unidade de medida de

freqüência é o Hertz (vibração/segundo).

Page 197: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

197

possibilidades expressivas são sempre muito maiores do que nossa prática

habitual”, entre muitas outras.

Em todas as experiências relatadas acima, o espírito pré-figurativo

esteve presente. Como denota a expressão, pré-figurativo é o que vem

“antes da figura”, antes da forma preestabelecida, explica Koellreutter

(1997, p. 54):

Entendo por ensino pré-figurativo um método de delinear

antecipadamente o que, provavelmente, sucederá no futuro, ou

seja, figurar imaginando. Entendo por ensino pré-figurativo um

método de delinear aquilo que ainda não existe, mas que há de

existir, ou pode existir ou se receia que exista.

O espírito pré-figurativo tem tudo a ver com “o caminho que se

constrói ao caminhar” de Antonio Machado, com o “método que não precede

a experiência” e que “supõe a presença inevitável da arte e da estratégia”

(MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003); é a obra aberta, em eterna construção,

está para a atividade artística assim como a complexidade está para a vida,

tornando-a processual, cambiante, multifacetada. O ensino pré-figurativo,

dessa maneira, prefigura e dá forma à complexidade e à

transdisciplinaridade do pensar sobre a arte.

A grande dificuldade ao lidar com alunos que são também professores

é criar as condições para que transcendam o senso comum. Ele é que torna

tão difícil promover a mudança na escola. Em sala de aula, somos o que

somos, utilizamos receitas que dão mais ou menos certo; enquanto se

alcança resultados tudo parece bem; é difícil parar, realizar a autocrítica e

se perguntar se haveria diferentes formas, mais eficientes, de realizar a

mesma ação, isso ocorre, por causa do controle “supraconsciente” de um

Page 198: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

198

paradigma, diria Morin. Idéias de senso comum, e paradigmas são assumidos

de forma acrítica, transcendem a consciência, provêm dessa região profunda

de não-resistência, como diria Basarab (2005, p. 62). Pela via da vivência

artística coletiva e da fruição de emoções, a transição pareceu iniciar-se

com mais facilidade.

A Educação tem sido tratada como um processo mecânico, no qual,

juntando-se certos componentes tidos como essenciais para a Educação ―

uma sala de aula, um professor, alunos, livros didáticos, uma seqüência

curricular muitas vezes não refletida democraticamente, um sistema

burocrático e administrativo que supervisione “o todo”, e um discurso

pretensamente emancipado ― tudo passa a funcionar perfeitamente como

uma máquina; por isso mesmo, é tão importante colocar algumas questões:

qual o sentido de nossas ações e, como educadores, qual o sentido de nossa

atuação na sociedade? Qual a medida de nossa contribuição? De que maneira

estamos contribuindo para aclarar as idéias do tempo presente? Talvez a

maior conquista para os sujeitos dessa pesquisa tenha sido a oportunidade

de se colocar tais questões, a cada dia.

7.37.37.37.3 FFFFluxos energéticosluxos energéticosluxos energéticosluxos energéticos

Os fluxos de energia estiveram constantemente presentes, ao longo

de todas as ações práticas nesta pesquisa, “gerados pela emoção que

circula, pela empatia, pela mediação, pela vibração dos sons, pelo silêncio”

(informação verbalizada)83, foram responsáveis por alguns dos momentos

mais intensos vividos pelo grupo no decorrer da pesquisa; fluxos de energia

83

Fala de Maria Cândida Moraes durante reunião de orientação.

Page 199: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

199

e informação caracterizam também diversos princípios da Complexidade,

representam ao mesmo tempo a conexão, a sinergia e a possibilidade de

transformação criativa, através de processos realimentadores. Por essa

razão, me pareceu importante saber como os sujeitos perceberam essa

conexão e como foram por ela afetados.

Os fluxos energéticos foram enfaticamente percebidos por todos os

elementos do grupo como uma unidade energética, construída e

realimentada a cada aula. No questionário e na gravação da avaliação, cinco

sujeitos manifestaram-se de forma clara sobre isso:

(...) a improvisação veio para confirmar a total integração do

grupo, (...) aquela sala era como uma outra dimensão, onde

éramos inalcançáveis diante de uma energia intensa, tanto que

ao final da aula, algumas pessoas eu lembro que comentaram

sobre o calor que estava no ambiente. (Matheus)

Os períodos de audição e relaxamento foram importantíssimos

para sintonizar o grupo e permitiram um assentamento e

focalização das energias. Era nítido que mesmo os que

chegavam depois de iniciado o processo e ficavam assentados

fora da roda se sentiam magnetizados pela experiência.

(Jaques)

A música foi surgindo (...) e a partir das idéias de cada

elemento que iam sendo lançadas e complementadas se

formou uma grande teia, algo único dentro da diversidade que

cada colega trazia. (Adriana)

(...) todos nós, alunos e professor, fizemos o som único. (Giba)

A ligação sonora com vários indivíduos e a comunicação feita

numa esfera onde a racionalidade ficava subjugada pelas

sensações. (Jaques)

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200

� Um fluxo perpassando o ambiente...

Da Biologia à Cosmologia, dos sistemas mecânicos às sociedades, a

entropia tende sempre a crescer. A entropia representa a tendência à

desordem que caracteriza a todos os seres vivos. Os organismos, por

exemplo, são sistemas submetidos a essa lei; são, no entanto, sistemas

abertos que trocam, o tempo inteiro, matéria, energia e informação com o

meio ambiente, ou seja, fluxos de energia, que os percorrem, os

realimentam e os reorganizam. Por um lado, existe um ciclo entrópico

positivo levando à desorganização crescente; por outro lado, neguentropia

(entropia negativa) reconduzindo o sistema à ordem, através de fluxos

realimentadores; entropia e neguentropia mantêm o fluxo orgânico num

equilíbrio dinâmico que caracteriza a vida, por isso os organismos

necessitam alimentar-se, ingerir água e ar realimentando constantemente o

processo metabólico. Esse equilíbrio dinâmico, que implica em constante

transformação e movimento, sustenta o fluxo da vida.

As sociedades também se alimentam de fluxos culturais e criativos,

ou seja, de tudo aquilo que se produz. Relações sociais são complexas e

assumem diversas formas oscilantes, recursivas; o equilíbrio social é frágil

e se altera de formas imprevisíveis. Freqüentemente, as sociedades se

situam à beira do caos; momentos de flutuação e instabilidade se

apresentam e exigem a escolha de caminhos, a tomada de decisões; a

sociedade fornece um exemplo cabal de processo em andamento com

capacidade autocriadora.84

84

Este parágrafo faz alusão à Teoria das Estruturas Dissipativas, de Ilya Prigogine, que, originada na

Química, se transfere aos fenômenos sociais possibilitando belas metáforas.

Page 201: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

201

Na música, também se encontram ótimos exemplos. Todas as

experiências musicais aqui descritas se alimentavam de um fluxo

energético: os sons produzidos pelos improvisadores. Modelos de

improvisação funcionam como estruturas de flutuação, percorridas por um

fluxo energético; estão sujeitos a regras organizacionais e relacionais; os

participantes devem obedecer a certas consignas e, sobretudo, ouvirem-se

mutuamente; a escuta é alimentadora e retroalimentadora da prática.

Momentos de caos sobrevêm ― quando todos os elementos musicais estão

presentes ao mesmo tempo ―; uma escolha se impõe, um ponto de

bifurcação, no qual se opta, muitas vezes intuitivamente, por um caminho;

novos motivos e elementos musicais entram no fluxo gerando um novo

equilíbrio. Na música produzida pelos sujeitos dessa pesquisa, diversos

momentos desse tipo tiveram lugar, gerando sempre novidades absorvidas

pelo fluxo de criação e saindo dele da mesma forma como entraram.

Pelo menos um dos sujeitos referiu-se à manifestação concreta da

energia durante a avaliação do curso, em forma de calor:

(...) aquela sala era como uma outra dimensão, onde éramos

inalcançáveis diante de uma energia intensa, tanto que, ao

final da aula, algumas pessoas eu lembro que comentaram

sobre o calor que estava no ambiente. (Matheus)

“Toda transformação, todo trabalho libera calor” (MORIN, 2005, p.

53), e isso é precisamente o que se vivenciou na avaliação do curso: intenso

trabalho criativo. Na ausência de trabalho, “sobrevém o equilíbrio térmico,

decorrente da falta de energia, também chamado por Morin “morte térmica”,

e o frio. Desde tempos primeiros, a energia do calor é uma necessidade

Page 202: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

202

vital - calor físico e calor simbólico - como explicam Panksepp e Bernatzky

(2002, p. 143):

(...) quando estamos perdidos, nos sentimos frios, não

simplesmente fisicamente, mas também talvez neuro-

simbolicamente como conseqüência do abandono social. (...)

Esse pode ser um dos caminhos naturais para se promover

reuniões; a experiência da separação pode evocar desconforto

termoregulatório o qual pode ser aliviado pelo “calor” social de

voltar a estar junto.85

Ao final da improvisação, naquele dia inesquecível, alguém gritou

“quebra tudo” e outros entraram no mesmo refrão, a música cresceu,

tornou-se criativamente caótica, um crescendo energético tomou conta do

grupo, a temperatura subiu e o som terminou deixando no grupo uma

transbordante sensação de euforia.

� A experiência do fluxo

Uma dessas situações transcendentes, para a qual as estratégias do

Sentipensar abrem caminho, é aquela que melhor se manifesta quando se

vivencia um momento branco. Trata-se de um momento especial do ser, no

qual se experimenta o fluxo criativo, a sensação de sentir-se uno e em

harmonia com o cosmo. Torre e Moraes o definem como “uma síntese

integradora do global e do particular, o instante atemporal, a confluência do

emocional e do cognitivo” (MORAES; TORRE, 2004, p. 55). Csikszentmihalyi

(1992, p. 67) o denomina experiência máxima:

(...) trata-se de situações, nas quais a atenção pode ser

livremente investida para alcançar as metas pessoais, porque

não existe desordem a ser corrigida, nem ameaça contra a qual

85

Tradução da autora.

Page 203: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

203

o self precise defender-se. Chamamos a esse estado

experiência do fluir porque é um termo usado por muitas das

pessoas que entrevistamos para descrever como se sentem

quando em sua melhor forma; “Era como flutuar”; “Eu fluía

junto com a coisa”. É o oposto da entropia psíquica – na

verdade, algumas vezes é chamada de neguentropia ― e

aqueles que a alcançam desenvolvem um self mais confiante e

mais forte, porque uma quantidade maior de sua energia

psíquica foi investida com sucesso em metas que eles próprios

decidiram atingir.

Muitas vezes as preocupações da vida diária seqüestram os

pensamentos e introduzem desordem na psique ― os fenômenos de

consciência também estão sujeitos aos fluxos entrópicos ―; ao se colocar, de

alguma forma, ordem na consciência, vivencia-se a experiência de estar “no

comando de nossa energia psíquica”, sente-se o fluir (CSIKSZENTMIHALYI,

1992, p. 91). É raro se tornar “inalcançável”, “magnetizado”, “focalizado” e

produzir “o som único”, como disseram os sujeitos, isso ocorre quando

episódios de entropia que interferem no curso livre da energia psíquica são

afastados, ou seja, na experiência de fluir, quando, temporariamente, nos

libertamos do self. Entrar em outro plano de consciência, perder a noção do

tempo, tais sensações eram vivenciadas após os momentos de escuta e de

produção sonora conectiva.

� A conexão que permanece no tempo

Todos os sujeitos da pesquisa referiram-se à conexão que a partir

daquele ano passaria a nos ligar de forma íntima e irreversível, cinco deles

de forma direta, a exemplo das falas que seguem:

(...) terminar simbolicamente porque nunca vai terminar, (...) vai

estar sempre ao nosso redor, (...) vou estar sempre envolvido com

Page 204: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

204

isso, mesmo não estando presente nas aulas, não tendo mais as

aulas. (Rodrigo)

Essa forma de comunicação direta com vários ao mesmo tempo

(praticamente contrapontística) é irreprodutível pela linguagem

verbal. (Jaques)

(...) outra música que eu acho faz parte do curso é “Canção da

América”. (Matheus)

Durante a avaliação final do curso, Matheus escolheu para tocar duas

músicas: “Brincar de viver”, de Guilherme Arantes, e “Canção da América”,

de Milton Nascimento (vide Anexo 5); as duas canções falam do valor da

amizade, da permanência, e da conexão: “Como sou feliz, eu quero ver feliz

quem andar comigo”, “Amigo é coisa pra se guardar, no lado esquerdo do

peito, mesmo que o tempo e a distância digam não”. Eu também pude sentir

que estaríamos, de alguma forma, conectados para sempre.

A Física Quântica permite explicar esse sentimento de forma

concreta, e mais que isso, poética: “as coisas que estiveram alguma vez em

contato continuarão estando em contato ao longo do espaço e do tempo”

(MCTAGGART, 2006, p. 20).

Como demonstrado no princípio da não-separabilidade, partículas

subatômicas que tenham interagido alguma vez permanecerão conectadas

para sempre, mesmo separadas por longas distâncias ― é a memória da

natureza. A realidade subatômica revela que a matéria só pode ser

compreendida como uma teia de interconexões; esse mundo constitui um

outro plano de realidade no qual não existem objetos sólidos. Caso

pudéssemos nos reduzir às dimensões de uma partícula subatômica, não

veríamos objeto sólido algum, seriam mais e mais partículas, às quais

estaríamos ligados. Na dimensão quântica não se privilegia a diferença;

Page 205: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

205

todas as partículas são iguais e, unindo-se umas às outras, constituem a

matéria. Essa é a mais bela metáfora a serviço da Educação e da vida.

7.7.7.7.4444 Dialogicidade processualDialogicidade processualDialogicidade processualDialogicidade processual

Precisamos respeitar as necessidades que nosso cérebro emocional tem de harmonia e ligação. Não há

como reverter o que a evolução nos fez querer e sentir nos relacionamentos.

David Servan-Schreiber

Essa categoria procurará analisar o diálogo em alguns de seus

aspectos essenciais: o diálogo como fonte de aprendizagem, a relação

dialógica professor-aluno, e o diálogo como partilha da intimidade; serão

considerados os efeitos benéficos de ser ouvido e aceito por um grupo, a

catarse da expressão no coletivo, e a imensa contribuição trazida pelas

trocas e aprendizagens mútuas.

� O diálogo como fonte de aprendizagem: a relação professor-aluno

A troca e diálogo foram citados nas respostas ao questionário 14

vezes. Durante a avaliação final do curso, questões referentes ao diálogo

foram citadas oito vezes e duas músicas que valorizam a amizade e a

conexão entre as pessoas foram lembradas. No questionário, aparece como

um dos aspectos mais marcantes, para quatro sujeitos:

(...) as discussões, as idéias que eram trocadas, o quanto

pudemos conhecer as propostas de nossos colegas...

(Matheus)

Page 206: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

206

O modo como a Profa. Enny conduziu o curso e sua grande

humanidade em relação aos fatos do cotidiano, partilhando

alegria, dúvidas e tristezas com seus educandos. (...) A

liberdade de colocar minhas idéias e experiências musicais e

partilhar com meus colegas de classe a vivência de cada um.

(Giba)

A primeira lembrança (...) os diálogos realizados em círculos,

discutindo assuntos com os amigos de classe e o professor.

(Rodrigo)

Foi gostoso participar deste grupo e ver os colegas

crescendo junto, construindo o conhecimento e com a ajuda

da professora, fazendo relações da teoria com a prática.

(Adriana)

O diálogo é o primeiro passo na aprendizagem da escuta do outro. Não

há como falar do diálogo sem pensar na dialogicidade de Paulo Freire,

proposta por ele como forma de mediar a relação professor-aluno e a

construção do conhecimento. Os sujeitos dessa pesquisa também evocaram

o mestre ao fundamentar suas escolhas:

(...) como Paulo Freire fala, “vem, deposita, é isso, tchau”, não

é bem assim, então, eu acho que essa é a essência... (Rodrigo)

(...) você não deu a receita do bolo, pronto: dois quilos de

açúcar, não, mas a gente foi construindo (...) com essa leitura

desses pedagogos, desde o Paulo Freire até os musicais (...),

eu fui montando, isso foi subsidiando mais ainda o meu jeito de

dar aula. (Adriana)

Quando somos ouvidos aprendemos a ouvir sempre que não estejamos

subjugados pelo ego ou apegados ao vício magistocentrista. Paulo Freire

desistiu da carreira de advogado por “não ser capaz de violentar o ser do

Page 207: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

207

outro”86 e por acreditar que todos têm conhecimento. A partir dessa

perspectiva filosófica, abandona-se a prática da “alienação da ignorância” –

crença segundo a qual a ignorância está sempre no outro (FREIRE, 1997, p.

58). A fala que segue é eloqüente nesse aspecto, e demonstra como o

sujeito aprendeu a confiar no saber de seus músicos:

A improvisação foi uma experiência muito importante no meu

dia a dia (...) Lecionando, aprendi a ouvir mais meus alunos,

suas idéias, suas interpretações, suas expressões (...)

Produzindo, deixei um pouco de lado os solos que eu escrevia

antes para os músicos interpretarem; atualmente, escrevo a

cifra e peço para o músico contratado, colocar sua expressão e

sua interpretação diante do que ele está ouvindo e sentindo...

(...) eu acabei, usando tudo que eu aprendi aqui, principalmente

com a professora que fez a gente olhar de outra forma, não vir

e depositar, né? (Rodrigo)

Do ponto de vista da Complexidade, a Educação é compreendida como

um sistema dinâmico; os processos de ensinar e aprender não são exatos,

nem estáticos, mas sim, incorporam a contradição e a transformação. A

Educação é um desses sistemas e depende do fluxo nutriente que se

estabelece entre os alunos, entre estes e o professor e, entre todos e o

meio. Esse fluxo alimenta aos diversos circuitos recursivos existentes no

processo educacional: ensinar, aprender, realizar tarefas individualmente e

coletivamente, processar o conhecimento, trocar, entre muitos outros.

A Escuta Musical ensina a ouvir, não somente música, mas também a

escuta do outro ― como bem observou um dos sujeitos: “o grupo seguia a

aula mais tranqüilo, centrado e receptivo à experiência de ouvir os colegas”

86

Fato relatado pela segunda esposa de Paulo Freire no segundo programa da série Paulo

Freire - o andarilho da utopia. RÁDIO NEDERLAND (Holanda) e CRIAR – Assessoria de

Comunicação de São Paulo. O Andarilho da Utopia. São Paulo: Estúdio Trilha Certa, 1998.

Page 208: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

208

– ilustrando, dessa maneira, a um dos princípios da Transdisciplinaridade:

“o saber compartilhado deve levar a uma compreensão compartilhada,

fundamentada no respeito absoluto às alteridades unidas pela vida comum

numa só e mesma Terra”87. Pela via da escuta sensível ― em suas duas

acepções88 ― alcança-se a atitude aberta, essencial para viver, a lógica

ternária e conciliadora, que leva à compreensão e à aceitação das

alteridades, dos valores e crenças de outras “tribos”.

Finalmente, ouvir e ser ouvido não são somente necessidades da

psique humana, ou uma regra de conduta para o bem-viver; Schreiber

(2004, p. 252) explica que “é uma necessidade que emana do cérebro”, e

uma consumação altamente significativa de nossas existências:

No entanto, depois de milhões de anos de evolução, nosso

cérebro emocional é feito para ansiar por quatro aspectos da

vida (...): um senso de conexão com o nosso corpo e estados

interiores; intimidade com alguns seres humanos seletos; um

papel sério em nossa comunidade; e um sentido de conexão

com o mistério da vida. Distanciados desses aspectos,

buscamos em vão por uma meta fora de nós, em um mundo no

qual nos tornamos estrangeiros.

� O diálogo como partilha da intimidade

O que é importante é o sentimento de estar totalmente com outra pessoa. Ser capaz de mostrar que somos

fracos e vulneráveis, mas igualmente fortes e radiantes. Ser capaz de rir mas também de chorar. Sentir que

nossas emoções são compreendidas. David Servan-Schreiber

87 Carta da Transdisciplinaridade, Art. 13. 88

A escuta sensível de René Barbier e a escuta musical sensível, como a defino.

Page 209: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

209

O grupo se tornou cada vez mais íntimo na partilha ampla de

experiências, conhecimentos, e da emoção; o sentimento de intimidade se

tornou recorrente. Algo extraordinário aconteceu: a capacidade de

desbloquear sua expressão no grupo e sentir o calor de ser aceito; a

eliminação de bloqueios e inibições. Todos os sujeitos experimentaram essa

sensação:

Esta estratégia (escuta) ajudou o grupo a se constituir

enquanto tal, deixando os colegas à vontade para se colocarem

e exporem seu processo de aprendizagem sem

constrangimento. (Adriana)

(...) estávamos completamente “nus”, digo no sentido de não

nos preocuparmos com a opinião alheia...” (Matheus)

(...) tive uma experiência anterior a essa, numa faculdade onde

a chibata entrava nas aulas, essa experiência de ter chegado

aqui e começar a aula ouvindo música, (...) foi como sair do

inferno mesmo e ir pro céu mesmo, sabe? (Liebe)

(...) esse tipo de trabalho (...) mexe muito, imagina então se

todas as disciplinas fossem trabalhadas nesse molde... (...)

(Jaques)

A liberdade de colocar minhas idéias e experiências musicais e

partilhar com meus colegas de classe a vivência de cada um.

(Giba)

As aulas de improvisação com os instrumentos pedagógicos,

(permitiram) expressar os próprios sentimentos. (Rodrigo)

(...) esse “quebra tudo” e a gente saiu quebrando pau mesmo

(...) é uma outra percepção, você tem a liberdade total, com teu

corpo, com a tua mente. (Matheus)

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210

� A partilha do choro

Signo máximo de abertura ao outro; chorar ou somente permitir que o

olhar marejado fosse perceptível, se tornou comum no grupo. Diversas

vezes, a emoção não se expressou em palavras, mas em expressões,

lágrimas, atitudes. É permitido que as crianças chorem ou que adultos com

algum problema façam o mesmo, nesse caso, chorar é um ato solitário.

Neste grupo, o choro despiu-se de seus estigmas sociais e passou a

significar apenas intimidade e fluxo transbordante de emoção, um desnudar-

se engendrado no dia a dia da partilha pessoal. A fala de um dos sujeitos

ilustra o momento marcante, no qual, através da partilha do choro, as

“hierarquias” da sala de aula puderam ser transcendidas, colocando

professor e alunos no mesmo patamar de experiência humana íntima:

Mas uma cena assim, que eu sempre falo pra todo mundo, foi

uma vez que você (eu) (...) colocou aquele CD do Paulo Freire,

aí ele estava falando da ditadura e você chorou (...) acho que

isso foi, isso pra mim foi f... (Giba)

Schreiber ensina que o choro é uma das formas de nossa

“comunicação límbica”:

O choro e nossa resposta instintiva a ele criam o “circuito

reflexo” dos relacionamentos entre os seres – humanos ou não

humanos. Esse circuito é a base para toda comunicação vocal –

o canto dos pássaros, o mugido, o miado, o grunhido, toda a

poesia e as canções. A impressionante atração que a música

exerce em nossos corações – sobretudo o canto da voz humana

– provavelmente tem suas raízes nisso. A música age

diretamente no cérebro emocional e é muito mais eficaz do que

a linguagem verbal ou a matemática. (2004, pg. 180)

Page 211: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

211

Eu poderia então dizer que nossos cérebros límbicos se conectaram

através da emoção intensa. Na avaliação do curso, quando Giba tocou

“Começar de novo”, de Ivan Lins, muitos choraram e, juntos, cantaram as

últimas frases da música; depois novamente, quando Matheus tocou

“Coração de estudante”, de Milton Nascimento. A frase de Giba resume o

sentimento de todos: “A emoção da última aula ficará guardada na minha

lembrança”.

Em alguns momentos, a aula parecia derivar para uma terapia de

grupo, o que pode parecer assustador ou inadequado, porém, nem tanto,

pois todas as vezes em que se pode deixar fluir pensamentos, idéias,

concepções e sentimentos, a atividade, seja ela qual for, se torna

terapêutica; não é necessário habilidade especial. Como explica Esch (2005,

p. 11), “na musicoterapia ativa, os pacientes improvisam com instrumentos

de sua escolha e então criam uma nova forma de comunicar seus

sentimentos, emoções e palavras ‘não ditas’”89; na musicoterapia receptiva,

os pacientes acessam suas memórias mais íntimas, o corpo e a psique são

afetados de formas diversas e profundas, como visto anteriormente. Os

sujeitos puderam ter a experiência dessa catarse terapêutica em diversos

momentos.

Outro aspecto relevante, que dificilmente se conseguiria analisar sem

a ajuda de um vídeo, é a quantidade de comunicação emocional não-verbal

manifestada nos gestos, nas atitudes, nos olhos, nas expressões faciais, nas

intenções do corpo, no toque, no sorriso, como Jaques ilustra perfeitamente

nesta fala:

89

Tradução da autora.

Page 212: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

212

A ligação sonora com vários indivíduos e a comunicação feita

numa esfera onde a racionalidade ficava subjugada pelas

sensações. Essa forma de comunicação direta (...) é

irreprodutível pela linguagem verbal.

5.5.5.5. TTTTranscendênciaranscendênciaranscendênciaranscendência

E no entanto, existe um campo infinito no fundo de nós mesmos, que encontramos nos sonhos, em uma emoção

intensa, em raros e misteriosos momentos de nossa vida. Um físico o chamaria talvez de “campo das variáveis veladas”, um místico, o sentimento da unidade infinita, o continuum fora do

tempo, a unidade perceptível do invisível dentro do visível. Michel Random

Os relatos dos sujeitos evidenciaram inúmeras experiências,

situações e sentimentos de transcendência. Se, durante muito tempo, toda

essa referência permaneceu confinada aos relatos místicos, à clausura dos

confessionários, aos sortilégios dos magos, hoje a situação é diferente; a

ciência e, em especial, a revolução quântica, veio abrir novas

possibilidades, descortinar um universo muito mais complexo, liberto de

concepções prosaicas, pleno de incertezas que animarão as buscas para

sempre, atrás de respostas que talvez nunca serão definitivas; a porta

estará sempre aberta para alguma outra impalpável dimensão.

Hoje é possível utilizar as palavras energia, conexão, sintonia, sem

os estigmas que durante tanto tempo as interditaram. A transcendência

existe a cada vez que um limite é transposto; o dicionário da língua

portuguesa a define como propriedade do que vai além, algo muito elevado,

que transcende do sujeito para alguma coisa fora dele, que transcende os

limites da experiência possível.

Page 213: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

213

� A transcendência em direção ao interior

Os sujeitos referiram-se à transcendência de seus limites pessoais,

na conquista da abertura para o outro e na superação de limites

profissionais, como visto anteriormente; e agora, uma volta ao tema,

através do autoconhecimento – o olhar para o interior – que permite

perceber e incorporar novos valores. Os sujeitos se expressam, a seguir,

sobre a transcendência através do autoconhecimento:

(...) quando nos encontramos com o nosso interior,

descobrimos que existe uma paz interna que não há lá fora.

(Rodrigo)

(...) o que me chamou a atenção (...) não temos outra aula que

faça relaxamento, é você buscar você mesmo, seu interior,

você não tem isso no dia a dia... (Rodrigo)

Através deste curso consegui um melhor autoconhecimento e

ampliar minha paisagem sonora. (Giba)

Toquei naquele momento a música Começar de Novo do

compositor Ivan Lins atendendo o meu falar interno (...) (Giba)

(...) poderia ter tido várias técnicas de... fazer pedagogia, mas

não foi assim, foi uma coisa mais profunda, (...) a gente foi

construindo com essas outras coisas mais profundas...

(Adriana)

(...) porque a reflexão ela é como lava de vulcão, né?

Eventualmente acontecem algumas erupções que deixam uns e

outros desnorteados. (Jaques)

(...) você pode viajar, através do teu interior, do pensamento,

do que está à volta, transcender, acho que essa é a palavra

certa, transcender. (Matheus)

Um sentido transdisciplinar desponta intrinsecamente relacionado à

transcendência de todos os limites, pessoais, profissionais, de espaço físico,

Page 214: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

214

configurando uma verdadeira mudança de paradigma. O olhar se expande

para fora e para dentro. Uma vez, Matheus escolheu para tocar ‘Coração de

Estudante’, de Milton Nascimento (vide Anexo 5), sua criança interior

estava lhe chamando – Seu sorriso de menino quantas vezes se escondeu –

pois, o coração de estudante é o coração eternamente jovem que habita

regiões profundas, em cada um de nós.

Os níveis de realidade se projetam na interioridade. Existem muitos

níveis em nós e muito sutis; carregamos na intimidade todos os valores,

crenças e paradigmas da cultura que nos forjou e, um mundo impalpável,

sobrenatural, representado por mitologias, por todas as criações do

imaginário: “os humanos possuídos são capazes de morrer ou de matar por

um deus, por uma idéia...” (MORIN, 2002, p. 29). A noosfera ― esfera das

coisas do espírito ― possivelmente, seja a característica mais humana, e

constitua um nível de realidade, uma outra dimensão, um outro mundo como

diriam os sujeitos, a partir do qual o inexplicável tantas vezes encontra

explicação.

“A perda do senso de um self separado do mundo à sua volta é

algumas vezes acompanhada de um sentimento de união com o ambiente”,

ensina Csikszentmihalyi (1992, p. 98), e eu acrescentaria que é como uma

“viagem” a esses mares profundos, a essas zonas de não-resistência, tão

intimamente ancoradas. Ao voltar dos momentos de Escuta Musical, é como

voltar de um lugar assim.

Page 215: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

215

� A sensação de transcender o espaço físico

A sensação de transcender o espaço ― que parece ser o limite ―

surgiu de formas diversas na experiência dos sujeitos: na experiência do

fluxo, no sentimento de conexão, mesmo à distância, no sentir-se uno com

o grupo e nas impressões de estar em outra dimensão. Os sujeitos se

exprimiram sobre isso de forma metafórica:

(...) essa experiência de ter chegado aqui e começar a aula

ouvindo música, foi como sair do inferno e ir pro céu. (Liebe)

(...) a escuta traz uma liberdade total, outra percepção, outro

mundo, outra forma de ver (...) (Matheus)

(...) aquela sala era como uma outra dimensão, onde éramos

inalcançáveis diante de uma energia intensa. (Matheus)

A experiência vivida tem o significado de uma porta aberta ao

infinito. (Liebe)

A perspectiva transdisciplinar oferece a possibilidade de interpretar a

transcendência, lembrando que a realidade é mais ampla do que as

concepções que se tem sobre ela e que através de uma abertura mental é

possível posicionar-se em diferentes perspectivas: o inconciliável torna-se

possível e integrado à experiência. A lógica transdisciplinar inclui o ser e o

não-ser, facilita a compreensão de sua coexistência no mesmo espaço, em

diferentes níveis de realidade. Essa nova visão tornou-se possível a partir

da descoberta inalienável da existência desses diferentes níveis em nós, o

micro, representado pela constituição física, pelo movimento eterno e

frenético do mundo subatômico que constitui a materialidade – algumas

vezes indiferenciável da espiritualidade – e o macro, incorporado pelos

corpos viventes no tempo-espaço, na vida social, no mundo do cotidiano.

Page 216: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

216

� A questão dos valores

Os valores permearam a pesquisa ao longo de toda sua duração:

questionados, confirmados, rejeitados, descobertos, redescobertos. “Os

valores são a reserva moral e espiritual reconhecida da condição humana”;

encontram-se em nosso ser profundo, sinalizando para o sentido da vida,

ainda que “adormecidos na mente e latentes na consciência”, ensina

Martinelli (1996, p. 15). Através da estratégia de Escuta Musical, uma porta

se abriu para a interioridade; os sujeitos puderam reencontrar muitos de

seus valores e descobrir outros que lhes trouxeram riqueza pessoal e

profissional; apenas para citar alguns exemplos: a paz, o encantamento, a

dialogicidade, o respeito, o silêncio interior, o autoconhecimento, entre

tantos outros. Analisar estes dados sob o ponto de vista dos valores,

exigiria certamente uma nova tese.

No entanto, se a questão axiológica não pode ser analisada neste

escrito, deve pelo menos ser citada, pois emergiu com a força da vivência

dos sujeitos. Além disso, ética e valores, constituem princípios essenciais

na pesquisa de desenvolvimento Eco-sistêmico, e nas teorias filosóficas

que dão sustentação para refletir este trabalho: Sentipensar, Complexidade

e Transdisciplinaridade.

A meta é educar para a Era planetária, como diria Morin; valores

consistentes ensinam a preservar a vida ― nossas vidas ―, preservar o

planeta ― nossa casa ― e, preservar as relações humanas, o que torna

possível um futuro para a humanidade.

Page 217: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

217

7.6 7.6 7.6 7.6 Percepção da Percepção da Percepção da Percepção da estratégia de estratégia de estratégia de estratégia de EEEEscuta scuta scuta scuta MMMMusical pelos sujeitosusical pelos sujeitosusical pelos sujeitosusical pelos sujeitos

Nas respostas à primeira pergunta do questionário ― sobre o aspecto

mais marcante da experiência que conservavam em suas lembranças ―,

dois dos sujeitos ressaltaram a estratégia inicial de Escuta Musical e, um

deles, a escuta dos sons do ambiente, ou seja, 50% dos sujeitos

escolheram a escuta o que é bastante significativo:

A lembrança mais marcante é realmente o clima propício para

se pensar em música e em educação musical, gerado a partir

da escuta. (Liebe)

A primeira lembrança são as músicas que ouvíamos no início

das aulas... (Rodrigo)

Durante uma aula de exploração de sons do entorno da escola

uma experiência me marcou de forma especial... (Jaques)

A segunda pergunta do questionário era uma questão direta sobre a

Escuta Musical como estratégia de Sentipensar:

Normalmente, as aulas se iniciavam com uma estratégia especial,

envolvendo a Escuta Musical. Você sente que essa abertura da aula

pudesse ter influência sobre as atividades subseqüentes? Que tipo de

influência?

A análise das respostas à questão 2, se tornou muito interessante,

pois nas correlações estabelecidas pelos sujeitos, entre a estratégia de

escuta e seus objetivos, diferentes aspectos do Sentipensar foram

vislumbrados, e ainda, os sujeitos só fizeram corroborar a adequação da

Page 218: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

218

Escuta Musical como estratégia válida na integração de emoção e

racionalidade. Como vê-se na seqüência:

Matheus

EscutaEscutaEscutaEscuta........ concentração/entrega..... conteúdos...... aulas mais dinâmicasaulas mais dinâmicasaulas mais dinâmicasaulas mais dinâmicas

Acredito piamente nesta possibilidade, pois a escuta musical a que éramos

submetidos era uma forma de concentração e, ao mesmo tempo, de

entrega, para que pudéssemos usufruir o máximo de conteúdo possível, o

que resultava em aulas mais dinâmicas e, conseqüentemente, mais

proveitosas.

O primeiro sujeito relacionou a atividade de escuta a aulas mais

dinâmicas, decorrentes da possibilidade de concentração e entrega, para

uma absorção melhor dos conteúdos; nesse caso, a Escuta Musical

Sensível torna-se indutora de estados fisiológicos e mentais favoráveis ao

trabalho cognitivo subseqüente. Por trás da palavra entrega existe a

postura física e mental de relaxamento e abertura.

Liebe

EscutaEscutaEscutaEscuta...................... sensibilização.......... influência positiva no aprendizadoinfluência positiva no aprendizadoinfluência positiva no aprendizadoinfluência positiva no aprendizado

Como eu já havia relatado na ocasião em que gravamos a finalização do

curso, tive uma experiência de aprendizagem que me marcara muito e de

maneira bastante negativa, então, quando experimentei uma aula que

buscava a sensibilização antes de tratar dos conteúdos, pude referenciar-

me acerca da influência positiva que é possível exercer no aprendizado,

dependendo da forma que estes conteúdos são abordados.

O segundo sujeito, de forma semelhante ao primeiro, ressalta a

importância da escuta em seu caráter sensorial, no entanto, enfatiza a

escuta sensível, no sentido atribuído por Barbier (2002, p. 94), na qual se

procura “sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro para

compreender do interior”. A ênfase está na possibilidade de aproximação

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219

entre as pessoas, e a influência positiva no aprendizado decorre da “forma

de abordar o conteúdo”, o que, por um lado, significa ser psico-

fisiologicamente afetado, e por outro, ser ouvido e aceito por um grupo.

Esse sujeito havia relatado experiências anteriores muito negativas nas

quais “a chibata entrava na sala de aula”.

Jaques

Escuta/relaxamentoEscuta/relaxamentoEscuta/relaxamentoEscuta/relaxamento.... sintonia.. focalização.. magnetização.. grupo receptivo grupo receptivo grupo receptivo grupo receptivo

à experiência de ouvir os colegasà experiência de ouvir os colegasà experiência de ouvir os colegasà experiência de ouvir os colegas

Os períodos de audição e relaxamento foram importantíssimos para

sintonizar o grupo e permitiram um assentamento e focalização das energias.

Era nítido que mesmo os que chegavam depois de iniciado o processo e

ficavam assentados fora da roda se sentiam magnetizados pela experiência.

O grupo seguia a aula mais tranqüilo, centrado e receptivo à experiência de ouvir os colegas.

Este sujeito ressaltou a importância da formação do grupo, não-

somente no aspecto exterior de sua constituição, mas na vertente interna de

sua coesão; enfatizou os aspectos energéticos relativos à coesão do grupo e

utilizou idéias fortes e significativas: sintonia, assentamento, focalização,

magnetização. Como resultado dessa coesão forte ― a conexão energética

discutida anteriormente ―, é que o grupo, como organismo “tranqüilo e

centrado”, se abre para a experiência de escuta do outro. Esse sujeito teceu

muitos comentários sobre a função terapêutica das experiências vividas em

sala de aula, e, naturalmente, quando fala de ouvir o outro se trata daquela

escuta sensível de Barbier.

Giba

EscutaEscutaEscutaEscuta.... presença da música...... concentração... clima/ambiente mais levesclima/ambiente mais levesclima/ambiente mais levesclima/ambiente mais leves

A escuta musical permite maior concentração para as atividades seguintes.

Tem que haver MÚSICA em qualquer assunto envolvendo música. O clima e

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220

o ambiente ficam mais leves e prontos para qualquer atividade musical.

Falar de música sem MÚSICA transforma seres humanos em repetidores de

livros e não em pessoas ativas e seres pensantes. Importante destacar:

SOM – NOTAS – MÚSICAS - SERES HUMANOS (os grifos são do sujeito)

Este sujeito corrobora a propriedade que a música tem de induzir

estados de concentração. Porém, agrega a isso uma percepção crucial:

“tem que haver MÚSICA em qualquer assunto envolvendo música”; a

simples presença da música é o fator principal que torna “o clima e o

ambiente mais leves”. Poderia ser uma coisa óbvia demais, a presença da

música numa escola de música, mas não ;, raríssimos professores se

utilizam do poder da música para induzir estados fisiológicos e mentais

favoráveis, mesmo numa escola de música. Mais que isso, advogo que a

Escuta Musical pode transcender o ambiente estritamente musical e

tornar-se uma estratégia para o Sentipensar em qualquer área de atuação.

Essa é claramente a ponte que o sujeito também estabelece: som....

notas...... músicas... seres humanos, ou seja, uma ponte para a formação

humana.

Sujeito 5

EscutaEscutaEscutaEscuta...... auto-encontro....... paz interna.... influência nas atitudes, idéias einfluência nas atitudes, idéias einfluência nas atitudes, idéias einfluência nas atitudes, idéias e

comportacomportacomportacomportamentosmentosmentosmentos

Acredito que sim. Pelo fato de o ser humano conseguir se encontrar novamente consigo mesmo, pois estamos vivendo num mundo onde

precisamos sobreviver, alcançar objetivos e realizar-se, de modo geral, e

quando nos encontramos com o nosso interior, descobrimos que existe uma

paz interna que não há lá fora. Acredito que a escuta musical influencia nas atitudes, comportamentos e idéias do ser humano, de crianças a idosos.

Este sujeito trouxe à discussão a importante questão axiológica, e foi

talvez o único a citar a modulação do comportamento a partir da Escuta

Musical. Os valores foram ressaltados pelo sujeito como uma conquista

Page 221: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

221

interna, ― “conseguir se encontrar”, “influência nas idéias do ser humano” ―,

mas também, como manifestação externa, nas atitudes e comportamentos,

em todas as faixas etárias, constatação importante, pois, muitas vezes se

pensa que não é necessário discutir esses assuntos com crianças. O sujeito

fala ainda de “uma paz interna que não há lá fora”. A paz poderia ser o

objetivo último de nossos esforços educacionais, quando finalmente, através

de estratégias diversas, se estendesse dessa vida interior para

comportamentos, atitudes e pensamentos em relação aos outros.

Sujeito 6

EscutaEscutaEscutaEscuta.... sensibilização.... grupo.... desbloqueio......... exposição do próprio exposição do próprio exposição do próprio exposição do próprio

processo de aprendizagemprocesso de aprendizagemprocesso de aprendizagemprocesso de aprendizagem

Certamente. Esta foi uma maneira de sensibilizar e preparar os alunos para

a aula. Esta estratégia ajudou o grupo a se constituir enquanto tal deixando

os colegas à vontade para se colocarem e exporem seu processo de

aprendizagem, sem constrangimento. Nesta partilha, todos contribuíram para

o crescimento do grupo.

Este sujeito enfatiza, de forma especial, a constituição do grupo,

através de um tipo de partilha, na qual os sujeitos podem se expressar

livres de bloqueios e inibições. Esse processo foi intensamente vivido pelo

sujeito e, muitas vezes, manifestado: nas respostas ao questionário, e em

seu depoimento registrado durante a avaliação final do curso, no qual se

referiu ao crescimento pessoal e profissional, à construção do conhecimento

e à importância da partilha desse conhecimento na intimidade do grupo.

Foram muitos os insights, ”eu acho que fluiu e é a primeira vez que

aconteceu isso esse semestre (...) foi uma coisa mais profunda, de buscar...

buscar o nosso jeito”, disse ela, caracterizando, uma vez mais, o aspecto

terapêutico que o processo assumiu algumas vezes.

Page 222: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

222

CCCConclusão e considerações finaisonclusão e considerações finaisonclusão e considerações finaisonclusão e considerações finais

Do alto do infinito Tatiana Clauzet

Page 223: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

223

CCCConclusões preliminares sobre a onclusões preliminares sobre a onclusões preliminares sobre a onclusões preliminares sobre a EEEEscuta scuta scuta scuta MMMMusical usical usical usical

A análise das respostas dos sujeitos aos instrumentos de coleta de

dados corrobora que a Escuta Musical teve um papel ativo na qualidade das

experiências transformadoras que vivenciaram. Como fica explícito na

síntese a seguir:

ESCUTA ESCUTA ESCUTA ESCUTA MUSICALMUSICALMUSICALMUSICAL

CONCENTRAÇÃO ENTREGA USUFRUIR DO CONTEÚDO

AULAS MAIS DINÂMICASAULAS MAIS DINÂMICASAULAS MAIS DINÂMICASAULAS MAIS DINÂMICAS EEEE PROVEITOSASPROVEITOSASPROVEITOSASPROVEITOSAS

SENSIBILIZAÇÃO

INFLUÊNCIA POSITIVA NO INFLUÊNCIA POSITIVA NO INFLUÊNCIA POSITIVA NO INFLUÊNCIA POSITIVA NO APRENDIZADOAPRENDIZADOAPRENDIZADOAPRENDIZADO

SINTONIA ASSENTAMENTO FOCALIZAÇÃO MAGNETIZAÇÃO

GRUPO RECEPTIVO À EXPERIÊNCIA DE GRUPO RECEPTIVO À EXPERIÊNCIA DE GRUPO RECEPTIVO À EXPERIÊNCIA DE GRUPO RECEPTIVO À EXPERIÊNCIA DE OUVIROUVIROUVIROUVIR OS COLEGASOS COLEGASOS COLEGASOS COLEGAS

CONCENTRAÇÃO PRESENÇA DA MÚSICA

CLIMA/AMBIENTE MAIS LEVESCLIMA/AMBIENTE MAIS LEVESCLIMA/AMBIENTE MAIS LEVESCLIMA/AMBIENTE MAIS LEVES

AUTO-ENCONTRO PAZ INTERNA

INFLUÊINFLUÊINFLUÊINFLUÊNCIA NAS ATITUDESNCIA NAS ATITUDESNCIA NAS ATITUDESNCIA NAS ATITUDES, , , , COMPORTAMENTOS COMPORTAMENTOS COMPORTAMENTOS COMPORTAMENTOS E IDÉIASE IDÉIASE IDÉIASE IDÉIAS DO SER DO SER DO SER DO SER HUMANOHUMANOHUMANOHUMANO

SENSIBILIZAÇÃO PREPARAÇÃO CONSTITUIÇÃO DO GRUPO

EXPOSIÇÃO DO PRÓPRIO PROCESSOEXPOSIÇÃO DO PRÓPRIO PROCESSOEXPOSIÇÃO DO PRÓPRIO PROCESSOEXPOSIÇÃO DO PRÓPRIO PROCESSO, , , , SEM CONSTRANGIMENTOSEM CONSTRANGIMENTOSEM CONSTRANGIMENTOSEM CONSTRANGIMENTO

Muito embora cada sujeito tenha ressaltado um aspecto diferente,

como produto da estratégia de escuta, todos têm em comum a percepção de

que a escuta prepara o trabalho intelectual subseqüente, por promover

tranqüilidade e concentração; todos os comentários sobre a escuta foram

positivos e transmitiram a idéia de bem-estar.

Page 224: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

224

Primeira conclusão:Primeira conclusão:Primeira conclusão:Primeira conclusão: música é uma forma de relaxamentomúsica é uma forma de relaxamentomúsica é uma forma de relaxamentomúsica é uma forma de relaxamento

Uma das formas através da qual a escuta leva aos resultados

assinalados pelos sujeitos, é precisamente o relaxamento, o esvaziamento

mental. É possível fazer tal inferência a partir do que os sujeitos relataram

sobre entrega, concentração, assentamento, sensibilização e paz interna,

pois o relaxamento nada mais é do que “atividade física ou mental

repetitiva”90, que promove alterações fisiológicas notáveis, levando quem se

engaja nessa atividade a “afastar todos os pensamentos desviantes” (ESCH

et al., 2005, p. 9).

Como apresentado no Capítulo 4, a música é poderosamente indutora

da resposta de relaxamento, alterando o metabolismo e diversas funções

homeostáticas; tem a propriedade de interromper a produção do hormônio

do estresse e de modular a atividade cerebral, levando-nos a “entrar em

alfa” e experimentar agradáveis sensações de bem-estar. Esta vivência de

estados mentais e corporais positivos naturalmente conduz a “aulas mais

dinâmicas”, e à “influência positiva no aprendizado”. Como explica

Schreiber (2004, p. 67):

Tendo alcançado um estado de maior equilíbrio, estamos

prontos para enfrentar todas as contingências da vida.

Simultaneamente temos acesso à sabedoria do cérebro

emocional – sua “intuição” – e às faculdades de reflexão,

raciocínio abstrato e planejamento do cérebro cognitivo.

Segundo Esch, “a integração dos sistemas autonômico-emocional

pode levar a uma experiência diferente do self e do corpo, um estado

diferente ou alterado de consciência” (ESCH et al., 2005, p. 11). Esse

90

Tradução da autora

Page 225: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

225

estado de fluência e bem-estar, que liga as pessoas intimamente ao que

estão vivendo, e que transforma a percepção do tempo e do espaço, foi

também descrito por Csikszentmihalyi (1992), anteriormente, como a

experiência do fluxo.

Segunda coSegunda coSegunda coSegunda conclusão: através da música acessamos sentimentos positivosnclusão: através da música acessamos sentimentos positivosnclusão: através da música acessamos sentimentos positivosnclusão: através da música acessamos sentimentos positivos

Também no Capítulo 4, demonstrou-se que a música ativa memórias

emocionais através dos circuitos cerebrais de motivação e recompensa,

estimulados quando ouvimos música que nos agrada. A partir disso, as

sensações corporais se desencadeiam – nos arrepiamos, nos emocionamos –

os sentimentos de prazer e bem-estar se reforçam com a música; são essas

memórias e reações fisiológicas que conferem à música propriedades

terapêuticas. Como explica Zatorre (2005, p. 314), “o efeito ansiolítico da

música é conhecido agora não somente por especialistas, mas por qualquer

um que escute sua peça musical favorita depois de um dia de afazeres”91. A

emocionalidade da música está profundamente arraigada em nosso

organismo, como ensina Schreiber (2004, p. 57):

(...) emoções negativas tais como raiva, ansiedade, tristeza e

até preocupações comuns, reduzem muito a variabilidade

cardíaca e semeiam o caos em nossa fisiologia. Por outro

lado, emoções positivas, como alegria, gratidão e sobretudo

amor, parecem promover a maior coerência. Em poucos

segundos, essas emoções induzem uma onda de coerência

imediatamente visível no registro da freqüência cardíaca.

O relaxamento, quando praticado com constância e por um tempo

adequado, pode produzir alterações fisiológicas de longa duração (ESCH et

91

Tradução da autora.

Page 226: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

226

al., p. 11); esse é mais um argumento para que se incorpore a estratégia de

Escuta Musical ao processo educacional, desde os níveis elementares.

Terceira conclusão: a música é um poderoso cataTerceira conclusão: a música é um poderoso cataTerceira conclusão: a música é um poderoso cataTerceira conclusão: a música é um poderoso catalisador da atividade sociallisador da atividade sociallisador da atividade sociallisador da atividade social

Viu-se que a capacidade que a música tem de nos emocionar talvez

remonte aos primórdios da afetividade, dos “gritos primais de desespero”

em busca do calor e conforto maternos (PANKSEPP; BERNATZKY, 2002, p.

143). Os autores explicam ainda que,

(...) nossa habilidade cerebral para ressonar emocionalmente

com música tem uma profunda e multidimensional história

evolucionária, incluindo vertentes relativas à emergência da

comunicação intersubjetiva, estratégias para a seleção de um

companheiro, e a emergência de processos regulatórios para

outras dinâmicas sociais, tais como aquelas vinculadas à

coesão do grupo e à coordenação de atividades.92

(PANKSEPP; BERNATZKY, 2002, p. 139)

Os sujeitos da pesquisa vivenciaram e manifestaram, com toda

clareza, a constituição dessa coesão de grupo e, o quanto isso os impactou,

do mesmo modo que nos impactara em nossas origens ancestrais.

Panksepp e Bernatzky conduziram uma pesquisa com estudantes

americanos, sobre a escuta de músicas consideradas tristes ou alegres por

eles ; sua intenção era estudar por quanto tempo os efeitos de alteração de

humor provocados pela música permaneceriam após a escuta. Através de

uma série de estratégias previstas e controladas, os sujeitos

permaneceriam, após a escuta, num certo estado de isolamento, o que

evitaria possíveis distrações. Sintetizando, esse estudo concluiu que,

92

Tradução da autora.

Page 227: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

227

Música feliz eleva os sentimentos de felicidade, música triste

eleva os sentimentos de tristeza. Para ambas, os efeitos do

humor foram significativamente mais altos imediatamente

após a música; e eram ainda significantes ― mas também

significativamente diminuídos ― dez minutos após. As

mudanças induzidas pela música tinham declinado para níveis

pouco significativos após vinte minutos.93 (PANKSEPP;

BERNATZKY, 2002, p. 145)

Avaliando criteriosamente, o resultado da pesquisa dos autores

incentiva a utilizar a estratégia de Sentipensar com música, pois o tempo de

declínio dos efeitos da música – vinte minutos aproximadamente – é mais

que suficiente para gerar, em sala de aula, uma discussão criativa em torno

de algum tema de interesse; e isso, certamente, ocorreu na experiência dos

sujeitos da presente pesquisa.

Quarta conclusão: a música tem a propriedade de alterar estilos cognitivosQuarta conclusão: a música tem a propriedade de alterar estilos cognitivosQuarta conclusão: a música tem a propriedade de alterar estilos cognitivosQuarta conclusão: a música tem a propriedade de alterar estilos cognitivos

Ao iniciar esta pesquisa, intimamente, estava convencida de que os

benefícios da Escuta Musical estariam, praticamente, todos ligados aos

efeitos de transferência. É certo que a música, enquanto linguagem

estruturada, pode produzir efeitos de transferência, a exemplo do efeito-

Mozart e alterações na cognição como visto anteriormente no Capítulo 4.

Porém, além de efeitos de transferência, existem outros fatores que afetam

a modulação do estilo cognitivo através da música; Panksepp e Bernatzky

(2002, p. 134) chamam a atenção para a correlação existente entre certos

padrões de nossa vida interior e os padrões dinâmicos da sintaxe musical –

a exemplo de movimento e repouso, de tensão e relaxamento, entre outros.

Zatorre (2005, p. 313) fortalece tal idéia ao conjecturar:

93

Tradução da autora.

Page 228: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

228

(...) a habilidade para organizar um conjunto de palavras numa

sentença com significado e a habilidade para organizar um

conjunto de notas numa melodia bem estruturada poderiam

engajar mecanismos cerebrais de forma semelhante.94

Panksepp e Bernatzky (2002, p. 140) acrescentam que a retenção de

uma informação é melhor, “quando codificada no contexto dinamicamente

rico das estruturas musicais, um efeito evidente mesmo em crianças com

retardo mental”95; talvez por isso se utilizem tantas canções na educação

escolar, nos cursinhos e na campanha eleitoral; além das possíveis

correlações sintáticas; naturalmente, o apelo emocional da música fortalece

ainda mais tais estratégias.

No entanto, nada parece ser mais decisivo para as relações entre

música e cognição do que a propriedade que a música tem de afetar o

humor, induzindo sentimentos positivos e, dessa forma, promovendo a

melhoria de nossa eficiência cognitiva, conforme comprovam os estudos de

diversos autores analisados. Nos estudos descritos por Ashby viu-se que, a

partir da vivência de sentimentos positivos, as pessoas desenvolvem

habilidade para lidar com perspectivas cognitivas pouco usuais; a

flexibilidade e o fluxo de pensamentos se elevam, assim como a fluência

verbal, abrindo caminho para a criatividade e para a solução inovadora de

problemas. Com sentimentos positivos, “o pensamento é flexível, portanto,

aspectos usuais ou não usuais dos conceitos se tornam acessíveis”96.

(ASHBY, 1999, p. 531) Na hipótese de Ashby, tal flexibilidade cognitiva se

associa à liberação de dopamina no cérebro, o que causa a experiência de

bem-estar.

94

Tradução da autora. 95

Tradução da autora. 96

Tradução da autora.

Page 229: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

229

Nunca é demais reforçar que todo esse processo decorre da

integração de processos corporais e mentais; quando a escuta desencadeia

alterações neurofisiológicas, concomitantemente, se alteram as funções

autônomicas, levando a modificações no estilo cognitivo, ou seja, mudanças

na forma específica de manifestação do pensar. Segundo Damásio

(DAMÁSIO, 2004, p. 92), a essência do sentimento é constituída pela

percepção de um certo estado do corpo, acompanhado pela percepção de

pensamentos com certos temas e pela percepção de um certo modo de

pensar:

(...) quando temos a experiência de um sentimento positivo, a

mente representa mais do que bem-estar, a mente representa

também bem-pensar. A carne funciona harmoniosamente, é o

que nos diz o espírito, e a nossa capacidade de pensar está

assim enriquecida. Por outro lado, sentir a tristeza não diz

respeito apenas ao mal-estar. Diz respeito também a um

modo ineficiente de pensar, concentrado em torno de um

número limitado de idéias de perda. (DAMÁSIO, 2004, p. 96)

Damásio explica ainda, que os sentimentos são percepções como

quaisquer outras percepções, no entanto – constatação importante –, o

objeto desencadeador de um sentimento está sempre no interior do próprio

corpo, enquanto que os objetos competentes desencadeadores de

percepções – como, por exemplo, na percepção auditiva – são, em geral,

provenientes do ambiente. Na Escuta Musical, esse fato tem bastante

importância, pois o objeto desencadeador do sentimento - o estado do

corpo - pode ser constantemente modificado no processo; “o cérebro pode

atuar diretamente sobre a estrutura do objeto que está em vias de

perceber” (DAMÁSIO, 2004, p. 99), caracterizando um processo circular e

recursivo. Existe naturalmente uma ligação entre o estímulo externo – a

Page 230: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

230

música – e a emergência do sentimento, porém, essa ligação é mediada pelo

estado do corpo (estímulo interno) resultante da Escuta Musical.

Resposta à pergunta de pesquisaResposta à pergunta de pesquisaResposta à pergunta de pesquisaResposta à pergunta de pesquisa

Com base na análise dos dados coletados junto aos sujeitos e nas

pesquisas que fundamentam tais dados, é possível concluir que, o o o o

sentimento desencadeado pela sentimento desencadeado pela sentimento desencadeado pela sentimento desencadeado pela EEEEscuta scuta scuta scuta MMMMusical, usical, usical, usical, efetivamente, efetivamente, efetivamente, efetivamente,

favorece a capacidade de reflexão.favorece a capacidade de reflexão.favorece a capacidade de reflexão.favorece a capacidade de reflexão.

As relações entre o sentimento e o pensamento reflexivo são

mediadas por diversas instâncias: pela resposta de relaxamento, pelo

controle do estresse, pela fruição de emoções – que modulam a regulação

homeostática e a atividade cerebral – e, pelo efeito benéfico e catártico de

ser parte integral de um grupo, com conseqüências neuropsicológicas

importantes; todas essas instâncias conduzem a estados altamente

prazerosos de bem-estar, ou seja, sentimentos positivos diversos, que por

sua vez, afetam positivamente as funções cognitivas que dão suporte a todas

as operações mentais – a exemplo de memória, atenção, percepção –

culminando na capacidade de pensar adequadamente.

É possível concluir também, que, o efeito de incremento cognitivo

observado no contexto dessa pesquisa, não se deve exclusivamente aos

benefícios da Escuta Musical – ainda que esta tenha sido uma etapa

essencial – mas sim, à sinergia existente entre as diversas etapas do

processo inicial de aula: 1. Reunião do grupo; 2. Concentração; 3.

Alongamento; 4. Relaxamento; 5. Escuta Musical Sensível; 6. Despertar.

Provavelmente, se realizássemos apenas as quatro primeiras etapas, se

fariam sentir efeitos no desempenho cognitivo, talvez menos intensos. Esse

Page 231: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

231

primeiro momento da aula – iniciando em círculo, de mãos dadas e sentindo

a conexão com o grupo – poderia constituir, em si, uma estratégia de

Sentipensar baseada na conexão afetiva entre as pessoas, o que, por sinal,

foi muito valorizado pelos sujeitos.

No entanto, a partir do quinto momento, todos esses efeitos foram

significativamente amplificados, com base nas propriedades específicas da

música – algumas delas evolucionárias –, o que a torna uma poderosa

mediadora no incremento da atividade reflexiva, como visto. Resulta que a

escuta em si, não seria suficiente para garantir a validade do procedimento

como uma estratégia de Sentipensar; caso fosse proposta de forma simples

e desconectada, o conjunto de atitudes que acompanham a Escuta o conjunto de atitudes que acompanham a Escuta o conjunto de atitudes que acompanham a Escuta o conjunto de atitudes que acompanham a Escuta

Musical é tão importante quanto ela própriaMusical é tão importante quanto ela própriaMusical é tão importante quanto ela própriaMusical é tão importante quanto ela própria. Um forte amálgama une

as etapas do processo – reunião do grupo, concentração, alongamento,

relaxamento, escuta musical sensível e despertar – constituindo um constituindo um constituindo um constituindo um

orgaorgaorgaorganismo, um sistema dinâmico, difícil de avaliar,nismo, um sistema dinâmico, difícil de avaliar,nismo, um sistema dinâmico, difícil de avaliar,nismo, um sistema dinâmico, difícil de avaliar, quando quando quando quando

desintegrado.desintegrado.desintegrado.desintegrado.

Page 232: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

232

ConsideraConsideraConsideraConsideraçõçõçõções Finaises Finaises Finaises Finais

A integração das dimensões do ser humanoA integração das dimensões do ser humanoA integração das dimensões do ser humanoA integração das dimensões do ser humano

A cisão cartesiana entre corpo e alma está na base de tantas outras

cisões que caracterizaram nosso processo civilizatório. O cientificismo nos

ensinou que, somente as disciplinas naturais e matemáticas eram confiáveis

por serem “objetivas”; as humanidades foram desprezadas, e com elas, a

subjetividade humana. O que era científico foi elevado à categoria do

inquestionável; o humano, descartado; a reflexão, separada da experiência

sensível; o diálogo - entre filosofia, religião e ciência - encerrado; assim, as

esferas objetiva e subjetiva da experiência humana ficaram, indelevelmente,

desunidas:

Todo conhecimento, além do científico, foi afastado para o

inferno da subjetividade, tolerado no máximo como

ornamento, ou rejeitado com desprezo como fantasma, ilusão,

regressão, produto da imaginação. A própria palavra

‘espiritualidade’ tornou-se suspeita e seu uso foi

praticamente abandonado. (BASARAB, 2005, p. 23)

Uma nova visão filosófica para a Educação e, de forma mais

abrangente, para a vida em sociedade, tem por pré-requisito o resgate do

todo, o que significa reintegrar o ser humano em todas as suas dimensões,

da fisiologia à transcendência, do corpo à alma, da emoção à razão.

Cabe aqui lembrar, uma vez mais, aquilo a que Damásio denominou “o

erro de Descartes”, e concordar com ele quando diz que,

(...) a mente teve primeiro de se ocupar do corpo, ou nunca

teria existido. De acordo com a referência de base que o

corpo constantemente lhe fornece, a mente pode então

Page 233: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

233

ocupar-se de muitas coisas, reais e imaginárias. (DAMÁSIO,

2000, p.17)

Schreiber (2004, p. 33) corrobora as observações de Damásio: “o

cérebro emocional está (...) mais intimamente relacionado ao corpo do que

ao cérebro cognitivo”, por isso é muito mais fácil acessar as emoções pela

via corporal do que pela linguagem verbal; e, eu complementaria, por isso o

corpo permanece ausente da sala de aula. A dimensão emocional dá um

passo decisivo na valorização do ser humano integral; abre caminho para o

bem-estar pessoal, para a experiência do corpo e para estados prazerosos

que tanto afetam as condições da percepção, da reflexão, da integração ao

grupo, da criatividade e, logicamente, do processo de ensino/aprendizagem.

O esvaziamento da experiênciaO esvaziamento da experiênciaO esvaziamento da experiênciaO esvaziamento da experiência

Como visto anteriormente, por influência de um conjunto de doutrinas

do pensamento – iluminismo, determinismo, mecanicismo e positivismo,

entre outras – plasmou-se uma visão de mundo desprovida de qualquer

sentido metafísico. Os postulados da ciência clássica haviam excluído o

sujeito do horizonte; a necessidade de objetividade, o desejo de chegar ao

“dado concreto”, ao “fato científico”, a necessidade de uma pretensa

neutralidade, levaram a ciência a um esvaziamento humano; esquecemos

que “toda teoria é sempre uma construção do espírito humano”97 e que toda

objetividade será sempre “objetividade-entre-parênteses” (MATURANA,

2002).

97 Perspectivas teórico-epistemológicas da complexidade e suas implicações na pesquisa educacional,

de autoria de Maria Cândida Moraes e Armando Valente, a ser editado pela Papirus, 2008.

Page 234: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

234

A conseqüência do esvaziamento humano não se fez sentir apenas na

ciência, mas também, em cada detalhe da vida prática; pouco a pouco, fomos

perdendo o contato com o ser interior; as coisas da subjetividade passaram

a ser vistas com desconfiança, a esfera noológica do ser foi excluída,

juntamente ao que há de mais temível: mitos, fantasmas, sonhos (MORIN,

2005, p. 410). Na atualidade, vivendo um ápice de mal-estar social, nos

perguntamos o que fazer e como nos reencontrar.

Por isso pergunto, acompanhando o pensamento de Csikszentmihalyi

(1992, p. 33): “Qual seria o motivo de, a despeito de termos atingido um

progresso milagroso nunca antes sonhado, parecermos mais indefesos

frente à vida do que nossos ancestrais menos privilegiados?”, e também

respondo com ele: “embora a humanidade tenha, como coletividade,

aumentado seu poder material em milhares de vezes, ela não avançou muito

no sentido de aprimorar o conteúdo de sua experiência.”

Muito se tem falado sobre a mente, sobre as incríveis capacidades

cognitivas do cérebro, e de quão pouco as utilizamos. A ruptura existente

entre corpo e mente talvez seja a responsável por isso; responsável por

nosso fracasso em utilizar plenamente os recursos que nos foram dados

pela natureza. Nesse sentido, alinho-me plenamente à crítica de Varela

(VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 34) sobre a fenomenologia, que

poderia se estender ao pensamento filosófico ocidental como um todo:

Husserl então deu o primeiro passo do cientista reflexivo: ele

afirmou que para compreender a cognição, não podemos ver o

mundo ingenuamente, mas devemos vê-lo, ao contrário, como

possuindo a marca de nossa própria estrutura. Ele também

deu o segundo passo, pelo menos parcialmente, percebendo

que aquela estrutura (o primeiro passo) era algo que ele

estava conhecendo (cognizing) com sua própria mente.

Entretanto, no estilo filosófico da sua tradição ocidental, ele

Page 235: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

235

não deu os passos posteriores (...). Ele começou com uma

consciência individual solitária, assumiu a estrutura que

estava buscando como sendo inteiramente mental e acessível

à consciência em um ato de introspecção abstrata e filosófica,

e a partir daí teve grande dificuldade em gerar o mundo

consensual e intersubjetivo da experiência humana.

Varela descreveu como a fenomenologia, apesar de insistir no resgate

da experiência humana vivida, afastando-se da “atitude natural”98, caiu na

armadilha do racionalismo, e pretendeu explicar o mundo tangível somente a

partir de estruturas da consciência, afastando-se mais ainda da experiência

direta. O mesmo acontece em sala de aula; nos afastamos da experiência

vivida, abstraímos, teorizamos, falamos sempre muito e ensinamos nossos

alunos a agir da mesma maneira. Não resta um pequeno espaço sequer de

tempo ou atenção para qualquer coisa que não seja “estudar”, na concepção

mais mecânica, reducionista e desincorporada que a expressão possa ter. O

antídoto proposto por Varela para esse estado de coisas é a meditação

atenta da tradição budista, enquanto que o antídoto que proponho é

precisamente a Escuta Musical, emergindo – com o conjunto de atitudes que

ela desenvolve – como poderoso instrumento para o Sentipensar.

98

A atitude natural consiste na convicção de que as coisas são como parecem ser, e que o mundo é

independente da mente e da cognição do indivíduo que o percebe.

Page 236: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

236

A reintrodução de estratégias criativas na formaçãoA reintrodução de estratégias criativas na formaçãoA reintrodução de estratégias criativas na formaçãoA reintrodução de estratégias criativas na formação

(...) o maior problema epistemológico de nossa cultura: a extrema dificuldade que temos de lidar com tudo aquilo que é subjetivo e qualitativo.

Humberto Mariotti

Ao fazer uma análise retrospectiva de minha vida, como aluna e como

professora – em especial, até antes do que considero minha mudança de

paradigma –, pude perceber que o aluno é concebido na ilusão da

simplicidade; não há uma visão integradora que busque retirá-lo da

unidimensionalidade; o aluno é concebido como um intelecto, não como um

corpo sensorial de onde brotam emoções sentimentos e subjetividade; a

dimensão privilegiada é sempre a da racionalidade. Numa visão abrangente,

passaríamos a ver o aluno como um tecido complexo, multidimensional e

contraditório; um ser individual, por certo, mas que traz em si a marca da

sociedade que o engendra; um ser, ao mesmo tempo apolíneo e dionisíaco,

um ser complexo, que exemplifica em si o paradoxo do uno e do múltiplo,

como diria Morin (2002, p. 55).

Como podemos nos aproximar desse ser? O que a escola pode fazer

por ele? Com certeza pode fazer muito, desde que se abra para um

pensamento complexo e transdisciplinar, e que, por coerência metodológica,

adapte seus métodos e estratégias a essa nova necessidade.

A tarefa não é fácil, pois exige mexer no senso comum e transcendê-

lo, e se perguntar, a cada dia, se não há formas mais adequadas para se

fazer o que vem sendo feito. Exige levar, para a sala de aula, tudo aquilo

que ainda enfrenta tanta resistência: emoção, dialogicidade, compreensão, o

Page 237: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

237

corpo, a criatividade, a escuta sensível (em suas duas acepções); exige

mexer no espaço (interno e externo), criar beleza e, ainda, expandir-se

para outros espaços que também podem tornar-se “a sala de aula”. A sala

de aula tradicional, há muito se afastou desse tipo de experiência

transcendente, na qual o indivíduo encontra espaço para a plena expressão

e criação, onde a partir de um momento como esse, tudo pode acontecer; as

relações afetivas se fortalecem, assim como a auto-estima e a

autoconfiança. “É o momento ideal para se fazer coisas. É por isto que o

docente deve perceber e aproveitar esses momentos, pois são os mais

valiosos para se obter as aprendizagens desejadas.” (MORAES; TORRE,

2004, p. 71)

É claro que estamos falando de aprendizagem integrada; um tipo de

aprendizagem que, através de suas características abertas –

multissensorialidade, impacto emocional, ambientes e climas especiais,

caráter inferencial e criatividade – pode atender à coerência metodológica

que toda essa transformação exige.

O curso de Didática do ensino musical tornou-se, durante essa

pesquisa, um espaço privilegiado para a aprendizagem integrada, tanto no

que concerne à variedade das estratégias – tocar instrumentos, improvisar,

produzir composições coletivas, assistir filmes – quanto à utilização do

espaço: as aulas ocorreram, em sua maioria, na sala de aula, mas também no

pátio e na entrada da escola, experiências extraclasse foram discutidas com

empenho no processo de elaboração do portfólio da disciplina. A ampliação

de espaços externos colaborou na ampliação de espaços internos, levando

ao crescimento pessoal e profissional. Por tudo o que se discutiu até agora,

é de se acreditar que os sujeitos levarão consigo as experiências vividas,

Page 238: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

238

incorporando-as na experiência profissional, como confirma um deles,

referindo-se à estratégia inicial da aula: “Eu tenho pena porque eu cheguei

atrasada em muitas aulas, eu perdi essa parte inicial, que pra mim é

fundamental (...), estou saindo da faculdade este semestre (...) isso foi o que

mais valeu a pena de eu ter feito aqui dentro”.

A presença do impacto emocional é a marca da aprendizagem

integrada; esta, só pode ter lugar a partir da inclusão do corpo no processo,

o que não significa exatamente incluir o movimento e a dança em sala de

aula (apesar de ser uma possibilidade factível), pois, o corpo pode adentrar

a sala de aula de formas sutis: o corpo está presente a cada vez que se

atenta para a respiração, ou que simplesmente é ouvido; está presente

quando se abre espaço para atividades “subversivas”, como o relaxamento

e a meditação; o corpo está presente quando se toca outro corpo e quando

somos tocados99; está presente quando permitimos seu movimento, seja

através da yoga100, do alongamento, ou quando se incentiva sua utilização

criativa através da expressão corporal e das danças circulares, que

valorizam o ser sensível e multidimensional que existe em cada aluno e em

cada professor, com inúmeros benefícios que integram fisiologia, psicologia

e sociabilidade.

Este me parece ser o momento oportuno para falar de uma estratégia

de Sentipensar, especialmente criada para as crianças por esta autora,

trata-se de Estorinhas para ouvir. Como o nome informa, são historinhas de

99

Sobre esse assunto é imprescindível conhecer o maravilhoso livro de Ashley Montagu TOCAR – o significado humano da pele, indicado na bibliografia. 100

Vale a pena conhecer o importante trabalho que vem sendo realizado pela R. Y. E. – Recherche de Yoga dans l’Education, na França, sob a coordenação de Micheline Flak, com extensões em toda a

América Latina; no Brasil, através da Universidade Federal de Santa Catarina. Este movimento

trabalha com a proposta de inserir exercícios simples de Yoga no espaço convencional da sala de

aula, com resultados mais do que compensadores. Vide sites: http://rye.free.fr;

www.ced.ufsc.br/yoga/cadernos.htm.

Page 239: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

239

curta duração, narradas expressivamente para as crianças de maneira a

possibilitar-lhes a aprendizagem da escuta, no caso a Escuta Musical; as

histórias são sempre introduzidas por um momento de relaxamento e

concentração que permite às crianças tomar contato com seu mundo interior

e valorizar o silêncio. As historinhas fazem forte apelo ao imaginário e

contêm sempre um momento para silenciar que faz parte da história; nele, a

atenção é focalizada para a escuta da música sugerida. (Ouça anexo 6)

As historinhas têm sido utilizadas por professores de música e da

escola regular como uma estratégia didática diferenciada para introduzir o

dia de aula. Os professores relataram inúmeros benefícios de sua aplicação:

tranquilização e relaxamento das crianças, participação na história com

dados do imaginário, melhoria das relações afetivas e aumento da

produtividade em sala de aula.

Todas estas estratégias – tão insólitas quanto prazerosas – deveriam

fazer parte da formação escolar, não somente na educação infantil, mas em

todos os níveis, e como é bastante lógico e coerente, deveriam fazer parte

da formação do professor, tanto no que concerne à sua teorização quanto no

que concerne à sua vivência prática.

Chegando ao final dessas reflexões, creio ter argumentos para poder

afirmar que a Escuta Musical é uma estratégia de aprendizagem integrada,

ao lado de várias estratégias indutoras de estados emocionais positivos, a

exemplo de relatos, textos poéticos, filmes, dramatizações, etc. Porém, leva

uma vantagem sobre outras estratégias: seu acesso ao nosso cérebro

límbico é direto, sua capacidade de emocionar não exige filtros conceituais.

Panksepp e Bernatzky ilustram, nessa fala, o poder que a música tem de

atingir nossas regiões mais íntimas (2002, p. 139):

Page 240: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

240

(...) muitos aspectos dinâmicos da música provavelmente

ganham acesso ao sistema emocional humano quase

diretamente sem a necessidade de serem processados

proposicionalmente. (...) Dessa forma, podemos apreciar

porque muitos processos cerebrais/mentais (por ex., nossos

sentimentos mais íntimos) difíceis de comunicar em meras

palavras podem ser mais facilmente expressos em música.

Page 241: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

241

EEEEpílogopílogopílogopílogo

Uma “estorinha” que encerra este

escrito e abre um portal para toda

uma outra história...

A árvore sonhadora Tatiana Clauzet

Page 242: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

242

Estória da EstrelinhaEstória da EstrelinhaEstória da EstrelinhaEstória da Estrelinha

“Era uma vez um garotinho que adorava a noite porque o céu ficava cheio de estrelinhas brilhantes que cintilavam... O que ele mais queria era poder pegar uma delas e guardá-la dentro de uma caixinha para poder ver sua luz também durante o dia.

Mas...o céu era muito alto, muito longe...e o menino não tinha uma nave espacial que o levasse...Por isso, um dia estava

triste à janela e disse à sua mãe: - Mamãe, estou triste, não posso pegar uma estrela do céu e guardá-la nesta caixinha para

ver sua luz também durante o dia...A mãe então respondeu: - Filho, você não pode pegar uma estrela do céu, mas

pode ouvir sua voz, se ficar bem quietinho, fechar os olhos e prestar bastante atenção, ouça...

O menino então se deitou, fechou os olhos, ficou bem

tranqüilo e...ouviu a voz da estrelinha...”

Entra a música e a história continua...Entra a música e a história continua...Entra a música e a história continua...Entra a música e a história continua...

Page 243: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

243

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Paulo Freire em forma de programa de rádio.)

Page 250: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

250

ANEXOSANEXOSANEXOSANEXOS

ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO 1111 –––– “A Música do Grupo“A Música do Grupo“A Música do Grupo“A Música do Grupo”””” (Áudio)(Áudio)(Áudio)(Áudio)

ANEXO 2 ANEXO 2 ANEXO 2 ANEXO 2 –––– Relação das musicas utilizadas na estratégia de Escuta Relação das musicas utilizadas na estratégia de Escuta Relação das musicas utilizadas na estratégia de Escuta Relação das musicas utilizadas na estratégia de Escuta

Musical durante a pesquisaMusical durante a pesquisaMusical durante a pesquisaMusical durante a pesquisa

1. Murray Schafer – Miniwanka – obra vocal para coro misto a quatro vozes.

2. Murray Schafer – Snowforms – obra vocal para coro misto a quatro vozes.

3. Cantos Tradicionais Maronitas – música litúrgica russa, de origem bizantina,

canta a uma só voz.

4. As Grandes Vozes Búlgaras – cantos tradicionais búlgaros executados por

exóticas vozes femininas.

5. H.J. Koellreutter – Ácronon – obra contemporânea para pequeno grupo

instrumental, que utiliza diversos procedimentos aleatórios e improvisação.

6. Witold Lutoslawsky – Jogos Venezianos – obra orquestral contemporânea,

utlizando procedimentos composicionais de vanguarda, a exemplo de campos

aleatórios.

7. Canto Gregoriano – Os tons da Igreja – canto monódico da igreja cristã.

8. Fernando Sardo – Bambuzais – música experimental brasileira que utiliza

instrumentos construídos pelo próprio compositor.

9. Celtas...reminiscências – música para harpa celta de caráter intimista e

repousante, executada por Cássia Doninho.

10. Flauta Shakuhachi (flauta de bambu) – música tradicional japonesa, utilizada em

rituais Zen, a partir do século XIV.

11. Gagaku – Etenraku – gênero musical instrumental do Japão muito antigo (a

partir de II d. C)

12. Ihu – Todos os Sons – coletânea com cantos de diversas tribos de índios

brasileiros, pesquisados, agrupados e adaptados por Marlui Miranda.

13. Ihu – Kewere: rezar – obra que reúne cantos de pajés de tribos brasileiras e

versos cristãos de José de Anchieta, acomodados numa forma musical

específica – a missa – a partir de um projeto idealizado por Marlui Miranda.

14. Vivaldi&Pixinguinha – Concerto Grosso op. 3 nº 11, executado por uma

formação instrumental típica do chorinho brasileiro, com arranjos lindos de

Radamés Gnatalli.

15. New World Brasil – coletânea de música experimental brasileira reunindo

trabalhos de vários artistas interessados na pesquisa de novos sons e músicas

étnicas, a exemplo do Grupo Uakti.

16. Meu Neném – encantadoras cantigas de ninar executadas na Kalimba por Décio

Gioieli.

17. Serge Folie – Kyrie ( 1ª parte da missa) – obra contemporânea com harmonia e

ritmo inusitados para o gênero, cuja melodia de rara beleza é entoada por uma

voz infantil.

Page 251: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

251

ANEXO 3 ANEXO 3 ANEXO 3 ANEXO 3 ---- TTTTranscrição dranscrição dranscrição dranscrição daaaa fitafitafitafita da avaliação final do da avaliação final do da avaliação final do da avaliação final do curso de Metodologia do curso de Metodologia do curso de Metodologia do curso de Metodologia do EEEEnsino nsino nsino nsino

Musical IIMusical IIMusical IIMusical II

FACULDADE DE MÚSICA CARLOS GOMES - junho de 2006

Proposta avaliativa do curso:

O grupo havia vivido um processo intenso de convivência e estudo das pedagogias

musicais, ao longo de dois semestres. A gravação que segue abaixo foi uma forma de

avaliação encontrada que pudesse abrir espaço também para o não verbal e o artístico que

tantas vezes fica relegado a segundo plano, apesar da natureza artística do curso.

A avaliação iniciou-se a partir da seguinte questão:

Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria?Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria?Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria?Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria?

EnnyEnnyEnnyEnny - Vamos organizar, se não, não dá tempo. Você se importa de começar de novo?

Você falou que seria uma surpresa a cada compasso, que ela poderia ser paradoxal, não

linear, pode continuar...

MatheusMatheusMatheusMatheus – ela pode ser livre, ou baseada num contexto, independente da situação, ela pode

ter expressividade, tanto num caráter forte como mais tranqüilo dependendo do que é

proposto aqui, é uma visão bem simples, geral, né? É o que a aula me passa, o curso me

passa. E também, a oportunidade de crescer.

Enny Enny Enny Enny - hahã...

LiebeLiebeLiebeLiebe – e... a música que você mostrou pr’a gente, é uma do Murray Schafer, aquela

partitura, eu acho que é...eu acho que seria ela, tá?

EnnyEnnyEnnyEnny - hahã...

LiebeLiebeLiebeLiebe - porque é uma partitura livre, porém um pouco assim calculada, referenciada,

interessante, acho que é isso, acho que foi uma música perfeita.

EnnyEnnyEnnyEnny - uma obra prima

LiebeLiebeLiebeLiebe - preciso gravar...

JaquesJaquesJaquesJaques – eu li que ele fez olhando pela janela, uma paisagem, num dia de neve...

MatheusMatheusMatheusMatheus – eu também poderia dizer que essa música não só a do Schafer, mas também uma

que você colocou que foi do Koellreutter, acho que...vai bem também, pode entrar nesse

baú aí de música.

EnnyEnnyEnnyEnny - por que?

MatheusMatheusMatheusMatheus – porque eu achei ela muito expressiva, né? Ela tinha assim aspectos,

determinados momentos que ela era forte, extremamente forte, aí ela caía num vazio,

tranqüilizava, era paradoxal mesmo, de um pólo ao outro.

EnnyEnnyEnnyEnny - a estética relativista do impreciso e do paradoxal...

GibaGibaGibaGiba – eu queria tentar lembrar essa frase, como que é?

EnnyEnnyEnnyEnny - é o nome da estética dele: estética relativista do impreciso e do paradoxal. Quem

mais fala que música seria?

JaquesJaquesJaquesJaques – eu penso numa forma, eu penso na Suíte, porque eu acho que foram...prá começar

eu não vejo, eu não achei que foi caótico, eu acho que foram pequenos lances mesmo

encadeados, todos no mesmo tom, alguns movimentos mais acelerados, outros mais lentos,

mas eu acho que a tônica do semestre se manteve, assim, teve uma coloração meio única

do grupo, que eu acho que é bacana, dá um caráter de unidade.

EnnyEnnyEnnyEnny - é, coesão, né?

GibaGibaGibaGiba – tinha que ser... pode ser uma música normal?

Risos.

Page 252: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

252

EnnyEnnyEnnyEnny - a sua música, a que você ligaria a esse semestre.

JaquesJaquesJaquesJaques – vem um Jazz, aí... (risos)

GibaGibaGibaGiba – vou dar uma de metido...

EnnyEnnyEnnyEnny - qual?

GibaGibaGibaGiba – vou dar uma de metido, posso tocar uma música?

Comentário geral, brincadeiras JaquesJaquesJaquesJaques – Gostei da idéia...

GibaGibaGibaGiba – eu acho que é essa (e se senta ao piano)

O Giba toca “Começar de novo” de Ivan Lins e esse é um momento de intensa emoção para o grupo, todos choram e ao final começam a cantar juntos as últimas frases da música. MatheusMatheusMatheusMatheus – matou giba !

EnnyEnnyEnnyEnny - matou, né?

MatheusMatheusMatheusMatheus – passou um filme dentro da tua cabeça agora, né Enny?

EnnyEnnyEnnyEnny - é passa...é que a gente também está conversando sobre o processo do Giba, né? e,

se é isso mesmo, começar de novo...

GibaGibaGibaGiba – nossa, depois eu te conto...

Orlando Orlando Orlando Orlando – a gente fica meio sem palavras, né? prá descrever um momento desse, eu acho

fantástico isso...

MatheusMatheusMatheusMatheus – esse momento foi de extrema sensibilidade, Giba, obrigado...

GibaGibaGibaGiba – vocês também, prá crescer tem que crescer junto não é individual.

EnnyEnnyEnnyEnny - e quem mais vai dizer que música foi esse semestre?

Segue-se um grande silêncio. PaulioPaulioPaulioPaulio – Enny esse curso é assim...um samba assim...a galera, pinta uma escola vai

andando, o samba vai andando, todo mundo vai, eu fico ali, eu fico dançando, aí de repente

eu vou lá, pego um tamborim, faço um som, aí volto, aí fico olhando, aí olho os caras assim

tocando, aí vou lá, a música vai, pego um prato aí fica grande, ah!! aí volto, aí vou lá fazer

um som, volto, danço, tomo uma... (muitos risos durante toda essa fala) JaquesJaquesJaquesJaques – é isso aí, né? assim, eu me comprometo sem me comprometer, me envolvo sem

me envolver...ótimo...( mais risos) PaulioPaulioPaulioPaulio – tem uma “harmona” também (harmonia mUsical)

MatheusMatheusMatheusMatheus – harmona?

PaulioPaulioPaulioPaulio – uma harmona rolando aí, tem que ter

MatheusMatheusMatheusMatheus – sem harmona não dá cara...

PaulioPaulioPaulioPaulio – toda 3ª feira de manhã...eu já venho assim, quando chego aqui, chiuuuu (faz um

som de viagem)

RodrigoRodrigoRodrigoRodrigo – prá mim foi vários tipos de música também, professora. Eu...eu senti que eu

cresci e muito com o primeiro semestre e o segundo semestre de metodologia, foram

várias aulas que fez com que eu desenvolvesse métodos, que eu enxergasse de outra

forma, tanto é que até os meus próprios alunos sentiram muita diferença. Então, como eu

estava num mundo, e...aquilo foi rompido, foi estourado, aí o que aconteceu, eu acabei,

eh...usando tudo que eu aprendi aqui, principalmente com a professora que fez a gente

olhar de outra forma, não vir e depositar, né? como Paulo Freire fala, “vem, deposita, é

isso, tchau”, não é bem assim, então, eu acho que essa é a essência, entendeu? São várias

músicas, e eu colocaria um paralelo que eu já fiz, que aconteceu da mesma forma, com

banda de baile, porque você é obrigado a tocar tudo, você interpretar da sua forma, que são

vários tipos de ritmo, vários tipos de música, mas um fundamento só: terminar

satisfatoriamente, terminar com sucesso. Eu acho que o objetivo também é esse desde a

forma de você começar até terminar com sucesso, só que é uma coisa que...terminar

simbolicamente porque nunca vai terminar, é uma coisa que vai estar sempre ao nosso

Page 253: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

253

redor, eu vou estar sempre envolvido com isso, mesmo não estando presente nas aulas, não

tendo mais as aulas, vai fazer com que, já foi plantado na minha cabeça que a visão que eu

preciso ter em termos da educação ou em termos de música já é outra, então eu colocaria

essa aula de metodologia de ensino tanto a I quanto a II, peso maior prá mim. Foi muito

legal, principalmente, o que me chamou a atenção que foi os relaxamentos, que não temos

outra aula que faça relaxamento, é você buscar voce mesmo, seu interior, você não tem

isso no dia a dia, e isso é muito valorizado...

Orlando Orlando Orlando Orlando – eu senti muito isso também, professora, o dia quando começa com um momento

como esse parece que tudo flui, né? prá que dê tudo certo, e isso é legal...

PaulioPaulioPaulioPaulio – é mais fácil, o dia começa com batucada, chega com um tamborim fica treinando, aí

galera !! quando é que vai começar?...

RodrigoRodrigoRodrigoRodrigo – Cada um tem a sua interpretação mas tudo é lógica só, é exatamente isso é o

crescente...

Orlando Orlando Orlando Orlando – momentos assim de relaxamento de tensão, de emoção como a gente sentiu

hoje...

RodrigoRodrigoRodrigoRodrigo - são as dinâmicas...

OrlandoOrlandoOrlandoOrlando – pra mim assim foi, foi uma lição de vida mesmo, aprendi bastante, sinto que o

tempo foi pouco porque é muita coisa pra gente estar lendo e correndo atrás, mas a gente

já sabe onde procurar, isso é importante, embora não tenha dado tempo de ver tudo, se

você quiser saber um pouco daquilo você sabe onde procurar, né? e isso é bem legal. Prá

mim foi. Está sendo, né? um aprendizado muito bom. Eu ainda não consegui relacionar com

uma música...

EnnyEnnyEnnyEnny - e você Adriana? Eu perguntei se nosso curso fosse uma música que música seria, e

é isso que o pessoal está respondendo...vai pensando.

PaulioPaulioPaulioPaulio – a festa da Ivete...

Adriana Adriana Adriana Adriana – eu tenho que pensar melhor prá saber que música, mas eu senti assim que as

coisas que você fala, que você pega, se aplicam nessa aula, e isso é legal porque o discurso

não é dissociado da prática; e isso que o Orlando falou de ter uma aula com emoção, uma

aula com relaxamento, onde o corpo é integrado no ser, é não está só um intelecto aqui, não

tem só um monte de cabeças pensando, essa é a avaliação final, que música que

representa? Acho que fecha com chave de ouro. Prá mim foi muito legal desde a I também,

principalmente pelo processo que eu estou vivendo, eu comecei a dar aula agora prá

criança, uma coisa que prá mim é inédita, e... e eu comecei a caminhar – até escrevi um

pouco disso no portfólio- com uma experiência que eu já tinha que foi dos registros que eu

fazia no outro curso de enfermagem, que era de estar registrando sempre minha atividade,

depois analisando o que tinha sido bom, e o que é que não tinha sido, e a partir daí,

construindo um conhecimento e um pensamento em cima, então, por isso eu coloquei no

meu portfólio que eu acho que a Madalena Freire, no primeiro semestre foi legal, eu já

conhecia, não exatamente por ela, por um outro autor, mas eu, me colocando no lugar dos

meus colegas, se eu estivesse aqui e eu fizesse esse caminho, eu estaria aonde eu estou,

eu acho que foi um pouco o que o Mateus fala de não dar o peixe mas ensinar a pescar.

Porque a gente poderia ter tido várias técnicas de...fazer pedagogia e de...mas não foi

assim, foi uma coisa mais profunda, uma coisa que você não deu a receita do bolo, pronto:

dois kilos de açúcar, não, mas a gente foi construindo com essas outras coisas mais

profundas então o que eu tiro da minha prática é que eu comecei a fazer de novo esse

registros, e depois, com essa leitura desse pedagogos, desde o Paulo Freire até os

musicais mesmo que a gente trabalhou, eu fui montando, isso foi subsidiando mais ainda o

meu jeito de dar aula. E está acontecendo de uma forma super legal, e tenho certeza que

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254

essas duas, tanto a I quanto a II, me ajudaram a ter segurança nesse caminho e a estar

construindo assim. Então, não sei se fui muito subjetiva, mas é isso que eu levei do curso.

EnnyEnnyEnnyEnny - quem não é subjetivo, né?

Adriana Adriana Adriana Adriana - e o portfólio foi... eu achei muito legal, eu não tinha tido essa experiência, eu

estava lendo, até o Piaget fala que tudo o que a gente pensa deveria ser escrito, tanto que

ele tem mais de cinqüenta livros, e o portfólio foi uma experiência assim , as coisas iam

acontecendo, e, coisas que antes eu deixava passar, eu comecei a escrever a colocar nesse

portfólio, e isso ia aumentando o conhecimento começava pequeno, daí a pouco ele estava

gigante, aí no outro dia maior ainda, maior ainda, e...eu fiz um projeto de mestrado faz uns

três anos, e eu tive dificuldade, porque o texto não saía, né? ele não corria, estava truncado

e no porfólio não foi assim, foi muito tranqüilo, fácil, e aí eu comecei a pensar que se

alguma vez eu quiser tentar o mestrado de novo, eu acho que foi um super exercício

porque as coisas começaram a fluir, as experiências que...as coisas que a gente fazia na

sala de aula, as pessoas que a gente estava estudando, estava lendo, agora os meus livros

são cada vez mais rabiscados, eu estou sempre com o lápis em punho, eu durmo com o

lápis do lado. Eu tenho pena porque eu cheguei atrasada em muitas aulas, eu perdi essa

parte inicial, que pra mim também é fundamental, a primeira então eu acho que prá mim

assim foi muito legal, eu estou saindo da faculdade este semestre e acho que isso foi o que

mais valeu a pena de eu ter feito aqui dentro; na minha formação na UDESC por exemplo

eu tive didática, mas foi completamente diferente, foi sobre os pensadores, desde o Dewey

até vários pensadores da educação, foi bacana, foi legal, mas só que aqui foi uma coisa mais

profunda, eu acho, e de buscar...buscar o nosso jeito, é isso que eu achei legal, porque até

as últimas aulas foi sobre os blocos de conteúdo de cada um e eu fiquei pensando, nossa!

eu acho que isso deveria ter mais tempo.

EnnyEnnyEnnyEnny - é que isso é até uma outra disciplina, né? É a organização curricular, eu que fiquei

com vontade de dar uma passeada nisso...

Adriana Adriana Adriana Adriana – Eu achei que foi ótimo...

JaquesJaquesJaquesJaques – tem essa disciplina aqui?

EnnyEnnyEnnyEnny - Tinha na Pós-graduação.

Adriana Adriana Adriana Adriana – aí no início eu lembro que você perguntou se a gente preferiria estudar os

pedagogos ou estudar a partir da nossa prática, né? e eu respondi que eu achava melhor

fazer as duas coisas, mas passar pelos pedagogos, e aí depois quando você deu os blocos

de conteúdos eu falei putz eu não sei se eu devia ter escolhido essa opção, né?

EnnyEnnyEnnyEnny - as duas coisas são importantes...

Adriana Adriana Adriana Adriana – são, mas aí no fim eu achei que ficou pouco tempo só prá essa parte

EnnyEnnyEnnyEnny - eu acho que a faculdade, seja boa ou seja ruim, é um lugar que você passa só

acendendo a luz e depois você vai procurar, é o portal entende? Quem acha que sai da

faculdade e que fechou...fecha uma gestalt, com certeza. Mas abre um portal enorme, não é

mais garantia do que quer que seja, a faculdade, é uma etapa, né?

MatheusMatheusMatheusMatheus – eu acho que, eu estava pensando assim , em termos de música né? prá mim eu

acho que uma faz muito sentido pra essa aula, uma é “brincar de viver”...

EnnyEnnyEnnyEnny - quem me chamou? ( canto), você sabe tocar?

MatheusMatheusMatheusMatheus – sei, tem umas outras duas músicas que eu acho que, eu acho, né? fazem parte do

curso, que é “Canção da América” e “Coração de estudante”

PaulioPaulioPaulioPaulio – são as mesmas de todo ano...

MatheusMatheusMatheusMatheus – é não tem...não tem como, né? sempre vem a lembrança, o que a gente está

passando hoje, o que a gente está colhendo de informação, e...tudo que você passou prá

gente, você plantou em cada um de nós alguma coisa, e eu acho interessante é que cada um

Page 255: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

255

de nós está saindo daqui com uma visão diferente, cada um com o seu pensamento, com a

sua forma de ver, eu acho que mais ou menos seria por aí...

Matheus se senta ao piano, toca e canta “Coração de estudante”, com a ajuda de outros colegas no canto, numa espécie de diálogo. Esse é outro momento cheio de emoção.

MatheusMatheusMatheusMatheus – é isso aí...

Todos aplaudem. EnnyEnnyEnnyEnny - só falta você, Flávio, dizer que música é essa, que música é essa dessa aula...

FlávioFlávioFlávioFlávio – foi uma surpresa assim, eu...

EnnyEnnyEnnyEnny - não precisa ser uma música que existe...

FlávioFlávioFlávioFlávio – eu não sei o que pensar, assim...não assim é que essa aula prá mim foi assim, como

é que fala, chocante, né? a gente vem de várias aulas que a gente vai assistindo e ela é

completamente diferente, o resto é mais sério assim no sentido de...aula mesmo, isso não

parece aula, parece um convívio assim, a gente vai aprendendo, eu percebo assim que no

começo a classe, no começo assim, a gente é mais preso, e tudo... e depois vai soltando,

tanto assim – até escrevi no portfólio – em relação à improvisação o que eu percebi, que no

começo todo mundo começa mais assim preso e depois vai se soltando e vai saindo muita

coisa legal, assim, a gente vai vendo, vai conversando; eu acho que ainda estou na fase

assim de descobrir muita coisa, mas assim abriu minha cabeça, vai caminhando assim, o

jeito que a aula rola é muito diferente de tudo que eu já tinha tido, assim, e...é legal porque

a gente fica mais solto, né? aberto, e saem coisas bonitas, não tem na faculdade... não

sei...mas uma música assim prá essa aula, eu não sei o que é que podia ser...

EnnyEnnyEnnyEnny - eu proponho que voces façam agora essa música, vamos abrir o armário?

Prá mim é uma colagem, e eu estou pensando numa específica que eu vi no...não consigo

lembrar esse nome, um compositor francês que veio dar um curso na UNESP sobre a

música pós 1945, e ele trouxe uma música que era uma colagem, Beethoven colado com

música eletroacústica, claro que tinha critérios pra fazer isso, né? mas era uma riqueza

enorme de informação, de cruzamentos, de misturas, de individualidades, identidades que

se misturavam, épocas diferentes que se juntavam...

JaquesJaquesJaquesJaques – bem o século XX, né?

EnnyEnnyEnnyEnny - é, uma idéia assim de riqueza muito grande, de diversidade e da possibilidade de

tudo isso estar junto, prá mim seria essa colagem, e essa colagem inspirada, inspirada por

tudo que há de mais humano, não é isso? Como é que a gente vai educar os outros sem

tocar na dimensão humana, é isso que me preocupa na formação de professores; como é

que nós vamos mexer na cabeça dos outros sem mexer com a nossa cabeça? Essa é a

questão.

Sirvam-se crianças ! (de instrumentos do armário), eu não vou falar nada dessa

composição, mas me coloco à disposição prá participar.

Segue-se um murmúrio geral, todos escolhendo seus instrumentos. EnnyEnnyEnnyEnny - a idéia é a gente fazer uma música...

GibaGibaGibaGiba – pode ser qualquer coisa? Pode ser colagem?

EnnyEnnyEnnyEnny - pode ser qualquer coisa, pode ser colagem...

Murmúrio geral – colagem..colagem...

A música, ou melhor, o aquecimento para ela começa no piano e outros vão se agregando...inclusive vozes, instrumentos de plaquetas e diversas percussões. EnnyEnnyEnnyEnny - a música já começou?

PaulioPaulioPaulioPaulio – já tá rolando...

EnnyEnnyEnnyEnny - toda música precisa ter... precisa partir de uma idéia, o Schafer para fazer

“Snowforms” partiu da observação da paisagem, e...você pode partir de uma fórmula

matemática...

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256

PaulioPaulioPaulioPaulio – a gente já tem já, é a aula, e agora vai rolar, som-diversão...

EnnyEnnyEnnyEnny - é a última coisa que eu falo, não vou mais interferir.

MatheusMatheusMatheusMatheus – acho que a gente tem que começar, assim por exemplo, uma idéia...

PaulioPaulioPaulioPaulio – tem que rolar, tem que rolar, natural, natural...

MatheusMatheusMatheusMatheus – a gente tem que sentir o som, prá gente sentir o som, a gente tem que fazer

silêncio...

EnnyEnnyEnnyEnny - é o seguinte, vamos tirar o verbal da jogada, ninguém mais fala, e abre as

percepções para ver o que é que está acontecendo com o som, e antes de começar, tem

que fazer um silêncio, de olho fechado, alguém vai quebrar esse silêncio tocando alguma

coisas e a partir daí, a música vai se construindo. Mas espera, não tenham medo de curtir

um pouco esse silêncio. Fechem os olhos...

Segue-se menos de um minuto de silêncio, a música começa rarefeita e pontilhista, predominando percussões e aos poucos outros instrumentos e vozes vão se agregando.A música acontece durante aproximadamente 20 minutos com momentos de agregação e desagregação sonora, ilustrando pontos de bifurcação conduzindo a resultados inesperados; momentos poéticos, momentos sensuais, momentos diáfanos, sutileza e violência. Ao final alguém grita “quebra tudo” e outros entram no mesmo refrão, a música cresce torna-se criativamente caótica e termina com grande euforia gerada no grupo. TodosTodosTodosTodos – aplausos, risos e murmúrio geral

GibaGibaGibaGiba – a gente acabou se empolgando acima...muito bom

EnnyEnnyEnnyEnny - é música supratemática.

Segue-se comentário geral sobre os detalhes práticos da improvisação. EnnyEnnyEnnyEnny - eh... vocês já falaram um pouco, mas sabe o que eu queria, que a gente voltasse na

questão da estratégia inicial dessa aula, dessas escutas que a gente faz, que vocês

comentassem um pouquinho o significado disso, que é que vocês sentiram fazendo isso, e

que importância vocês acham que isso tem. Vocês já falaram mas eu só estou reforçando.

Eu queria que vocês comentassem a estratégia inicial da aula, da escuta musical, o que é

que isso traz, o que é que agrega, ou não, pode ser?

MatheusMatheusMatheusMatheus – a escuta traz uma liberdade total prá você ouvir, ter a percepção de tudo o que

está à tua volta e criar em cima disso, uma outra percepção, um outro mundo, uma outra

forma de ver, quando Giba dá esse “quebra tudo” e a gente saiu quebrando pau mesmo,

descendo o braço, acho que fica na cara assim notório a expressão do que eu quero dizer

agora, né? que é uma outra percepção, você tem a liberdade total, com teu corpo, com a tua

mente, você pode viajar, esse é o sentido principal, viajar através do teu interior, do teu

pensamento, através do que está à tua volta mesmo, transcender, acho que essa é a palavra

certa, transcender.

LiebeLiebeLiebeLiebe - prá mim que tive uma experiência anterior a essa, numa faculdade onde a chibata

entrava nas aulas, essa experiência de ter chegado aqui e começar a aula ouvindo música,

prá mi foi assim como sair do inferno mesmo e ir pro céu mesmo, sabe? ir pro lugar onde

eu procurava, eu queria música, e lá as pessoas não fazem música elas se preocupam com

técnica demais, a música mesmo fica esquecida, então começar ouvindo sensibiliza muito

prá todo o resto, sabe? prá todo o trabalho que se pretende fazer. É isso.

EnnyEnnyEnnyEnny - a palavra é livre. Que é que vocês acharam, falem mais, cada um podia falar um

pouquinho...

GGGGibaibaibaiba – esse lance da escuta você abre um pouco mais a tua cabeça, né?

EnnyEnnyEnnyEnny - influencia o que vem depois?

Existe uma concordância geral, em vários comentários que se perdem. FlávioFlávioFlávioFlávio – você deixa a mente aberta quando a gente faz aquele relaxamento ouvindo música,

parece que você se desliga de lá de fora...

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257

GibaGibaGibaGiba – a gente não está acostumado a ouvir música dessa forma, a gente ouve no carro,

ouvir música está muito abandonado, né? escutar música...

Adriana Adriana Adriana Adriana – eu acho que o relaxamento nessa aula ajuda porque a gente ouve, mas despido de

qualquer coisa assim, entregue, o que não acontece muitas vezes, a gente ouve música mas

não se entrega totalmente, e aí prá fazer o que a gente fez aqui é preciso isso, prá fazer

esse quebra tudo, você se entregar, esse tipo de coisa é essencial; eu acho que toda aula

da faculdade deveria ser assim, porque é o que o Flávio falou, toda aula é aula tradicional,

você pega senta e começa a escrever e a ler, e tudo isso não... é engraçado, eu pensei

assim, eu vou acabar o semestre, vou sair da faculdade, e o que eu quero fazer? O que eu

quero fazer é uma coisa que estou com muita saudade de fazer, eu quero fazer arte, eu

pensei assim...porque é incrível, eu estou na faculdade de música e eu estou envolvida com

isso, mas eu não sinto que estou fazendo arte, eu sinto que a minha cabeça está sempre

pensando e tal, mas eu não estou vivendo, eu não estou assim, eu não estou no meio

dessa...de realmente fazer arte, de estar me sentindo viva, estar me sentindo com essa

coisa mágica que a arte traz. E aí eu pensei, eu estou precisando disso assim nesse

momento, eu estou precisando disso, e aí o que a gente fez aqui, é...eu acho que fluiu e é a

primeira vez que aconteceu isso esse semestre, não sei se mais alguém teve essa

experiência aqui dentro da faculdade. Mas eu acho que a aula num curso de música deveria

ser assim, não deveria ser aula... a maior parte pelo menos é assim, é sentar, escrever,

olhar pro quadro...

EnnyEnnyEnnyEnny - é o paradigma vigente, né?

Adriana Adriana Adriana Adriana – e aí como que a gente vai ensinar? Vamos passar a mesma coisa que a gente está

vivendo, a gente vai passar o estudo assim...

MatheusMatheusMatheusMatheus – você sabe qual é a solução que eu vejo para o problema, Enny? Dá todas as aulas

da faculdade...

Risos. EnnyEnnyEnnyEnny - é preciso que as pessoas desejem mudar o paradigma...aí muda...

MatheusMatheusMatheusMatheus – mas é fantástico,

GibaGibaGibaGiba – depende da gente...

EnnyEnnyEnnyEnny - por isso que eu faço isso, na esperança de que vocês saiam daqui quebrando tudo...

Um dos alunos pega um rádio, os outros começam a fazer brincadeiras e isso flui por um minuto ou dois. LiebeLiebeLiebeLiebe - uma coisa eu acho muito importante pra gente: é que apesar de nós não termos

exatamente aquilo que nós quereríamos, que seria o ideal, eu acho que é muito importante

que a gente faça com o que a gente tem, seja pouco ou muito, sabe? E que nunca vai ser

ideal, nunca vai ser exatamente aquilo que a gente pensa, mas essas coisas todas servem

para que a gente busque, quanto menos propício for o ambiente, mais coragem a gente

precisa ter, eu acho que tem isso assim, usar o pouco que tem, não é tudo como deveria

ser, mas o pouco que a gente teve foi pra mim assim ,muito, muito importante, e eu acho

que vou fazer uso disso, muito assim, muito mesmo, eu me sinto muito privilegiada aqui.

JaquesJaquesJaquesJaques – eu acho que também nessa parte da gente não saber aproveitar o pouco que

tem...também eu acho que uma dose cavalar de aula reflexiva causaria um efeito contrário,

porque esse tipo de trabalho é um trabalho que mexe muito, imagina então se todas as

disciplinas fossem trabalhadas nesse molde. Tem, disciplina que é informativa mesmo, né?

uma série de informações que foram agregadas ao longo da história e que você precisa

assimilar até porque prá depois você refletir a respeito, né? eu acho que a disciplina

cumpre bem o papel assim, de ser uma disciplina reflexiva no meio de várias que são só

informativas, e nem acho que poderiam mesmo ser todas reflexivas, porque eu acho que ia

dar um nó na cabeça de muita gente, e eu acho que acabava que podia ter um efeito não

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muito...porque a reflexão ela é muito parecida com lava de vulcão, né? eventualmente

acontecem algumas erupções que deixam uns e outros desnorteados.

Adriana Adriana Adriana Adriana – mas isso é preciso, é muito necessário...

JaquesJaquesJaquesJaques – voce já pensou se todas as aulas começam com essa erupção? É preciso uma

estrutura psicológica absurda prá administrar isso.

Adriana Adriana Adriana Adriana – mas ela se formaria já...

JaquesJaquesJaquesJaques – não acho, em algumas universidades em que existe atendimento psicológico para

os alunos, eu acho que esse tipo de coisa tem fundamento, mas numa faculdade assim que

não tem toda essa infra-estrutura, o que acontece? O que acontece é que a grande maioria

dos alunos não suporta e sai, e você sendo pé no chão, uma faculdade dessas precisa de

alunos prá sobreviver.

Adriana Adriana Adriana Adriana – mas depende da forma como é conduzido, aqui, não é só reflexiva é informativa,

olha quanta coisa a gente...

JaquesJaquesJaquesJaques – não, sim, mas depende não é todo professor que tem essa habilidade, é, esse é o

fazer também da Enny, um professor que não tenha esse tipo de fazer, se ele entra nessas

sem saber lidar com isso, porque você está lidando com...e aí você pode provocar uma

catástrofe maior, querendo ou não, a Enny trabalhou uma linha quase psicoterapêutica,

então você precisa de ter um feeling assim prá sacar com que estrutura você está mexendo

que não é todo mundo que tem.

Adriana Adriana Adriana Adriana – mas porque que não tem?

JaquesJaquesJaquesJaques – porque depende de uma formação humana...

Adriana Adriana Adriana Adriana – é óbvio... mas que a gente não foi educado prá isso, porque desde

O início que entrou na escola, as aulas são desse jeito como é até o final da

faculdade.

JaquJaquJaquJaqueseseses – não, eu não acho que toda disciplina tem que ser assim, eu não

penso isso, a Enny falou uma vez uma coisa prá mim que eu gravei na minha

cabeça porque eu achei bacana, a gente estava falando sobre educação de

criança, e eu falei que prá mim cantar com criança é muito complicado, é

difícil porque elas tem que aprender a transposição de oitava, apesar que

elas aprendem, mas é difícil... aí eu lembro que você falou assim mas porque

você vai gastar tempo fazendo uma coisa que você não faz tão bem se você

pode fazer aquilo que você faz tão bem? É muito sofrimento você investir

numa coisa que você não faz tão bem, se você pode investir bastante no que

você faz bem. E isso me gravou porque eu acho que assim como a gente

tem que respeitar as nossas habilidades, a gente precisa respeitar as

habilidades dos nossos professores, eles são limitados, então se o professor

tem essa limitação, não adianta você querer que ele, sabe?

Adriana Adriana Adriana Adriana – não, do nada ele não vai partir, do zero...

JaquesJaquesJaquesJaques – mas ele não vai partir nunca, às vezes ele sofre uma limitação, eu

Não posso chamar de limitação, mas, às vezes ele é bom em certas coisas

mas não é bom em outras, então assim eu tenho que ter humildade de me

inserir, aí sim eu acho que essa coisa de aprender a refletir mesmo que a

aula não tenha essa conotação reflexiva, eu acho que é importante, mas a

gente tem que ter o maior cuidado de não avaliar um professor em função

da metodologia que ele traz.

Adriana Adriana Adriana Adriana – não, mas se você pensa que o professor que desempenha ele teve uma escola prá

chegar onde ele está certo? E essa escola é o que predomina...

JaquesJaquesJaquesJaques – não concordo, Adriana, porque fica parecendo que o professor é só fruto da

formação que ele recebeu, ele é fruto de tudo que ele interagiu com a vida e tem certas

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coisas que ele é mais hábil mesmo. Por exemplo, tem certos professores de Piano que têm

uma puta habilidade de pegar um aluno com problemas de técnica e botar dedo na mão do

aluno, o aluno desenvolve uma técnica fantástica, e, tem outros que desenvolvem nele uma

capacidade de improvisação fantástica, então assim, eu acho que não adianta...eu considero

quase impossível um professor que tenha todas as habilidades, eu pelo menos, eu olho

assim, eu acho que eu tenho que catar, eu tenho que aprender a aprender do professor, eu

tenho que com esse professor mesmo se ele é fraco prá caramba.

EnnyEnnyEnnyEnny - e eu tenho que aprender a aprender do aluno. Eu faço isso, esse curso de didática

sempre foi muito... conflitivo prá mim.

GibaGibaGibaGiba – mas Enny, há quanto tempo você dá aula? São coisas novas, você sempre está

inovando...né? o professor a cada ano inova, mas tem gente que é mais lento mesmo.

EnnyEnnyEnnyEnny - é mas no começo, eu mesma ficava refletindo, eu não tenho vontade de fazer a aula

de didática como ela foi concebida prá ser, você estar discutindo programa de curso,

programa de aula, estratégia de ensino, né? eu não tenho vontade, eu sempre caio prá

filosofia da educação, prá outras áreas, de tal maneira que às vezes dá a impressão que

realmente eu não estou fazendo nada...

GibaGibaGibaGiba – não...

Risos. GibaGibaGibaGiba – sabe uma cena que...bom é final de curso né? não é que a gente vai, nós vamos

continuar falando com você, te enchendo o saco mesmo, né? vamos lá te encher o saco,

pelo menos. Mas uma cena assim que eu sempre falo prá todo mundo, foi uma vez que

você... no final do semestre, colocou aquele CD do Paulo Freire, aí ele estava falando da

ditadura e você chorou prá cacete, acho que isso foi, isso prá mim foi f...

EnnyEnnyEnnyEnny - é incrível aquele disco eu ouço mil vezes...

GibaGibaGibaGiba – puta aquela cena, aquilo lá quando entrou na revolução você chorou feito criança, na

minha cabeça eu pensei, realmente, pode estar tudo ruim ou tudo bom, mas o elemento, prá

gente é um elemento, né? (corte na gravação, infelizmente)

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260

ANEXO 4 ANEXO 4 ANEXO 4 ANEXO 4 ---- Respostas Respostas Respostas Respostas ao questionário semiao questionário semiao questionário semiao questionário semi----estruturadoestruturadoestruturadoestruturado

1. Transcorrido quase um ano do final da disciplina Metodologia do Ensino Musical ministrada na Faculdade de Música Carlos Gomes, que lembrança marcante você conserva dessa experiência?

Matheus Entendo que as discussões, as idéias que eram trocadas, o quanto pudemos conhecer as

propostas de nossos colegas como desenvolver uma aula, bem como seus projetos, e

também o fato deste curso ter nos proporcionado a chance de nos avaliar também como

profissionais.

Liebe A lembrança mais marcante é realmente o clima propício para se pensar em música e em

educação musical, gerado a partir da escuta.

Jaques

Durante uma aula de exploração de sons do entorno da escola uma experiência me marcou

de forma especial. O prédio ao lado da Faculdade forma um grande paredão de

reverberação. Durante a aula, passou um helicóptero sobre a escola e alguns de nós foram

pegos pela ilusão de serem dois helicópteros por causa da

reverberação do prédio. Essa experiência me intrigou e me levou a estudar as técnicas de

microfonação e gravação stereo (2 canais de áudio) e surround (em geral 5 canais de áudio)

onde a busca pela recriação do espaço sonoro é levada bastante a sério. Posteriormente,

ouvi um compositor de música eletroacústica falar sobre o seu interesse na composição

como o espaço e no espaço. Desde essa experiência tenho atentado para o comportamento

de microfones, ambientes e sistemas de sonorização em relação aos tempos de

reverberação.

Giba

Vou enumerá-las:

1)Conhecer os educadores musicais contemporâneos e vivenciar seus métodos de ensino.

2) O modo como a Prof. Enny conduziu o curso e sua grande humanidade em relação aos

fatos do cotidiano, partilhando alegria, dúvidas e tristezas com seus educandos. 3) Através

deste curso consegui um melhor auto-conhecimento e ampliar minha paisagem sonora.4)

A liberdade de colocar minhas idéias e experiências musicais e partilhar com meus

colegas de classe a vivência de cada um.5) A emoção da ultima aula ficará guardada na

minha lembrança.

Rodrigo

A primeira lembrança são as músicas que ouvíamos no início das aulas; os diálogos

realizados em círculos, discutindo assuntos com os amigos de classe e o professor. Depois,

conhecer os principais educadores e pedagogos musicais que não conhecia antes. As aulas

de improvisação com os instrumentos pedagógicos, podendo expressar os próprios

sentimentos, e aprendendo a explorar os sons dos mesmos.

Adriana

Muitas. Lembro que íamos para a aula com vontade de estudar e não por que ficaríamos

sem nota. Foi gostoso participar deste grupo e ver os colegas crescendo junto, construindo

Page 261: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

261

o conhecimento e com a ajuda da professora, fazendo relações da teoria com a prática.

Gostei da bibliografia escolhida, especialmente Paulo Freire, Koellreutter e Schafer. Achei

importante a professora ter apresentado pensadores importantes para a educação, mesmo

fora da área musical.

2. Normalmente, as aulas se iniciavam com uma estratégia especial, envolvendo a escuta musical. Você sente que essa abertura da aula pudesse ter influência sobre as atividades subseqüentes? Que tipo de influência?

Matheus

Acredito piamente nesta possibilidade, pois a escuta musical a que éramos submetidos era

uma forma de concentração e, ao mesmo tempo, de entrega para que pudéssemos usufruir

o máximo de conteúdo possível, o que resultava em aulas mais dinâmicas e

conseqüentemente mais proveitosas.

Liebe

Como eu já havia relatado na ocasião em gravamos a finalização do curso, tive uma

experiência de aprendizagem que me marcara muito e de maneira bastante negativa, então

quando experimentei uma aula que buscava a sensibilização antes de tratar dos conteúdos,

pude referenciar-me a cerca da influência positiva que é possível exercer no aprendizado,

dependendo da forma que estes conteúdos são abordados.

Jaques

Os períodos de audição e relaxamento foram importantíssimos para sintonizar o grupo e

permitiram um assentamento e focalização das energias. Era nítido que mesmo os que

chegavam depois de iniciado o processo e ficavam assentados fora da roda se sentiam

magnetizados pela experiência. O grupo seguia a aula mais tranqüilo, centrado e receptivo à

experiência de ouvir os colegas.

Giba

A escuta musical permite maior concentração para as atividades seguintes. Tem que haver

MUSICA em qualquer assunto envolvendo música. O clima e o ambiente ficam mais leves

e prontos para qualquer atividade musical. Falar de música sem MUSICA transforma seres

humanos em repetidores de livros e não em pessoas ativas e seres pensantes. Importante

destacar:

SOM-NOTAS-MUSICAS-SERES HUMANOS.

Rodrigo

Acredito que sim. Pelo fato do ser humano conseguir se encontrar novamente consigo

mesmo, pois estamos vivendo num mundo onde precisamos sobreviver, alcançar objetivos e

realizar-se, de modo geral, e quando nos encontramos com o nosso interior, descobrimos

que existe uma paz interna que não há lá fora.

Acredito que a escuta musical influencia nas atitudes, comportamentos e idéias do ser

humano, de crianças a idosos.

Adriana

Certamente. Esta foi uma maneira de sensibilizar e preparar os alunos para a aula. Esta

estratégia ajudou o grupo a se constituir enquanto tal deixando os colegas a vontade para

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262

se colocarem e exporem seu processo de aprendizagem sem constrangimento. Nesta

partilha, todos contribuíram para o crescimento do grupo.

3. Você deve se lembrar que ao final do curso, fizemos uma avaliação do mesmo a partir da seguinte questão: “Caso o curso que estamos terminando fosse uma música, que música seria?”, a resposta resultou numa bela improvisação musical do grupo. Caso tiver vontade de deixar algum tipo de registro escrito sobre a experiência vivida no curso, utilize o espaço que segue abaixo. Muito obrigada por sua participação.

Matheus

O resultado daquela improvisação veio para confirmar a total integração do grupo naquele

momento. Entendo que nesta atividade estávamos completamente “nus”, digo no sentido

de não nos preocuparmos com a opinião alheia, aquela sala era como uma outra dimensão,

onde éramos inalcançáveis diante de uma energia intensa, tanto que ao final da aula

algumas pessoas eu lembro que comentaram sobre o calor que estava no ambiente.

Em suma, foi “Fantástico”.

Liebe

A experiência vivida naquela ocasião, tem para mim o significado de uma porta aberta ao

infinito.

Obrigada, Liebe

Jaques

Senso de momentos. Momento para silenciar, para tocar, para variar, para manter, para

sobrepor, pra "subpor". A ligação sonora com vários indivíduos e a comunicação feita numa

esfera onde a racionalidade ficava subjugada pelas sensações. Essa forma de comunicação

direta com vários ao mesmo tempo (praticamente contrapontística) é irreprodutível pela

linguagem verbal.

Giba

No meu caso, foi um recomeço da minha vida pessoal e profissional. Toquei naquele

momento a música Começar de Novo do compositor Ivan Lins atendendo o meu falar

interno e em seguida todos nós, alunos e professor, fizemos o som único, através do

nosso corpo e voz. Espero que a música e o ensino musical sigam esse caminho e que

todos nós possamos quebrar e criar novos paradigmas. QUEBRAR TUDO é CONSTRUIR

TUDO. Obrigado Enny.

Rodrigo

A improvisação foi uma experiencia muito importante no meu dia a dia, tanto para lecionar

como para a produção em estúdios.

Lecionando, aprendi a ouvir mais meus alunos, suas idéias, suas interpretações, suas

expressões, diante do instrumento que ensino, mesmo sendo às vezes, incorretas, mas

com o objetivo de ouvi-lo e senti-lo tentando captar as suas formas de conduzir

acompanhamentos e solos, coisa que antes não acontecia.

Produzindo, deixei um pouco de lado os solos que eu escrevia antes para os músicos

interpretarem, atualmente, escrevo a cifra e peço para o músico contratado, colocar sua

expressão e sua interpretação diante do que ele está ouvindo e sentindo... em todas as

vezes, deu certo. Agradeço, por tudo que você me ensinou, passou, mostrou, improvisou,

confortou, olhou e formou.

Page 263: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

263

Beijos... Rodrigo Sperandio

Adriana

Neste momento vi a teoria inserida na prática, pois muito do que estudamos em sala se

refletiu nesta composição. Conceitos, idéias dos pedagogos e o próprio conhecimento

construído pelo grupo.

Os instrumentos convencionais e não convencionais foram bem explorados além de terem

sido utilizados de forma criativa, personalizada, com liberdade. Também diria que

praticamos algo pré figurativo, onde a improvisação partiu de uma idéia e foi se

constituindo de forma aberta, livre. A música foi surgindo naquele momento presente e a

partir das idéias de cada elemento que iam sendo lançadas e complementadas se formou

uma grande teia, algo único dentro da diversidade que cada colega trazia. Fizemos uma

improvisação coletiva realmente interessante.

ANEXO 5 ANEXO 5 ANEXO 5 ANEXO 5 ---- Letras de músicasLetras de músicasLetras de músicasLetras de músicas

Brincar de ViverBrincar de ViverBrincar de ViverBrincar de Viver

Guilherme Arantes

Quem me chamou

Quem vai querer voltar pro ninho

Redescobrir o seu lugar

Pra retornar

E enfrentar o dia a dia

Reaprender a sonhar

Você verá que é mesmo assim

Que a estória não tem fim

Continua sempre

Que você responde sim

A sua imaginação

A arte de sorrir

Cada vez que o mundo diz não

Você verá

Que a emoção começa agora

Agora é brincar de viver

Não esquecer

Ninguém é o centro do universo

Assim é maior o prazer...

Você verá...

E eu desejo amar

A todos que eu cruzar

Pelo meu caminho

Como sou feliz

Eu quero ver feliz

Quem andar comigo

Vem...

Canção daCanção daCanção daCanção da AméricaAméricaAméricaAmérica

Milton Nascimento

Amigo é coisa pra se

guardar

Debaixo de sete chaves

Dentro do coração

Assim falava a canção

Que na América ouvi

Mas quem cantava chorou

Ao ver seu amigo partir

Mas quem ficou

No pensamento voou

Com seu canto que o outro

lembrou

E quem voou

No pensamento ficou

Com a lembrança que o

outro trancou

Amigo é coisa pra se

guardar

No lado esquerdo do peito

Mesmo que o tempo e a

Distância digam não

Mesmo esquecendo a

canção

O que importa é ouvir

A voz que vem do coração

Pois seja o que vier

Venha o que vier

Qualquer dia amigo eu volto

Pra te encontrar

Qualquer dia amigo

A gente vai se encontrar

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264

Começar de novoComeçar de novoComeçar de novoComeçar de novo

Ivan Lins e Victor Martins

Começar de novo e contar comigo

Vai valer a pena ter amanhecido

Ter me rebelado, ter me debatido

Ter me machucado, ter sobrevivido

Ter virado a mesa, ter me conhecido

Ter virado o barco, ter me socorrido

Começar de novo e contar comigo

Vai valer a pena ter amanhecido

Sem as suas garras sempre tão seguras

Sem o teu fantasma, sem tua moldura

Sem suas escoras, sem o teu domínio

Sem tuas esporas, sem o teu fascínio

Começar de novo e contar comigo

Vai valer a pena já ter te esquecido

Começar de novo

Coração de EstudanteCoração de EstudanteCoração de EstudanteCoração de Estudante

Milton Nascimento

Quero falar de uma coisa,

Adivinha onde ela anda?

Deve estar dentro do peito

Ou caminha pelo ar

Pode estar aqui do lado

Bem mais perto que pensamos

A folha da juventude

É o nome certo desse amor

Já podaram seus momentos

Desviaram seu destino

Seu sorriso de menino

Quantas vezes se escondeu

Mas renova-se a esperança

Nova aurora a cada dia

E há que se cuidar do broto

Pra que a vida nos dê flor e fruto

Coração de estudante

E há que se cuidar da vida

E há que se cuidar do mundo

Tomar conta da amizade

Alegria e muito sonho

Espalhados no caminho

Verdes: plantas e sentimento

Folhas, coração, juventude e fé

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ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO 6666 –––– HisHisHisHistorinha para ouvir: “Estória da Estrelinha”torinha para ouvir: “Estória da Estrelinha”torinha para ouvir: “Estória da Estrelinha”torinha para ouvir: “Estória da Estrelinha” (Áudio)(Áudio)(Áudio)(Áudio)

Autoria; Enny Parejo

Música: Antonio Ribeiro

Pianista: Maria Elisa Risarto

ANEXO ANEXO ANEXO ANEXO 7777 –––– Carta da TransdisciplinaridadeCarta da TransdisciplinaridadeCarta da TransdisciplinaridadeCarta da Transdisciplinaridade

Preâmbulo

Considerando que a proliferação atual das disciplinas acadêmicas conduz a um

crescimento exponencial do saber que torna impossível qualquer olhar global do

ser humano;

Considerando que somente uma inteligência que se dá conta da dimensão planetária

dos conflitos atuais poderá fazer frente à complexidade de nosso mundo e ao

desafio contemporâneo de autodestruição material e espiritual de nossa espécie;

Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante

que obedece apenas à lógica assustadora da eficácia pela eficácia;

Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais

acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um

novo obscurantismo, cujas conseqüências sobre o plano individual e social são

incalculáveis;

Considerando que o crescimento do saber, sem precedentes na história, aumenta a

desigualdade entre seus detentores e os que são desprovidos dele, engendrando

assim desigualdades crescentes no seio dos povos e entre as nações do planeta;

Considerando simultaneamente que todos os desafios enunciados possuem sua

contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário do saber pode

conduzir a uma mutação comparável à evolução dos humanóides à espécie humana;

Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de

Transdisciplinaridade (Convento de Arrábida, Portugal 2 - 7 de novembro de 1994)

adotaram o presente Protocolo entendido como um conjunto de princípios

fundamentais da comunidade de espíritos transdisciplinares, constituindo um

contrato moral que todo signatário deste Protocolo faz consigo mesmo, sem

qualquer pressão jurídica e institucional.

Artigo 1Artigo 1Artigo 1Artigo 1:

Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e de dissolvê-lo

nas estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão

transdisciplinar.

Page 266: Enny José Pereira Parejo - PUC-SP

266

Artigo 2Artigo 2Artigo 2Artigo 2:

O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por

lógicas diferentes é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de

reduzir a realidade a um único nível regido por uma única lógica não se situa no

campo da transdisciplinaridade.

Artigo 3:Artigo 3:Artigo 3:Artigo 3:

A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da

confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos

uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o

domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que

as atravessa e as ultrapassa.

Artigo 4Artigo 4Artigo 4Artigo 4:

O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e

operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma

racionalidade aberta por um novo olhar, sobre a relatividade definição e das noções

de ““definição”e "objetividade”. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e

o absolutismo da objetividade comportando a exclusão do sujeito levam ao

empobrecimento”.

Artigo 5Artigo 5Artigo 5Artigo 5:

A visão transdisciplinar está resolutamente aberta na medida em que ela ultrapassa

o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua reconciliação não somente com

as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência

espiritual.

Artigo 6Artigo 6Artigo 6Artigo 6:

Com a relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a

transdisciplinaridade é multidimensional. Levando em conta as concepções do

tempo e da história, a transdisciplinaridade não exclui a existência de um horizonte

trans-histórico.

Artigo 7:Artigo 7:Artigo 7:Artigo 7:

A transdisciplinaridade não constitui uma nova religião, uma nova filosofia, uma

nova metafísica ou uma ciência das ciências.

Artigo 8:Artigo 8:Artigo 8:Artigo 8:

A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O surgimento

do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo. O

reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da

transdisciplinaridade. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, a

título de habitante da Terra, é ao mesmo tempo um ser transnacional. O

reconhecimento pelo direito internacional de um pertencer duplo - a uma nação e à

Terra - constitui uma das metas da pesquisa transdisciplinar.

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267

Artigo 9:Artigo 9:Artigo 9:Artigo 9:

A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta com respeito aos mitos, às

religiões e àqueles que os respeitam em um espírito transdisciplinar.

Artigo 10:Artigo 10:Artigo 10:Artigo 10:

Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras

culturas. O movimento transdisciplinar é em si transcultural.

Artigo 11:Artigo 11:Artigo 11:Artigo 11:

Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve

ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar

reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na

transmissão dos conhecimentos.

Artigo 12:Artigo 12:Artigo 12:Artigo 12:

A elaboração de uma economia transdisciplinar é fundada sobre o postulado de que

a economia deve estar a serviço do ser humano e não o inverso.

Artigo 13Artigo 13Artigo 13Artigo 13:

A ética transdisciplinar recusa toda atitude que recusa o diálogo e a discussão, seja

qual for sua origem - de ordem ideológica, científica, religiosa, econômica, política

ou filosófica. O saber compartilhado deverá conduzir a uma compreensão

compartilhada baseada no respeito absoluto das diferenças entre os seres, unidos

pela vida comum sobre uma única e mesma Terra.

Artigo 14:Artigo 14:Artigo 14:Artigo 14:

Rigor, abertura e tolerância são características fundamentais da atitude e da visão

transdisciplinar. O rigor na argumentação, que leva em conta todos os dados, é a

barreira às possíveis distorções. A abertura comporta a aceitação do desconhecido,

do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às

idéias e verdades contrárias às nossas.

Artigo final:Artigo final:Artigo final:Artigo final:

A presente Carta Transdisciplinar foi adotada pelos participantes do Primeiro

Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, que visam apenas à autoridade de seu

trabalho e de sua atividade.

Segundo os processos a serem definidos de acordo com os espíritos

transdisciplinares de todos os países, o Protocolo permanecerá aberto à assinatura

de todo ser humano interessado em medidas progressistas de ordem nacional,

internacional para aplicação de seus artigos na vida.

Convento de Arrábida, 6 de novembro de 1994 Comitê de Redação Lima de Freitas,

Edgar Morin e Basarab Nicolescu.

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ANEXO 8 – Partitura gráfica e Pentagrama

Modelo de Improvisação – DIRECIONALIDADE • = som de curta duração

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 • • agudo • • • • • médio • • • • grave • • (representação dos sons numa partitura gráfica, a linha pontilhada

que une os sons evita confusões na hora de ler os signos)

Pentagrama

(representação dos mesmos sons no pentagrama)

direção da leitura