Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias...

25
Escalas políticas e geoestratégias científicas: A modelagem das mudanças climáticas no Brasil 1 Jean Miguel (UNICAMP) Marko Monteiro (UNICAMP) Resumo A infraestrutura do conhecimento em clima no Brasil vem sendo transformada na última década em função das mudanças climáticas globais. Nesse processo, destaca-se a crescente importância do desenvolvimento da modelagem e previsão das mudanças climáticas. A produção de modelos e cenários climáticos futuros é defendida publicamente por pesquisadores e formuladores de políticas como um dos principais subsídios científicos para orientar a adaptação às mudanças climáticas no Brasil. Este artigo explora as implicações entre ciência e política presentes nesse processo, buscando iluminar as maneiras pelas quais as mudanças climáticas tornam-se suscetíveis ao conhecimento em escala nacional no Brasil e, ao mesmo tempo, tornam-se parte de uma política científica internacional. A partir da perspectiva dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, a modelagem climática é percebida como um instrumento geoestratégico de recodificação do território em um processo de coprodução da ciência e da política. Argumenta-se que, nesse processo, a modelagem das mudanças climáticas serve como um “conhecimento territorial do futuro” que é geoestratégico em dois níveis relacionados. Primeiro, nacional-regional na medida em que reconstrói fronteiras e regionaliza os problemas das mudanças do clima global estabelecendo uma técnica de governo dos impactos dessas mudanças em escalas locais. Segundo, internacional ao fortalecer a posição do país nas arenas de negociação e cooperação político-científicas das mudanças climáticas. Palavras-chave: Mudanças Climáticas; Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia; Ciência e Adaptação. Introdução As mudanças climáticas globais têm sido um tópico de grande visibilidade pública nas últimas décadas e têm ocupado um espaço considerável nas agendas ambientais, políticas e sociais em todo o mundo (GIDDENS, 2009). Nesse contexto, as ciências climáticas adquiriram enorme crescimento e articulação no entendimento sobre o clima e suas mudanças. A maior expressão desse crescimento e articulação foi a formação, em 1988, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Os sucessivos relatórios produzidos por esse painel têm reafirmado o aumento da temperatura global devido às emissões antropogênicas de carbono e alertado para os riscos dessa mudança. Dentre as diversas implicações entre ciência e política nesse problema, é marcante a confiança crescente no poder de pesquisas científicas estratégicas para orientar os gastos 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

Transcript of Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias...

Page 1: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Escalas políticas e geoestratégias científicas:

A modelagem das mudanças climáticas no Brasil 1

Jean Miguel (UNICAMP)

Marko Monteiro (UNICAMP)

Resumo

A infraestrutura do conhecimento em clima no Brasil vem sendo transformada na última

década em função das mudanças climáticas globais. Nesse processo, destaca-se a

crescente importância do desenvolvimento da modelagem e previsão das mudanças

climáticas. A produção de modelos e cenários climáticos futuros é defendida

publicamente por pesquisadores e formuladores de políticas como um dos principais

subsídios científicos para orientar a adaptação às mudanças climáticas no Brasil. Este

artigo explora as implicações entre ciência e política presentes nesse processo, buscando

iluminar as maneiras pelas quais as mudanças climáticas tornam-se suscetíveis ao

conhecimento em escala nacional no Brasil e, ao mesmo tempo, tornam-se parte de uma

política científica internacional. A partir da perspectiva dos Estudos Sociais da Ciência e

da Tecnologia, a modelagem climática é percebida como um instrumento geoestratégico

de recodificação do território em um processo de coprodução da ciência e da política.

Argumenta-se que, nesse processo, a modelagem das mudanças climáticas serve como

um “conhecimento territorial do futuro” que é geoestratégico em dois níveis relacionados.

Primeiro, nacional-regional na medida em que reconstrói fronteiras e regionaliza os

problemas das mudanças do clima global estabelecendo uma técnica de governo dos

impactos dessas mudanças em escalas locais. Segundo, internacional ao fortalecer a

posição do país nas arenas de negociação e cooperação político-científicas das mudanças

climáticas.

Palavras-chave: Mudanças Climáticas; Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia;

Ciência e Adaptação.

Introdução

As mudanças climáticas globais têm sido um tópico de grande visibilidade pública

nas últimas décadas e têm ocupado um espaço considerável nas agendas ambientais,

políticas e sociais em todo o mundo (GIDDENS, 2009). Nesse contexto, as ciências

climáticas adquiriram enorme crescimento e articulação no entendimento sobre o clima e

suas mudanças. A maior expressão desse crescimento e articulação foi a formação, em

1988, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Os sucessivos

relatórios produzidos por esse painel têm reafirmado o aumento da temperatura global

devido às emissões antropogênicas de carbono e alertado para os riscos dessa mudança.

Dentre as diversas implicações entre ciência e política nesse problema, é marcante

a confiança crescente no poder de pesquisas científicas estratégicas para orientar os gastos

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto

de 2014, Natal/RN.

Page 2: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

públicos e as tomadas de decisão (JASANOFF e WYNNE, 1998). Nessa relação,

cientistas e formuladores de políticas têm aceitado que as mudanças climáticas globais

podem ser melhor compreendidas através da modelagem computacional de forças

causais, naturais e sociais que influenciam o clima (EDWARDS, 2010; MILLER, 2004).

A partir das análises e previsões obtidas através desses modelos, tenta-se planejar as ações

de mitigação e adaptação das mudanças climáticas em escala global e local (MILLER e

EDWARDS, 2001).

Um aspecto surpreendente nesse processo é que a governança transnacional das

mudanças climáticas, que evoca um discurso político de cunho globalizante,

paradoxalmente, fez ressurgir afirmações e reivindicações de conhecimentos e

identidades locais (JASANOFF e MARTELLO, 2004). Isso está relacionado ao fato de

que a governança das mudanças climáticas globais apresenta contradições, ambiguidades

e complexidades em sua realidade sociopolítica local (LAHSEN, 2004; CRATE e

NUTTALL, 2009; DOVE, 2014). Portanto, é importante não perder de vista os processos

pelos quais as mudanças climáticas têm se tornado uma entidade governável na escala

nacional. Estudando o caso brasileiro, o que pretendemos indicar é que tais processos

científico-políticos colocam desafios e oportunidades ligados a geopolítica e a lógica

territorial do Estado.

O estado brasileiro, a partir da realização da conferência RIO 92, tornou-se

signatário da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima.

Entretanto, somente no ano de 2007 foi instituído o Plano Nacional sobre Mudanças do

Clima (PNMC - Decreto 6.263) e em 2009 foi promulgada a Lei 12.187 que estabelece a

Política Nacional sobre Mudanças do Clima. Entendendo que a mudança global do clima

é um dos mais significativos desafios da atualidade, o PNMC estabelece metas a diversos

setores da economia e também às instituições de ensino e pesquisa (PNMC, 2007).

Desde 2007, através do MCTI e das agências de fomento à pesquisa, o governo

passou a criar e investir em programas de pesquisa em mudanças climáticas como a Rede

Clima, o INCT das mudanças climáticas e, no estado de São Paulo, o Programa FAPESP

em Mudanças Climáticas Globais. Dentre as diversas ciências que abordam o tema das

mudanças climáticas, esses programas deram grande importância às chamadas Ciências

Page 3: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

do Sistema Terrestre2, sobretudo, na área da modelagem global do sistema terrestre3. A

criação de um Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST) no INPE, em 2007, e o

apoio à construção de um Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (sigla em inglês

BESM), ilustram a importância dada a esse tipo de conhecimento pelo governo federal.

Cabe destacar as principais metas do CCST/INPE são gerar cenários de mudanças

climáticas ambientais globais com enfoque nos efeitos dessas mudanças sobre a América

do Sul e o Brasil. Com isso, busca-se subsidiar o PNMC que reivindica estes

conhecimentos4, conforme pode ser observado a seguir:

Quando se considera a questão de mudança no clima no Brasil, depara-se com

o problema da falta de cenários confiáveis do futuro possível do clima no país,

que tem grandes proporções[...]Para a elaboração desses estudos há, entretanto,

a necessidade de desenvolvimento de modelos de mudança de clima de longo

prazo com resolução espacial adequada para análise regional, o que criará

condições para a elaboração de cenários de futuros possíveis de mudança do

clima com diferentes concentrações de dióxido de carbono na atmosfera e para

analisar os impactos da mudança global do clima sobre o Brasil. [...] Com

esses resultados, o país estará mais bem capacitado para identificar regiões e

setores mais vulneráveis com maior grau de confiabilidade do que oferecido

pelos modelos globais e, a partir daí, poderão ser elaborados projetos de

adaptação específicos com o embasamento científico apropriado,

possibilitando uma alocação mais racional de recursos públicos (PNMC, 2007,

p.87).

No CCST, está a coordenação da Rede Clima. Criada pelo MCTI em 2007, a Rede

Clima tem a finalidade de apoiar as pesquisas em mudanças climáticas em várias áreas e

servir como um pilar de P&D do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima5. O principal

projeto de pesquisa do CCST e da Rede Clima é o projeto do BESM e a elaboração do

Sistema de Modelagem Regional do Sistema Terrestre (SMRST). Conforme declarado

pelo coordenador da Rede Clima e coordenador do BESM, Paulo Nobre, “o BESM é um

eixo estruturante das pesquisas em mudanças climáticas no Brasil”6. Este projeto se alia

ao CCST na produção de cenários climáticos futuros para o Brasil e América do Sul.

Além disso, é um projeto que torna o Brasil um dos poucos países que constroem,

2 Resumidamente, essas ciências buscam entender a dinâmica da complexa interação de sistemas naturais

e humanos através da modelagem computacional. Fonte: http://www.inpe.br/pos_graduacao/cursos/cst/

acesso 25/05/2014. 3 A FINEP, através de chamadas públicas, investiu 3,5 milhões para a construção do Centro de Ciências do

Sistema Terrestre (CCST) no INPE e R$ 3 milhões para a construção do Modelo Brasileiro do Sistema

Terrestre (BESM). Fonte: FINEP, chamadas públicas PROINFRA 01\2007, 01\2006, 01\2005. Encomenda

Transversal Projetos de Pesquisa BESM 01.12.0183.00, 14/06/2012. A FAPESP investiu R$ 571.200,00

no BESM. Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/08/13/extremos-do-clima/ acesso 25/05/2014. 4 Fonte: www.ccst.inpe.br/institucional acesso: 23/05/2014. 5 Fonte: www.redeclima.ccst.inpe.br acesso: 23/05/2014. 6 Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo, 09/09/2013,

apresentação BESM, motivação e desafio.

Page 4: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

atualmente, um modelo global do sistema terrestre próprio. O primeiro destaque dos

resultados desse modelo divulgado na mídia nacional foi ter possibilitado a primeira

participação brasileira no arcabouço de conhecimentos em modelagem global para a

elaboração do 5º Relatório de Avaliação do IPCC7.

Nesse artigo, argumentamos que gerar seus próprios cenários climáticos globais e

regionais e possuir um modelo do sistema terrestre próprio possui fortes implicações com

a geopolítica exercida pelo governo brasileiro no tema das mudanças climáticas. Baseado

nos dados preliminares de uma pesquisa etnográfica dos grupos de modelagem

computacional, coordenadores de pesquisa e formuladores de políticas envolvidos com o

tópico das mudanças climáticas no Brasil buscam explorar as noções de vulnerabilidade,

realismo e autonomia que fazem parte de discursos e da produção do conhecimento em

modelagem das mudanças do clima no país. Desse modo, indicamos que a modelagem

climática é uma prática científica que possibilita a realização de políticas de tempo e

espaço e produz um “conhecimento climático-territorial do futuro” que articula a

territorialidade com uma arquitetura política local-nacional (MAHONY e HULME, 2012;

MAHONY, 2014). Nesse sentido, sugere-se que os “modelos computacionais do clima

global são tecnologias do poder” (LAHSEN, 2002) que possuem uma função prática e

simbólica importante nos interesses dos grupos político-científicos brasileiros no

contexto internacional das mudanças climáticas e em sua escala nacional de governo.

Mudanças Climáticas, Território, Conhecimento e Poder

As mudanças climáticas, entendidas como um objeto epistêmico e político

definido por sua globalidade e prossecução de uma política transnacional baseada no

conhecimento científico (HULME, 2010; JASANOFF, 2010), geram fricções com os

modos convencionais de ordenamento da relação entre ciência e política no delineamento

das fronteiras do Estado-Nação. Na história moderna dos Estados Nacionais, o território

tem sido, simultaneamente, objeto central e meio para governar de forma soberana

(WEBER, 1982). No entanto, a construção histórica da percepção dos problemas

ambientais em uma escala global (MILLER, 2004) tem desafiado noções tradicionais de

soberania e governo que colocam em questão como redefinir, reafirmar e governar as

fronteiras territoriais do Estado-Nação na atualidade.

7 Escobar, Herton, “Brasil prepara seu 1º modelo climático para o IPCC”. Jornal O Estado de São Paulo,

20 de fev. 2013.

Page 5: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Dedicados a essa questão, estudos recentes no campo dos ESCT e da Geografia

sugerem que os territórios nacionais não devem ser entendidos como uma unidade

espacial dada, mas devem ser problematizados como coproduções8 da ciência e da política

de Estado com o objetivo de, simultaneamente, conhecer e controlar o espaço

((JASANOFF, 2004; BRAUN, 2000; ELDEN, 2007;2010; MAHONY, 2014). Desse

modo, o território pode ser concebido como um objeto produzido por relações de poder e

conhecimento que colocam em circulação tecnologias de representação e comunicação

que conformam o espaço (SHARMA e GUPTA. 2006).

Para entender essa circulação de tecnologias de representação do território é útil

aplicar a noção de “centrais de cálculo” proposta por Latour (1998). Para Latour (1998),

o conhecimento científico não está por toda parte, mas transita pelo interior de uma rede

estreita e frágil. No interior dessa rede, circulam representações (ou inscrições) de todo o

tipo que descrevem e mobilizam o mundo. Os mapas, por exemplo, são representações

cartográficas de uma determinada região que permitem conhecer e controlar aquele

espaço a uma longa distância. As centrais de cálculo, Latour (1998) explica, são nós

nessas redes que recebem e transmitem essas representações, delimitando e influenciando

o que acontece no espaço representado. A partir dessa noção, o território dos Estados

Nacionais modernos pode ser pensado como produto de um processo de circulação de

representações que comunicam noções específicas de tempo e espaço.

Com as mudanças climáticas globais, os Estados e suas centrais de cálculo

precisam estar conectados a órgãos transnacionais como o IPCC, o CMIP9 (Coupled

Model Intercomparison Project) e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Mudanças Climáticas (CQNUMC) para que seus conhecimentos e políticas sobre essas

mudanças adquiram legitimidade e autoridade internacional (HULME e MAHONY,

8 Através do conceito de coprodução da ciência e da sociedade, Jasanoff (2004) sugere entender a produção

do conhecimento tecnocientífico como uma relação na qual as pessoas e as instituições envolvidas possuem

motivações políticas, interesses e valores específicos que perpassam suas atividades. Entretanto, através

dessa abordagem, pensa-se que estes atores e suas motivações transformam-se no decorrer do processo de

produção na medida em que o conhecimento por eles produzido passa a legitimar e modificar

fundamentalmente o poder e a natureza de suas ações. Nesse sentido, o contexto social e a produção do

conhecimento científico implicam em um processo de construção da realidade no qual contexto e

conhecimento são indissociáveis, pois são mutuamente construídos. A respeito da interação entre a ciência

e a política, essa perspectiva analítica evita tratar esta relação como sendo entre duas esferas separadas

tentando demonstrar que a macro-política é coproduzida pela atividade e o engajamento de cientistas e suas

comunidades no processo de sua elaboração e efetivação. 9 Projeto internacional que compara as rodadas dos modelos globais de centros regionais que farão parte do

conhecimento em modelagem climática que será utilizado para produzir o relatório do IPCC. Participar

desse projeto é um ponto de passagem obrigatório para os centros de pesquisa em clima que aspiram

reconhecimento internacional na pesquisa em modelagem das mudanças climáticas.

Page 6: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

2010; MAHONY, 2013; HULME, 2013;). Essa condição desafia as formas nacionais de

soberania epistêmica e política do Estado-Nação moderno ao colocar a necessidade de

estabelecer uma governança transnacional dos riscos (BECK, 2009).

Sobre essa questão, estudos recentes indicam que o caráter aparentemente

“cosmopolitista”10 da negociação do problema das mudanças climáticas – transmitido na

forma de um discurso da ciência e do ambientalismo de cunho “globalista” – tem sido

contestado por grupos e movimentos locais que buscam “relocalizar” o problema das

mudanças do clima através de políticas e conhecimentos que “resistem ao império de uma

nova ordem global” (MILLER, 2004b:81). Tem-se demonstrado que a heterogeneidade

também é marcante entre grupos que produzem conhecimento científico e participam da

formulação de políticas relacionadas aos problemas climáticos-ambientais (LAHSEN,

2004; JASANOFF, 2004b, 2009). Nesse sentido, reforçar e construir suas próprias

centrais de cálculo para governar as mudanças climáticas é uma geoestratégia que tem

adquirido notável importância, principalmente, nos países emergentes (LAHSEN, 2002,

2004; KANDLIKAR et. al. 2011; QI e WU, 2013; SHARMINA, et. al. 2013; ROWE,

2013; MAHONY, 2014).

No caso do Brasil, a política científica e tecnológica administrada pelo MCTI em

conjunto com as agências de fomento à pesquisa busca articular através da Rede Clima

antigas e novas centrais de cálculo que possuem expertises consideradas relevantes no

tema das mudanças climáticas11. Dentre essas expertises, é notória a importância dada

pelo MCTI (e agências de fomento) ao desenvolvimento da modelagem climática

realizada, principalmente, nos centros do INPE (CCST e CPTEC). Conforme será

discutido nas próximas unidades, essa ênfase na modelagem climática e do sistema

terrestre tem uma orientação geoestratégica que busca localizar a questão das mudanças

climáticas globais e, ao mesmo tempo, inserir o Brasil no “mapa político-científico

internacional” das mudanças climáticas globais.

10 O termo cosmopolitismo aplicado aqui se refere ao sentido atribuído por Beck (2006) que discute uma

política compreendida à luz da multiplicação de modos de vida transnacionais numa perspectiva

multidimensional. 11 De forma geral, podemos pensar em quais são essas expertises levadas em conta pelo MCTI se listarmos

as sub-redes que compõe a Rede Clima e suas respectivas instituições: Economia (USP), Desastres Naturais

(UFSC), Zonas Costeiras (FURG), Energias Renováveis (UFRJ), Saúde (FIOCRUZ), Modelagem (INPE),

Serviços ambientais dos Ecossistemas (INPA), Biodiversidade e Ecossistemas (MPEG), Desenvolvimento

Regional (UnB), Oceanos (UFCE), Recursos Hídricos (UFPE), Agricultura (EMBRAPA), Cidades

(UNICAMP).

Page 7: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Recursos e Metodologia

Pensamos que para fazer uma Antropologia da Ciência e da Tecnologia é

necessário compreender as novas formas pelas quais as tecnologias e conhecimentos

participam da construção da sociedade. Para tanto, é preciso notar que os artefatos e

saberes produzidos em laboratório transitam em rotas complexas que interagem com

instituições científicas, governos, mídias e organizações sociais as mais diversificadas

(MONTEIRO, 2012).

Ao longo dessa pesquisa, foi verificado que a prática da modelagem climática é

realizada em laboratórios de supercomputação, mas também constatou-se que muito

desse trabalho (que ocorre através de softwares de programação) é feito pelos

pesquisadores em suas casas, dentre outros locais. Além disso, as interações dos

modeladores com seus pares e colaboradores frequentemente ocorrem via internet.

Notou-se, portanto, o caráter “multissituado” (FAUBION e MARCUS, 2009) e “virtual”

(BEAULIEU, 2004) desse campo, caráter que coloca desafios ao formato tradicional do

trabalho de campo da Antropologia.

Desse modo, assim como Gusterson (1997), pensamos que em casos como esse a

observação participante, tão cara a Antropologia, precisa incorporar técnicas mais

ecléticas. Gusterson (1997:116) sugere um “engajamento polimórfico”, isto é, uma

estratégia que pode envolver a interação com informantes em diversos lugares, não apenas

na comunidade local (ou no laboratório), mas às vezes na forma virtual. Além disso, esse

engajamento permite adotar um modo de coleta de dados bastante eclético através de uma

grande variedade de recursos e de diferentes maneiras.

Através desse tipo de engajamento metodológico, buscamos nessa pesquisa

“seguir” nossos informantes de maneiras bastante variadas que não se limitam aos seus

locais de trabalho. Houve interações face a face com pesquisadores em centros de

pesquisa em clima e modelagem na forma de observações e entrevistas12. Também houve

a participação em eventos como o ConClima (1ª Conferência Nacional de Mudanças

Climáticas Globais, São Paulo, 09/09/2013) e o Environmental Modelling in Amazonia,

(Manaus novembro de 2013) nos quais foi possível assistir apresentações dos resultados

de projetos de pesquisa e a exposição do andamento da formulação da política nacional

12 Ao todo, foram conduzidas 27 entrevistas presenciais com modeladores, coordenadores de pesquisa,

membros do MCTI e demais atores envolvidos com o tema da modelagem e pesquisa em mudanças

climáticas no Brasil. Foram feitas visitas aos centros de pesquisa em modelagem: CPTEC - Centro de

Previsão do Tempo e Estudos do Clima - INPE, CCST - Centro de Ciências do Sistema Terrestre - INPE e

no IAG/USP no período de março de 2013 a dezembro de 2013.

Page 8: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

das mudanças climáticas13. Além disso, fez-se uso de materiais da internet coletados nos

sites dos centros de pesquisa e de órgãos do governo federal envolvidos com o tópico das

mudanças climáticas14, revistas e jornais online15, vídeos institucionais e de palestras

proferidas em eventos científicos16, atas de audiência públicas realizadas pela Comissão

Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC) no Congresso Nacional17.

Modelos e a Política das mudanças climáticas no Brasil

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima possui um

requerimento que estabelece a necessidade dos países signatários produzirem avaliações

nacionais de vulnerabilidade e criar estimativas de impacto das mudanças climáticas

baseadas em cenários climáticos futuros18. Estes cenários são geralmente obtidos através

de resultados de previsões dos efeitos das mudanças climáticas realizadas através de

modelos computacionais do clima global.

Na atualidade, modelos computacionais são ferramentas centrais nas ciências

naturais, pois através deles os cientistas buscam entender como ocorrem os fenômenos e

problemas ambientais e prever seus desdobramentos (MORGAN e MORRISON, 1999;

LENHARD Et. Al. 2006). Na climatologia moderna, projeções simuladas por Modelos

de Circulação Geral da Atmosfera (GCM) formam o conhecimento fundamental sobre as

mudanças climáticas em escala global (EDWARDS, 2010). Os modelos mais complexos,

chamados modelos do sistema terrestre, incluem emissões de carbono antropogênicas e

acoplam processos oceânicos, atmosféricos e da superfície continental para representar o

movimento físico de gases (ou massas líquidas), transferência de energia, reflexão e

absorção da luz solar, dentre outros fenômenos (WEART, 2003, 2010). Um dos produtos

desses modelos do sistema terrestre são os cenários climáticos futuros que, conforme

13 A Conclima 2013 reuniu pesquisadores de todos os projetos de pesquisa da Rede Clima e formuladores

de política para discutir o andamento das pesquisas e das políticas nacionais. Nos intervalos e coffeebreaks

foi possível conversar com alguns pesquisadores e obter contato para futuras entrevistas. 14 A saber CCST - http://www.ccst.inpe.br/; CPTEC - http://www.cptec.inpe.br/; MCTI -

http://www.mcti.gov.br/; MMA - http://www.mma.gov.br/; SAE - http://www.sae.gov.br/site/; CNPQ -

http://www.cnpq.br/; FINEP - http://www.finep.gov.br/; CAPES - http://www.capes.gov.br/; FAPESP -

http://www.fapesp.br/; os acessos realizados em 01/06/2014. 15 Principalmente: Revista FAPESP - http://revistapesquisa.fapesp.br/; Jornal da Ciência

http://www.jornaldaciencia.org.br/; Acessos em 01/06/2014; 16 A maioria disponíveis no youtube, encontradas com palavras – chaves. 17 Atas disponíveis em:

http://www.senado.leg.br/atividade/comissoes/comissao.asp?origem=CN&com=1450 acesso 02/06/2014; 18 Convenção sobre Mudanças do Clima.

Fonte: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/convencao_clima.pdf Acesso: 27/05/2014.

Page 9: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

mencionado anteriormente, são utilizados como meio para elaborar estimativas de

impacto e adaptação aos efeitos do aquecimento atmosférico.

Historicamente, o desenvolvimento desses complexos modelos teve início nos

centros norte-americanos e europeus a partir da década de 1970. Apesar de a previsão

numérica do tempo já ter sido teorizada no início dos anos 1920, somente com o avanço

da computação nos anos 1960 os modelos numéricos puderam ser rodados em uma

infraestrutura de cálculo adequada e produzir resultados satisfatórios (WEART, 2010;

EDWARDS, 2010). Com o passar dos anos, o avanço da supercomputação, da

modelagem e das infraestruturas de telecomunicação possibilitou a operação da previsão

numérica do tempo em escalas temporais e resoluções cada vez maiores nos centros de

pesquisa meteorológica norte-americanos e europeus de modo que, no início da década

de 1990, a modelagem computacional do clima sazonal já havia suplantado

completamente a antiga climatologia estatística naqueles países (LYNCH, 2007,

HEYMANN, 2010).

Desse modo, o conhecimento em climatologia tornou-se gradativamente um

conhecimento dependente da programação de modelos e da infraestrutura de

supercomputação e telecomunicação global. Nesse sentido, pode-se falar em uma

infraestrutura do conhecimento global em clima, a qual Paul Edwards (2010) chamou de

“uma ampla máquina”. A condição de possuir e construir parte dessa infraestrutura

apresenta-se como um limitador da prática da ciência climática na atualidade, pois nem

todos os países possuem recursos financeiros para investirem, por exemplo, na compra

de um supercomputador e na formação de recursos humanos altamente especializados

para desenvolver modelos computacionais de alta complexidade.

Com a crescente importância das mudanças climáticas na agenda de organizações

internacionais como a ONU, a WMO (Organização Mundial da Meteorologia) e o IPCC,

o conhecimento em climatologia e modelagem das mudanças climáticas tornou-se

estratégico, pois a capacidade de negociação dos países nessas instâncias ficou fortemente

atrelada a sua capacidade de contribuir para o conhecimento científico que embasa a

discussão (JASANOFF e WYNNE, 1998; MILLER, 2004; WYNNE, 2010). Portanto,

realizar seus próprios cenários climáticos de vulnerabilidade, criar capacidades em

modelagem computacional, obter recursos de supercomputação e articular

internacionalmente seus próprios programas de pesquisas em mudanças climáticas é de

grande interesse nacional, principalmente, entre os países emergentes que almejam uma

Page 10: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

posição de influência nessas instâncias internacionais (LAHSEN, 2002, 2004, 2009;

MAHONY, 2014).

No caso brasileiro, a partir dos anos 1990, com a realização da Conferência da

ONU sobre meio ambiente, posteriormente chamada Rio92, a posição diplomática do país

mudou em relação a discussão internacional sobre problemas ambientais. A respeito dessa

mudança, Lahsen (2002) argumenta que o Brasil saiu de uma posição de resistência ao

regime internacional das mudanças ambientais, defendida na Conferência da ONU em

Estocolmo no ano de 1972, para uma posição mais aberta e interessada no

desenvolvimento das ciências ambientais, principalmente, no bioma amazônico. Segundo

a autora, a transformação em direção à participação nesse regime ambiental internacional

foi em função de um “otimismo crescente” no Brasil (e em outros países do Sul), pois

percebeu-se que a atenção internacional às questões ambientais não pretendia se sobrepor

aos objetivos de desenvolvimento desses países. Ao contrário, poderiam servir para

interesses nacionais assegurando financiamentos, suporte e acesso à tecnologia para uma

estratégia de desenvolvimento mais sustentável. Assim, “os novos interesses ambientais

poderiam ser acoplados a uma agenda econômica pré-existente” (LAHSEN, 2002:04).

A pesquisa de Lahsen (2002), cujo trabalho de campo ocorreu no final dos anos

1990, sinalizou para a crescente importância dada aos modelos climáticos computacionais

e conhecimentos correlatos para as lideranças brasileiras envolvidas com a negociação

climática internacional naquela época. Através de entrevistas realizadas com membros do

MCTI, MMA e Itamaraty, Lahsen (2002) destacou que essas lideranças percebiam que a

dependência de projeções climáticas de grupos de modelagem estrangeiros significava

que a divisão geopolítica entre nações ricas e pobres persistia no regime ambiental

internacional devido aos limitados recursos dos fundos nacionais dos países do Sul para

essas pesquisas, principalmente, no domínio dos modelos climáticos globais e,

consequentemente, na produção de cenários climáticos futuros. Segundo a autora, os

pesquisadores entrevistados na época ressentiam-se pela ineficiência da burocracia que

envolve a ciência brasileira e dificulta a construção de uma capacidade em modelagem

climática no país, bem como o desenvolvimento de um modelo climático próprio.

A partir de 2007, as pesquisas em mudanças climáticas no Brasil ganharam grande

impulso através da criação de programas de pesquisa como a Rede Clima, o INCT das

Mudanças Climáticas e o Programa FAPESP em Mudanças Climáticas. A modelagem

das mudanças climáticas recebeu grande ênfase nesses programas, principalmente, com

a criação do Centro de Ciências do Sistema Terrestre no INPE, a construção do Modelo

Page 11: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM) e a produção de cenários climáticos futuros. Essa

importância pode ser percebida em diversas matérias na mídia científica e em jornais de

circulação nacional e internacional19. Por exemplo, a Revista Nature (2010)20 publicou

um breve artigo cujo título é “Os modeladores climáticos brasileiros estão prontos para

se tornarem globais”21. O texto fala sobre a compra do supercomputador Tupã (CRAY

XT6) alocado no INPE. No artigo, há um depoimento do diretor científico da FAPESP,

Brito Cruz, que diz que o que os cientistas brasileiros querem com o novo

supercomputador “é serem capazes de desenvolver e aperfeiçoar seus próprios modelos

para focar em questões regionais que são especialmente relevantes para o Brasil”22.

Conforme discutiremos a seguir, “focar em questões regionais que são

especialmente relevantes para o Brasil” envolve uma série de noções sobre como o

conhecimento científico em modelagem deve fazer parte da formulação de políticas e da

governança das mudanças climáticas. Tratamos a seguir da percepção dessa relação por

pesquisadores envolvidos em projetos de pesquisa em modelagem climática global no

Brasil, alguns deles, líderes dos programas de pesquisa nacionais em mudanças

climáticas.

Modelagem brasileira – Vulnerabilidade Local, Realismo Regional e Autonomia

Nacional

Nas entrevistas realizadas para essa pesquisa com pesquisadores23 brasileiros

sobre a importância do desenvolvimento da modelagem climática, também em suas

apresentações públicas em eventos científicos, bem como em audiências públicas da

CMMC e, até mesmo, em programas de TV24, percebeu-se três noções que

frequentemente se relacionam em seus discursos sobre a relevância das pesquisas em

modelagem: a noção de vulnerabilidade local, a noção de realismo regional obtido através

19 Principalmente a Revista FAPESP em diversos números (08/2008; 11/2010; 02/2013; 03/2013; 08/2013).

Jornal O Estado de São Paulo, 20 de fev. 2013. 20 TOLLEFSON, J. “Brazil’s Climate Modellers are set to go Global”. Nature, 468, 20, 2010. 21 Livre tradução dos autores (Idem). 22 Livre tradução dos autores (Ibdem). 23 É importante esclarecer que utilizaremos o termo “pesquisadores” de maneira geral, mas que a maioria

desses doutores são membros do MCTI, fazem parte dos conselhos científicos das agências de fomento e

são (ou foram) articuladores e coordenadores dos programas de pesquisa em mudanças climáticas no Brasil.

De certa forma, além de cientistas, podem ser considerados policy-makers. 24 Destaca-se uma edição do programa Roda Viva da TV Cultura em 19/08/2013 com pesquisador e

secretário do MCTI Carlos Nobre na qual foram discutidos temas como vulnerabilidade, adaptação e

ciência das mudanças climáticas.

Page 12: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

do recurso da modelagem e a noção de autonomia nacional relacionada à necessidade de

criação de capacidades para essas pesquisas no país.

Vulnerabilidade Local

A vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas é tratada pelos

pesquisadores como uma urgência que devemos compreender e lidar através de modelos

climáticos mais adequados para as condições locais. O diretor do CCST, José Marengo25,

afirmou em sua fala no Conclima 2013 que a vulnerabilidade do Brasil às mudanças

climáticas concentra-se em três temas centrais: a segurança dos recursos hídricos, a

segurança da matriz energética e a segurança da produção agrícola. Marengo, (assim

como outros pesquisadores que serão mencionados a seguir), trata em suas apresentações

desses três temas de vulnerabilidade enfatizando os riscos econômicos relacionados, os

quais, segundo ele, a modelagem das mudanças climática pode ajudar a mensurar e

administrar.

Em entrevista concedida para esta pesquisa, o coordenador geral da Rede Clima,

Paulo Nobre, destacou a importância que a modelagem adquiriu atualmente no tratamento

do tema das mudanças climáticas no país advêm do fato de que “o Estado brasileiro

entendeu que, comparativamente a outros países, estava perdendo dinheiro por não

investir em previsão numérica do tempo e clima”26. Nessa visão, desenvolver modelos e

cenários climáticos regionais é justificável e fundamental para o planejamento da

economia nacional.

Nota-se que, valendo-se da noção de vulnerabilidade local e riscos econômicos,

os pesquisadores adotam a linguagem dos tomadores de decisão para convencê-los da

aplicabilidade dos modelos climáticos como fonte de informação. Portanto, tratar das

vulnerabilidades relacionadas às mudanças climáticas em termos econômicos é uma

estratégia que pode conquistar novos aliados que defendam a utilidade da prática da

modelagem climática no planejamento de suas atividades27.

25 MARENGO, JOSÉ. Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo,

09/09/2013. Cerimônia de Abertura. 26 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013. 27 Nota-se que os primeiros cenários climáticos realizados para o Brasil foram utilizados em outros projetos

de pesquisa que focaram no impacto dessas mudanças no setor energético (SCHAFFER, Et. al. 2008) e na

agricultura (EMBRAPA, 2008). Destaca-se ainda, que o patrocinador da ConClima foi a empresa

MONSANTO, multinacional do agronegócio, que possui grandes investimentos nesse setor no país. Fonte:

http://www.institutocarbonobrasil.org.br/noticias2/noticia=735132 acesso: 05/06/2014.

Page 13: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Além dos riscos econômicos, há questões como áreas vulneráveis, eventos

extremos e a segurança pública que são frequentemente tratadas nos discursos dos

pesquisadores. Por exemplo, o pesquisador e secretário do MCTI, Carlos Nobre28, destaca

frequentemente em seus discursos o tema da vulnerabilidade e a maior ocorrência de

eventos extremos como enxurradas e tufões que põem em risco a população brasileira.

Como exemplos desses eventos extremos, Carlos Nobre cita o “furacão Catarina” que

atingiu o sul do Brasil em 2004, as enchentes em Santa Catarina em 2008 e os

deslizamentos no Rio de Janeiro em 2011. Esses eventos, segundo Nobre, “atingiram,

sobretudo os mais pobres”, isto é, os mais vulneráveis que “sofreram de maneira mais

dolorosa os efeitos das mudanças climáticas”29.

Na perspectiva desses pesquisadores, na definição e tratamento da questão da

vulnerabilidade, o monitoramento e a modelagem climática servem para prever eventos

extremos e auxiliar no planejamento e na ação de órgãos públicos como a defesa civil em

várias municipalidades. Dessa maneira, os modelos climáticos passam a ser associados

às preocupações nacionais particulares como as perdas na agricultura, “apagões” do setor

energético, enchentes e desabamentos. Assim, as mudanças climáticas são pensadas em

uma escala de tempo de proporções humanas, inculcando um sentido de urgência política

em relação ao assunto. Nessa perspectiva local da vulnerabilidade discursivamente

construída, os modelos climáticos são propostos como ferramentas que permitem

“localizar” a questão do clima, traduzindo-se30 em um meio para lidar com problemas e

demandas locais.

Realismo Regional

Com a vulnerabilidade sendo entendida em parte como uma variabilidade

climática de impactos locais, os potenciais usuários dos modelos e cenários climáticos

desenvolvidos pelos pesquisadores brasileiros podem ser convencidos da importância de

investir e possuir essas tecnologias. Nesse sentido, um segundo passo dado pelos

28 NOBRE, CARLOS (2014). Audiência Pública da CMMC 5ª Reunião, Senado, 13 de maio. NOBRE,

CARLOS (2013). Programa Roda Viva, TV Cultura, 19 de agosto. 29 Idem. 30 Adota-se o sentido de “tradução” conforme entendido por Callon (1986:02). “A tradução é um

mecanismo pelo qual os mundos ‘social e natural’ ganham forma progressivamente. O resultado é uma

situação em que certas entidades controlam outras. Traduzir-se para Callon é tornar-se “um ponto de

passagem obrigatório” pelo qual outros atores devem passar para lidarem com seus problemas e interesses.

Nesse sentido, na definição das vulnerabilidades em escala local, os modelos tornam-se uma condição para

o planejamento das ações governamentais.

Page 14: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

pesquisadores é propor o desenvolvimento local dessas tecnologias ao invés de importá-

las.

A fim de justificar a construção de um modelo do sistema terrestre nacional os

pesquisadores do BESM apoiam-se no argumento de que nenhum modelo global

disponível simula as condições do clima na América do Sul de maneira adequada31.

Segundo o coordenador do projeto, Paulo Nobre, “o BESM é o eixo estruturante das

pesquisas em mudanças climáticas no Brasil porque visa fornecer os cenários climáticos

para as demais pesquisas no país” uma vez que “outros modelos não representam bem

fenômenos que são particulares para o Brasil como interação das florestas com o clima e

a interação do Oceano Atlântico com a atmosfera”32. Pretende-se, portanto, com o BESM

“um maior realismo e resolução do clima regional”33.

Entretanto, as simulações desses modelos devem dar provas aos outros atores de

quão realistas elas são em nível regional. Em entrevista realizada para essa pesquisa com

um membro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República34

envolvido com a elaboração do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas

(PNAMC), foi destacado que, em reuniões da presidência da república e do MMA, os

tomadores de decisão requerem os cenários climáticos prometidos pelos pesquisadores

em resoluções adequadas para que os estados e suas municipalidades possam formular

suas políticas, enfatizando que as pesquisas devem atentar para o que o governo sinaliza

como prioridade. Essas reivindicações, portanto, exigem que pesquisadores apresentem

seus resultados e demonstrem que suas “máquinas efetivamente funcionam”.

Conforme Latour (1999:310) assinalou, não é suficiente para os cientistas

simplesmente reivindicarem o realismo de suas pesquisas em seus discursos sem algum

exemplo de “produção de referência” que relacione o mundo empírico às séries de

inscrições produzidas por suas práticas. No caso do BESM, resultados preliminares do

seu desenvolvimento foram apresentados na Conclima como uma produção de referência

e prova de maior realismo do clima regional (Figura1).

31 Essa justificativa foi apresentada em todas as entrevistas conduzidas com os seguintes pesquisadores:

SAMPAIO, GILVAN. Entrevista realizada em 28/05/2013; NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em

21/06/2013; NOBRE, CARLOS. Entrevista realizada em 20/09/2013; COSTA, H. MARCOS. Entrevista

realizada em 05/12/2013; SIQUEIRA, LÉO. Entrevista realizada em 13/12/2013. 32 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013. 33 Idem. 34 O informante solicitou que seu nome não fosse mencionado, mantemos, portanto, o anonimato da fonte.

Entrevista realizada em 05/05/2014. Além dessa fonte, a mesma reivindicação dos formuladores de política

pode ser encontrada na fala de Sérgio Margulis (SEA), Carlos Klim (MMA), Gustavo Luedmann (MCTI)

e Couto Silva (MMA) no Conclima na mesa “C, T&I como apoio às Políticas Públicas”, 11/09/2013.

Page 15: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Figura 1- BESM - Representação de chuva sobre a Amazônia e sobre o Atlântico Sul. Fonte: NOBRE, Paulo, 2013.

A Figura 1, trata-se de um slide apresentado pelo pesquisador Paulo Nobre na

Conclima 2013. Tratam-se dos resultados das simulações realizadas com o BESM que

representam as chuvas sobre a região da Amazônia e no Atlântico Sul. A imagem (a)

representa os dados meteorológicos observados sobre a Amazônia e a Zona de

Convergência Intertropical do Atlântico, (b) e (c) são simulações feitas com o BESM; (b)

é uma simulação com uma versão mais antiga do modelo que foi publicada no CMIP5,

mas que ainda se equipara aos demais modelos globais; (c) é uma simulação com uma

versão mais recente do BESM que, segundo Nobre, “corrigiu um erro que existe em todos

os modelos globais que é não representar as chuvas sobre a Amazônia e fazer chover

muito no Atlântico Sul”35.

Esses resultados apresentados por Nobre, podem ser entendidos como

“inscrições”, isto é, como produtos das máquinas dos laboratórios (inscritores), por

exemplo, gráficos, mapas, índices etc. Segundo Latour e Woolgar (1979:60), ao serem

obtidas, as inscrições “fazem esquecer o conjunto de etapas intermediárias que tornaram

35 Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo, 09/09/2013.

Apresentação BESM, motivação e desafio.

(b) (c)

(a)

Page 16: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

possível sua produção” e passam a “constituir uma realidade artificial da qual os atores

falam como se fosse uma entidade objetiva”. Através das inscrições produzidas pelo

BESM, Paulo Nobre sugeriu em sua apresentação uma equivalência entre o observado e

o simulado ao dizer “agora estamos levando em conta as chuvas na Amazônia e no

Atlântico Sul, que os outros modelos não representavam”. Em sua fala, o simulado é

tomado como referência36 e passa a ser utilizado com o objetivo de convencer, conquistar

aliados para dar suporte a prática da modelagem, uma vez que agora, “de maneira mais

realista, podemos prever os efeitos da mudança do clima na América do Sul”37. Ao

destacar os resultados do BESM sobre a Amazônia e o Atlântico Sul, Paulo Nobre

constrói uma noção de maior realismo regional ao declarar que “com o BESM somos

capazes de representar a América do Sul com uma acurácia muito maior em pontos que

são resolvidos de uma maneira insuficiente nos demais modelos climáticos disponíveis38.

A seleção dessas regiões na América do Sul como foco da modelagem brasileira

sugere uma lógica territorial interessante. O Atlântico Sul e a Amazônia são regiões de

grande importância geopolítica para o Brasil. Desse modo, representar essas regiões com

maior “realismo” do que outros países é uma forma de governar, epistêmica e

politicamente, esses espaços39.

Autonomia Nacional

O discurso da vulnerabilidade local e do realismo regional na fala dos

pesquisadores se une a uma linguagem de autonomia e da necessidade de ser

36 O interessante é pensar aqui a referência, conforme sugeriu Latour (1999), como sendo circulante numa

cadeia de transformação na qual os fenômenos ocorrem. Além disso, no caso das simulações cabe destacar

a discussão feita por Shackley e Wynne (1996) e Lahsen (2005) sobre como os modeladores lidam com a

incerteza de suas simulações. Para esses autores, não está claro que os modeladores consideram seus

modelos Truth-Machines o tempo todo, isto é, como a realidade ela mesma. Ao invés disso, através dos

grupos que estudaram, esses autores sugerem que os modeladores mobilizam a incerteza de acordo com o

público para o qual falam sobre seus modelos, tratando em certos momentos seus modelos como

equivalentes a realidade e as vezes como meras aproximações que carecem de melhorias. Isso também pode

ser verificado nessa pesquisa. Quando as entrevistas eram realizadas em privado, os modeladores se

referiam aos seus modelos como “aproximações sempre incompletas da realidade”, mas nos eventos

públicos, como a Conclima, optavam por destacar o caráter objetivo das ciências exatas, o uso da

supercomputação como infraestrutura e enfatizar a utilidade pública de suas pesquisas. 37 NOBRE, PAULO. Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo,

09/09/2013. Apresentação BESM, motivação e desafio. 38 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013. 39 Nas entrevistas realizadas com meteorologistas do CPTEC/INPE para essa pesquisa, era comum eles

dizerem que sua missão é “ produzir a melhor previsão do tempo e clima para o Brasil e a América do Sul”

e que “ninguém deveria fazê-la melhor para essa região do mundo”. Isso demonstra que a Meteorologia é

compreendida por esses pesquisadores como uma questão estratégica do Estado.

Page 17: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

autossuficiente quando se trata de produzir e avaliar as informações disponíveis sobre os

impactos das mudanças climáticas.

Em entrevista para essa pesquisa, Carlos Nobre afirmou que o projeto do BESM

mostra que “o Brasil finalmente atingiu um estágio de autonomia para gerar seus próprios

cenários climáticos”40. Ao ser perguntado a respeito do que ele entende por autonomia

em modelagem ele declarou:

Quando a gente diz autonomia é na inteligência, é no software. O que queremos

dizer é que nós temos uma comunidade científica que sabe modelar o clima,

que entende dos processos químicos, físicos, biológicos, oceânicos,

atmosféricos, na vegetação, no solo, na água, que sabe entender o que a

mudança climática vai causar em relação à agricultura, biodiversidade, zonas

costeiras etc.41

Autonomia, portanto, está relacionada à criação de capacidades em modelagem,

isto é, saber modelar e gerar seus próprios cenários climático futuros. Além disso,

segundo o pesquisador, autonomia refere-se ao fato de que “a comunidade científica

brasileira não precisa esperar para que os centros europeus e americanos representem os

diferentes processos relacionados ao clima que são importantes para a América do Sul”42.

Ele ainda ressaltou que “o BESM é nossa maneira de contribuir para o esforço de

melhorar a modelagem global”, pois “modelagem é algo como colocar tijolinhos, cada

um faz um pedacinho pequeno e colabora para o todo”43.

Paulo Nobre, por sua vez, destacou que possuir um modelo “padrão IPCC” como

o BESM é um “esforço nacional” sem o qual “não seriamos parte do grupo de países que

contribui com conhecimento em modelagem para o IPCC”44. Segundo ele, através do

BESM e de sua primeira contribuição para o 5º Relatório do IPCC, “nós começamos a

aparecer no radar internacional mostrando que no Brasil não é somente futebol e café, é

inovação também”45. O discurso da autonomia nacional em modelagem associa-se ao da

necessidade de internacionalização da ciência brasileira46. Nessa perspectiva, o Brasil ter

40 NOBRE, CARLOS. Entrevista realizada em 20/09/2013. 41 Idem. 42 Ibdem. 43 Ibdem. 44 NOBRE, PAULO. Entrevista realizada em 21/06/2013 45 Idem. 46 Conforme destacado por Velho e Ramos (2014:263) a internacionalização da ciência está, com destaque,

na pauta da Política Científica e Tecnológica da maioria dos países industrializados e de industrialização

recente. “Uma passada de olhos pelos documentos oficiais e pelos programas das agências financiadoras

de P&D dos mais variados países revela que todos eles incluem ações e instrumentos visando incentivar a

dimensão internacional da ciência”. No caso do Brasil, as autoras notam que a importância de estimular a

Page 18: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

o seu próprio modelo do sistema terrestre, a exemplo dos outros 14 países desenvolvidos

que constroem essa tecnologia, é um modo de “inserir-se no primeiro mundo” e não se

mostrar submisso aos países do Norte.

A questão da autonomia nacional na pesquisa em modelagem e de sua relação

com inserção internacional da ciência brasileira tem um sentido geopolítico importante,

principalmente, na posição do Brasil como uma liderança entre os BRICS. Essa relação

de coprodução da ciência e da política evidencia-se na Declaração da Cidade do Cabo na

qual os BRICS oficializaram a decisão de aprofundar a cooperação em ciência, tecnologia

e inovação47. O documento expressa a intenção de enfrentar os desafios socioeconômicos

globais e regionais comuns ao bloco; gerar novos conhecimentos e produtos inovadores,

serviços e processos; e promover parcerias com outros atores estratégicos no mundo em

desenvolvimento. As cinco áreas temáticas de colaboração são: alterações climáticas e

mitigação de desastres; recursos hídricos e de tratamento da poluição; tecnologia

geoespacial e suas aplicações; energias alternativas e renováveis; e astronomia.

Na área das mudanças climáticas, foi realizado no Brasil no presente ano (2014)

um workshop que antecedeu a cúpula dos BRICS48. A respeito da ocasião, Carlos Nobre,

em sua posição de Secretário do MCTI, declarou que a geração de pesquisadores da qual

ele faz parte se formou em um ambiente em que tudo passava por Estados Unidos e

Europa. "Nós, de países em desenvolvimento, sempre olhávamos para o Norte em busca

de intercâmbio científico", lembrou. "Mas o mundo não é composto apenas por um

hemisfério, e as nações dos BRICS mostram claramente outros arranjos, que são

essenciais para o desenvolvimento sustentável do planeta como um todo."49.

A modelagem das mudanças climáticas brasileira em sua pretendida posição de

autonomia almeja colocar-se nesse cenário político como uma liderança na pesquisa

científica em mudanças climáticas entre esses países. A respeito disso, ressalta-se que o

BESM foi apresentado na China em um evento organizado pela FAPESP no qual

destacou-se os avanços feitos em suas simulações para o Hemisfério Sul50. Nesse sentido,

a autonomia nacional da pesquisa em modelagem proporciona ao Brasil um lugar

internacionalização da ciência tem já alguns anos e que, apesar da participação brasileira em redes

internacionais ainda ser muito baixa, ela é desejada pelos órgãos de governo. 47 Fonte: MCTI: http://www.mcti.gov.br/index.php/content/view/352787.html acesso 28/05/2014 48 Jornal da Ciência, 08 de maio de 2014, versão online

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.php?id=93115 acesso em 28/05/2014. 49 Idem. 50 Fonte: Revista FAPESP, 22/04/2004, http://agencia.fapesp.br/18950 acesso: 28/05/2014.

Page 19: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

favorável para estabelecer modos de colaboração científica nos quais poderá oferecer

conhecimento e tecnologia em áreas específicas e solicitar em outras.

Dado o exposto, percebe-se que o conhecimento científico em modelagem

climática brasileiro permite coproduzir a ordem política nacional promovendo uma

reafirmação do Estado-Nação, sua territorialidade e influência geopolítica. Desse modo,

na recente evolução do debate das mudanças climáticas a visão idealizada de “um mundo

sem fronteiras” é desafiada no sentido de que a autonomia nacional do conhecimento e

da política sobre o território e o clima é fundamental nas ações do Estado. Assim, a

modelagem climática é parte de uma geoestratégia ao produzir “conhecimento territorial

do futuro” que possibilita ações de cálculo e determinadas políticas que visam agir sobre

o território, mas também “exercer a política por outros meios” (ELZINGA, 1993)

internacionalmente.

Predição e Tomada de Decisão em Nível Local.

Segundo José Marengo51, onde se quer chegar com o desenvolvimento da

modelagem do sistema terrestre no Brasil é em um Sistema de Modelagem Regional do

Sistema Terrestre (SMRST). Marengo explica que essa é uma iniciativa do governo

federal que visa desenvolver e rodar o BESM e outros modelos globais e regionais com

altíssima resolução (5-10km) no supercomputador Tupã no INPE. Esses modelos em alta

resolução, segundo Marengo, possibilitariam estudos de impacto, adaptação e

vulnerabilidade em diversos temas (ver figura 2) que orientariam as políticas públicas no

Brasil e em outros países da América do Sul e Central52.

Figura 2 - Sistema de Modelagem Regional do Sistema Terrestre (SMRST) Fonte: Elaborado pelos autores (2014) com base em MARENGO, 201353.

51 MARENGO, JOSÉ. Conclima (1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais), São Paulo,

11/09/2013. Cenários climáticos, adaptação e vulnerabilidade. 52 Marengo destacou em sua apresentação na Conclima que os países da América Central solicitaram

cenários climáticos adaptados a sua realidade local, os quais, o BESM, quando atingir maior resolução,

poderá fornecer. 53 Idem.

•Análise da variabilidade climática presente

•Projeções de climas futuros em alta resolução

Modelagem global e

regional de altissima resolução

•Agricultura, urbanização, eventos extremos

•Biodiversidade, saúde, econômia

Estudos de Impacto,

adapatação e

variabilidade

• Políticas públicas ambientais

• Estratégias de adaptação, medidas de mitigação, ações de emergência

Formulação de políticas

Tomada de decisão

Page 20: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

A construção do SMRST, como uma possível interação entre ciência e política, é

sugerida pelo pesquisador (e por outros pesquisadores envolvidos no projeto) na forma

de um modelo linear de interação (conforme representado na figura 2) entre o

conhecimento científico e a política no processo decisório. Esse modelo linear sugere que

a autoridade do conhecimento científico deve preceder a tomada de decisão política e que,

esta última, depende desse tipo de conhecimento. Tal modelo, já discutido por autores

dos ESCT, reforça um entendimento de que a ciência e a política são domínios

completamente separados. Segundo Latour (1994,1999), esse modelo sugere que à

ciência cabe falar sobre os fatos de maneira objetiva e imparcial e à política lidar com os

valores e interesses político-econômicos. Pensa-se, portanto, que o conhecimento

científico é capaz de produzir consenso e racionalidade no processo decisório resultando

em decisões mais adequadas. Não obstante, autores dos ESCT em vários estudos de caso

empiricamente documentados demonstraram tratar-se de uma relação idealizada que, de

maneira inversa, pode obscurecer o processo político em curso (WEINBERG, 1972;

NELKIN. 1971, 1979; JASANOFF, 1990; SAREWITZ, 2004).

Através do modelo linear apresentado, a habilidade científica de prever o clima

futuro através de modelos em escalas interessantes para os tomadores de decisão pretende

ser adotada como um modo de racionalizar a definição de vulnerabilidade e a tomada de

decisão tornando esses processos mais objetivos. Segundo essa visão, a habilidade das

ciências físicas e computacionais do sistema terrestre é produtora de um poder definidor

e orientador do debate sobre o clima. A respeito disso, a questão que precisa ser feita é se

essa iniciativa tem privilegiado uma abordagem da adaptação sobre outras que,

potencialmente, poderiam gerar decisões mais socialmente robustas54.

Considerações Finais

Ao longo desse artigo, discutiu-se que o governo brasileiro tem construído centrais

de cálculo para lidar com o problema das mudanças climáticas reforçando noções de

autonomia e de territorialidade do Estado-Nação que destoam de um discurso globalista

que entende que lidar com essas mudanças necessariamente implica em uma forma de

54 Uma alternativa no campo da modelagem é a prática da modelagem baseada e agentes que parte do

princípio de que o modelo conceitual que embasa os modelos matemáticos e a própria noção de

vulnerabilidade deve ser discutida com os agentes locais que habitam a área a ser modelada. Sobre o tema

ver: FEITOSA e MONTEIRO (2012).

Page 21: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

governança transnacional na qual as fronteiras adquirem pouca importância. Indicou-se

que a prática da modelagem produz um novo conhecimento territorial geoestratégico

coproduzido pela ciência e política climática. A posse dessas centrais de cálculo em

mudanças do clima torna o Estado brasileiro detentor de conhecimentos e tecnologias de

simulação e previsão que redefinem relações de poder nacionais e internacionais.

Internacionalmente, isso possibilita a inserção do Brasil no seleto grupo de países

que colaboram com conhecimento em modelagem global para o IPCC aumentando o

poder de negociação do país nessa e em outras arenas. Nesse sentido, conforme observou

Ezrahi (1990), na democracia liberal os Estados precisam da autoridade da ciência para

legitimar suas ações, e em um contexto de discussões sobre problemas internacionais,

esses Estados buscam construir e utilizar bases nacionais de expertise (tratadas aqui como

centrais de cálculo) para poderem mobilizar interpretações científicas que sejam

favoráveis as suas posições. Portanto, nas instâncias internacionais de negociação, é

fundamental que ciência e política possam consubstanciar-se para que as decisões sejam

favoráveis aos interesses nacionais. No caso do Brasil, há ainda uma busca por uma

posição de liderança entre os BRICS e o fato de o país tornar-se líder em conhecimentos

específicos sobre o clima reforça essa iniciativa.

Tratando-se de questões regionais, as centrais de cálculo em mudanças climáticas

podem vir a estabelecer uma abordagem top-down da questão da adaptação a essas

mudanças, pois tomam como tecnologias centrais para a definição da vulnerabilidade os

modelos climáticos globais operacionalizados exclusivamente em grandes centros de

estudos climatológicos que possuem infraestruturas de supercomputação e pessoal

altamente especializado. Isso pode incorrer no erro de pensar que ações cientificamente

calculadas e centralizadas são suficientes para tratar de um problema socialmente

complexo como o das mudanças climáticas. Sobre essa questão, um número expressivo

de estudos já tem discutido que uma estratégia de adaptação e mitigação que não leva em

conta a multiplicidade de fatores sociais, políticos, econômicos e culturais presentes nas

diferentes localidades pode ser uma opção arriscada e fadada ao insucesso (HULME,

2009; 2011; DESSAI, et. al. 2009; JASANOFF, 2010; TADDEI, 2012). Nesse sentido, o

uso dos modelos climáticos globais, pode servir somente como um “olho do poder” que

se valendo do privilégio de ter uma ontologia global incorrem no desempoderamento das

ontologias locais (INGOLD, 2000:216; TSING, 2006), perdendo a chance de se tornarem

objetos técnicos voltados a um modo de tomada de decisão mais participativo.

Page 22: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

Bibliografia

BECK. U. The risk society: towards a new modernity. London, Sage, 1992.

________. Qu’est-ce le cosmopolitisme? Paris: Éditions Aubier, 2006.

________. World at risk. Cambridge. Polity Press, 2009.

BEAULIEU, A. Mediating Ethnography: Objectivity and the Making of

Ethnographies of the Internet, Social Epistemology 18 (2-3): 129-64, 2004.

BRAUN, B. Producing Vertical Territory: Geology and Governmentality in late

Victorian Canada. Cultural Geographies 7(1) pp. 07-46, 2000.

BORGES, J. História Universal da Infâmia, Ed. Globo, 2ª Ed. 2001.

CALLON, M. Some elements of a Sociology of translation. Domestication of the

Scallops and the Fishermen of St. Brieuc. In: The Science Studies Reader, cap5, p.67-83,

1986.

CRATE, A.; NUTTALL, M. (eds). Anthropology & Climate Change. From Encounters

to Actions. Left Coast Press, 2009.

DOVE, M (Ed.). The Anthropology of Climate Change. An Historical Reader. WILEY

Blackwell, 2014.

ELDEN, S. Governamentality, calculation, territory. Environmental and Planning D:

Society & Space 25(3): 562-580, 2007.

_________. Land, Terrain, Territory. Progress in Human Geography 34(6): pp. 799-

817, 2010.

ELZINGA, A. Science as the Continuantion of Politics by other means.

In: BRANTE, T.; LYNCH, W. (Eds.) Controversial Science From contente to contention,

Albany: State University of New York, 1993.

EDWARDS, P.N. Representing the Global Atmosphere: Computer Models, Data, and

Knowledge about Climate Change. In MILLER & EDWARDS, Cap. 2, pp. 31- 66,

2001a.

______________. Et. al. Science friction: Data, metadata, and collaboration. Social

Studies of Science 41(5), pp. 667-690, 2001b.

______________. A Vast Machine: Computer models, climate data, and the politics of

global warming. The MIT Press, Massachusetts, 2010.

EMBRAPA. Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no

Brasil. 2008.

EZRAHI, Y. The Descent of Icarus: Science and the transformation of contemporary

democracy. Cambridge, MA: Harvard University Press. 1990.

FEITOSA, F. F; MONTEIRO, M. V. A. Vulnerabilidade e modelos de simulação como

estratégias mediadoras: contribuição ao debate das mudanças climáticas e ambientais.

Geografia, Rio Claro, v. 37, n.2, p. 289-305, ago. 2012.

FUNTOWICZ, S.; RAVETZ, J. Uncertainty and quality in science for policy.

Dordrecht: Plenum, 1990.

FAUBION, D. J; MARCUS, G. (ed.) Field work is not what it used to be. Cornell

University Press, London, 2009.

GUSTERSON, H. Studying-up revisited. Political and Legal Anthropology Review 20

(1): p.114-119, 1997.

GIDDENS, A. A política da Mudança Climática. Zahar, Rio de Janeiro, 2009.

HEYMANN, M. The Evolution of Climate Ideas and Knowledge. WIRES Climate

Change, Jul. 2010.

HULME, M; MAHONY, M. Climate Change: What do we Know about the IPCC?

Progress in Physical Geography 34 (5). 705-718, 2010.

HULME, M. Why We Disagree about Climate Change: Understanding Controversy,

Inaction and Opportunity. Cambridge University Press, 2009.

Page 23: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

__________. Reducing the future to climate: a story of climate determinism and

reductionism. Osiris 26 245-66, 2011.

_________. How Climate Models Gain and Exercise Authority. In: HASTRUP, K.;

SKRYDSTRUP, M. (eds.) The Social Life of Climate Change Models: Antecipating

Nature. Routledge, 2013.

INGOLD, T. The Perception of Environment. Essays on Livelihood, Dwelling and

Skill. Routledge, 2000.

JASANOFF, S. Contested Boundaries in Policy-Relevant Science. Social Studies of

Science, London, Sage, v. 17, n. 17, n.2 (may, 1987), p. 195-230, 1987.

_____________. The Fifth Branch: Science Advisors as Policy Makers. Harvard

University Press, 1990.

_____________(Ed.). States of Knowledge: The co-production of science and social

order. London: Routledge, Cap. 3. p.46-66, 2004.

_____________. Heaven and Earth: The Politics of Environmental Images. In:

JASANOFF, S.; MARTELLO, L.M. (eds.) Earthly Politics: Local and Global in

Environmental Governance. MIT Press, Cap. 1, pp. 31-54, 2004b.

_____________. Designs on Nature: Science and Democracy in Europe and the United

States. Princeton University Press, 2005.

_____________. A new climate for society. Theory, Culture and Society, 27 1-21. 2010.

LAHSEN, M. Brazilian Climate Epistemers Multiple Epistemes: Na Exploration of

Shared Meaning, Diverse Identities and Geopolitics in Global Change Science. Harvard

University. Global Environmental Assesment Project. Jan. 2002.

___________. Transnational Locals: Brazilian Experiences of The Climate Regime. In:

JASANOFF, S.; MARTELLO, L.M. (eds.) Earthly Politics: Local and Global in

Environmental Governance. MIT Press, Cap. 6, pp. 151-172, 2004.

__________. Seductive Simulations? Uncertainty Distribution Around Climate Models.

Social Studies of Science 35/6, p. 895-922. SAGE, London, 2005.

__________. A science-policy interface in the global south: the politics of carbon sinks

and science in Brasil. Climatic Change 97: pp.339-372, 2009.

LENHARD, J.; KUPPERS, G.; SHINN, T. (Eds.). Simulation. Pragmatic Construction

of Reality. Springer, 2006.

LATOUR, B.; WOOLGAR, S. Laboratory Life: The Social Construction of Scientific

Facts. London, Sage. 1979.

LATOUR, B. Jamais fomos modernos. Ensaio de antropologia simétrica. Ed.34, São

Paulo, 1994.

___________. Ciência em Ação. EDUSP, 1ªed. São Paulo, 1998.

___________. Pandora’s Hope: essays on the reality of Science studies. Harvard

University Press, Cambridge MA, 1999.

___________. Políticas da Natureza. Edusc. Bauru, SP, 2004.

LYNCH, P. The Origens of Computer Weather Prediction and Climate Modeling.

Journal of Computacional Physics, Elsevier, Mar, 227, 2007.

MAHONY, M.; HUME, M. Model Migration: Mobility na Boundary Crossing in

Regional Climate Prediction. Transaction of the Institute of British Geographers 37(2):

197-211. 2012.

MAHONY, M. Boundary Spaces: Science, politics and the epistemic geographies of

climate change in Copenhagen, 2009, Elsevier Journal, 49, 2013.

MAHONY, M. The Predictive State: Science, Territory and The Future of the Indian

Climate. Social Studies of Science, Sage Pub. 2014.

Page 24: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

MILLER, C; EDWARDS, P. (Eds.). Changing the Atmosphere. Expert Knowledge

Environmental Governance. The MIT Press, 2001.

MILLER, C. Climate Science and the making of a global political order.

In: JASANOFF, S. (Ed.). States of Knowledge: The co-production of science and social

order. London: Routledge, Cap. 3. p.46-66, 2004.

____________. Resisting Empire: Globalism, Relocalization, and the Politics of

Knowledge. In: JASANOFF, S.; MARTELLO, L.M. (eds.) Earthly Politics: Local and

Global in Environmental Governance. MIT Press, Cap. 3, pp. 81-102, 2004b.

MORGAN, M.; MORRISON, M. (Eds.). Models as Mediators. Perspectives on Natural

and Social Science. Cambridge University Press, 1999.

MONTEIRO, M. Reconsiderando a etnografia da ciência e da tecnologia. Revista

brasileira de Ciências Sociais, vol.27 N˚ 79, junho, 2012

NELKIN, D. Scientists in an Environmental Controversy. Science Studies, Vol.1, No.

3\4, p. 245-261. Sage, 1971.

___________. Scientific knowledge, public policy and democracy. Sage, 1979.

QI, Y.; WU, T. The Politics of Climate Change in China. WIREs, Aug, 2013.

ROWE, E. Climate Science, Russian Politics, and the framing of Climate Change.

WIREs Climate Change, Jun. 10, 2013.

SAREWITZ, D. How Science Makes Environmental Controversies Worse.

Environmental Science and Policy 7 (5) 385-403, 2004.

SCHAEFFER, R. (Et. Al.). Mudanças Climáticas e Segurança Energética para o

Brasil. COOPE/UFRJ, 2008.

SHARMA, A.; GUPTA, A. Rethinking Theories of the State in an Age of

Globalization. In: SHARMA, A.; GUPTA, A. (eds.) The Anthropology of the State: A

Reader. Oxford: Blackwell, pp. 01-41, 2006.

SHARMINA, M.; ANDERSON, K.; LARKIN, A. Climate Change Regional Review:

Russia. WIREs Climate Change, Jun. 19, 2013.

SHACKLEY, S.; WYNNE, B. Global Climate Change: The Mutual Construction of na

Emergent Science-Policy Domain, Science and Public Policy 22(4), pp. 218-230, 1995.

_________________________. Representing Uncertaing in Global Climate Change

Science Policy: Boundary-Ordering Devices and Authority, Science, Technology &

Human Values 21(3), pp.275-302, 1996.

TADDEI, R. The politics of uncertainty and the fate of forecasters. Ethics, Policy &

Environment, 15(2): 252-267, 2012.

TSING, A. An Ethnography of Global Connection. Princeton University Press, 2006.

VELHO, L.; RAMOS, M. Internacionalização da Ciência no Brasil e Mobilidade

Internacional: Política, Prática e Impacto. Em: Abordagens em Ciência, Tecnologia e

Sociedade, UFABC, Cap.11. pp- 263-87, São Paulo, 2014.

KANDLIKAR, M.; HISHAM, Z.; LEM, C. H. Science, Decision-Making and

development: managing the risks of climate variation in less-industrialized countries.

WIREs, Mar, 2011.

WEINBERG, A. Science and Trans-science. Minerva 10, pp. 209-222, 1972.

WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Editora LTC, 1982.

WEART, S. The Discovery of Global Warming. Cambridge, Mass: Harvard University

Press, 2013.

WEART, S.The Development of General Circulation Models of Climate. Studies in

History and Philosophy of Modern Physics, Elsevier, 2010.

WYNNE, B. Reflexing Complexity: Post-genomic Knowledge and Reductionist Return

in Public Science, Theory, Culture & Society 22(5), pp. 67-94, 2005.

Page 25: Escalas políticas e geoestratégias científicas: A ... · Escalas políticas e geoestratégias ... territorialidade com uma arquitetura política local ... nessas redes que recebem

_________. Strange Weather, Again: Climate Science as Political Art. Theory,

Culture & Society, Sage Pub. 2010.

YEARLEY, S. The Environmental Challenge to Science Studies, in: JASANOFF, S.

et. al. (eds.) Handbook of Science and Technology Studies, London, Sage, pp. 457-479,

1995.

___________. Sociology, Environmentalism, Globalization, London, Sage, 1996.

___________.Science and the Environment. In: REDCLIFT e WOODGATE (ed.). The

International Handbook of Environmental Sociology. Edward Elgard, Chapther 16, pp.

227 – 236, 1997.