Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria

16
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro” ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013 GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 121 GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria Isabella Duarte Pinto Meucci 1 Resumo: As interferências diretas dos Estados Unidos em Cuba foram iniciadas ainda nas guerras de independência. Posteriormente, a Revolução Cubana e a aproximação do país com o Bloco Socialista fizeram com que a política externa norte-americana se voltasse para um modelo de contenção, que tinha por objetivo reprimir o avanço do comunismo no hemisfério ocidental. Com o fim da Guerra Fria, a política externa dos Estados Unidos buscou um novo referencial para justificar suas intervenções no continente americano, principalmente em Cuba. A compreensão desse novo referencial é fundamental para que se possa entender a continuidade de políticas hostis em relação à Ilha, principalmente a manutenção formal do bloqueio econômico. Analisar a política externa norte-americana para com Cuba fornece, não apenas os mecanismos para a compreensão de tal referencial, como também o entendimento de como tais políticas estão voltadas para uma prática imperialista que se estende a todo o continente latino- americano. Palavras-chave: Estados Unidos; Cuba; América Latina; política externa; imperialismo. A independência cubana e a interferência norte-americana Em 1898, após um período de trinta anos e duas guerras de independência, Cuba estava livre do domínio europeu, sendo a última colônia espanhola da América Latina a se emancipar. No entanto, “ao status de colônia espanhola conferido a Cuba foi incorporada a dependência econômica para com os Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p.22). A presença norte-americana em Cuba já era constante, antes mesmo da Ilha se tornar independente do 1 Mestranda em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Bacharel em Ciências Sociais pela mesma universidade. O presente artigo é resultado do Projeto de Iniciação Científica, intitulado “Relações Cuba – Estados Unidos: a política externa norte americana no pós- Guerra Fria”, sob a orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto, com o financiamento do PIBIC, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no período compreendido entre 2010-2011. E-mail: [email protected]

Transcript of Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 121

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina

Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria

Isabella Duarte Pinto Meucci1

Resumo: As interferências diretas dos Estados Unidos em Cuba foram iniciadas ainda nas guerras de independência. Posteriormente, a Revolução Cubana e a aproximação do país com o Bloco Socialista fizeram com que a política externa norte-americana se voltasse para um modelo de contenção, que tinha por objetivo reprimir o avanço do comunismo no hemisfério ocidental. Com o fim da Guerra Fria, a política externa dos Estados Unidos buscou um novo referencial para justificar suas intervenções no continente americano, principalmente em Cuba. A compreensão desse novo referencial é fundamental para que se possa entender a continuidade de políticas hostis em relação à Ilha, principalmente a manutenção formal do bloqueio econômico. Analisar a política externa norte-americana para com Cuba fornece, não apenas os mecanismos para a compreensão de tal referencial, como também o entendimento de como tais políticas estão voltadas para uma prática imperialista que se estende a todo o continente latino-americano. Palavras-chave: Estados Unidos; Cuba; América Latina; política externa; imperialismo.

A independência cubana e a interferência norte-americana

Em 1898, após um período de trinta anos e duas guerras de independência, Cuba

estava livre do domínio europeu, sendo a última colônia espanhola da América Latina a se

emancipar. No entanto, “ao status de colônia espanhola conferido a Cuba foi incorporada a

dependência econômica para com os Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p.22). A presença

norte-americana em Cuba já era constante, antes mesmo da Ilha se tornar independente do

1 Mestranda em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Bacharel em

Ciências Sociais pela mesma universidade. O presente artigo é resultado do Projeto de Iniciação

Científica, intitulado “Relações Cuba – Estados Unidos: a política externa norte americana no pós-

Guerra Fria”, sob a orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto, com o financiamento do PIBIC, na

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no período compreendido entre 2010-2011. E-mail:

[email protected]

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 122

domínio espanhol. O país já havia passado à esfera de influência econômica dos interesses

norte-americanos, que se voltavam para o açúcar, o minério de ferro, o tabaco e as ferrovias.

Para Moniz Bandeira (1998), os interesses dos Estados Unidos eram diretos, não apenas

relacionados ao açúcar e ao tabaco, mas também às questões estratégicas. A posse da Ilha era

percebida como fundamental para a segurança das rotas no Golfo do México e para a defesa

do canal que o governo norte-americano pretendia abrir no Panamá.

O historiador Richard Gott (2004) declara que as sementes da intervenção norte-

americana são ainda mais antigas. Em 1823 entrou em vigor a Doutrina Monroe, no governo

de James Monroe (1817-1825). Por meio dessa doutrina, os Estados Unidos lançaram as bases

de sua influência no continente americano antes mesmo de começarem seu envolvimento no

sistema internacional (SANTOS, 2007). A Doutrina Monroe, que surgiu diante de ameaças de

recolonização da América por parte das metrópoles européias, estendeu a garantia de

segurança interna a todo o continente, preservando a excepcional República norte-americana e

a segurança hemisférica. Em nome dessa suposta segurança, os Estados Unidos não só

combateram potências e imperialismos rivais, como também formas de organizar a sociedade,

a economia, a cultura e a política que não estivessem condizentes com os interesses e o modo

de vida norte-americano. A Doutrina Monroe garantiu, assim, a “América para os

americanos”, como almejaram os Estados Unidos, auxiliando nas guerras de independência

do México, América Central e do Sul, e promovendo a emancipação política da América

Latina.

Em 1845, o Destino Manifesto associou-se à Doutrina Monroe, garantindo não só a

“América para os americanos”, mas também colocando os Estados Unidos como únicos e

legítimos protagonistas dessa ação. Para os norte-americanos, sua missão divina era civilizar

regiões que não tiveram a mesma sorte que sua nação. Nesse sentido, essas duas doutrinas

justificaram e impulsionaram a ação expansionista dos Estados Unidos na América Latina,

principalmente após a consolidação de seu Estado moderno e de seu desenvolvimento

econômico com o fim da Guerra de Secessão, em 1865. A Guerra Hispano-americana (1898),

que culminou na emancipação de Cuba, Porto Rico, Guam e as Filipinas, representou a

legitimação dessa política externa expansionista, proclamada muitos anos antes.

Como parte da Guerra Hispano-americana, a intervenção dos Estados Unidos no

desfecho da segunda guerra de independência cubana foi determinante para o resultado final

do processo. Espanha e Estados Unidos põem-se de acordo para evitar que os representantes

do povo cubano, que haviam lutado durante trinta anos, participassem da assinatura do

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 123

tratado, não sendo concedida aos mesmos qualquer participação no governo após a retirada

das tropas espanholas. Segundo Moniz Bandeira, “os Estados Unidos, ao assumirem o

domínio sobre o espólio colonial da Espanha, revelaram o caráter imperialista de sua política,

que se equiparou a de outras potências da Europa, àquela época, e assustou os povos da

América Latina” (MONIZ BANDEIRA, 1998, p.34).

Posteriormente, o governo de Theodore Roosevelt (1901-1909) caracterizou a plena

realização da política externa intervencionista norte-americana tanto em Cuba como no

restante da América Latina através do Corolário Roosevelt, ou Big Stick. Por meio da garantia

do direito de intervir nos assuntos internos e externos das repúblicas caribenhas e centro-

americanas através da força, os Estados Unidos mantiveram as pressões sobre o governo

cubano recém emancipado da Espanha (SCHILLING, 1984).

Como reforço dessa política de intervenção, em 1901, aprovou-se a Emenda Platt,

consolidando o domínio norte-americano sobre Cuba. Sob a ameaça de continuar ocupando

militarmente a Ilha por um período indefinido, os Estados Unidos obrigaram Cuba a

incorporar essa emenda como apêndice de sua primeira Constituição. Por meio desse

apêndice, a Ilha aceitaria a tutela econômica e militar dos Estados Unidos, o que incluía o

direito aos norte-americanos de instalar bases militares e portos em Cuba, além de concessões

territoriais e privilégios econômicos que violavam a soberania política do país.

Aprovada em 1901, a Emenda Platt vigorou até 1934, quando foi revogada no governo

de F. Roosevelt (1933-1945) sob a Política da Boa Vizinhança. Durante esse período, o

direito de intervenção garantido pela emenda aos Estados Unidos foi amplamente posto em

prática, como demonstraram diversas intervenções, de 1906 a 1909, 1912 e de 1917 a 1923

(MORRONE, 2008). Para Gott (2004), essa emenda foi um dos documentos definidores da

era imperial, perdurando por muito tempo mesmo depois de revogada.

Os governos cubanos que sucederam o período pós-colonial estavam associados aos

interesses norte-americanos, pois foram ocupados por altos setores da sociedade colonial,

defensores de uma política de anexação. Segundo Sader (2001), Cuba passou a ser uma

pseudo-república, além de uma neocolônia no plano econômico, tutelada pela presença dos

Estados Unidos. Dessa forma, a situação de Cuba, desde o fim da dominação espanhola, era

caracterizada por uma relação de dominação econômica, política, social e cultural com os

Estados Unidos (SADER, 2001). Como observa Ayerbe (2004), a participação norte-

americana no processo de independência cubano, frustrou expectativas de liberdade e

soberania que alimentavam o movimento de independência desde o início. Para o autor “a

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 124

desilusão com o desfecho, será fator essencial na formação de uma singular consciência

nacionalista, que passa a reivindicar uma terceira guerra emancipatória, desta vez contra os

Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p.25-6).

O clima social tornou-se conturbado com o passar dos anos, exigindo regimes

políticos cada vez mais duros e subservientes aos interesses das grandes empresas norte-

americanas e a Washington. Em meio à violência, corrupção e intervenções militares, existia

um clima de insatisfação de grandes parcelas populares que não haviam renunciado a seus

objetivos de libertação nacional e que combatiam a submissão de Cuba ao poder norte-

americano. Essa situação propiciou o surgimento de insatisfações internas e formação de

grupos revolucionários que buscavam o fim da relação de submissão com os Estados Unidos.

Em 1952, Fulgêncio Batista liderou um golpe militar, apoiado pelos Estados Unidos,

que suspendeu a Constituição e lhe garantiu a presidência. Segundo Morrone (2008), o regime

de Batista foi marcado pela corrupção no governo, pela violência da polícia, e principalmente,

pela indiferença às necessidades básicas da população em relação à educação, habitação,

saúde, justiça e progresso social. Enquanto isso, uma minoria, obviamente vinculada ao seu

governo e aos capitais norte-americanos, era beneficiada e gozava de um alto nível de vida.

Essa situação contrariou as expectativas da população, que esperava um governo que

respondesse aos anseios sociais. Dessa forma, a postura ditatorial do regime de Batista deu

margem à organização de movimentos de resistência, inaugurando um novo período para o

movimento oposicionista. Iniciou-se, assim, a luta contra uma ditadura que favorecia os

interesses norte-americanos.

Em Sierra Maestra, com a incorporação e o apoio da população do campo, surgiu a

força motora do novo movimento revolucionário, o Exército Rebelde, que agregava o antigo

Movimento 26 de Julho e as novas forças incorporadas à luta. O novo movimento foi

conduzido por Fidel Castro, seu irmão Raul Castro e “Che” Guevara. Os três comandaram as

ações revolucionárias oriundas do campo que, em consonância com o fortalecimento dos

movimentos das cidades, desenvolveram a ofensiva final contra Batista (MORRONE, 2008).

Até março de 1958 os Estados Unidos apoiaram o regime de Batista econômica,

política e militarmente. No entanto, quando perceberam o crescimento da insatisfação e a

iminente força da guerrilha, passaram a promover uma política voltada para a saída de Batista

com êxito, evitando assim uma revolução. Sem o apoio e o respaldo norte-americanos, e sob a

ameaça do movimento revolucionário, em 31 de dezembro de 1958, Batista abandonou o

poder e fugiu para República Dominicana.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 125

O impacto da Revolução e o recrudescimento das relações

Em 1º de janeiro de 1959, o movimento guerrilheiro conquistou poder. Fidel Castro foi

nomeado primeiro ministro, e em seu discurso de posse declarou que naquele momento Cuba

havia travado sua última batalha por independência e liberdade. O processo revolucionário,

que derrubou Batista, retomou a trajetória dos movimentos por independência do século XIX,

vinculando libertação nacional e social.

A Revolução Cubana tornou-se uma grande preocupação para política externa dos

Estados Unidos, visto que afetou suas relações históricas de interferência em Cuba, ao mesmo

tempo em que representou um perigo para a hegemonia norte-americana no continente. O

temor dos Estados Unidos era que o novo modelo adotado em Cuba pudesse ser visto pelos

países do chamado Terceiro Mundo como uma via pacífica e não capitalista de

desenvolvimento (MORLEY;MCGILLION, 2002). Dessa forma, à medida que a revolução se

concretizava, através de mudanças estruturais e sociais, os Estados Unidos compreendiam que

deveriam modificar suas ações em toda a América Latina para evitar que o mesmo ocorresse

em outros países do continente. Administrações posteriores buscaram promover mudanças

estruturais nos países latino-americanos para evitar que revoluções ocorressem, como foi o

caso da Aliança para o Progresso, implantada no governo Kennedy (1961-1963).

Ao mesmo tempo em que se modificou a política externa dos Estados Unidos em

relação aos países latino-americanos, também se consolidaram intervenções e pressões que

possibilitassem a derrubada do regime de Fidel Castro. A partir de 1960, a política de

retaliação norte-americana pode ser vista de forma mais clara com o fim da administração

Eisenhower (1953-1961) e as posteriores administrações de Kennedy e Johnson (AYERBE,

2002). As intervenções estavam voltadas tanto para uma derrubada do regime, através força,

quanto por pressões econômicas que visavam enfraquecer as conquistas do novo governo.

Durante os anos que se seguiram à Revolução, foram comuns os bombardeios da Ilha por

aviões norte-americanos, o recrutamento de exilados a fim de desencadear ações

paramilitares, a destruição de canaviais por meio de produtos químicos, além da recusa em

comprar o açúcar cubano e a interrupção do abastecimento de petróleo. Segundo Sader

(2001), todos esses fatores produziram uma rápida deterioração nas relações entre os dois

governos.

Em abril de 1961, o governo Kennedy promoveu a invasão do sul de Cuba, na

chamada Baía dos Porcos. A ação foi organizada por grupos guerrilheiros de cubanos contra-

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 126

revolucionários treinados pela Central Intelligence Agency (CIA). O objetivo era derrotar

militarmente o governo cubano e promover o fim da revolução. No entanto, esses

guerrilheiros foram derrotados em três dias pelas forças cubanas e pela população. O governo

Kennedy precisou assumir publicamente a responsabilidade pelo acontecimento, que foi

organizado na surdina, como mais um ato de sabotagem e terrorismo do governo norte-

americano em relação a Cuba. Do lado cubano, Fidel Castro pôde declarar que o imperialismo

norte-americano havia sofrido sua primeira derrota na América (MONIZ BANDEIRA, 1998).

De acordo com Sader (1985), o desenvolvimento desses acontecimentos compunha

um quadro global de mudança histórica na Revolução Cubana. De um processo democrático

radical de derrubada da ditadura de Batista e a implantação de um programa de

democratização ampla da sociedade, ela passou a enfrentar a resistência de grandes empresas

norte-americanas no país – e dos setores da burguesia cubana ligadas a elas – e do próprio

governo dos Estados Unidos no plano externo. À medida que o governo revolucionário se

afastava dos vínculos com o capitalismo norte-americano, a burguesia cubana deixava o país

em direção a Miami, esperando que uma nova intervenção de Washington logo os recolocasse

no desfrute de seus privilégios na Ilha.

As pressões norte-americanas passaram a influenciar as relações de Cuba com os

demais países do continente. Em 1962, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se viu

obrigada pelos Estados Unidos a expulsar Cuba do organismo. Alegando que o regime

revolucionário “exportava a subversão” para o restante do continente, a ação da OEA

desencadeou uma sucessão de rupturas nas relações de governos latino-americanos com Cuba,

com exceção do México. Para Sader (1985), essa medida teve repercussões internacionais,

obrigando Cuba a aprofundar suas relações com países socialistas e com nações da Europa

ocidental, como Espanha e Suécia. Além dos problemas nas relações externas, o bloqueio

econômico e diplomático proposto por Washington em fevereiro de 1962, aumentou as

dificuldades materiais na Ilha a fim de provocar uma crise de privações e insatisfação popular,

acreditando que assim seria gerado um movimento interno contra a revolução.

Outra modalidade da política externa norte-americana em relação a Cuba, como

destaca Morrone (2008), estava relacionada à emigração. Os Estados Unidos se mantiveram

como o principal receptor de emigrados cubanos, e desde os primeiros momentos os

conceberam como base social da contra-revolução. Em 1963, o Presidente Kennedy acentuou

esse estímulo em favor das saídas, anunciando que, os cubanos que chegassem aos Estados

Unidos diretamente da Ilha, seriam recebidos como refugiados, enquanto que os que

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 127

procurassem entrar através de terceiros países seriam considerados estrangeiros e deveriam

obedecer a todos os requisitos migratórios norte-americanos. Dessa forma, converteu-se o

tema migratório em um componente constante no conflito histórico entre Cuba e Estados

Unidos e, conseqüentemente, diferenciou os emigrados cubanos dos demais emigrados

latinos, convertendo-os em singulares na política doméstica e na política externa norte-

americana.

Segundo Ayerbe (2002), essas práticas de intervenção dos Estados Unidos foram

comuns em muitos países da América Latina, como é o caso da Guatemala, da Bolívia e da

Argentina. As modalidades de intervenção estavam associadas a isolamentos diplomáticos e

pressões econômicas. No entanto, o caso de Cuba representou um alcance nunca antes visto

em relação a essas pressões. As medidas utilizavam boicote econômico, desestabilização

política e sabotagens que acabaram por desempenhar um papel decisivo nos rumos da

revolução, tanto no plano interno como nas relações exteriores. Moniz Bandeira (1998) afirma

que todas essas pressões norte-americanas, que visavam o fim do regime de Castro, acabaram

por promover a aliança de Cuba ao regime soviético. Segundo o autor, essa não era uma união

inevitável, mas os Estados Unidos não deixaram outra opção ao país que não fosse aliar-se ao

comunismo soviético, a fim de assegurar o respaldo econômico, político e militar da URSS.

Para o governo norte-americano, a aliança de Cuba com a União Soviética, em plena

Guerra Fria, representava não apenas um comprometimento de seus interesses como também

um perigo de expansão comunista no continente americano. O momento de maior crise, tanto

da relação entre os dois países, como de toda a Guerra Fria, aconteceu em outubro de 1962.

Os Estados Unidos consideraram o aparecimento de seis bases de mísseis soviéticos em Cuba

como uma grande ameaça à sua segurança nacional. O governo norte-americano afirmou que

não hesitaria em utilizar armas nucleares contra a iniciativa da URSS. Durante os treze dias de

negociações entre Estados Unidos e União Soviética, o temor de uma guerra nuclear havia

atingido níveis mundiais. No entanto, os soviéticos optaram pela retirada dos mísseis a fim de

evitar uma catástrofe. Deve-se ressaltar que, embora Cuba tenha sido o foco de um possível

enfrentamento nuclear, as potências envolvidas não consideraram qualquer interferência do

governo revolucionário. Segundo Moniz Bandeira (1998), a resolução para o episódio da

Crise dos Mísseis desagradou Fidel Castro, visto que em nenhum momento o governo de

Cuba foi consultado sobre a negociação.

Após a Crise dos Mísseis, governantes norte-americanos compreenderam que qualquer

intervenção direta em Cuba significaria o início de um conflito de proporções mundiais. Além

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 128

de não contar com o apoio da opinião pública na América Latina, nem na Europa Ocidental,

nem mesmo dentro dos Estados Unidos, uma ação unilateral norte-americana para derrubar o

governo de Castro poderia acarretar conseqüências ainda mais graves no contexto

internacional. Uma intervenção armada não contaria com qualquer respaldo para se opor a

uma represália da União Soviética na Europa Ocidental ou na Ásia (MONIZ BANDEIRA,

1998).

Dessa forma, de 1963 a 1977, nos governos de L. Johnson (1963-1969), R. Nixon

(1969-1974) e G. Ford (1974-1977), as ações contra o governo cubano foram marcadas por

violações do espaço aéreo, financiamento de grupos contra-revolucionários, pressões para que

demais países cumprissem o bloqueio econômico, além de diversas tentativas de atentados

contra os líderes da Revolução. No entanto, nenhum enfrentamento direto entre os dois países

ocorreu após a Crise dos Mísseis.

Em 1977, quando o governo Carter (1977-1981) buscou mudar a face do império

agressivo e sem escrúpulos, algumas negociações ocorreram. No entanto, a eleição de R.

Reagan em 1980 promoveu uma mudança na política externa norte-americana, que reativou a

política do Big Stick e retomou o mito do excepcionalismo dos Estados Unidos, promovendo

uma política extremamente conservadora. Em seus dois mandatos (1981-1989), Reagan

apresentou uma reformulação da política externa, que tinha por objetivo principal conter o

avanço soviético e a ideologia comunista, fatores que contribuíram para o enfraquecimento da

União Soviética e para o encaminhamento do fim da Guerra Fria.

As análises até aqui apresentadas demonstraram que as interferências norte-

americanas em Cuba possuíram, primeiramente, um caráter de promoção da soberania no

continente. Aliando a Doutrina Monroe ao Destino Manifesto, a política externa norte-

americana pôde se expandir em toda a América Latina, influenciando a história desses países

em diversos momentos. A especificidade das relações dos Estados Unidos com Cuba surge

após a Revolução Cubana, que modifica as estruturas políticas e sociais do país. Nesse

momento, foram as mudanças cubanas que acabaram influenciando uma mudança na política

externa dos Estados Unidos. Sucessivos governos norte-americanos buscaram não só derrubar

o regime de Fidel Castro, como também conter qualquer novo movimento que pudesse

evoluir para uma revolução no restante da América Latina. Nesse sentido, as relações com

Cuba durante o período da Guerra Fria, e após a Revolução, passaram a ser justificadas por

meio de uma política que visava conter a expansão do comunismo. A derrocada do bloco

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 129

soviético e o fim da Guerra Fria criaram a necessidade de novos paradigmas para justificar a

continuidade das políticas hostis em relação a Cuba.

A política norte-americana para Cuba no pós-Guerra Fria

Em 1989, as transformações ocorridas no Leste Europeu após a queda do Muro de

Berlim e o colapso da União Soviética representaram o fim da ameaça comunista duramente

enfrentada pelos Estados Unidos no período da Guerra Fria. Dessa forma, faria sentido que as

relações com Cuba, a partir desse momento, deixassem de ser conflituosas e passassem a uma

normalização gradual, visto que sem o respaldo da União Soviética, a Ilha deixaria de

constituir uma ameaça ideológica de grande escala. Cuba não seria mais um perigo no que se

refere à exportação do comunismo e da revolução no hemisfério ocidental (MORRONE,

2008). Segundo Moniz Bandeira (1998), até mesmo Fidel Castro esperava que com o fim do

bloco comunista e a não derrocada de Cuba em virtude do bloqueio econômico, restaria aos

Estados Unidos reformar sua política e aproximar-se da Ilha, que teria sua posição fortalecida

em virtude de tais acontecimentos (MONIZ BANDEIRA, 1998).

No entanto, para os Estados Unidos, as transformações ocorridas após 1989 criaram a

expectativa de que sem o apoio da União Soviética, a queda do regime de Fidel Castro seria

apenas uma questão de tempo. Apesar do fim da Guerra Fria representar o surgimento de um

período difícil em Cuba, chamado por Castro de “Período Especial em Tempos de Paz”, a

adoção de medidas internas e o reordenamento da economia possibilitaram a continuidade do

regime, contrariando previsões norte-americanas.

Dessa forma, ao sobreviver ao desaparecimento de todos os países socialistas do leste

europeu, incluindo a URSS, Cuba demonstrou que manteve diferenças essenciais com aqueles

regimes (SADER, 2001). O momento era propício para que as relações com os Estados

Unidos pudessem ser normalizadas de forma gradual. No entanto, como já mencionado, a

esperança norte-americana era de que as dificuldades econômicas da Ilha pudessem promover

a derrubada de Fidel Castro por meio de um golpe interno. Quando a situação não pareceu

caminhar para essa vertente, os governos norte-americanos continuaram suas políticas hostis

em relação a Cuba.

De acordo com Morley e McGillion (2002), durante as cinco décadas posteriores à

Revolução, presidentes americanos, tanto democratas quanto republicanos, liberais ou

conservadores, revelaram uma relutância em aceitar a permanência de Cuba como símbolo de

resistência às ambições imperiais dos Estados Unidos. Essas administrações mantiveram as

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 130

sanções políticas e econômicas colocadas em prática nos anos sessenta, ao mesmo tempo em

que procuraram por uma mistura de coerção com diplomacia para atingir um único objetivo: o

fim do legado de Castro e de suas estruturas institucionais.

A mudança do contexto global que se seguiu ao fim da Guerra Fria, entretanto, eliminou o

motivo pelo qual a política de segurança dos Estados Unidos continuava sendo apoiada dos

anos sessenta aos oitenta. Os governos de George H.Bush (1989-1993), Bill Clinton (1993-

2001) e George W.Bush (2001-2009) recusaram em ponderar qualquer nova avaliação das

premissas fundamentais que regiam as políticas para Cuba, ou qualquer possibilidade de

mudança nas transformações da política econômica cubana. Na verdade, nem as mudanças na

política externa cubana, nem o fim da União Soviética poderiam mudar a ordem das

prioridades de Washington. De acordo com Morley e McGillion (2002), primeiro se exigia

uma transição política na Ilha para que depois se pudesse conversar sobre um reatamento.

Em 1992 foi aprovada pelo Congresso norte-americano a Lei de Democracia Cubana,

que também ficou conhecida por Lei Torricelli. Os objetivos da Lei Torricelli consistiram em

dois principais temas, o comércio e a democracia. Com o intuito de prejudicar e isolar o

comércio de Cuba, acentuaram-se sanções econômicas através de três medidas: proibição de

subsidiárias norte-americanas de comercializar com Cuba; proibição de que navios

estrangeiros que aportassem em Cuba carregassem ou descarregassem em portos norte-

americanos por um período de seis meses; e punição com sanções econômicas a países

terceiros que prestassem assistência a Cuba. Todas essas sanções econômicas, bem como a

Lei Torricelli, só seriam revogadas caso ocorressem em Cuba eleições democráticas

semelhantes ao modelo ocidental e que fossem supervisionadas internacionalmente. Como era

esperado, a Lei Torricelli causou uma substancial reação internacional contra o caráter

unilateral e extraterritorial de seus principais preceitos.

Deve-se ressaltar que essa lei foi inicialmente rejeitada por George H. Bush, mas

posteriormente apoiada quando o então presidente percebeu que parcelas significativas do

eleitorado norte-americano estavam em questão. Nesse contexto, a condução de novas

medidas adotadas pelos Estados Unidos em relação a Cuba passou a contar com grande

parcela da população cubana exilada em Miami, que possuía força eleitoral, influência no

Congresso e capacidade de obter fundos para campanhas eleitorais. Dessa forma, observa-se

que os cubano-americanos haviam adquirido posição relevante na política externa dos Estados

Unidos para Cuba no período pós-soviético. Essa decisão reforçava a afirmação de que a

política norte-americana para Cuba, nesse período, estava diretamente relacionada com a

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 131

agenda doméstica do país através do eleitorado constituído pelos exilados cubanos

(MORRONE, 2008).

Para Alzugaray (2004), a administração Clinton pareceu seguir essa política doméstica

em relação aos assuntos cubanos. Em 1994, após uma grave crise de emigração cubana, o

governo norte-americano precisou negociar com a Ilha um acordo migratório a fim de acabar

com a imigração ilegal e normalizar as relações nessa esfera. Em 1996, a aprovação de uma

nova lei, Lei para a Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana, mais conhecida como

Lei Helms-Burton. Para Alzugaray (2004), essa lei poderia ser comparada à Emenda Platt e às

disposições da Doutrina Monroe, visto que buscava conter investimentos estrangeiros em

Cuba a fim de impedir qualquer recuperação econômica da Ilha. A Lei Helms-Burton

consistiu na ampliação de medidas já existentes contra o regime cubano, além de uma série de

exigências para uma democratização tal como entendida pelos Estados Unidos e determinada

por este país como necessária à normalização das relações entre os dois países. Para Morrone

(2008), deve-se ressaltar, que assim como a Lei Torricelli, a Lei Helms-Burton não respondeu

somente aos interesses da política externa norte-americana, mas também aos interesses da

política interna, uma vez que ambos os mentores desta lei estavam comprometidos com

setores cubano-americanos. Esses setores estavam interessados em recuperar propriedades

expropriadas pela Revolução Cubana, e além de exercerem forte influência no poder

legislativo do país, ainda constituíam parcela decisiva em período eleitoral no estado da

Flórida.

A ampliação das sanções econômicas afetou as relações de Cuba com a União

Européia, pois concedeu aos cidadãos e empresas norte-americanas, expropriadas pela

Revolução, o direito de requerer na justiça contra empresas de terceiros países o usufruto

destas propriedades. Esse fato provocou a preocupação imediata dos investidores estrangeiros

em Cuba, principalmente os países europeus. Como resposta a estas medidas, a União

Européia tratou de contestar a legislação, percebida como uma nítida violação internacional e

impedimento ao livre comércio. Os Estados Unidos cuidaram então de providenciar uma

decisão para minar o impacto da lei nos aliados europeus, e Clinton aprovou uma emenda que

dava ao presidente o direito de suspender a disposição do capítulo a cada seis meses e renová-

la se desejar. No que se refere à imposição da democracia, cláusulas específicas declaravam

que nem Fidel Castro, nem seu irmão, Raúl Castro, poderiam participar de qualquer governo

democrático futuro, como concebido pelos Estados Unidos (MORRONE, 2008).

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 132

Para Santoro (2010), a década de noventa reflete a convicção de setores mais

conservadores da comunidade cubano-americana de que seria possível destruir o regime

socialista por meio de um estrangulamento econômico. Enquanto Cuba diversificava suas

relações internacionais, os Estados Unidos promulgavam leis que dificultavam qualquer

possibilidade de acordo entre os dois países. No entanto, em 2000, a pressão de exportadores

agrícolas norte-americanos fez com que os Estados Unidos repensassem o embargo

econômico ao promulgar a Trade Sanctions Reform and Export Enhancements Act (TSRA),

que permitia a venda de alimentos a Cuba, Irã e Sudão, desde que fossem atendidas certas

condições, como situações de emergência humanitária, e que o pagamento fosse feito à vista.

As permissões concedidas pela TSRA foram importantes para a resolução do problema de

abastecimento cubano, tornando os Estados Unidos o principal fornecedor de alimentos para a

Ilha. Naturalmente, a expansão foi possibilitada por interpretações bastante generosas do que

constitui uma “emergência humanitária”.

Esses negócios prosseguiram na administração norte-americana posterior. O governo

de George W.Bush (2001-2009), enquanto atacava verbalmente Cuba, expandia o comércio

de alimentos devido a pressões dos congressistas dos estados rurais e do agrobusiness.

Segundo Santoro (2010), as exportações de alimentos para o mercado cubano se

multiplicaram de US$ 4 milhões, em 2001, para US$432 milhões em 2007. Nesse contexto,

pode-se perceber mais uma vez que a relação cubano-norteamericana pós-Guerra Fria,

associa-se, em grande medida, à uma pressão da política doméstica dos Estados Unidos.

No entanto, ao mesmo tempo em que expandia a parceria comercial no setor de

alimentos, a administração de George W.Bush aprofundava as políticas de endurecimento ao

regime de Fidel Castro, sobretudo após os atentados de 11 de Setembro. Nesse momento,

delinearam-se os novos contornos da política externa norte-americana por meio da chamada

Doutrina Bush, que apresentava uma categorização especial para Cuba, acusada de manter

relações com países terroristas, além de ser considerada como um modelo político não

democrático (MORRONE, 2008).

Ainda na administração de George W.Bush, dois importantes programas foram

elaborados para afetar o sistema político cubano. O primeiro deles, Iniciativa para uma nova

Cuba, previa medidas para mudar o sistema político de Cuba na direção do modelo político

norte-americano. A ação desse programa estava concentrada no propósito de planejar e

orientar uma rápida e pacífica transição para a democracia. O segundo programa, elaborado

em 2002, adotou uma nova estratégia para Cuba, em que o programa anterior passou a

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 133

integrar as novas medidas, conhecidas como Comissão de Assistência para uma Cuba Livre

(Comission on Assistance to a Free Cuba – CAFC). Segundo Ayerbe (2004), esse programa

possuía como orientação implementar medidas econômicas para dificultar a captação de

divisas pelo governo e pela população cubana; restringir viagens de estudantes norte-

americanos aos programas vinculados aos objetivos do governo; limitar visitas de familiares a

Cuba a cada três anos, incluindo o estabelecimento de uma cota de gastos diários permitidos

durante a estada na Ilha; o controle sobre investimentos estrangeiros no país, que usufruam

bens expropriados pela revolução; e, principalmente, fomentar lideranças capazes de conduzir

o processo de criação de uma economia de mercado.

Deve-se ressaltar que ambas as medidas contaram com a influência da comunidade

cubana, a qual constitui um dos alicerces sobre qual Bush se apoiaria na condução de uma

política rígida para Cuba, haja vista o papel que exerceram durante seu processo eleitoral. De

acordo com Morrone (2008), essas políticas sinalizam que a pressão norte-americana sobre o

regime político inaugurado com Fidel Castro nunca cessou, sendo radicalizadas na

administração de George W.Bush.

Nos últimos anos, governos norte-americanos perderam significativas oportunidades

de iniciar um processo de normalização nas relações com Cuba. Pelo contrário, adotaram

posições que tiveram como resultado o endurecimento das sanções, tornando mais complexo

e difícil um processo de normalização (ALZUGARAY, 2004). No entanto, essas posições tem

sido cada vez mais questionadas no interior da sociedade norte-americana, tanto por setores

da sociedade civil como por grupos dominantes. Para Santoro (2010), o pragmatismo

comercial do agronegócio e as mudanças na opinião política da nova geração cubano-

americana constituem as bases de uma proposta de um novo diálogo com Cuba. Fiori (2008)

também aponta para a dificuldade de uma atual mudança nas relações entre esses países. Para

esse autor, a atração precoce e a obsessão permanente dos Estados Unidos, deve-se ao fato de

que esse país sempre acreditou que Cuba lhes pertencia, fazendo parte de sua “zona de

segurança”. Ao mesmo tempo, a posição soberana dos cubanos acabou transformando a Ilha

em um aliado potencial de países que se propõem a exercer influência no continente

americano de forma competitiva com os Estados Unidos. Dessa forma, qualquer negociação

futura envolveria a destruição do núcleo do poder cubano.

Segundo Alzugaray (2004), a maior parte dos críticos qualifica como obsessiva a

atitude da elite dirigente norte-americana com respeito a Cuba, a Revolução e a Fidel Castro.

Na verdade, para os dirigentes dos Estados Unidos, parece inexplicável que a Revolução

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 134

Cubana possa ter sobrevivido, e que depois de cinqüenta anos os irmãos Castro continuem no

poder sem necessitar de nenhum acordo com os Estados Unidos. Não concebem uma Cuba

independente, assim como não conceberam no século XIX.

Nesse contexto, nota-se que a atual política norte-americana para Cuba mantém o

padrão de isolamento e hostilidade iniciado após a vitória da Revolução. No entanto, esse

padrão era anteriormente justificado pela ameaça comunista, enquanto atualmente, é

conduzido sob o argumento da ausência de democracia em Cuba. Para Morrone (2008) a

ausência de uma democracia e, portanto, a permanência de um modelo político que ainda

distancia-se daquele vigente nos Estados Unidos, tornou-se o principal paradigma norte-

americano para justificar a continuidade das políticas hostis naquela que é a sua área de

influência direta e que constituí uma região de extrema importância para o exercício de sua

hegemonia.

Segundo Santos (2004), a hostilidade de Washington a Cuba, mesmo depois da Guerra

Fria, relaciona-se a “uma histórica posição norte-americana a toda e qualquer experiência

social, política, econômica e cultural que não esteja em conformidade com objetivos

geoeconômicos e geopolíticos do capitalismo preconizado por suas elites dominantes e

governantes” (SANTOS, 2006, p.214). Nesse sentido, as pressões ao governo cubano não

estão associadas apenas ao intuito de garantir uma democracia política em um país marcado

pelo regime de partido único e pela inexistência de pluralismo de opinião. Na verdade, os

Estados Unidos visam garantir um determinado modelo de democracia que não aponte para

estratégias revolucionárias, socialistas, nacionalistas ou bolivarianas na região.

Considerações Finais

Os interesses norte-americanos em Cuba iniciam-se ainda no período colonial cubano,

quando a dominação européia na região poderia dificultar a expansão da hegemonia dos

Estados Unidos no continente. Dessa forma, a intervenção norte-americana nas Guerras de

Independência Cubanas foi crucial para o desfecho do processo, bem como para a garantia do

fim de qualquer interferência européia na região. Nesse momento, a política externa dos

Estados Unidos para Cuba associava-se a um contexto maior de expansão da hegemonia

norte-americana em todo o hemisfério ocidental, como proclamado pela Doutrina Monroe.

Anos mais tarde, o êxito do movimento revolucionário cubano modificou as relações

entre esses países, pois significou uma ameaça à posição hegemônica ocupada pelos Estados

Unidos no continente. No contexto da Guerra Fria, o paradigma utilizado pelos norte-

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 135

americanos para as ofensivas contra Cuba foi o da necessidade de contenção do perigo

soviético na região. Os Estados Unidos não poderiam deixar que outros países latino-

americanos seguissem o exemplo cubano e se aliassem a União Soviética, por isso adotaram

medidas de contenção ainda mais repressivas após a vitória da Revolução. Nas relações

específicas com Cuba, os Estados Unidos promoveram os mais diversos tipos de ataques a fim

de liquidar o regime de Castro.

Ao contrário do que se esperava, após o fim da Guerra Fria, mantiveram-se políticas

hostis justificadas com base no paradigma da democracia, que passou a ser evocado pelos

Estados Unidos como necessário para a estabilidade e o pleno desenvolvimento político no

mundo. As primeiras medidas norte-americanas, após 1989, buscaram desestabilizar

economicamente a Ilha a fim de promover a queda do regime socialista. No entanto,

administrações posteriores buscaram promover ações voltadas para o planejamento de

intervenções que permitissem uma gradual transição democrática em Cuba.

Deve-se ressaltar a emergência de demandas internas, por parte de cubano-americanos,

nas relações entre Cuba e Estados Unidos no pós-Guerra Fria. Os exilados cubanos em Miami

passaram a representar uma importante parcela do eleitorado norte-americano, tornando

muitas vezes as políticas norte-americanas em relação a Cuba mais como resoluções da

política doméstica do que da política externa.

Por fim, o novo referencial adotado pelo governo norte-americano permite concluir a

dificuldade na normalização das relações cubano-norteamericanas. As demandas pelo modelo

democrático ocidental em Cuba só poderão ser atendidas, da forma como querem os Estados

Unidos, quando modificações políticas ocorrerem dentro da Ilha. Ao mesmo tempo, o regime

cubano não parece disposto a efetuar tais concessões, assim como não esteve desde o início da

Revolução. Nesse sentido, as políticas hostis em relação a Cuba parecem continuar

acontecendo com base em diversos paradigmas que se alteram ao longo dos anos,

exemplificando o imperialismo norte-americano na América Latina.

Referências ALZUGARAY, Carlos. De Bush a Bush: balance y perspectivas de la política externa de los

Estados Unidos hacia Cuba y el Gran Caribe. En publicación: América Latina y el

(des)orden global neoliberal. Hegemonía, contrahegemonía, perspectivas. José Maria

Gómez. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma

de Buenos Aires, Argentina. 2004.

AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina. A construção da hegemonia.

São Paulo: Editora UNESP, 2002.

Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 136

CHOMSKY, Noam. A política externa dos Estados Unidos: da Segunda Guerra Mundial a

2002. São Paulo: Consulta Popular, 2005.

FERNANDES, Florestan. Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. São Paulo: T.

A. Queiroz, 1979.

FIORI, J.L. Cuba e EUA, aproximação improvável. Le Monde Diplomatique Brasil, fev.

2008.

GOTT, Richard. Cuba. Uma Nova História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A Revolução Cubana e a América

Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

MORLEY, Morris H.; MCGILLION, Chris. Unfinished business: America and Cuba after the

Cold War, 1989-2001. Cambridge, UK; New York: Cambridge University Press,

2002.

MORRONE, Priscila. A Fundação Nacional cubano-americana (FNCA) na Política externa

dos Estados Unidos para Cuba. 2008. Dissertação (Mestrado em Relações

Internacionais). Programa de pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago

Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP)

RIVERO, Nicolas. Fidel Castro: um dilema americano. São Paulo: Donimus, 1963.

SADER, Emir. A Revolução Cubana. São Paulo: Moderno, 1985.

SADER, Emir. Cuba: Um Socialismo em Construção. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

SANTORO, Mauricio. Cuba após a Guerra Fria: mudanças econômicas, nova agenda

diplomática e o limitado diálogo com os EUA. Rev. bras. polít. int.. 2010, vol.53, n.1.

SANTOS, Marcelo. O poder norte americano e a America Latina no pós-guerra fria. São

Paulo: Annablume, 2007.

SCHILLING, Voltaire. Estados Unidos x América Latina: as etapas da dominação. Porto

Alegre: Mercado Aberto, 1984.

SCHLESINGER JR., Arthur M. Os ciclos da história Americana. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1992.

SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-

americana em relação à América Latina. Bauru, SP: EDUSC, 2000.