IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO: DA ...
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Jos Lus Lima Garcia
IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO
NOVO: DA AGNCIA GERAL DAS COLNIAS
AGNCIA GERAL DO ULTRAMAR
1924 - 1974
Faculdade de Letras
Universidade de Coimbra
2011
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Jos Lus Lima Garcia
IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO
NOVO: DA AGNCIA GERAL DAS COLNIAS
AGNCIA GERAL DO ULTRAMAR
1924 - 1974
Tese de doutoramento em Histria, especialidade Histria Contempornea, apresentada
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob a orientao do Professor Doutor
Lus Reis Torgal
Faculdade de Letras
Universidade de Coimbra
2011
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A todos aqueles, incluindo meu pai, que devotaram cultura
colonial o saber universitrio do rigor e da objectividade.
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V
NDICE
Palavras Prvias ................................................................................................................... 1
Introduo ............................................................................................................................ 3
PARTE I
O IMPRIO PORTUGUS: IDEIA E INSTITUIO
Cap. I - As ideias de Imprio no contexto Internacional e Nacional ......................... 13
1. O Contexto Internacional..................................................................................... 13
1. 1. A ideia de Imprio no discurso liberal da Frana e da Gr-Bretanha.......... 13
1. 2. A ideia de Imprio no discurso mussoliniano da Itlia ............................... 46
2. O Contexto Nacional ........................................................................................... 72
2.1. A ideia de Imprio no discurso da Primeira Repblica ................................ 72
2.2. A ideia de Imprio no discurso do Estado Novo .......................................... 86
Cap. II - A Agncia Geral das Colnias / Ultramar no contexto do final da
primeira Repblica e do Estado Novo ....................................................... 119
1. Fundao e evoluo histrica ao longo de meio sculo (1924-1974) .............. 119
2. Edies e publicaes desta Agncia de Propaganda Colonial ......................... 180
Cap. III - Os Peridicos sobre as Colnias/Ultramar durante a vigncia da
agncia geral das colnias/ultramar (1924/1974) ...................................... 215
1. Caracterizao dos principais peridicos neste perodo .................................... 215
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VI
PARTE II
O BOLETIM GERAL DAS COLNIAS/ BOLETIM GERAL DO ULTRAMAR
(1925-1970)
Cap. I - Histria do Boletim ..................................................................................... 231
1. Directores e suas linhas gerais e programticas ................................................ 231
2. Evoluo e Fases Histricas .............................................................................. 263
2. 1. O Boletim da Agncia Geral das Colnias e a sua aco entre o final
da Repblica e o Estado Novo ................................................................. 263
Cap. II - Autores e Temticas do Boletim ................................................................ 329
1. Temas abordados por colnia: autores e artigos ................................................ 329
2. Contributos para uma prosopografia dos colaboradores do Boletim ................ 440
Cap. III - A (s) Ideia(s) Do Imprio ......................................................................... 471
1. No Registo Oficial ............................................................................................. 471
1.1. Das Exposies Coloniais .......................................................................... 471
1.2. Da Literatura Imperial ................................................................................ 506
2. Na Histria do Imprio ...................................................................................... 535
2.1. Baseada em Acontecimentos ...................................................................... 535
2. 2. Baseada em Personalidades ....................................................................... 574
Concluso ......................................................................................................................... 593
FONTES E BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 599
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VII
APNDICE I - Os Peridicos sobre as Colnias/Ultramar durante a vigncia da agncia
geral das colnias/ultramar (1924/1974) ........................................................................... 631
APNDICE II - Lista dos principais colaboradores do Boletim Geral das Colnias /
Boletim Geral do Ultramar entre os anos de 1925 e 1970................................................. 673
APNDICE III - Principal cronologia da Agncia Geral das Colnias/Agncia Geral do
Ultramar entre os anos de 1924 e 1974 ............................................................................. 749
ANEXO I - Prmios literrios da Agncia Geral das Colnias/Agncia Geral do Ultramar
entre os anos de 1926 e 1974 ............................................................................................. 757
ANEXO II - Fotografias do Ministrio das Colnias/Ultramar e sedes da Agncia Geral
das Colnias/Ultramar (1924-1974) .................................................................................. 761
ANEXO III - Capas de Boletins entre 1925-1970 ........................................................... 763
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IX
GRFICOS E QUADROS
GRFICOS
Grfico 1: Nmero de leitores que frequentaram a Biblioteca da Agncia Geral das
Colnias entre 1926 e 1930. ........................................................................... 182
Grfico 2: Movimento bibliogrfico da Biblioteca da Agncia Geral das Colnias
no ano de 1930. ............................................................................................... 182
Grfico 3: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos leitores da Biblioteca da
Agncia Geral das Colnias no ano de 1930. ................................................. 183
Grfico 4: Caracterizao dos principais Peridicos Coloniais/Ultramarinos entre
1924/1974. ...................................................................................................... 219
Grfico 5: Periodicidade dos Jornais/Revistas Coloniais/Ultramarinos entre
1924/1974. ...................................................................................................... 219
Grfico 6: Nmero de peridicos fundados entre as dcadas de 20 e 70 do sculo
XX................................................................................................................... 220
Grfico 7: Produo editorial no Imprio Colonial Portugus e no Estrangeiro
entre os anos de 1924 e 1974. ......................................................................... 222
Grfico 8: Dinamismo editorial em Moambique entre as dcadas de 20 e 70 do
sculo XX. ...................................................................................................... 223
Grfico 9: Dinamismo editorial em Angola entre as dcadas de 20 e 70 do sculo
XX................................................................................................................... 223
Grfico 10: Dinamismo editorial na Metrpole entre as dcadas de 20 e 70 do
sculo XX. ...................................................................................................... 224
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X
Grfico 11: Dinamismo editorial na Guin, ndia e Macau entre as dcadas de 20
e70................................................................................................................... 225
Grfico 12: Dinamismo editorial em Cabo Verde e Estrangeiro entre as dcadas de
20 e 70............................................................................................................. 225
Grfico 13: Dinamismo editorial em S. Tom e Prncipe e Timor entre as dcadas
de 20 e 70. ....................................................................................................... 226
Grfico 14: Percentagem de temticas por pginas no Boletim da Agncia Geral das
Colnias entre os anos de 1925 e 1930. .......................................................... 272
Grfico 15: Percentagem de temticas sobre Angola no Boletim Geral das
Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 338
Grfico 16: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre Angola no Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre
os anos de 1946 e 1961. .................................................................................. 339
Grfico 17: Percentagem de temticas sobre Cabo Verde no Boletim da Agncia
Geral das Colnias entre os anos de 1926 e 1932. ......................................... 344
Grfico 18: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre Cabo Verde no Boletim da Agncia Geral das
Colnias entre os anos de 1926 e 1932. .......................................................... 346
Grfico 19: Percentagem de temticas sobre a Guin no Boletim Geral das
Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 358
Grfico 20: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre a Guin no Boletim Geral das Colnias/Ultramar
entre os anos de 1946 e 1961. ......................................................................... 360
Grfico 21: Percentagem de exportaes da Guin no ano de 1965 referidas no
Boletim Geral do Ultramar. ............................................................................ 361
Grfico 22: Percentagem de exportaes da ndia no ano de 1927 referidas no
Boletim da Agncia Geral das Colnias. ........................................................ 365
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XI
Grfico 23: Percentagem de temticas sobre a ndia no Boletim Geral das
Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 377
Grfico 24: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre a ndia no Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre
os anos de 1946 e 1961. .................................................................................. 378
Grfico 25: Percentagem de temticas sobre Macau no Boletim da Agncia Geral
das Colnias entre os anos de 1926 e 1932. ................................................... 385
Grfico 26: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre Macau no Boletim da Agncia Geral das Colnias
entre os anos de 1926 e 1932. ......................................................................... 386
Grfico 27: Percentagem de temticas sobre Moambique no Boletim Geral das
Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 410
Grfico 28: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre Moambique no Boletim Geral das
Colnias/Ultramar entre os anos de 1946 e 1961. .......................................... 412
Grfico 29: Exportaes de S. Tom e Prncipe no ano de 1939 referidas no
Boletim Geral das Colnias. ........................................................................... 423
Grfico 30: Percentagem de temticas sobre S. Tom e Prncipe no Boletim Geral
do Ultramar entre os anos de 1962 e 1970. .................................................... 425
Grfico 31: Evoluo da populao em S. Tom e Prncipe entre os anos 1950 e
1959. ............................................................................................................... 427
Grfico 32: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre S. Tom e Prncipe no Boletim Geral do Ultramar
entre os anos de 1962 e 1970. ......................................................................... 428
Grfico 33: Percentagem de temticas sobre Timor no Boletim Geral das Colnias
entre os anos de 1932 e 1945. ......................................................................... 435
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XII
Grfico 34: Percentagem dos estratos socioprofissionais dos autores que
escreveram sobre Timor no Boletim Geral das Colnias entre os anos
de 1932 e 1945. ............................................................................................... 436
Grfico 35: Naturalidade dos autores por zonas geogrficas. ........................................... 448
Grfico 36: Autores da Metrpole (Continente+Ilhas), Colnias e Estrangeiro. .............. 449
Grfico 37: Autores portugueses por distritos. .................................................................. 449
Grfico 38: Lugares onde se deu o bito dos autores. ....................................................... 451
Grfico 39: Data de nascimento dos autores. .................................................................... 452
Grfico 40: Data de bito dos autores. .............................................................................. 454
Grfico 41: Estratos sociais dos autores. ........................................................................... 455
Grfico 42: Formao acadmica dos autores. .................................................................. 456
Grfico 43: Origem da formao acadmica dos autores de acordo com os estratos
sociais. ............................................................................................................ 457
Grfico 44: Escolas nacionais e estrangeiras frequentadas pelos autores. ........................ 458
Grfico 45: Tipo de escolas e faculdade frequentadas pelos autores. ............................... 459
Grfico 46: Percentagem dos autores licenciados em Direito comparativamente
com outras licenciaturas. ................................................................................ 462
Grfico 47: Instituies onde os autores se licenciaram em Direito. ................................ 463
Grfico 48: reas de licenciatura dos autores. .................................................................. 464
Grfico 49: Instituies onde os autores se licenciaram em Engenharia .......................... 465
Grfico 50: Instituies onde os autores se licenciaram em Medicina .............................. 466
Grfico 51: Filiao ideolgica dos autores. ..................................................................... 468
Grfico 52: Funes dos autores na alta hierarquia do Estado imperial. .......................... 469
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XIII
Grfico 53: Percentagem de artigos de/sobre Mouzinho de Albuquerque e outras
personalidades histricas. ............................................................................... 575
Grfico 54: Percentagem de personalidades histricas mais referidas no Boletim
Geral das Colnias/Ultramar entre os anos 1925 e 1970. ............................... 587
Grfico 55: Percentagem dos estratos socioprofissionais das personalidades
histricas referidas no Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre os
anos 1925 e 1970. ........................................................................................... 590
Grfico 56: Percentagem de artigos sobre personalidades histricas publicados no
Boletim Geral das Colnias/Ultramar (1925/1970) durante os diferentes
regimes polticos do sc. XX. ......................................................................... 591
QUADROS
Quadro 1: Subscrio para a instalao da sede da Agncia Geral das Colnias. ............ 126
Quadro 2: Autorizao de pedido de emprstimo para a representao de algumas
colnias na Exposio Colonial do Porto. ...................................................... 138
Quadro 3: Peridicos mais antigos criados antes da Agncia Geral das Colnias e
referenciados no seu Boletim (1924). ............................................................. 221
Quadro 4: Listagem de personalidades inventariadas como colaboradoras do
Boletim Geral das Colnias/Ultramar. ........................................................... 446
Quadro 5: Subscrio entre as principais Colnias para a realizao da Exposio
Colonial do Porto de 1934. ............................................................................. 473
Quadro 6: Listagem de personalidades histricas inventariadas nos artigos do
Boletim Geral das Colnias/Ultramar entre 1925/1970. ................................ 592
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1
PALAVRAS PRVIAS
Aps termos concludo em 1988 o Mestrado em Histria dos Sculos XIX e XX,
pela Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa sobre a
temtica das relaes de Moambique com os territrios limtrofes, no perodo entre as
duas Guerras Mundiais1, surgiu a ideia de abordarmos novamente a problemtica colonial
para um trabalho mais profundo, fruto da experincia acumulada nessa investigao,
depois de uma vivncia de mais de duas dcadas nas antigas colnias de Angola e
Moambique. Aliada a esta vivncia, estivera tambm o facto de possuirmos uma razovel
biblioteca sobre temtica ultramarina, motivo que viria a constituir um bom incentivo para
nos abalanarmos num projecto acadmico to exaustivo e complexo. O contacto com o
Professor Lus Reis Torgal, nos finais da dcada de oitenta, e as reflexes posteriormente
levadas a efeito sobre a questo imperial no contexto do Estado Novo, conjugadas com o
interesse em desenvolver uma linha de pesquisa sobre os aspectos ideolgicos desse
regime autoritrio, levaram-nos a solicitar a este docente para que nos orientasse neste
trabalho, cuja temtica importante para a compreenso do papel desempenhado pelas
colnias na sociedade portuguesa contempornea.
Depois de algumas reunies preliminares efectuadas com o orientador para a
definio da temtica a explorar, decidimos que a mesma versaria A ideologia e a
propaganda colonial no Estado Novo, a partir da anlise de uma instituio oficial, a
Agncia Geral das Colnias/ Agncia Geral do Ultramar, no perodo compreendido entre
1924 e 1974. Aps o levantamento de uma documentao e bibliografia sumria em
arquivos e bibliotecas de Lisboa e Guarda, entendeu o Professor Torgal que o tema tinha
condies para ser desenvolvido, pelo que no ano de 2001 resolvemos solicitar ao
Conselho Cientfico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra a inscrio para o
doutoramento na rea de Histria Contempornea. Assim, esta investigao resultar da
congregao do contributo de vrias instituies e entidades que ser de justia
1 Jos Lus Lima Garcia, Moambique e as Relaes com os Territrios Vizinhos (1919 - 1939), Guarda,
Edio Policopiada, 1987, 657 pp.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
2
destacarmos: primeiramente, queremos agradecer ao Centro de Estudos Interdisciplinares
do Sculo XX, pelo apoio institucional dos seus membros a esta pesquisa sobre a
propaganda colonial em Portugal, desde os finais da Primeira Repblica. Grato ainda
Escola Superior de Educao, Comunicao e Desporto, mormente Unidade Tcnico-
Cientfica de Cincias Sociais e da Comunicao e ao Conselho Tcnico-Cientfico, pela
compreenso revelada na concesso de trs dispensas semestrais de servio docente,
respectivamente nos anos lectivos de 2001-2002, 2004-2005 e 2007-2008.
Aos directores e funcionrios do Arquivo do Ministrio dos Negcios Estrangeiros,
da Biblioteca Nacional e da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, a nossa
gratido pela simpatia e competncia evidenciadas durante este processo de investigao.
Gratos ainda Livraria Histrica Ultramarina, na pessoa do senhor Fritz Berkemeier, pela
possibilidade que nos deram da aquisio do Boletim Geral das Colnias/Ultramar e ainda
de um outro fundo bibliogrfico valioso, relativo a muitas das publicaes da instituio
em estudo, nomeadamente as que se referiam s obras relacionadas com o prmio de
Literatura Colonial, institudo por esse organismo estatal de propaganda. Agradecimento
ainda ao doutor Jos Jlio Pinheiro e mestre Maria de Ftima Gonalves pela
disponibilidade e pelo cuidado postos na reviso e na realizao grfica deste trabalho.
Para a Arlete, Ana e Nuno vo do mesmo modo a nossa gratido pelo estmulo, afecto e
compreenso manifestados ao longo destes muitos anos de trabalho e pesquisa. No
quisemos encerrar esta nota preambular sem um reconhecimento especial ao Professor
Lus Reis Torgal que desde o primeiro momento acedeu orientar esta tese, revelando ao
longo deste tempo um fino trato humano e uma invulgar competncia cientfica e
acadmica.
laia de advertncia e ainda antes de encerrarmos estas palavras prvias,
gostaramos de declarar que este trabalho acadmico foi escrito nos moldes da antiga
reviso ortogrfica, pelo facto de se encontrar parcialmente redigido, quando o actual
acordo entrou em execuo.
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3
INTRODUO
Ao abordarmos a temtica a que nos propusemos sobre a ideologia e a propaganda
do Estado Novo atravs do estudo de uma instituio, a Agncia Geral das
Colnias/Agncia Geral do Ultramar, no perodo compreendido entre 1924 e 1974, ocorre-
nos formular algumas questes de mbito metodolgico. Parafraseando Quivy e
Campenhoudt sobre o objectivo de uma investigao em Cincias Sociais, teremos de
confirmar ...se os resultados observados correspondem aos resultados esperados pela
hiptese2 ou se necessrio reformular a pesquisa e enunciar outros pressupostos. Como
incio desta indagao sobre a propaganda colonial, deveramos poder enunciar vrias
hipteses relacionadas com esta problemtica que s aps o 25 de Abril de 1974, com uma
pliade de novos estudiosos, puderam com mais objectividade e rigor estudar assuntos at
ali considerados interditos. Deste modo, ser oportuno colocarmos algumas questes sobre
o papel desempenhado por uma instituio de propaganda durante meio sculo e se essa
mesma actuao ajudara a estratgia de vulgarizao imperial dos diversos regimes
polticos do Estado portugus no sculo XX? Em caso afirmativo, quais foram as
cambiantes entre a poltica imperial do final da Primeira Repblica e a do Estado Novo?
Por que motivo, mesmo durante a vigncia do Estado Novo, o regime de Salazar adoptou
vrias medidas de correco da sua poltica ultramarina?
Desta forma, o contedo da nossa investigao vai centrar-se na abordagem da
propaganda colonial veiculada por uma instituio estatal portuguesa durante o meio
sculo da sua existncia. Segundo Ricardo Chueca, a evoluo e a consolidao dos
regimes nacionalistas s poderia acabar num regime apotetico de ndole imperial3. Ao
definir desta maneira o conceito de Imprio como uma hierarquia suprema da nao,
este investigador considerava o potencial dos regimes autoritrios numa fora centrpeta
que subjugava os localismos provindos das regies mais diversas4. Logo, uma abordagem
sobre uma instituio de propaganda dever ser contextualizada sincronicamente para, em
2 Raymond Quivy e Luc Van Champenhoudt, Anlise das Informaes in Manual de Investigao em
Cincias Sociais, Lisboa, Gradiva Publicaes, 1992, p. 211. A 5. edio desta obra, sob responsabilidade da
mesma editora, saiu para o mercado portugurs no ano de 2008, num volume com 284 pp. 3 Ricardo Chueca, El Fascismo en los comienzos del rgimen de Franco, Madrid, Centro de Investigaciones
Sociolgicas, 1983, 548 pp., especialmente pp. 43 e ss. 4 Fernandz Cuesta citado por Ricardo Chueca, Ibidem, p. 46.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
4
tempo oportuno, se concluir das analogias e diferenas que esta tcnica de Comunicao
produzira nas conscincias dos cidados, ao longo dos regimes polticos em estudo.
Concluiremos com a aluso ao plano da dissertao, salientando as razes porque
dividimos a temtica principal em duas partes distintas: uma primeira relacionada com a
ideia de Imprio nas principais metrpoles colonizadoras (Frana, Gr-Bretanha e Itlia) e
a ideia de Imprio ao longo dos regimes portugueses das primeiras dcadas do sculo XX
(Repblica e Estado Novo), onde procurmos integrar a Agncia Geral das
Colnias/Ultramar, fazendo a anlise dos peridicos que versavam essa idiossincrasia; uma
outra, a segunda parte, relacionada com algumas questes sobre a origem do principal
rgo de difuso da Agncia, o Boletim Geral das Colnias/Boletim Geral do Ultramar,
nomeadamente a histria, as temticas, os autores, e a ideia de Imprio no registo oficial.
No respeitante utilizao de fontes primrias nesta pesquisa, os documentos
estudados provm sobretudo do ministrio dos Negcios Estrangeiros e dos arquivos de
Armindo Monteiro e do general Freire de Andrade. Neste mbito, ser crucial afirmar que
a investigao arquivstica em Portugal sobre o Estado Novo e outros perodos da Histria
recente peca pela dificuldade de acesso s instituies responsveis pela conservao
desses documentos, seja porque muitos dos manuscritos se encontram dispersos por
arquivos e bibliotecas do Pas com o inconveniente de muitos dos acervos continuarem por
inventariar e catalogar, seja por que a espada de interdio de consulta continua a recair
sobre certos documentos que j ultrapassaram a lei da inacessibilidade. Quanto ao esplio
da Agncia Geral das Colnias/Ultramar, a maior parte da sua documentao aps Abril de
1974 foi levada para armazns situados na periferia de Lisboa, nomeadamente em Almada,
Loures e Queluz, tendo apenas transitado na ntegra para o Arquivo Histrico Ultramarino
a biblioteca e alguma documentao avulsa, muita dela ainda nem sequer
convenientemente catalogada. Para o Palcio Foz, antiga sede do Secretariado Nacional de
Informao, passou apenas a documentao iconogrfica. Quanto documentao
impressa, a mais utilizada provm essencialmente de bibliotecas e de instituies pblicas,
para onde a Agncia fazia encaminhar gratuitamente o seu peridico e outras publicaes
de propaganda entretanto editadas. No caso das instituies metropolitanas para as quais
eram enviadas estas obras, destacaram-se as bibliotecas das Escolas Secundrias e do
Magistrio Primrio, e das Faculdades das principais Universidades. Foi, alis, na
biblioteca do antigo Liceu Afonso de Albuquerque da Guarda que encontrmos disponveis
muita da bibliografia sobre as Colnias/Ultramar, o que em termos de investigao tornou
o nosso trabalho muito mais facilitado.
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INTRODUO
5
Um outro aspecto que condicionou a realizao desta dissertao foi a quase
inexistncia de trabalhos sobre a ideologia colonial, nomeadamente sobre a Agncia Geral
das Colnias/Ultramar, produzidos pelos historiadores da rea Contempornea. Algumas
excepes ao que acima afirmmos so os trabalhos de Valentim Alexandre5 que, partindo
da anlise da ideologia oitocentista, se debruou sobre a questo colonial na implantao
do Estado Novo. Tambm, Joo Carlos Paulo escreveu sobre a cultura colonial6, referindo-
se especialmente num dos escritos Agncia Geral das Colnias, numa sntese sobre o
papel que a mesma desempenhou na construo e difuso das imagens e dos sentidos
ideolgicos do Imprio7. Necessrio ser ainda referir o trabalho pioneiro de ngela
Guimares sobre a Sociedade de Geografia de Lisboa8, baseado em material produzido por
esta instituio a partir do terceiro quartel do sculo XIX e constitudo especialmente por
actas de sesses, boletins e separatas que ao todo, segundo esta investigadora, formava um
conjunto de 16.000 pginas de documentos impressos9. A obra em questo baseou-se numa
anlise scio-econmica do colonialismo portugus da segunda metade do sculo XIX e
pretendeu reagir contra certos preconceitos instalados na historiografia internacional
quanto ao facto do imperialismo luso ser caracterizado por uma sequncia de actos
desorganizados numa atmosfera dormente e arcaica10
, prpria de um povo latino.
No seguimento desta ideia R. J. Hammond, num livro sobre o colonialismo em
frica11
, salientava que foram factores de ndole histrica que marcaram a presena de
Portugal nos trpicos e no os factores puramente economicistas. No reforo desta
perspectiva, da inexistncia de factores econmicos no desenvolvimento do Ultramar no
sculo XIX, se caracterizou a perspectiva de Jos Capela, mormente quando desvalorizou o
5 De Valentim Alexandre, entre outras, as seguintes obras: Origens do Colonialismo Portugus Moderno
1822-1891, Lisboa, S da Costa Editora, 1979, 219 pp; Histria da Expanso Portuguesa (Em Colaborao
sob a Direco de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri), Lisboa, Crculo de Leitores, Volume 4 (Do
Brasil para frica 1808-1930), 1998, 568 pp; Velho Brasil, Novas fricas Portugal e o Imprio (1808-
1975), Porto, Edies Afrontamento, 2000, 248 pp; O Imprio Africano Sculos XIX e XX (Coordenao
Valentim Alexandre), Lisboa, Edies Colibri, 2000, 195 pp; A Questo Colonial no Parlamento 1821
1910, Lisboa, Editorial D. Quixote, Volume I, 2008, 207 pp. 6 Joo Carlos Paulo, Cultura e Ideologia Colonial in O Imprio Africano 1890-1930, (coordenao de
Joel Serro e Oliveira Marques), Lisboa, Editorial Estampa, 2001, 863 pp., especialmente pp. 30-94. 7Joo Carlos Paulo, Agncia Geral das Colnias/Ultramar in Fernando Rosas e J. M. Brando de Brito,
Dicionrio de Histria do Estado Novo, 2 volumes, Lisboa, Crculo de Leitores, 1996, Volume 1, pp. 23-24. 8 ngela Guimares, Uma Corrente do Colonialismo Portugus: a Sociedade de Geografia de Lisboa: 1875-
1895, Lisboa, Livros Horizonte, 1984, 232 pp. 9 Idem, Bibliografia, Ibidem, p. 229.
10 Idem, Apresentao, Ibidem, p. 10.
11 R. J. Hammond, Portugal and Africa 1815-1910. A study in Uneconomic Imperialism, Stanford, Stanford
University Press, 1966, 384 pp. Em 1996 o livro foi reeditado pela mesma instituio univerrsitria de h
trinta anos atrs.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
6
papel da burguesia industrial nesse contexto12
. Fazendo a sntese entre estas interpretaes,
Valentim Alexandre de opinio que a expanso portuguesa em frica dever ser vista
numa perspectiva mais globalizante, integrando ao mesmo tempo as teses sobre agentes
econmicos e ideolgicos num percurso em que o mito nacionalista da herana sagrada
contribuiu decisivamente para a reivindicao do direito histrico da descoberta, mais do
que o mito utilitarista do aproveitamento econmico do continente africano, segundo os
padres do eldorado que foi o Brasil nos sculos XVII e XVIII13
. ltimamente, em
2008, Valentim Alexandre, para o perodo da Monarquia Liberal, e Cndida Proena, para
a Primeira Repblica, luz destes parmetros analisaram a Questo Colonial no
Parlamento, a partir especialmente dos debates que os deputados travaram para preservar
e melhorar esse patrimnio territorial herdado dos primrdios da poca Moderna14
.
Mutatis mutandis, com a diferena de um sculo, pretenderemos com a anlise que
estamos a proceder demonstrar que existiu uma linha ideolgica condutora desde o incio
do sculo XIX, que se acentuou a partir de 1875, com a criao da Sociedade de Geografia
de Lisboa, no colonialismo portugus hodierno. Assim, esta instituio cientfica
propugnava pela explorao das possesses ultramarinas, em nome desse direito histrico
de descoberta, tendo toda a propaganda depois dessa data sido concertada numa aco
pelos princpios de uma referncia civilizacional nos trpicos, qual esprito de sagrada
misso. Esse esprito nacionalista de misso culminaria com a criao em 1924 da
Agncia Geral das Colnias em pleno final da Primeira Repblica, como ideal de
preservao desses domnios descobertos pelos navegadores quinhentistas e continuado
como verdade nica pelo regime do Estado Novo. Como reforo dessa tese sobre a
evoluo estrutural do pensamento colonial portugus, destacou-se a obra de Cludia
Castelo O Modo Portugus de Estar no Mundo. O luso-tropicalismo e a ideologia
colonial portuguesa (1933-1961), publicada em 199815
.
No prefcio desta obra, Valentim Alexandre considerou que foi no ltimo quartel do
sculo XIX que essa ideia da preservao do mito da herana sagrada passou a ganhar
consistncia na opinio pblica portuguesa. Depois da Segunda Guerra Mundial, com o
12
Jos Capela, A Navegao e a Burguesia Mercantil do Porto in A Burguesia Mercantil do Porto e as
Colnias (1834-1900), Porto, Editorial Afrontamento, 1975, pp. 183-205, especialmente p. 187. 13
Valentim Alexandre, A questo colonial no Portugal... in O Imprio Africano, pp. 23-132,
especialmente pp. 120-122. 14
Valentim Alexandre e Cndida Proena, A Questo Colonial no Parlamento, respectivamente Volumes I
(1821-1910) e II (1910-1926), Lisboa, Publicaes D. Quixote, 2008, respectivamente 208 pp. e 488 pp. 15
Cludia Castelo, Prefcio, O Modo Portugus de Estar no Mundo. O luso-tropicalismo e a ideologia
colonial portuguesa (1933-1961), Porto, Editorial Afrontamento, 1998, pp. 5-6, especialmente p. 5.
-
INTRODUO
7
aparecimento de uma nova poltica internacional favorvel descolonizao e que punha
em causa este dogma vindo do sculo XIX, o regime salazarista foi obrigado a lavar a
face relativamente sua anacrnica lei sobre a administrao das possesses ultramarinas.
Neste sentido, Cludia Castelo concluiu, da anlise que fez da utilizao do luso-
tropicalismo pelo Estado Novo, que esta doutrina sociolgica foi intencionalmente
utilizada por este regime para mudar tudo aquilo que permanecera imutvel na sua
administrao colonial e desta forma iludir a opinio pblica, como alis ficara
demonstrado pela data escolhida para a visita a Portugal de Gilberto Freyre, dois meses
depois da reviso constitucional, em Agosto de 195116
.
Posteriormente, as impresses desta viagem seriam passadas a escrito com o
sugestivo ttulo de Aventura e Rotina. Sugestes de uma viagem procura das constantes
portuguesas de carcter e aco17
, procurando o livro em causa descrever as peripcias de
uma viagem para promover o patrimnio ultramarino e a miscigenao racial. Para alm de
mero veculo de difuso de um regime providencialista e tutelar como foi o Estado Novo, a
Agncia Geral das Colnias/Ultramar especialmente na fase de arranque, entre 1924 e
1932, pretendeu atravs do seu peridico reproduzir alguns dos exemplos hericos da
memria colectiva oitocentista, num manancial de informao cvica que servia para
formar uma elite necessria portugalizao de regies e populaes autctones,
semelhana alis do que acontecera com a propaganda de outras metrpoles da poca18
.
Para demonstrar como a Agncia Geral das Colnias foi decisiva na projeco dessa
conscincia imperial, vinte anos depois da fundao desta instituio, em Outubro de 1944,
Joo de Castro Osrio realava o papel preponderante que esta Agncia tivera para a total
reviso dos valores dessa poca19
.
E a reviso dos princpios jurdico-polticos a partir de 1951, relativamente ao regime
de administrao colonial por parte das instituies internacionais, mormente da ONU, no
que se referia prtica da explorao laboral e discriminao racial, levou o Estado
portugus a proceder a alteraes na Lei-Bsica de 1933, em especial na substituio da
16
Cludia Castelo, Concluso, Ibidem, pp. 137-140, p. 138. 17
Gilberto Freyre, Aventura e Rotina Sugestes de uma viagem procura das constantes portuguesas de
carcter e aco, Lisboa, Edies Livros do Brasil, 1954, 453 pp. 18
Jos Lus Lima Garcia, A Histria do Boletim da Agncia Geral das Colnias-Boletim Geral do Ultramar
e a Propaganda Colonial: a aco do primeiro director, dr. Armando Corteso (1924-1932), Guarda, Edio
Policopiada, 1997, 267 pp. 19
Joo de Castro Osrio, A aco cultural e a obra da Agncia Geral das Colnias in O Mundo Portugus
Revista de Cultura e Propaganda da Arte e Literaturas Coloniais, n. 130, Outubro de 1944, vol. XI, pp.
375-380, especialmente p. 379.
-
IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
8
terminologia referente aos territrios que at ento utilizavam a denominao de
Colnias e de Imprio, para Provncias Ultramarinas e Ultramar. Ainda, pelo
regime do Estado Novo foi aceite a teoria sociolgica do luso-tropicalismo de Gilberto
Freyre como instrumento de cincia para fins polticos, pressuposto reforado a partir de
1961 com as reformas introduzidas por Adriano Moreira no ministrio do Ultramar
relacionadas com a maior participao dos indgenas na administrao local. Mas todas
estas reformas no foram suficientes para alterar o status quo de uma dominao fora de
tempo. No princpio da dcada de sessenta, mais concretamente a 4 de Fevereiro de 1961,
os movimentos emancipalistas das colnias pegaram em armas para alterar pela fora esta
soberania retrica do discurso salazarista de que Portugal era um Estado uno e
pluricontinental, do Minho a Timor20
. Nesta altura comearia tambm a decadncia da
Agncia Geral do Ultramar, que culminaria com o final da publicao do seu Boletim no
ano de 1970. Entretanto, tinha passado meio sculo de vigncia desta Agncia e quarenta e
quatro anos de publicao ininterrupta dos quinhentos e trinta e cinco nmeros do seu
rgo escrito. Como ia longe o tempo em que o republicano Bernardino Machado, com o
seu fervor nacionalista, afirmava nas pginas deste mesmo peridico:
Fazer a propaganda da nossa aco colonial propugnar a causa do grande Portugal do futuro21
.
A propsito desta expresso nacionalista, poder-nos-emos interrogar: seria que num
perodo de cinquenta anos que durou a vigncia da Agncia Geral das Colnias/Ultramar o
pas procurara propugnar pela causa do Portugal do futuro? E teria sido a propaganda da
nossa aco colonial durante o sculo XX a melhor forma de projectar esse mesmo
futuro? Ou, pelo contrrio, a defesa da ideia de Imprio, sobretudo a partir da segunda
metade do sculo passado, era j uma causa perdida e a preservao da integridade
territorial uma questo de anacronismo e desfasamento temporal de Portugal face
comunidade internacional? As respostas a estas interrogaes sero pois os resultados da
investigao entretanto realizada e consubstanciada nos diversos captulos que se seguiro
aps esta introduo metodolgica.
20
Jos Freire Antunes, O Imprio com Ps de Barro. Colonizao e Descolonizao: as Ideologias em
Portugal, Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1980, p. 61. Ainda, Amlia Neves do Souto, Caetano e o Ocaso
do Imprio, Porto, Edies Afrontamento, 2007, 460 pp. 21
Bernardino Machado, Testemunhos de um ano de existncia in Boletim da Agncia Geral das Colnias,
Ano II, Junho de 1926, n. 12, p. 4.
-
Sede do Ministrio das Colnias/Ultramar at 1967
Praa do Comrcio
Lisboa
-
PARTE I
O IMPRIO PORTUGUS: IDEIA E INSTITUIO
-
13
CAP. I -
AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
1. O Contexto Internacional
1. 1. A ideia de Imprio no discurso liberal da Frana e da Gr-Bretanha
No incio da Segunda Guerra Mundial os dois imprios coloniais mais importantes
eram os da Frana e da Gr-Bretanha, muito embora o primeiro no tenha tido a
preponderncia e a projeco mundial que a dominao inglesa alcanara, pelo facto do
Governo de Paris se preocupar mais com os assuntos europeus, do que com a questo
ultramarina. Esta preocupao continental da Frana no deixara de ter consequncias na
descontinuidade com que administrou os seus territrios de Alm-Mar, a ponto de
considerarmos, semelhana alis de Portugal, trs complexos histrico-geogrficos ao
longo da sua dispora expansionista encetada nos alvores da poca Moderna: um primeiro,
o das descobertas, viagens e sociedades esclavagistas (1534-1789); um segundo, o da
revoluo, reconquista colonial e abolio da escravatura (1789-1870); um terceiro, o da
consolidao ultramarina at s independncias (1870-1960)22
.
Assim, na primeira fase, ao tempo de Francisco I, as viagens de Giovanni
Verrazzano em 1524 ao litoral dos Estados Unidos da Amrica e de Jacques Cartier ao
Canad (1534-1542) catapultariam a Frana para o reconhecimento do Novo Mundo. No
sculo seguinte essas viagens continuariam, nos reinados de Lus XIII e Lus XIV, com o
apoio dos negociantes dos principais portos franceses (Bordus, Nantes e Marselha) que
estabeleceram empresas comerciais que ajudariam colonizao da Nova Frana, actual
Canad, com a explorao do vale de S. Loureno e a fundao das cidades de Qubec
(1608) e Montreal (1642) e, mais a sul, no Luisiana, na bacia do rio Mississipi (1682), com
22
Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, Les trois temps de la colonisation franaise in La
colonisation franaise, Toulouse, ditions Milan, 2007, pp. 6-7.
-
IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
14
a criao da cidade de Nova Orlees, em 1718, hoje integrada na estrutura territorial dos
Estados Unidos da Amrica23
. Na regio do Caribe, a Frana acabaria tambm por se fixar
nalgumas parcelas insulares importantes como eram a Martinica e Guadalupe em 1635,
Granada em 1650, Guiana em 1677 e S. Domingo em 1697, onde comearam a incentivar
o plantio de monoculturas estratgicas como o tabaco e a cana-do-acar. Mas, estas
actividades agrcolas exigiam mo-de-obra com fartura que no existia na zona, pelo que a
administrao francesa teve necessidade de criar feitorias na costa ocidental de frica,
nomeadamente no litoral do Senegal, para importar escravos que dessem produtividade a
essas tarefas agrcolas nos trpicos antilhanos.
Mas os franceses nesta altura estavam ainda interessados numa rea estratgica de
especiarias e artigos de luxo exticos que havia sido descoberta pelos portugueses no final
do sculo XV (1498). Deste modo, a ndia constitua na altura uma zona de procura e
explorao por partes das metrpoles europeias e a Frana no foi excepo a essa
concorrncia com a fundao em 1664 da Companhia das Indias Orientais e de entrepostos
comerciais para tirar proveito desses negcios nas regies de Pondicherry, em 1674, e
Chandernagor, em 1684. Ainda sem a ligao pelo Mediterrneo para o continente asitico,
a rota pelo ndico do portugus Vasco da Gama acabava por ser, apesar de mais longnqua,
a mais frequentada pelos negociantes e marinheiros ocidentais. E por causa da distncia
haveria que criar portos intercalares de escala, como aconteceu com as armadas lusas aps
Gama, que tinham no litoral moambicano, desde Inhambane at ilha de Moambique,
lugares para descansar e recuperar as tripulaes exaustas por viagens to longas e
atribuladas. O mesmo sucederia com os franceses que para chegarem aos seus entrepostos
indianos precisavam do apoio de rectaguarda no Oceano ndico, pelo que a ocupao
criteriosa de duas ilhas, as de Bourbon e Frana, respectivamente rebaptizadas de Reunio
e Maurcias, resolveriam o problema de logstica da Marinha glica. Entretanto, na ndia, a
partir de 1720 e 1730, Joseph Franois Dupleix foi nomeado respectivamente membro dos
Conselhos Superiores de Pondicherry e Chandernagor, culminando a sua ascenso poltica
com a nomeao em 1742 para governador-geral de todos os estabelecimentos franceses
nesta regio24
.
23
Hubert Deschamps, L Empire Franais in La Fin des Empires Coloniaux, Paris, Presses Universitaires
de France, 1969, pp. 33-40, especialmente pp. 33-34. 24
Jacques Frmeaux, Frana: Imprio e Me Ptria in Robert Aldrich (Coordenao) La Era de los
Imperios, Barcelona, Editorial Blume, 2007, pp. 152-173, especialmente p. 152.
-
AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
15
Segundo J. M. Roberts, o futuro para a hegemonia imperial passava pela poltica das
superpotncias da altura na ndia, sobretudo o apoio indirecto que estas metrpoles
pudessem dar aos prncipes hindus rivais25
. E foi essa poltica do dividir, para reinar com
os autctones que desembocaria em 1744, em Carnatic, num primeiro confronto armado,
de mais dois que ocorreriam nesta zona at ao ano de 1763, entre os exrcitos franco-
britnicos. A rivalidade entre os interesses econmicos das companhias majestticas
haveria de levar o conflito asitico, para um mais global, a guerra dos Sete Anos (1756-
1763), entre a Gr-Bretanha e a Frana, onde os interesses por um maior controlo territorial
estivessem em causa:
En realidad, antes de su inicio, no haba habido una remisin de los combates en la India, pese a que
oficialmente, Francia y Gran Bretaa estaban en paz desde 1748. La causa francesa haba prosperado bajo
un brillante gobernador francs de Carnatic, Dupleix, quien causo una gran alarma entre los britnicos por
sua ampliacin del poder francs entre los prncipes nativos mediante la fuerza y la diplomacia26
.
A ameaa do poder francs na ndia era tal que o governo ingls declarou guerra
sua rival, guerra que no ano imediato se alastraria Europa, durante sete anos, e que
acabaria por ser prejudicial aos interesses expansionistas de Paris, pois estes claudicaram
ao potencial mais forte do exrcito dos generais Clive, na ndia, e Wolfe, no Canad
(Quebec), e ainda noutras regies como nas Antilhas, no Mediterrneo e no Atlntico
africano27
. Um outro factor importante foi, segundo Niall Ferguson, a capacidade de pedir
emprstimos ao mercado financeiro para custear as despesas entretanto ocasionadas com a
guerra28
. Numa posio de vulnerabilidade, a Frana foi obrigada a aceitar as
reivindicaes territoriais da Gr-Bretanha, dando-se um retrocesso nas posies
anteriormente tuteladas no xadrez e nas zonas de influncia compartidas nos continentes
americano e asitico. De acordo com Alejandro Cols, esta guerra assemelhou-se a uma
espcie de conflito mundial setecentista em que estava em causa a repartio do Mundo
pelos imprios britnico e francs29
. Ganhara o imprio de Sua Majestade pelo que o
Tratado de Paris, de 1763, pusera termo Guerra dos Sete Anos e obrigara a Frana a
25
J. M. Roberts, O Asalto de Europa al Mundo in Historia Universal III. La era del imperialismo
europeo, Madrid/Barcelona, RBA Edipresse, 2009, pp. 73-100, especialmente p. 83. 26
J. M. Roberts, Idem, Ibidem, p. 83. 27
David Mountfield, Comrcio e Imprio 1689-1783 in Histria da Gr-Bretanha, Lisboa, Crculo de
Leitores, 1980, pp. 74-83, especialmente p. 81. 28
Niall Ferguson, Por qu Gran Bretaa? - Guerreros in El Imperio Britnico Cmo Gran Bretaa forjo
el orden mundial, Barcelona, Random House Mondadori, 2006, pp. 37-89, especialmente p. 71. 29
Alejandro Cols, Imperio y Mercado in Imperio, Madrid, Alianza Editorial, 2009, pp. 97-149,
especialmente p. 110.
-
IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
16
renunciar s seguintes possesses: Nova Frana (Quebec e Montreal) e a todos os
territrios americanos da faixa leste da bacia do Mississipi; s ilhas aucareiras do Caribe,
designadamente Maria Galante e metade da ilha de S. Domingos, e ao fim do monoplio
da Companhia das ndias Ocidentais; s ilhas de Cuba e das Filipinas, dos aliados
espanhis, com a respectiva perda de influncia nestas zonas; aos entrepostos indianos,
como a fortaleza de Gingee e o entreposto de Pondichry30
.
Esta contrariedade no desmoralizaria a elite do Antigo Regime francs, nem a sua
opinio pblica. Tal como os estrategos hodiernos que para avanar precisam por vezes
de recuar, as ambies coloniais ficaram subjacentes na conscincia colectiva dos
polticos, soldados, mercadores e missionrios da Corte Solar, que com Lus XVI
procuraram nos poucos anos do seu absolutismo decadente, retomar o orgulho ferido da
nao gaulesa acossada pelo seu vizinho insular mais prximo. Ao aliar-se aos colonos na
luta pela independncia dos Estados Unidos, a Frana seguraria a oportunidade para a
desforra mas, tambm, para em nome da igualdade, liberdade e fraternidade
exportar um conjunto de ferramentas ideolgicas que iria permitir que a primeira colnia
no Mundo se emancipasse do seu colonizador, iniciando um processo irreversvel que
culminaria com as primeiras independncias do incio da poca Contempornea.
Portanto, o fluxo expansionista glico embalado pelo novo aliado americano
contra a hegemonia britnica iria permitir que a Frana restaurasse a soberania no Tobago
e no Senegal, em 1782, e recuperasse o trfico com as ndias Ocidentais e Orientais com
produtos to valiosos como o acar, o algodo e o caf, ocasionando que em 1788, um
ano antes da Revoluo, a Frana ultrapassasse em lucros a balana comercial da Gr-
Bretanha, confirmando, contraditoriamente, uma prosperidade econmica sem igual, num
perodo poltico e social muito conturbado. De acordo com Ccile Vidal, nesta conjuntura
o imprio francs diferenciava-se de todos os outros na Amrica pelo facto de, muitas das
vezes, a sua aniquilao no resultar de aces independentistas conduzidas por uma elite
branca, mas de vendas e desagregaes territoriais, num contexto de rivalidades e
concorrncias expansionistas pelo controlo estratgico de determinadas reas e regies. Por
esse facto, esta investigadora considerava que este primeiro perodo da dispora (dos finais
do sculo XVI ao XVIII), sobretudo no tempo que ia desde o Tratado de Paris, de 1763,
30
Niall Ferguson, op. cit., p. 71. Tambm, Jacques Levron, O Rei Sol Os ministros e a sua obra in
Histria de Frana, Lisboa, Crculo de Leitores, 1978, pp. 61-68, especialmente pp. 65-66.
-
AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
17
em que a Frana era obrigada a ceder o Canad Gr-Bretanha, aps a derrota na guerra
dos Sete Anos, at 1803, altura em que vendeu a Luisiana aos Estados Unidos da
Amrica, se deveria considerar em termos conceptuais como o de formaes imperiais,
mais do que propriamente um imprio, pelo facto de que a expresso permite sublinhar
que os imprios foram edificados pelo reconhecimento de contnuas transformaes e
negociaes31
No segundo perodo expansionista, o da revoluo, reconquista colonial e abolio
da escravatura (1789-1870), como o nome indicava o imprio deixava de estar sobre a
rbita do Antigo Regime monrquico e absolutista, mas passava a estar associado
revoluo e repblica bonapartista. No centro da revoluo, aps a destituio de Lus
XVI, uma Assembleia Constituinte que contraditoriamente aprovaria a Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado atribuindo uma nova responsabilidade cvica ao
habitante europeu francs, mas que se negava a abolir o estatuto da escravatura para muitos
africanos resgatados e enviados para as possesses das Antilhas e da Amrica do Norte.
Portanto, na prtica os princpios de uma liberdade plena para todos os cidados franceses
no resultavam, apesar da campanha dos filsofos da Ilustrao como Condorcet, Voltaire
e Montesquieu e da miltncia dos elementos da Sociedade dos Amigos dos Negros que
advogavam a abolio da escravatura. Assim, no centro das preocupaes das autoridades
revolucionrias estavam dois pressupostos que, para o exterior, poderiam consolidar a
credibilidade da Frana, como metrpole colonial: abolir a escravatura e aplicar as
mesmas leis no ultramar e na metrpole32
.
Estas hesitaes e as medidas titubeantes da Assembleia Legislativa para com os
direitos cvicos das populaes ultramarinas haveriam de ser fatais para os interesses
franceses nos trpicos. Somente em 1794, cinco anos depois do Terceiro Estado haver
sado rua, um parlamento mais radical, sob influncia de Robespierre, decidiu abolir a
escravatura, mas esta medida j no preveniu a guerra que os britnicos tinham declarado
ao rival revolucionrio, desde o ano de 1793, com a consequente ocupaode vrias ilhas
do Caribe e perda dos enclaves da ndia. Como ainda no impediu que numa parte da ilha
de S. Domingos, actual Haiti, uma rebelio chefiada por Toussaint Louverture pusesse em
31
Ccile Vidal, Amriques: la fin de l empire franais in L Histoire La Fin des Empires Coloniaux
De Jefferson Mandela, Paris, Sophia Publications, Les Collections de lHistoire n. 49, de Octobre-
Dcembre 2010, pp. 22-25, especialmente p. 23. 32
Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, Les trois temps de la colonisation, op. cit., p. 6.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
18
causa a soberania de Paris naquelas paragens e desse motivo para que se iniciasse um
movimento que culminaria na independncia daquela possesso em 180433
.
Entretanto, entre 1795 e 1799, emergeria em Frana um governo autoritrio,
denominado Directrio, que em aliana com os militares foi responsvel por uma nova
Constituio que reforaria os interesses da burguesia e a manteria conjunturalmente livre
quer do absolutismo, do antigo regime monrquico, quer do jacobinismo republicano
revolucionrio. Nesse hiato de tempo, mais concretamente em 1798, Napoleo Bonaparte
preparou uma expedio ao Egipto que tinha em vista intimidar o poderio naval dos
britnicos, junto do Mediterrneo, e condicionar a influncia que o mesmo exercia junto de
uma plataforma abarcando o sul da Europa, o norte de frica e o oriente Asitico,
plataforma alis que, em 1869, com a inaugurao do canal do Suez, desempenharia um
papel crucial nas ligaes com a ndia, rivalizando em tempo e distncia com a antiga rota
do Cabo34
.
Mas o gesto intimorato do oficial corso redundaria num fracasso, com a destruio
parcial, um ano depois, da frota francesa pela armada do almirante Nelson e o regresso
abrupto de Napoleo Europa. A aventura egpcia terminaria, sem honra nem glria, em
1801, com a rendio das ltimas foras expedicionrias. Em Maro de 1802 seria
finalmente rubricado com a Gr-Bretanha o tratado de paz de Amiens, que obrigaria a
Frana a retirar dos estados papais e a delimitar as fronteiras da Guiana. J como cnsul,
Napoleo no retirara grandes ilaes do desastre em terras do Nilo e contraditoriamente
ideologia da Revoluo adoptar uma poltica conservadora, semelhante do antigo
regime monrquico, relativamente ao seu imprio ultramarino. Assim, vai restaurar os
princpios esclavagistas como suporte laboral para a economia das matrias-primas
agrcolas tropicais (1802) e voltar a reocupar a ilha de So Domingos, prendendo e
extraditando para a Europa um dos seus chefes, Toussaint Louverture, e adiando a
independncia desta possesso para o ano de 1804. A nsia de derrotar os britnicos para
os expulsar da ndia e as diversas frentes de combate (da Pennsula Ibrica Rssia) vo
enfraquecendo o domnio napolenico. Mau grado os reconhecimentos e os raids que
fizera a regies inspitas como Arglia, Sria e Prsia, o imprio ultramarino cair com a
perda da sua hegemonia na Europa e, em 1814, no restava mais nada, a no ser o
33
Ccile Vidal, La Premire Rpublique Noire, op. cit., p. 25. 34
Jacques Levron, A Revoluo e o Imprio, op. cit., pp. 78-93, especialmente pp. 85-86.
-
AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
19
derramamento de sangue e os transtornos que levou a todos os lugares do mapa por
onde passou essa fantasia neocarolngia de nos tempos contemporneos pretender criar um
imprio semelhana dos seus antepassados medievais35
.
O Tratado de Paris de 1814 dava por terminada a guerra da Frana com a Gr-
Bretanha e com os outros inimigos desta coligao antinapolenica (ustria, Prssia,
Rssia e Sucia). Este facto permitia a restaurao da dinastia Bourbon com a subida ao
poder do rei Lus XVIII e o exlio de Napoleo para a ilha de Elba. O acordo no
penalizara muito a Frana com reparaes e perdas de territrios, mantendo alis as
colnias que possua at ao ano de 1789, excepo apenas da ilha de Frana (Maurcias),
no Oceano ndico, e Santa Lucia e Tobago, no Caribe, que passavam para a posse da Gr-
Bretanha36
. A partir de ento e at 1830 os governos franceses procuraram reconstruir o
seu imprio, recuperando aquelas possesses que consideravam mais importantes a nvel
estratgico e econmico. A posse desse ncleo central de colnias, muitas delas vindas j
da poca Moderna, fizera com que a opinio pblica considerasse essas parcelas de
velhas colnias, incluindo nesse rol territrios como a Martinica e a Guadalupe na
Amrica Central, o Senegal e a ilha Reunio em frica, e os enclaves indianos de
Chandernagore e Pondichry na sia.
Deste modo, entre 1815 e 1830, os esforos dos diversos governos foram o de
recuperar esse patrimnio que j havia pertencido Frana, diversificando a partir dessa
ltima data os seus interesses para outros pontos, nomeadamente para o norte de frica,
onde conseguiram resgatar a cidade de Argel influncia turca otomana. O resto da
ocupao da Arglia fora feita desde a Monarquia de Lus Filipe at Terceira Repblica,
tendo o movimento expansionista se estendido a outras regies, nomeadamente, s
Comores (1841), Taiti (1841), Marquesas (1843) e Nova Calednia (1853) na Oceania,
Senegal (1854-1865) em frica, Saigo (1859) e Cambodja (1863), na sia. Ainda neste
perodo, em 1848, durante a vigncia da Segunda Repblica, tinha sido definitivamente
abolida a escravatura, aps o restabelecimento feito por Napoleo em 1802, contraditando
a primeira abolio feita logo a seguir Revoluo, em 179437
.
35
J. M. Roberts, Cambio Poltico en una Era de Revolucin, op. cit., pp. 168-195, especialmente pp. 190-
191. 36
Jacques Frmeaux, Frana: Reconstruo in Robert Aldrich (Coordenao), La Era de los , p. 155.
37 Henri Wesseling, La premire moiti du XIX sicle, 1815-1870 La France in Les empires coloniaux
europens 1815-1919, Paris, ditions Gallimard, 2009, pp. 141-233, especialmente pp. 155-156.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
20
Finalmente, em 1870, entrara-se no ltimo perodo da colonizao francesa com a
consolidao at s independncias, no ano de 1960, de um imprio que se ia tornar o
segundo mais amplo e poderoso do Mundo, logo a seguir ao imprio britnico. Para isso
contribuira, na opinio de Hubert Deschamps, a chegada ao poder de uma burguesia
oportunista, representante dos interesses comerciais e industriais da poca que induziram
o maior surto de expansionismo territorial para alm da Europa38
. A consolidao do
imprio no fora um projecto unnime que envolvesse toda a nao gaulesa, pois no sculo
XIX muitos dos seus cidados desconheciam toda a geografia que estava para l do seu
habitat e no estavam muito habituados a emigrar ou reagiam mal agressividade dos
climas tropicais e, os poucos que o faziam, muitos deles eram rotulados de inadaptados
sociais, que no estavam bem em parte alguma e procuravam realizar-se noutros lugares.
Basta salientar que dos colonos que foram para o norte de frica, principalmente para a
Arglia, s metade era oriunda de Frana, provindo o restante de territrios da orla
mediterrnica (Espanha, Itlia, Malta)39
.
A Frana acabara de sair de mais uma guerra, agora com o seu vizinho prussiano e o
tratado de Francfurt assinado em Maio de 1871 no lhe fora favorvel, sobretudo no
retrocesso de algumas linhas de fronteira na Alscia e Lorena e na avultada indemnizao
de cinco milhes de francos, pelo que esses factos criaram uma grande animosidade contra
os alemes, que iria permanecer na conscincia colectiva destes at ao deflagar em 1914 da
Primeira Guerra Mundial, como forma de contas a ajustar pela humilhao sofrida
quatro dcadas antes. Da que o novo governo de Defesa Nacional, presidido por Jules
Ferry, tentasse levantar a moral e galvanizar os humilhados correlegionrios para outras
tarefas que lhe voltassem a dar o orgulho patritico de outros tempos da descoberta e
ocupao do Novo Mundo. Logo, a compensao colonial de acrescentar fronteiras a uma
metrpole delapidada delas poderia ser um bom lenitivo para cicatrizar esta ferida moral,
pelo que com os governos de Ferry, Gambetta e outros se levou a cabo uma importante
obra colonial, com a ocupao do Congo, por Brazza (1879), com a formao da colnia
do Sudo/Mali (1880), com a soberania sobre o protectorado da Tunsia (1881), com a
instalao na Costa do Marfim (1883), com a ocupao de Aname e do Tonquim (1885),
38
Hubert Deschamps, L Empire Franais, op. cit., p.35. 39
Jacques Frmeaux, O Grupo de Presso Colonial, op. cit., p. 158.
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AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
21
na sia, com o incio da conquista do Daom (1892), com a dominao de Madagscar
(1895)40
.
Jules Ferry no foi s o responsvel pelo boom do expansionismo francs
contemporneo, mas tambm um dos idelogos do imperialismo, na linha alis de outro
terico cuja obra foi precursora da aco que este poltico tivera a partir de Setembro de
1880, quando exerceu pela primeira vez a presidncia do Governo. A obra de Paul Leroy-
Beaulieu publicada em 1874, sobre De la colonisation chez les peuples modernes41
, foi
uma referncia no ltimo quartel do sculo XIX, pois estabelecia vrios pressupostos
importantes sobre a forma como a Frana administrava e explorava as suas parcelas
tropicais. Considerava que havia uma distino entre colnias antigas e novas, pois
relativamente s primeiras haveria uma exportao de pessoas, enquanto nas segundas
apenas uma exportao de capital. Assim, para o investigador Bernard Lugan a tese de
Beaulieu era de que a colonizao francesa devia fazer dos colonizados, no sbditos,
mas parceiros do Progresso com os quais seria possvel partilhar os proveitos econmicos
da operao. Ainda seria alcanada a sntese entre o universalismo das Luzes e o interesse
econmico recproco bem abrangido42
.
No fim de contas a idiossincrasia imperial francesa na altura pretendia fazer a sntese
entre colonizao e revoluo, repblica e imprio, situaes que a todos os governantes se
punham aps os acontecimentos revolucionrios de 1789. E quando Jules Ferry teorizava
sobre o imprio, no discurso pronunciado na Cmara dos Deputados em 1885, considerava
trs tipos de razes para fazer a poltica colonial e suplantar esta grande contradio
ideolgica que o regime por vezes ignorava: a repblica iguala, liberta e confraterniza com
os cidados na metrpole, mas nas colnias discrimina, oprime e brutaliza os indgenas. E
os pressupostos acima referidos para fazer uma poltica colonial equilibrada assentavam
em razes econmicas, humanitrias e polticas: na perspectiva econmica Ferry
acreditava numa colonizao moderna, orientada para a exportao de capital e de
mercadorias e no na exportao de pessoas; na humanitria, entendia que as raas
superiores tinham o dever de civilizar as raas inferiores; na poltica, considerava
40
Jacques Levron, da Derrota Vitria in Histria de, Lisboa, pp. 103-104. 41
Paul Leroy-Beaulieu, De la colonisation chez les peuples modernes, Paris, ditions Guillaumin, 1874, 616
pp. 42
Bernard Lugan, Une ide de gauche ralise par la droite in La Nouvelle Revue d Histoire LAfrique
Des Colonies lindpendence, Paris, Socit Histoire et Mmoire, n. 1, Automne de 2010, pp. 24-26,
especialmente p. 24.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
22
que a Frana deveria reconquistar a sua antiga glria e recuperar o seu lugar no
Mundo43
.
No movimento expansionista estas ideias de Ferry foram tambm aproveitadas para o
lanamento em 1890, cinco anos depois da Conferncia de Berlim, de um Partido
Colonial, no com a acepo de uma organizao para disputar o poder poltico, mas com
afinidades ideolgicas que permitissem lutar pela causa ultramarina atravs da divulgao
e da persuaso. Da que, por uma questo de chauvinismo, uma srie de grupos se
formaram nesta ocasio para cumprir esse desiderato patritico, nomeadamente os
seguintes: Comit da frica Francesa (1890); Unio Colonial (1893); Comit da sia
Francesa (1901); Comit de Marrocos (1904). Tambm, na Cmara dos Deputados e no
Senado havia um grupo colonial para reclamar o expansionismo para terras de Alm-
Mar. O seu chefe incontestvel foi um francs nascido na Arglia, Eugne Napolon
tienne, que em 1881 foi eleito deputado por Oran, e aps quarenta anos chegaria mesmo
ao Senado, em 1919, locais onde como presidente do Grupo Colonial exerceu a sua
influncia de legislador e de representante dos homens de negcios ultramarinos44
. A par
da carreira nas cmaras legislativas, tienne, tambm conhecido pelo Mister Chamberlain
Francs, ainda desempenhou importantes funes polticas, tendo em 1887 sido nomeado
subsecretrio de Estado das Colnias, no ministrio da Marinha. Entre 1905 e 1906,
chegaria a ministro da Guerra e a vice-presidente em 1914, da Comisso de Preparao da
Frana na Primeira Guerra Mundial45
.
Para reforar esse interesse pelo imprio ultramarino46
, a Frana precisava de
conquistar a opinio pblica, e, a partir de 1880, esta e o lobby colonial passaram a utilizar
a propaganda, como uma tcnica de convencimento, que procurava promover sobretudo
quatro metas: interesse do pas pela ideia colonial; estmulo da juventude para as questes
ultramarinas; incentivo das trocas comerciais entre a Metrpole e as Colnias; reforo da
legimitao do princpio da misso civilizadora dos indgenas. Mas at ao incio da
Primeira Guerra Mundial, mesmo com publicidade e propaganda, a mensagem no passou,
43
Henri Wesseling, L imprialisme Moderne: Thorie: Typologie des imprialismes nationaux La France
in Les empires coloniaux, pp. 247-279, especialmente pp. 256-257. 44
Daniel Rivet, Le Temps de lAlgrie Franaise, 1870-1930 in Le Maghreb lpreuve de la
colonisation, Paris, ditions Hachette Littratures, 2002, pp. 173-209, especialmente p. 185. 45
Marc Lagana, Les Grandes Chefs du Parti Colonial Eugne Napolon tienne in Le Parti Colonial
Franais: lments dhistoire, Qubec, Presses Universitaires de Qubec, 1990 pp. 37-62, especialmente pp.
51-62. Reedio em 2005. 46
Raoul Girardet, LApothose de la plus grande France: L ide impriale et son afirmation in L ide
coloniale en France de 1871 1962, Paris, Hachette Littratures, 2009, pp. 175-199, especialmente pp.185-
195.
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AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
23
pelo que os franceses se mostravam desinteressados pelo seu patrimnio colonial. Nesta
altura, por causa do papel relevante que tivera a fora negra, melhor dizendo, os
soldados africanos que combateram ao lado da Frana, no confronto com a Alemanha,
despertara uma onda de interesse e curiosidade sobre tudo o que dizia respeito ao
Imprio47
. E, assim, todos os meios serviram para passar a divulgar a paisagem fsica e
humana desses territrios, designadamente artigos de jornal, cartazes, conferncias,
documentrios, exposies, filmes, mostrurios, msicas, peas de teatro e postais48
.
Remontava tambm a esta altura, 1919, a criao, sob patrocnio do ministrio das
Colnias, e com a ajuda do lobby da Liga Martima e Colonial, da Agence Gnrale des
Colonies, departamento estatal encarregue da informao e da divulgao de todos os
assuntos relacionados com os territrios do Ultramar. Esta instituio serviria alis de
modelo, cinco anos depois, a uma similar que foi criada em Portugal, em 1924, j no final
do regime republicano e que por coincidncia tinha tambm a mesma designao, servindo
de tema de anlise da investigao que realizamos sobre o Imprio Portugus. Depois da
extino desta primitiva Agncia, em 1934, por questes de funcionamento, foi criada trs
anos depois uma nova estrutura que se passou a chamar Service Intercolonial d
Information et de Documentation. Em 1941, durante a ocupao alem e sob as ordens do
Governo de Vichy, a instituio devotada ao Imprio foi fruto de nova reformulao e
passou a chamar-se Agence conomique des Colonies, funcionando nos mesmos moldes
e com os mesmos departamentos e funcionrios at ao final da Segunda Guerra Mundial.
Aps 1945, este organismo adoptou at descolonizao o nome de Agence conomique
de la France dOutre-Mer, mantendo a sua actividade propagandstica, num imprio
ilusoriamente pacificado, em associaes e institutos coloniais, como os de Bordus, Lille,
Lyon, Marselha, Montpellier e Paris49
. Sandrine Lemaire, uma investigadora que em 2000
apresentou uma tese de doutoramento sobre esta Agncia, no Instituto Universitrio
47
A ideia da constituio deste corpo de tropas africanas partiu da iniciativa do coronel Mangin, em 1910, e
foi posta em prtica em 1912 quando a situao poltica da Europa se comeou a agravar. Apesar de o
recrutamento no ter funcionado da melhor forma, mesmo assim para o conflito de 1914 foram mobilizados
180.000 atiradores senegaleses e, nos quatro anos em que decorreu o conflito, morreram 30.000, nmero de
baixas semelhante ao das tropas metropolitanas. Vide Charles Vaugeois, Lieutenants et capitaines in La
Nouvelle Revue d Histoire LAfrique Des Colonies l, pp. 29-31, especialmente p. 31. 48
A Exposio Colonial Internacional de Vincennes, realizada em Paris, em 1931, marcava nesta viagem
imaginria da volta ao Mundo num dia a apoteose da divulgao dos imprios coloniais hodiernos,
sobretudo do imprio francs. A propsito deste evento vide Catherine Hodeir e Michel Pierre, L Exposition
Coloniale 1931 la memoire du sicle, Bruxelles, Editions Complexe, 1991, 160 pp. 49
Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, La propagande coloniale en mtropole in La
colonisation, pp. 38-39.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
24
Europeu de Florena50
, tinha uma ideia original sobre esta e o mito perene que fora a
hegemonia francesa no Mundo:
L omniprsence de lAgence, dans le temps, dans lespace, dans les supports, dans les relais, permet
de concevoir la cration dun espace mental base sur des lments disponibles au sein de la socit et qui ont
permis que fonctionne la fiction: supriorit de la culture occidentale, de la civilisation, du systme
conomique, dtention des cls du progrs. La dimension pdagogique est un bom indicateur de cette
imprgnation, notamment lorsqu on s attache aux images entres progressivement dans lunivers scolaire
via manuels, planches pdagogiques, protege-cahiers ou cartes gographiquesLa propagande coloniale
tenta dassurer la prennit dun systme et, en cela, la censure exerce sur les failles du systme et surtout
sur les ralits rpressives permettait doffrir un terrain dentente pour tous les partis politiques et toutes les
strates de la socit. Chacun reconnaissait dans la colonisation, telle quelle tait prsente, la validit du
systeme rpublicain et surtout sa lgimit et sa gnrosit vouloir tendre ses prncipes civilisateurs dans
le monde. Grce la tutelle protectrice de la France, les peuples sans histoire, donc sans civilisation,
pouvaient quitter la barbrie, les tnbres, le paganisme, lignorance51
.
Deste modo, o Partido Colonial possua a sua idiossincrasia relativamente aos
interesses sobre as suas prprias parcelas imperiais, tendo a noo, numa conjuntura em
que se vivia os efeitos da era das revolues, quais das regies do Globo onde fora
importante a presena francesa. E no conjunto do imprio at aos finais do sculo XIX, os
colonialistas, homens de negcios e polticos, sabiam bem que o continente mais
importante a apostar seria o africano, vindo depois o asitico e, finalmente, o americano
caribenho. Esta perspectiva de, atravs da frica, a Frana se tornar o maior imprio foi
passada por estas associaes colonialistas aos prprios governos, de direita e esquerda,
que comearam a centrar o corao do imprio na frica do Norte, mais concretamente
no Magreb, atravs de uma muralha de parcelas e protectorados cujo pilar principal era a
Arglia, a terra de nascimento de Eugne tienne, o elemento mais destacado desse
movimento de propaganda ultramarina. Ora a soberania junto dessa jia da Revoluo
deveria ser reforada com a extenso do domnio a leste e a oeste, pelo que a partir de 1881
os interesses franceses se deveriam alargar respectivamente Tunsia e a Marrocos, como
50
Sandrine Lemaire, Lagence conomique des colonies. Instrument de propagande ou creuset de lidologie
coloniale en France (1870-1960)? , Florence, Institut Universitaire Europen, 2000, 917 pp. 51
Sandrine Lemaire, Propager: LAgence Gnrale des Colonies in Pascal Blanchard et Sandrine Lemaire,
Culture Coloniale La France conquise par son Empire 1871 - 1931, Paris, ditions Autrement
Collection Mmoires n. 86, 2008, pp. 137-147, especialmente pp. 144-147.
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AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
25
consolidao dessa parede mediterrnica que numa plataforma tricontinental estava
perto da Metrpole52
.
Para que o desiderato imperialista se concretizasse havia necessidade de estabelecer
um plano semelhante ao Mapa Cor-de Rosa portugus, neste caso chamar-lhe-iamos um
Mapa Tricolor que estendesse a soberania gaulesa desde a frica Setentrional
Meridional, atravs de um corredor que ligasse a Arglia ao Gabo, mas tambm da parte
Ocidental Oriental onde estrategicamente o lago Tchad seria o aglutinador entre o
Senegal, o Mali e esta regio lacustre. Mas estes projectos esbarrariam com a convenincia
de outros concorrentes, que com a implementao do direito de ocupao iniciado com a
Conferncia de Berlim j possuam interesses na zona a ocupar, como era o caso dos
imprios alemo, britnico e portugus, que j eram detentores de territrios
respectivamente nos Camares, no Sudo e na Guin53
. O imprio francs coevo fora
assim construdo pela fora contra os interesses locais dos indgenas e das metrpoles
europeias. A ocupao da Arglia, entre 1839 e 1857, a de Marrocos, entre 1906 e 1934, a
da frica Ocidental entre 1880 e 1897, a de Madagascar, entre 1883 e 1895, a da Tunsia,
entre 1881 e 1883, a de Annam e Tonquim, entre 1882 e 1896, foi conseguida atravs de
infindveis conflitos onde tomaram parte, sobretudo, os soldados do exrcito de frica e as
tropas da Marinha54
.
As outras armas do Exrcito recusavam-se a ir combater para fora da Europa, pois
consideravam que era neste continente que se encontrava o verdadeiro perigo com a
presena to prxima de potncias como a Alemanha e a Gr-Bretanha, que era necessrio
vigiar e preparar para um eventual conflito escala planetria. E de facto, duas dcadas
depois, no primeiro quartel do sculo XX, a Frana estava sentada mesa de Versailles,
repartindo o que ficara de duas antigas hegemonias que se desagregaram com o final da
Primeira Guerra Mundial. A distribuio sob a forma de mandatos dos despojos dos
imprios alemes e turcos, nomeadamente de metade do Togo, grande parte dos Camares,
da Sria e do Libano, fizera com que a Frana reforasse a sua importncia imperial. No
se confirmavam as palavras premonitrias do nacionalista Maurice Barrs, em 1890, de
que era necessrio fundar em frica o maior imprio colonial do mundo, mas a Frana,
no perodo entre as duas Guerras, era seguramente um dos principais imprios europeus55
.
52
Henri Wesseling, L imprialisme Moderne: Thorie: Typologie des imprialismes nationaux - La
France in Les empires coloniaux, pp. 259-260. 53
Idem, Ibidem. 54
Jacques Frmeaux, Como adquiriu a Frana as Colnias, op. cit., pp. 160-164. 55
Henri Wesseling, L imprialisme Moderne. in Les empires coloniaux, p. 260.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
26
Com a Segunda Guerra Mundial, a questo da preservao da integridade territorial
do Imprio tornou-se num quebra-cabeas dos dirigentes e da opinio pblica francesa, e
perante o evoluir da situao, com a Alemanha a crescer cada vez mais militarmente, havia
quem advogasse que o Governo deveria sair para o exterior, para uma das suas parcelas
ultramarinas, como acontecera com Portugal, no incio do sculo XIX, quando a Corte com
o prncipe regente D. Joo trocou Lisboa, pelo Rio de Janeiro, perante o avano das tropas
napolenicas. Mas a perspectiva de ficar ganhou, pelo que o Governo do almirante Ptain,
com a desculpa da salvaguarda imperial, assinou um armistcio com a rival Alemanha,
atitude que caiu mal junto da oposio gaulista e dos aliados de guerra, que entendiam que
para a salvaguarda da Metrpole e das Colnias era necessrio que toda a nao francesa
entrasse no conflito. Foi com esta estratgia belicista que o general de Gaulle conseguiu
que cidados das parcelas da frica Ocidental e Equatorial e dos mandatos asiticos do
Libano e da Sria engrossassem as fileiras do exrcito britnico para lutar contra a
coligao franco-germnica de Vichy. Mais tarde, em 1942, os territrios de Arglia e
Marrocos serviram de base a uma coligao internacionalista de tropas anglo-americanas
que libertaram a Frana do domnio nazi e reforaram o papel dos Aliados na restante
Europa e no Mundo, para a reposio de uma entente democrtica, facto que aconteceria a
8 de Maio de 1945, quando a Alemanha finalmente se rendeu56
.
No ps-Guerra, com a constituio da Quarta Repblica, por referendo, em 13 de
Outubro de 1946, os franceses pressionados pelos parlamentaristas da Resistncia votaram
uma nova Constituio que apesar de abandonar a terminologia Imprio, continuava a
salvaguardar a integridade territorial, com uma expresso, Unio Francesa, mais
adequada aos novos tempos independentistas, mas mantendo no contedo a mesma
idiossincrasia herdada de h sculos a esta parte. Na discusso, sobre como deveria ficar
redigido este patrimnio ultramarino e sobre os direitos de cidadania a dar s suas
populaes, houve mesmo um deputado que perante a Assembleia, em 27 de Agosto de
1946, fizera uma curiosa afirmao acerca do papel da Frana, face nova conjuntura
internacional: si nous donnions lgalit des droits aux peuples coloniaux, nous serions la
colonie de nos colonies57
.
56
Jacques Levron, A poca Contempornea-Segunda Guerra Mundial in Histria de , pp. 114-123,
especialmente pp. 117-119. 57
douard Herriot, Intervention du 27 de Aot 1946 transcrita por Bernard Lugan no artigo De l union
franaise (1946) aux, op. cit., p. 40.
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AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACIONAL E NACIONAL
27
Em 1949, num inqurito feito populao francesa, 81% continuava a pensar que era
til para os interesses do pas ser detentor de parcelas fora da Europa. Os prprios
governantes, mormente, em 1953, o ministro do Interior do Governo de Pierre Mends-
France, Franois Mitterand, com o chauvinismo prprio que lhes era caracterstico,
considerava que a Frana, logo depois dos Estados Unidos da Amrica e da Unio
Sovitica, se poderia considerar, em populao e rea, desde o Congo, ao Reno, a
terceira maior potncia, mas no explicando como nesta autoclassificao se omitia o
nome da Gr-Bretanha, pas que at ao comeo da Segunda Guerra, com os mandatos
atribudos pela Sociedade das Naes, era considerado o maior imprio do Mundo58
. At
ao comeo do conflito da Arglia, em 1954, o sentimento de uma cultura imperial era
um dado adquirido e mesmo, em termos polticos, uma realidade imutvel para os
governantes e a opinio pblica francesa. Mas, o atraso das reformas que s se verificaram
quatro anos depois do comeo desta guerra, quando Charles de Gaulle entendeu que a via
reformista da concesso do sufrgio universal e das ajudas econmicas poderiam ser
medidas que atenuassem o carcter revolucionrio da Frente de Libertao Nacional e
adiassem por mais algum tempo a independncia daquela colnia, fundamental para o
controlo do Mediterrneo e da passagem da Europa para a sia.
O que de facto no acontecera, pois a guerra prolongar-se-ia at 1962, com grande
desgaste para o exrcito francs que, face ao nacionalismo incendirio da frente argelina,
teve que usar da represso e tortura, medidas de um belicismo extremo que
contraditoriamente iam contra os princpios libertrios desta Nao59
. Todo este clima de
terror acabaria por empalidecer a descolonizao de frica, apesar de Paris nas outras
regies a sul do Saara ter dado a liberdade, num espao de tempo que vai de Janeiro a 28
de Novembro de 1960, a catorze pases que integravam, desde 1958, a comunidade
francfona de territrios, preciosismo literrio para um patrimnio que at ao final da
Segunda Guerra Mundial se designava simplesmente por Imprio60
. Longe vo os
tempos em que a Frana territorialmente ombreava com a Gr-Bretanha. Sem a Arglia e
sem a restante frica, o que seria este pas, no limiar da segunda metade do sculo XX?
Segundo Edgar Faure, presidente do Conselho de Ministros em 1955, a Frana nesse
58
Jacques Frmeaux, Frana: Imprio e Me-Ptria: A situao dos colonizados, op. cit., p. 169. 59
Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, 1946-1962: les dcolonisations, op. cit., pp. 22-
23. 60
A propsito desta problemtica vide LHistoire (La fin des colonies-Afrique 1960), Paris, Sophia
Publications, n. 350, Fvrier de 2010, 98 pp, especialmente pp.40-65; L Histoire Les Collections (La Fin
des Empires Coloniaux De Jefferson Mandela), Paris, n. 49, de Octobre-Dcembre 2010,
98pp.,especialmente pp. 63-93.
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IDEOLOGIA E PROPAGANDA COLONIAL NO ESTADO NOVO
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contexto no era mais do que o reflexo, cada dia mais enfraquecido, da sua antiga
grandeza61
.
Mas, outrora, a grandeza imperial da Frana, pelo contrrio, tambm tinha o seu
custo, nomeadamente no que se referia sua uma administrao. O facto da extenso
territorial envolver muitos organismos, em mltiplas parcelas, de diversificados
continentes, tudo isso iria tornar complexo o processo de gesto, designadamente na
existncia de vrios organismos que por vezes se enredavam entre si na disputa pela tutela
dos assuntos e negcios ultramarinos. Apesar de estar subjacente uma ideia centralista de
governao com centro em Paris, o Imprio francs nunca foi governado por uma s
instituio. Logo, semelhana do Imprio portugus, at ao ano de 1881 a tutela das
colnias estava entregue ao ministrio da Marinha. A partir dessa data, foi institudo um
subsecretariado para as colnias que se comportava, at 1894, como um verdadeiro
ministrio das Colnias, muito embora a sua aco no se estendesse a todas as suas
parcelas, por causa das especificidades polticas, administrativas e militares de cada uma
delas. Assim, a Arglia na fase de ocupao esteve sob a alada do ministrio da Guerra,
tendo, a partir de 1870, essa responsabilidade passado para a congnere do Interior que
supervisionava os diferentes departamentos com que o territrio se encontrava dividido,
semelhana alis do que se passava com a Metrpole.
No caso dos protectorados da Tunsia e de Marrocos e, posteriormente, j no sculo
XX, aps o tratado de Versailles de 1919, das parcelas sob mandato do Togo e dos
Camares, na frica, e da Sria e do Libano, na sia, a responsabilidade pelo seu bom
funcionamento era do ministrio dos Negcios Estrangeiros. Quanto a estas antigas
possesses do Imprio Otomano, e mandatos de tipo A, mostravam um grau de
desenvolvimento scio-econmico diferente dos de frica, pelo que o Quai d Orsay fora
incumbido pela Sociedade das Naes de se responsabilizar pela concesso da
independncia o mais rapidamente possvel destes territrios62
.
Para alm da administrao central, o Imprio era gerido localmente por funcionrios
que a me-ptria colocava no terreno e que eram da completa confiana do Governo,
especificamente do rgo que tutelava as colnias, ministrio e/ou subsecretaria de Estado.
Como representantes locais da longnqua Metrpole, os governadores eram os funcionrios
61
Nicolas Bancel, Pascal Blanchard e Franoise Vergs, La France sans lempire-1946-1962: les
dcolonisations, op. cit., p. 23. 62
Jacques Frmeaux, A Franae a Me-Ptria: como se administrava o Imprio, op. cit., p. 167.
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AS IDEIAS DE IMPRIO NO CONTEXTO INTERNACI