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Valentín Paz-Andrade Pazo de Raxoi, 2º andar Praza do Obradoiro s/n 15705 Santiago de Compostela Galiza | Espanha Tel. [34] 981 95 72 02 Fax. [34] 981 95 72 05 www.consellodacultura.org Uma antena galega no Brasil ORGANIZAÇÃO Conselho de Cultura Galega COLABORAÇÃO Casa Guilherme de Almeida COMISSÁRIOS Ramón Villares Elías Torres Feijó ELABORAÇÃO DE TEXTOS E DOCUMENTAÇÃO Raquel Bello (FAZ CULTURA) Emilia García López TRADUÇÃO E REVISÃO DE TEXTO Suzi Bonifácio (Casa Guilherme de Almeida) REVISÃO FINAL E ESTABELECIMENTO DE TEXTO Contemporânea Serviços DESIGN E LAYOUT Imago Mundi AGRADECIMENTOS Familia Paz-Andrade Industrias Pesqueras Miguel Anxo Seixas Seoane

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Valentín Paz-Andrade

Pazo de Raxoi, 2º andarPraza do Obradoiro s/n15705 Santiago de CompostelaGaliza | EspanhaTel. [34] 981 95 72 02Fax. [34] 981 95 72 05www.consellodacultura.org

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ORGANIZAÇÃOConselho de Cultura Galega

COLABORAÇÃOCasa Guilherme de Almeida

COMISSÁRIOSRamón Villares Elías Torres Feijó

ELABORAÇÃO DE TEXTOS E DOCUMENTAÇÃORaquel Bello (FAZ CULTURA)Emilia García López

TRADUÇÃO E REVISÃO DE TEXTOSuzi Bonifácio (Casa Guilherme de Almeida)

REVISÃO FINAL E ESTABELECIMENTO DE TEXTOContemporânea Serviços

DESIGN E LAYOUTImago Mundi

AGRADECIMENTOSFamilia Paz-AndradeIndustrias PesquerasMiguel Anxo Seixas Seoane

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Valentín Paz-Andrade Uma antena galega no Brasil

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Geraldo AlckminGovernador do Estado

Marcelo Mattos AraújoSecretário de Estado da Cultura

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POIESIS – INSTITUTO DE APOIO À CULTURA, À LÍNGUA E A LITERATURA

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CASA GUILHERME DE ALMEIDA

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Suzi BonifácioAssistente Administrativa

Realização

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docente de seus cursos internacionais,e como promotor de uma das empresasgalegas de maior sucesso comercial,a Pescanova.

Dividido entre a tradição iluministagalega, o patrimônio lusófono comume a inovação e o empreendedorismoeconômico, Paz-Andrade viu, no Brasil,um “paraíso prometido”, e, na Galícia,a chave para abrir mundos até entãofechados e que deviam ser centrais nodesenvolvimento econômico, sociale cultural.

Esta exposição percorre alguns dosmomentos-chave da trajetória dePaz-Andrade, desde seu recebimentoentusiasta da inauguração da ponteinternacional entre Galícia e Portugal atésua reivindicação de Guimarães Rosa eGuilherme de Almeida como autores quevalorizam a literatura galega.

Brasil

Portugal

Galícia

Cabo Verde

São Tomé e Príncipe

AngolaTimor Leste

Goa

Moçambique

Macau

Guiné-Bissau

Galícia e a lusofonia no mundo

AA intervenção de Valentín Paz-Andrade(1898-1987) na cultura e na economiagalegas foi presidida por três eixosfundamentais: a tradição, a mediaçãoe a inovação.

Advogado, jornalista, especialista emeconomia pesqueira, poeta, ensaísta,os seus escritos e as suas atividades nosdiferentes campos de que participoudão-nos algumas das chavesfundamentais para entender a história daGalícia do século XX em termos políticos,culturais e econômicos.

Ativo na política galega e espanhola nosperíodos democráticos, como candidatoa deputado na década de 1930 e comosenador na de 70, durante as quasequatro décadas de ditadura franquistaempenha-se de forma especial nodesenvolvimento da economia do setorpesqueiro, como assessor da FAO e

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A década de 1920 está marcada na trajetória deValentín Paz-Andrade pelo trabalho jornalístico e, naGalícia, pela emergência do grupo Nós e dogaleguismo moderno.

Desde 1922, ele é redator-chefe e diretor imediatodo jornal Galicia, em Vigo, editado por Ernesto CádizVargas.

Enquanto a imprensa, escrita em castelhano,começava a dar alguma abertura à língua galega, ojornal Galícia já era definido, por Paz-Andrade, como

galeguista e democrático,e procurava preencheresta lacuna aproveitandoo potencial de Vigo, acidade mais industrial daGalícia.

No Galicia, rodeia-se dealguns dos escritores ejornalistas galegos maisconhecidos e reputados

do pré-guerra: A. D. R. Castelao, Blanco Torres,Vicente Risco, Ramón Otero Pedrayo, Villar Ponte,Lustres Rivas.

A aposta democrática do Galicia causará problemasa seu diretor durante a ditadura de Primo de Rivera,propiciando seu fechamento em 1926.

Nesse período, Paz-Andrade escreve também nasrevistas Suevia, Vida, Heraldo de Galicia, VanguardiaGallega e Céltiga. Nesta última, como motivo dacelebração do Dia da Galícia, em 25 de julho de 1928escreve referindo-se à ponte internacional que uneGalícia e Portugal como a “sutura eterna” de doispovos “como se quisesse afirmar a identidade do seuespírito por cima das transitórias dissensõesestatais”.

Jornalismo e galeguismo

Valentín Paz-Andrade com os redatores do jornal Galicia (ca. 1924)

A ponte de Tui-Valença do Minho, queune a Galícia ao norte de Portugal, nodia de sua inauguração, em 1886

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Por meio do Galícia, Paz-Andrade começa a exercer um papelque não abandonará: o de mediador entre a Galícia e o restoda lusofonia, incorporando um correspondente estável emLisboa.

É por meio de seu labor jornalístico que a Galícia saberá, comonotícia de primeira página, da morte de Guerra Junqueiro, em1923, da celebração do “Dia de Camões”, no mesmo ano, eserá dada importante cobertura à morte de Teófilo Braga noano seguinte, afirmando, em seu editorial, que a “Galícia sentetambém como uma perda própria a morte deste exímiorepublicano”.

As novidades literárias portuguesas também serão lidas noGalicia, que acolhe textos escritos porJúlio Dantas, Leonardo Coimbra eTeixeira de Pascoais, o qualsaúda o aparecimento dojornal com calorosaspalavras: “Galicia é umdiário superiormenteescrito, defendendo asmais nobres ideias eencarnandoadmiravelmente o espíritoda raça galega [...]. DaGalícia veio Camões; e é paraa Galícia maternal que dirijosempre os meus olhos de filhoamoroso e obediente”.

A mediação com a lusofonia – Portugal

Teófico Braga

Teixeira de Pascoais, retratado por AntonioCarneiro

Guerra Junqueiro

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“Com menos sentimento, mas com mais ideal;trocando a retórica pela ação”

Com a abertura do regime ditatorial e com o início docaminho para a democracia republicana no início da décadade 1930, as atividades de Paz-Andrade se concentram napolítica ativa de forma cada vez mais intensa.

Vinculado ideologicamente ao galeguismo republicano deesquerda, sua proposta política define-se pela vontade deação frente a propostas mais ligadas à reivindicação dopassado.

É candidato a deputado das Cortes Constituintes da SegundaRepública, em 1931, junto com Castelao e Ramón Cabanillas,nessa altura, figura central do galeguismo e denominado“Poeta da Raça”.

Não é eleito, resultado que ele impugnará por considerá-lofraudulento.

Atividade política

Valentín Paz-Andradediscursando num ato deafirmação galeguista em1931, em Vigo. À sua direita,estão Castelao e SuárezPicallo

Valentín Paz-Andrade em comício galeguista emSanxenxo (Pontevedra), nas eleições de 1931

Acima, propaganda dacandidatura da minoriagaleguista às eleições dasCortes Constituintes de1931, e, à esquerda, decomício em O Porriño, em1936

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Depois da Guerra Civil (1936-1939), a militância política ativade Paz-Andrade torna-se impossível. Durante a ditadura dogeneral Franco e depois de sofrer pena de desterro, opta porintensificar sua trajetória profissional como advogado.

A lusofonia será um elemento central em suas propostas parao desenvolvimento do setor pesqueiro, considerando-aelemento de prosperidade, porque canalizador do trabalhodos galegos na “frota pesqueira de grande altura, que trabalhanos mares de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola ouMoçambique, países, principalmente os últimos, chamados agrande desenvolvimento”.

Desde 1927, exerce funções de assessor legal da Sociedade deArmadores do Porto de Bouças, Vigo. Esta colaboração olevará a se converter em reconhecido especialistainternacional em economia do setor pesqueiro.

Unindo esta mudança profissional à prática jornalística, queexercia desde a década de 20, em 1942 começa a dirigir aRevista Industrias Pesqueras, a mais antiga revista do mundonesse setor, fundada em 1927.

Tempos de ação na economia

O porto pesqueiro de Bouças (Vigo) no primeiro terço do século XX

Capas da revista Industrias Pesqueras de 1927 e 1941

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5 O futuro está no Brasil – A primeira viagem à América Latina

Na virada da década de 1940 para a de 50, Paz-Andraderetoma, com mais intensidade do que nunca, seu papel demediador, função para a qual vão contribuir, de forma notável,as viagens profissionais que realizará a partir de então.

De um café do Chiado, escreve pela primeira vez a Castelao,que se exilara em 1939.

Em 17 de janeiro de 1950, publica a primeira necrologia deCastelao na Galícia e, imediatamente depois, é convidado avisitar Buenos Aires pelo Centro Galego da capital argentina.

Nas suas palestras em Buenos Aires, prioriza os assuntossocioeconômicos. Sua reputação como especialista emeconomia do setor pesqueiro é crescente, e o general Perónconvoca-o para uma reunião informal na Casa Rosada, com oobjetivo de discutir um programa de melhoria do setor naArgentina.

Este convite ao Centro Galego de Buenos Aires servirá comocaminho de acesso ao Brasil.

Fotografia antiga do Café A Brazileira, no Chiado lisboeta

Valentín Paz-Andrade discursa no ato emhomenagem à Rosalia de Castro, no Centro Galegode Buenos Aires, em 1957

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Paz-Andrade visita o Brasil pela primeira vez em 1950.A experiência linguística e cultural brasileira será marcante e,a partir desse momento, presença constante em seupensamento e em sua produção.

Fascina-o particularmente São Paulo, à qual se refere como a"Chicago austral", por sua arquitetura moderna e dimensõesde megalópole.

Na mesma visita, reencontra Guilherme de Almeida, seuamigo desde 1932, data em que se conheceram em Vigo,numa viagem de Almeida à Galícia na época de seu exílioem Portugal.

São Paulo, a “Chicago austral”

Vista de São Paulo nosanos 40 do séculopassado

Guilherme de Almeida e ValentínPaz-Andrade, em fotografias daépoca em que se conheceram, em1932

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A sua vontade mediadora o levará a citar, de forma habitual,nomes de escritores brasileiros em suas obras posteriores.

Em 1950, em viagem ao Rio de Janeiro, onde é recebido naAcademia Brasileira de Letras, terá contato com a produçãoliterária brasileira e com muitos de seus autores. Em suasmemórias, mencionará Peregrino Júnior, Jorge Amado,Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Vinicius deMoraes, Smith, Drummond de Andrade, Catulo da PaixãoCearense.

Segundo conta, “na longa conversa, o tema da comunidadelinguística galego-luso-brasileira ocupou as horas”.

À Academia Brasileira de Letrasvoltará em 1975 paraapresentar seu trabalhosobre A galecidade naobra de GuimarãesRosa.

A Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro

Machado de Assis foi um dosfundadores da AcademiaBrasileira de Letras, em 1897,e seu primeiro presidente

A Academia Brasileira de Letras

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Cada vez mais, para Paz-Andrade, convicto do atraso dopensamento socioeconômico na Galícia, a lusofonia estabelece-se,por meio da língua, não apenas como oportunidade cultural eidentitária, como também oportunidade econômica, o queacontecerá anos mais tarde por meio de diferentesempreendimentos industriais.

Desde 1952, a relevância do trabalho de Paz-Andrade na FAOaumenta. Em 1952 e em 1954, é chamado como docente nasprimeiras edições do “Curso latino-americano de capacitaçãopesqueira”, destinado a empregados da administração eespecialistas nos setores pesqueiros de diferentes países do mundo.

Nos cursos, estabelece contato com os portugueses Jorge deAlarcão e Mousinho de Figueiredo, e com o brasileiro Luís Simõesde Menezes.

O ensaio Principios de economía pesquerafoi editado em Santiago do Chile, em1954, e Sistema económico de la pesca enGalícia, em Buenos Aires, em 1958

Lições de economia pesqueira

Valentín Paz-Andrade fala no 2º Curso Latino-Americano deCaptación Pesqueira, celebrado no México, em 1954,organizado pela FAO

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9 Galicia como tarea – A cultura como princípio dinâmico

Publicado também em Buenos Aires, em 1959,Galicia como tarea recolhe os textos daspalestras ministradas na Argentina dois anosantes. Em coerência com seu trabalho nocampo da economia, Paz-Andrade aposta emuma utilização mais prática e menospatrimoniada da cultura.

Contrariando uma parte da tradiçãogaleguista, o autor propõe, “mais que virar oolhar ao passado”, referir-se ao presente.

Na sua análise econômica das possibilidadesde desenvolvimento da Galícia(industrialização, migrações, recursos naturaisetc.), ele dedica grande atenção à língua e àcultura como recursos. O patrimôniolinguístico cultural luso-brasileiro – queassume como próprio – serve dealicerce para uma proposta defuturo, em que inclui a línguagalega não pelo “que foi atravésdas idades”, mas pela sua“utilidade presente”.

Esses dois livros contêmimportantes reflexões deValentín Paz-Andrade sobreos problemas econômicos esociais da Galícia.

Valentín Paz-Andrade leciona emVeracruz (México), no 2º CursoLatino-Americano de CapacitaciónPesqueira, organizado pela FAO

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Valentín Paz-Andrade e Manuel Cordo Boullosa(acima), e com José Fernández López, presidente efundador de Pescanova (abaixo)

Os empreendimentos industriais: Petrogasa e Pescanova

No final da década de 1950, animado pelo fenômenoconhecido na Espanha como “desarrollismo”, que começava adeixar para trás a autarquia econômica que o regime dogeneral Franco pretendera nas primeiras décadas da ditadura,Paz-Andrade aventura-se em dois projetos industriais degrande alcance, com diferentes graus de sucesso.

O primeiro foi o intento de estabelecer uma refinaria depetróleo na cidade de Vigo, em colaboração com o empresáriolisboeta de origem galega Manuel Cordo Boullosa, quefracassou por motivos que o próprio Paz-Andrade atribui aquestões políticas, mais do que a um problema de viabilidadeeconômica.

O segundo foi a modernização da pesca industrial galega e afundação de Pescanova. Considerando que o sistemapesqueiro estava atrasado e até esgotado na Galícia, Paz-Andrade promove a construção de barcos congeladores quepermitiam a pesca em bancos mais afastados.

Segundo seu relato, sua visita a Moçambique e o contato comos trabalhadores da pesca na África meridional foramdecisivos para esse empreendimento.

Os nomes escolhidos para os barcos foram os de famososcastelos galegos: Lemos, Andrade, Tambre, Doncos, Sobroso eSoutomaior.

O Andrade foi, junto com Lemos, o primeiro cargueirocongelador de Pescanova, lançado em 1961

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Este estudo realizado por Paz-Andrade, publicado em 1978,sobre a obra do escritor do Sertão, foi apresentado na RealAcademia Galega – de fato, foi escrito como discurso deentrada nesta instituição – e também na Academia Brasileirade Letras, o que revela a importância estratégica que seu autorlhe conferia.

Por meio desse texto, o autor intervém no campo brasileiroadotando a posição não de um estrangeiro curioso pelaliteratura brasileira, e sim de elemento crítico da produçãoliterária lusófona. E faz isso no momento em que a críticabrasileira acusa Guimarães Rosa de arcaísmo, defendendo oléxico de seus romances porque está vivo e é usado na fala daGalícia.

A apropriação de Guimarães Rosa pela cultura galega faz parteda visão publicada dez anos antes, n’O porvir da lingua galega,em que, ao lembrar seu contato com grupos indígenas noBrasil, refere-se ao galego-português como a “chave demundos fechados”: “não épequena regalia disporduma chave mágica parapenetrar no segredo demundos morais tãodiferentes do nosso. Nãovem a ser um privilégio domaior valor humano?”.

Valentín Paz-Andrade, acompanhado de RamónMartínez López, no dia de seu ingresso na RealAcademia Galega, em 1978, onde discursou sobreGuimarães Rosa

Edições galega(1978) e brasileira(1983) do ensaiosobre GuimarãesRosa

A galecidade em Guimarães Rosa

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12 Na política ativa mais uma vez

Depois da Revolução dos Cravos e antes da morte do generalFranco, Paz-Andrade participa na constituição, em Viana doCastelo, da “Junta Democrática de Galícia”. Com a restauraçãoda democracia a partir de novembro de 1975, sua participaçãona política vai continuar ativa, sendo, em 1976, o representanteda Galícia na Comissão Negociadora da Oposição Democrática,que se preparava para negociar as bases do novo modelodemocrático. Finalmente, em 1977, concorreu às eleições e foieleito senador nas Cortes Constituintes.

No labor cultural, nesses últimos anos, publicará: Castelao naluz e na sombra; Estudio preliminar ao Ensayo de una historia depeces y otras producciones marinas de Galicia, do autorsetecentista José Cornide; e Galiza lavra a sua imagem.

Nesta última obra, publicada dois anos antes de sua morte,resume sua visão da lusofonia como o grande capital galego:“Quantos galegos lavraram fortunas em Lisboa, na Baía [sic], emSão Paulo, no Rio de Janeiro [...] Da sua terra, para triunfar naemigração, não receberam mais dom que o idioma denatividade”.

Valentín Paz-Andradecom Castelao, emPontevedra, 1922, e acapa da primeiraedição de Castelao naluz e na sombra, de1982

Valentín Paz-Andrade entre FelipeGonzález, Raúl Morodo, FranciscoFernández Ordóñez, Jordi Pujol e AntónCanyellas, em uma reunião da Comissãodos Dez com o presidente Adolfo Suárez,na Moncloa, 1977

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a Guilherme de Almeida

Guilherme de Almeida escreve o prólogo, em 1968, do maisimportante poemário de Paz-Andrade, Sementeira do vento.

Esta escolha, que confirma uma amizade de longa data, veiomotivada também, como o galego reconhece, por uma razãoestratégica: “latejava em mim outra cobiça nobre. A de desflorarum caminho interafins que devia ser mais transitado. No final dascontas, provocar, no que fosse doado, a troca cultural – literáriaprincipalmente – entre dois países da mesma comunidadelinguística”.

Capa de Sementeira do vento, publicado pelaEditorial Galaxia, Vigo, em 1968, comilustrações de Laxeiro

Originais de Guilherme de Almeida com atradução dos poemas de Pranto matricial, deValentín Paz-Andrade, livro editado em BuenosAires, em 1955

Caricatura de Guilherme de Almeida,por Aldemir Martins

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b Guimarães Rosa

Os numerosos contatos que mantinha no Brasil haviamenviado, para Paz-Andrade, cópias de Sagarana, de GuimarãesRosa.

Interessado, aproveita uma de suas viagens à América Latina,em 1967, para tentar conhecer o escritor. O encontro nuncaacontece, porque, ao chegar ao Brasil, é informado dofalecimento do autor de Grande Sertão: Veredas.

A obra de Guimarães Rosa se junta às experiências propiciadaspelas suas várias viagens ao Brasil, nas décadas de 50 e 60.Assim como, no Mato Grosso, ficara fascinado por se fazerentender, em seu galego materno, pelos indígenas do lugar, aleitura de Sagarana evidencia como palavras, expressões eformas de vida ainda vivas na Galícia haviam sido preservadasno isolamento do Sertão.

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Desde suas primeiras intervenções públicas nadécada de 1920, a lusofonia foi um elementocentral no pensamento de Paz-Andrade, mas a“descoberta” do Brasil, na década de 50,propicia uma perspectiva que parece abrirportas a um futuro mais promissor para aGalícia.

Ao longo de sua obra, aparecem, ao lado dosnomes mais consagrados da literatura galega(Rosalía Castro, Eduardo Pondal, A. D.Rodríguez Castelao ou Luís Seoane), os deCamões, Eça de Queirós, Ramos Rosa, GuerraJunqueiro, Olavo Bilac, Guilherme de Almeida,Ângelo César, Fernando Pessoa, Drummond deAndrade, Paulo Rónai, Gilberto Freire,Rodrigues Lapa, Teófilo Braga, Oliveira Martins,Guilhermino César, António Sérgio, JoséJoaquim Nunes, Euclides da Cunha, DamiãoPeres ou Jaime Cortesão.

Alguns têm trechos de suas obras reproduzidospor Paz-Andrade, outros são citados comoreferências linguísticas,intelectuais ou artísticas.Este conjunto de autoreslusófonos (galegos,portugueses e brasileiros) é, em qualquer caso,o reflexo de uma visão da Galícia que foiestratégica na ação cultural de Paz-Andrade, eque ele próprio assim sintetizou: “Galícia éfonte, Portugal, ponte, e, hoje, o Brasil, algo quese assemelha ao paraíso prometido”.

c Brasil, “algo que se assemelha ao paraíso prometido”

Galiza

PORTUGAL

BRASIL

Rosalía de Castro…

Luís de Camões…

José de Alencar