Rute Marta Ferreira - O menor emancipado e o direito penal

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Rute Marta Ferreira - Advogada [email protected] Fonte : http://www.viajus.com.br/viajus.php? pagina=artigos&id=1735&idAreaSel=12&seeArt=yes "O Menor Emancipado e a Imputabilidade na Esfera do Crime Falimentar" “O MENOR EMANCIPADO E A IMPUTABILIDADE NA ESFERA DO CRIME FALIMENTAR” RESUMO O artigo demonstra como as leis que tratam da emancipação comercial do menor e sua imputabilidade penal apresentam discrepância entre si, ocasionando no momento da aplicação uma insegurança jurídica. O menor emancipado comercialmente, de acordo com o Código Civil e a Lei de Falência, pode exercer a atividade comercialmente com plena capacidade civil, no entanto a Constituição Federal, o Código Penal, o Código de Processo Penal, e o Estatuto da Criança e Adolescente não permitem que um menor, mesmo que emancipado, responda criminalmente por seus atos, uma vez que é inimputável. A lei de falência traz em seu texto fatos típicos penais que se aplicam a todos que exercem a atividade empresarial, inclusive o menor. Assim o menor emancipado comercialmente é plenamente capaz de responder por seus atos civis, mas inimputável, incapaz e irresponsável para responder criminalmente por crimes que venha a cometer. A desarmonia entre as leis criam uma insegurança jurídica no momento de sua aplicação no caso concreto. O legislativo deve de forma responsável modificar as leis que tratam do assunto para que haja coerência em sua aplicação. Palavras-chave: Emancipação. Imputabilidade. Crime falimentar.

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Direito Civil e Penal

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Rute Marta Ferreira - [email protected]

Fonte : http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1735&idAreaSel=12&seeArt=yes

"O Menor Emancipado e a Imputabilidade na Esfera do Crime Falimentar"

“O MENOR EMANCIPADO E A IMPUTABILIDADE NA ESFERA DO CRIME FALIMENTAR”

RESUMO

O artigo demonstra como as leis que tratam da emancipação comercial do menor e sua imputabilidade

penal apresentam discrepância entre si, ocasionando no momento da aplicação uma insegurança jurídica.

O menor emancipado comercialmente, de acordo com o Código Civil e a Lei de Falência, pode exercer a

atividade comercialmente com plena capacidade civil, no entanto a Constituição Federal, o Código

Penal, o Código de Processo Penal, e o Estatuto da Criança e Adolescente não permitem que um

menor, mesmo que emancipado, responda criminalmente por seus atos, uma vez que é inimputável.

A lei de falência traz em seu texto fatos típicos penais que se aplicam a todos que exercem a

atividade empresarial, inclusive o menor. Assim o menor emancipado comercialmente é plenamente

capaz de responder por seus atos civis, mas inimputável, incapaz e irresponsável para responder

criminalmente por crimes que venha a cometer. A desarmonia entre as leis criam uma insegurança

jurídica no momento de sua aplicação no caso concreto. O legislativo deve de forma responsável

modificar as leis que tratam do assunto para que haja coerência em sua aplicação.

Palavras-chave: Emancipação. Imputabilidade. Crime falimentar.

1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho é um artigo cientifico de revisão que analisa e discute trabalhos já publicados, sendo

resultado de uma pesquisa bibliográfica.

O tema tem por objetivo o estudo sobre as mazelas existentes na lei que permite um menor se tornar

empresário, esquecendo-se de sua inimputabilidade penal caso cometa um crime falimentar, trazendo

instabilidade na aplicação da lei.

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A busca neste trabalho de pesquisa é demonstrar como as leis são incoerentes entre si causando

instabilidade no momento de aplicação das mesmas no caso concreto, o que acaba por provocar na

sociedade um sentimento de impunidade.

O desenvolvimento deste trabalho de pesquisa tem grande relevância, uma vez que, chegando à conclusão

da existência de incoerência entre as normas e a dificuldade de sua aplicação no caso concreto, poderá o

legislativo, sendo acionado buscar a correção das leis trazendo desta forma a estabilidade jurídica para a

sociedade.

A legislação pátria tem sido criada desordenadamente pelos representantes do povo, que em sua maioria

são desprovidos de conhecimentos técnicos e possuidores de vontade única de satisfazer seus anseios

políticos imediatos e de cunho eleitorais, desta forma acabam por criar leis em total desarmonia entre si e

com o ordenamento jurídico. Esta discrepância legal traz conseqüências jurídicas desastrosas para a

sociedade forçando o surgimento de estudos aprofundados pelos cientistas jurídicos com o fim de

solucionar o caos legal, isto é, buscam soluções para que sejam feitas as correções devidas com o objetivo

de alcançar a coerência legal e tranqüilidade jurídica para os aplicadores da lei e para a sociedade.

O caminho percorrido neste trabalho para se alcançar o objetivo foi colocar ponto a ponto cada questão a

respeito do menor emancipado comercialmente para que ao final seja feita uma análise das leis que se

aplicam no caso. A pesquisa científica e acadêmica foi realizada em livros de doutrinadores jurídicos e

conceituados de nosso país, bem como foi utilizada a internet, sites jurídicos e que colocam a disposição

da comunidade jurídica artigos e jurisprudências a respeito do assunto.

2. EMANCIPAÇÃO COMERCIAL

A emancipação constitui um instituto que tem por objetivo tornar o menor relativamente incapaz um

agente plenamente capaz de realizar todos os atos praticados na vida civil. Podendo este administrar

livremente seus bens, adquirindo direitos e obrigações.

Etimologicamente a palavra emancipação vem do latim emancipation, isto é, a antecipação da maioridade

civil feita voluntária ou legalmente.

Verificam-se dois tipos de emancipação, a resultante de ato de vontade sendo concedida pelos pais ou de

sentença do magistrado ouvindo o tutor. Na primeira, o menor deve ter 16 anos completos, é

indispensável o instrumento público, independe de homologação judicial, é irrevogável e somente produz

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efeito após o registro; no segundo caso, isto é, concedida por sentença, trata-se de menor sob tutela,

devendo o menor ter 16 anos completos, é irrevogável e também só produz efeito após o registro .

A jurisprudência tem entendido que:

(...) a emancipação por outorga dos pais não exclui, por si só, a responsabilidade decorrente de atos

ilícitos do filho. (STJ, 3ª Turma, RESP 122573/PR, Rel. Mm. Eduardo Ribeiro, decisão de 23/06/1 998,

DJ de 18/12/1 998, p. 340).

O jurista Silvio Salvo Venosa, em seu livro Direito Civil, parte geral, dispõe claramente o que venha a ser

a emancipação civil: Emancipação é a aquisição da capacidade civil, antes da idade legal. (VENOSA.

Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. v. 1. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.)

A ilustre jurista Maria Helena Diniz, diz:

“a aptidão de exercer por si os atos da vida civil dependendo, portanto, do discernimento que é critério,

prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o

lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil vol. 1. 10ª

ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1994.)

O Código Civil Brasileiro em seu artigo 5º, parágrafo único, expõe de forma taxativa as possibilidades de

o menor adquirir a emancipação civil, conforme dispõe:

Art.5º, parágrafo único: Cessará para os menores a incapacidade:

I- pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independente

de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos

completos;

II- pelo casamento;

III- pelo exercício de emprego público efetivo;

IV- pela colação de grau em ensino superior;

“V- pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em

função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

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Como o estudo em questão se refere à emancipação do menor comerciante o foco do trabalho estará

voltado para a primeira parte do inciso V, do art.5º, parágrafo único do Código Civil Brasileiro, que diz

respeito à emancipação comercial do menor.

Desta forma a emancipação comercial é a capacidade que o menor, após passar pelo processo de

emancipação, tem de administrar seu estabelecimento comercial como se já houvesse adquirido a

maioridade, isto é, sem qualquer tipo de restrição, podendo exercer a atividade empresarial.

Analisando a história do ordenamento jurídico comercial nota-se que o Código Comercial de 1850 (Lei n°

556, de 25 de junho de 1850), mesmo primordialmente, apresentou preocupação com o menor, pois

dispunha de um instituto eminentemente comercial que o autorizava a exercer o comércio, porém este

instituto não dava capacidade civil ao menor, apenas lhe proporcionava a capacidade de comercializar

através de autorização expressa dos pais.

O artigo 1º do Código Comercial de 1850 tratava a respeito das pessoas que podiam negociar, destacando

o menor legalmente emancipado:

1- Todas as pessoas que na conformidade das leis deste Império se acharem na livre administração de

suas pessoas e bens e não forem expressamente proibidas neste Código.

2- Os menores legalmente emancipados.

3- Os filhos famílias, que tiverem mais de 18 anos de idade, com autorização dos pais, provada por

escritura pública. O filho maior de 21 anos, que for associado do pai, e o que, com a sua aprovação,

provada por escrito, levantar algum estabelecimento comercial, será reputado emancipado e maior para

todos os efeitos nas negociações mercantis .

Nos dias atuais, com a vigência do novo Código Civil Brasileiro, em 10 de janeiro de 2002, as normas

referentes ao Direito Comercial foram inseridas neste, apesar de alguns doutrinadores frisarem que não

houve a revogação por completo do Código Comercial.

Em relação à emancipação comercial a mudança significativa que deve ser destacada diz respeito à idade

que pode se emancipar, isto é, os relativamente incapazes com a vigência da Lei nº 10.406/02 passaram a

ser os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, conforme o artigo 4º desta lei, que dispõe: “São

incapazes relativamente a certos atos, ou a maneira de os exercer: I- os maiores de dezesseis e menores de

dezoito anos(...)”.

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Na analise da nova Lei de Falência percebe-se que esta não trata de maneira direta a respeito da

emancipação comercial, no entanto em seu artigo 1º da lei dispõe quem poderá ter decretada a falência,

atingindo desta forma o menor emancipado no caso de exercer o comércio. Este assunto será abordado de

modo apurado na continuidade do trabalho.

3. MENOR EMANCIPADO E SUA INIMPUTABILIDADE CRIMINAL

Com a análise da legislação magna e das leis especiais verifica-se que o menor emancipado apesar de

adquirir capacidade plena civilmente, podendo realizar todos os atos civis, quando se refere à esfera

penal é inimputável.

No ordenamento jurídico brasileiro existem três ordenamentos que regem este assunto, primeiramente

temos a Constituição Federal em seu artigo 228, depois temos o Código Penal Brasileiro em seu artigo 27

e por fim temos o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 104.

A Carta Magna em seus artigos 228 dispõe que: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito

anos, sujeito às normas da legislação especial.

O termo inimputável significa irresponsável, isto é, o menor não tem capacidade de compreender seus

atos, de tomar decisões importantes. Já o termo inimputável criminalmente significa dizer que não pode

responder por atos tipificados como crime em nosso Código Penal.

O Dicionário jurídico nos informa que uma pessoa inimputável é:

É a pessoa que cometeu uma infração penal, porém, no momento do crime, era inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com esse entendimento. São considerados

inimputáveis os doentes mentais ou a pessoa que possua desenvolvimento mental incompleto ou

retardado, e os menores de dezoito anos. Os inimputáveis são isentos de pena mas, se doente mental, fica

sujeito a medida de segurança e, se menor de 18 anos, fica sujeito às normas estabelecidas na legislação

especial.

Desta forma a Constituição Federal claramente impede que menores de 18 anos passem por processos

criminais, como se maiores e responsáveis fossem, respondendo por seus atos de acordo com leis

especiais.

O Código Penal Brasileiro em seu artigo 27 tem a mesma disposição, acompanhando a nossa lei maior.

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O Estatuto da Criança e Adolescente, como lei especial que dispõe a respeito à proteção integral dos

mesmos, dispõe em seu artigo 104: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

medidas previstas nesta Lei.

O ordenamento jurídico acima analisado em todo o momento afirma a inimputabilidade penal do menor

de 18 anos seja ele emancipado ou não.

A jurisprudência também tem sido dominante neste assunto, como verifica-se:

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL - MAIORIDADE CIVIL

DE 18 ANOS ATINGIDA - ART. 121, § 5º DO ECA - APLICABILIDADE. “As disposições finais e

transitórias do novo Código Civil, expressamente permitem a incidência do ECA àqueles casos em que o

menor infrator tenha completado 18 anos de idade, no curso da instrução processual, não alterando a

aplicação do Estatuto menorista na esfera da responsabilidade do autor da infração. Provimento do

recurso que se impõe”. Relator Antonio Carlos Cruvínel. Número do processo: 1.0105.01.037052-

3/001(1). Data do julgamento: 06/04/2004.

NÚMERO: 70014159685 Decisão: Acórdão.RELATOR: Bayard Ney de Freitas Barcellos.EMENTA:

RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.

AGRAVO RETIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. EMANCIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO

PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. VERBA SUCUMBENCIAL. Veículo do autor que teve sua pista

invadida pelo veículo conduzido pelo primeiro requerido e de propriedade do terceiro. Preliminar de

ilegitimidade passiva afastada. A emancipação não afasta a responsabilidade dos pais por ato ilícito

praticado pelo filho. DATA DE JULGAMENTO: 28/06/2006. PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia

06/07/2006.

Um ponto de vista interessante para ser citado nessa análise é o posicionamento do Promotor de Justiça

em Santa Catarina Gercino Gerson Gomes Neto que vê a inimputabilidade como cláusula pétrea pelo fato

de estar prevista na Constituição Federal e ser uma garantia constitucional, conforme abaixo no artigo 60,

parágrafo 4º, inciso IV da CF/88 que dispõe: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta (...).

Parágrafo 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (...) IV - os direitos

e garantias individuais.

O parágrafo 2º do artigo 5º diz que são direitos e garantias individuais as normas dispersas pelo texto

constitucional, não apenas as elencadas no dispositivo mencionado.

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Diz o parágrafo 2º do artigo 5º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte.

Assim, concordando com o ilustre colega conclui-se com clareza que existem direitos e garantias

individuais espalhados na Constituição Federal de 1988, dentre eles a inimputabilidade penal

considerando-a cláusula pétrea, por ser um direito e garantia da pessoa menor de 18 anos .

Outro ponto importante para ser analisado a respeito da imputabilidade é o artigo 262 do Código de

Processo Penal que dispõe: - o menor de 21 anos necessita da nomeação de um curador para acompanhá-

lo durante o processo criminal, tanto na fase inquisitorial, como na fase in judicio.

Portanto, apesar do Código Civil Brasileiro ter determinado a maioridade civil aos 18 anos, na persecução

penal é determinante que o menor de 21 anos seja acompanhado por um curador.

O Desembargador Herculano Rodrigues do Tribunal de Justiça de Minas Gerais elucidou plenamente o

assunto:

Para fins penais, a menoridade, registrada no aludido dispositivo, é

aquela compreendida entre 18 e 21 anos de idade, pouco

importando que o autuado seja EMANCIPADO civilmente ou

tenha alcançado a maioridade em razão da nova disposição do

vigente código civil. Destarte, sendo o autuado MENOR de 21

anos, imprescindível a presença de curador, e somente a assistência

de advogado supre a exigência legal, ou ainda, se o MENOR

preferir o silêncio e anunciar a disposição de somente se manifestar

em juízo. A formalidade é de caráter essencial que não pode ser

preterida. (HABEAS CORPUS (C. CRIMINAIS ISOLADAS) Nº

000.333.289-7/00 - COMARCA DE BELO HORIZONTE -

PACIENTE(S): DAYANE CATARINA DE OLIVEIRA -

COATOR(ES): JD 3 V TÓXICOS COMARCA BELO

HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. HERCULANO

RODRIGUES.TJMG.)”

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O jurista Júlio Fabbrini Mirabete claramente expõe os motivos que orientam a necessidade de um

curador:

Presume a lei que o indiciado, nessa idade, necessita de

aconselhamento de pessoa que possa, também, resguardar seus

direitos, ou, ao menos, informá-lo convenientemente deles.

(MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal

Interpretado. 2ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 1995.)

Há posicionamentos de juristas conceituados, como o ilustre Luiz Flávio Gomes que defendem a idéia de

que esses artigos processuais penais foram revogados pelo Código Civil Brasileiro, como verifica-se:

Todos os dispositivos processuais penais que enfocavam o menor

de 21 anos como relativamente capaz foram afetados pelo novo

Código Civil. Todos têm por base a capacidade do ser humano para

praticar atos civis e, por conseguinte, processuais. Para o novo

Código Civil essa capacidade é plena aos 18 anos. Logo, todos os

artigos citados acham-se revogados ou derrogados (lei nova que

disciplina um determinado assunto revoga ou derroga a anterior).

(GOMES, Luiz Flávio. Revista juris síntese nº 39 - Jan/Fev de

2003.)

No entanto, apesar das divergências, o pensamento dominante é que enquanto não sobrevier lei nova de

forma expressa diminuindo a maioridade processual criminal persistirá a obrigação de nomear curador ao

menor de 21 anos, em todas as fases, seja inquisitorial, como processual, sob pena de nulidade .

4. A RESPONSABILIDADE DO INIMPUTÁVEL

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103 dispõe que: Considera-se ato infracional a

conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Diante do exposto salienta-se que um fato típico, punido de acordo com a legislação penal brasileira

praticado por menor é um ato infracional e deve corresponder as medidas previstas nesta lei especial,

conforme dispõe o artigo 105 do Estatuto da Criança e Adolescente: Ao ato infracional praticado por

criança corresponderão às medidas previstas no artigo 101.

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O menor inimputável, por praticar apenas atos infracionais e não crimes, não respondem criminalmente,

no caso de verificado a prática do ato infracional, irá sofrer medidas sócio-educativas, conforme dispõe o

artigo 112 do Estatuto da Criança e Adolescente.

Existe a possibilidade de responsabilização civil dos pais ou detentor do pátrio poder no caso de

comprovada a pratica de um ato infracional que acarrete um prejuízo a terceiro, mas esse ponto foge ao

mérito da questão aqui discutida podendo ser esplanado em outra oportunidade.

Desta forma pode-se afirmar que o menor emancipado ou não, caso pratique um ato infracional,

responderá de acordo com a lei especial que é o Estatuto e não criminalmente de acordo com o Código

Penal, fato este que reafirma ser o mesmo uma pessoa inimputável incapaz de responder por seus atos.

Neste ponto verifica-se a discrepância no ordenamento brasileiro que permite que o menor emancipado

seja empresário, e cometa crime falimentar, no entanto não permite que responda criminalmente pelo

crime praticado, sofrendo apenas medidas sócio-educativas. Este assunto, cerne deste trabalho será

explanado exaustivamente abaixo no capítulo 6.

5. CRIME FALIMENTAR E O MENOR EMANCIPADO

Os crimes falimentares são fatos típicos penais previstos nos artigos 168 a 178 da Lei 11.101/2005, onde

o autor do crime é o empresário que no decorrer do processo de falência vem a cometer crimes

falimentares.

O artigo 1º da lei de falência determina quem se sujeito a ela, bem como quem pode vim a praticar crimes

falimentares, isto é, o empresário e a sociedade empresária: “Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a

recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos

simplesmente como devedor”.

O artigo 966 do Código Civil Brasileiro relata o que vem a ser um empresário: Considera-se empresário

quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou

de serviços.

Já em seu artigo 972, o Código Civil Brasileiro dispõe sobre a capacidade para exercer a atividade

empresarial: “Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade

civil e não forem legalmente impedidos”.

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Assim diante da análise desses ordenamentos pode-se concluir que o menor emancipado que exerce a

atividade empresarial de forma plena esta sujeito a lei de falência e conseqüentemente poderá vir a

cometer um crime falimentar.

O conceituado jurista Fábio Ulhoa Coelho assevera que:

(...) o menor emancipado (por outorga dos pais, casamento, nomeação para emprego público efetivo,

estabelecimento por economia própria, obtenção de grau em curso superior), exatamente por se encontrar

no pleno gozo de sua capacidade jurídica, pode exercer empresa como o maior.

Verificando-se alguns ordenamentos anteriores percebe-se que estes já se preocupavam e regulavam a

respeito da atividade empresarial exercida pelo menor de 18 anos. Por exemplo, o revogado Decreto-Lei

7.661, de 21 de julho de 1945, dispunha em seu artigo 3º, inciso II , que apenas poderia ser declarada a

falência do menor, com mais de dezoito anos, que mantinha estabelecimento comercial com economia

própria. Ocorre que este decreto não faz nenhuma referência a emancipação.

A nova lei de falência não repetiu o texto deste decreto revogado no que se refere à restrição da

decretação da falência contra o menor de 18 anos. Conclui-se desta forma que o menor emancipado pode

ter sua falência decretada e vim a sofrer penas caso cometa um crime falimentar.

Diante do esclarecido acima pode-se afirmar que sendo o menor emancipado plenamente capaz de

exercer todos os atos da vida civil e exercendo a atividade empresarial poderá passar pelo processo de

falência e responder por crimes falimentares.

Mas é necessário tomar cuidado, pois como já foi analisado, o menor mesmo que emancipado civilmente

é inimputável e todos os atos ilícitos praticados por ele será considerado um ato infracional e estará

sujeito a lei especial, isto é, ao Estatuto da Criança e Adolescente que prevê apenas medidas sócio-

educativas.

Assim, admitindo que o menor de dezoito anos exerça a atividade empresarial, teoricamente admiti-se

que possa vir a praticar um crime falimentar, e de acordo com o Código Civil e a Lei de Falência será

responsabilizado criminalmente. No entanto a Constituição Federal é firme e clara em proibir a

imputabilidade do menor vez que se trata de uma pessoa em desenvolvimento, irresponsável e incapaz de

responder por seus atos. Mais uma vez pode-se confirmar a desarmonia existente no ordenamento

jurídico, causando dúvidas e insegurança jurídica.

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6. INCOMPATIBILIDADE NO ORDENAMENTO

A legislação brasileira apresenta uma discrepância absurda a respeito da imputabilidade penal do menor

emancipado, criando uma situação de difícil aplicação, pois possibilita que este exerça atividade

empresarial e cometa crimes falimentares, porém não podem ser punidos de acordo com a lei penal,

apenas pelo Estatuto da Criança e Adolescente, gerando uma sensação de impunidade no mundo jurídico.

Para que seja apontado as incongruências na legislação em estudo cria-se um paralelo entre as mesmas.

Primeiramente tem o Código Civil que permite ao menor de dezoito anos se emancipar caso exerça a

atividade empresarial, podendo desta forma, por exemplo, ser plenamente capaz para praticar todos os

atos da vida civil e gerir um negócio, tomar decisões, dirigir uma empresa, falir e até mesmo praticar um

crime falimentar. Nesse ponto verifica-se a desarmonia da lei com a Carta Magna que ao contrário trata

como clausula pétrea a inimputabilidade do menor, não permitindo que este venha a responder

criminalmente.

A Lei de Falência dispõe que sendo o empresário plenamente capaz, mesmo que menor emancipado

poderá passar pelo processo de falência e responder criminalmente pela prática de crimes falimentares.

Mais uma incongruência da lei infraconstitucional com a lei maior, a Constituição Federal não permite

que o menor responda como se maior fosse, determinando que a lei especial aplique as medidas

necessárias, isto é, medidas sócio-educativas. Ora, diante deste confronto permiti-se a pensar que as

aplicações da lei civil e de falência não podem ser dirigidas no caso do menor emancipado.

A Constituição Federal sendo a lei maior do país e hierarquicamente superior a todas as outras pode e

deve ser aplicada neste caso e o menor emancipado não responderá criminalmente por qualquer crime que

vier a praticar, respondendo apenas como atos infracionais de acordo com a lei especial, isto é, o Estatuto

da Criança e Adolescente.

Porém, não é tão simples assim, pois caso haja a intenção de um agente de burlar a lei e cometer crimes

falimentares poderá se utilizar deste equívoco legal abrindo um estabelecimento comercial no nome do

menor emancipado, sabendo que este passará apenas por medidas sócio-educativas.

O ordenamento jurídico brasileiro não pode compactuar com atitudes criminosas, não pode oferecer

brechas para que criminosos cometam crimes se escondendo atrás de menores emancipados.

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Ao mesmo tempo existe o outro lado, que é o lado do menor emancipado que caso venha cometer um

crime falimentar não pode de maneira alguma responder criminalmente, vez que não possui capacidade

suficiente para discernir o certo ou o errado, desta forma imputar-lhe um crime seria ir contra a cláusula

pétrea de proteção ao menor, seria atingir os princípios básicos da Constituição Federal.

Os legisladores criaram uma aberração jurídica, o menor sendo emancipado ou não nunca responderá

criminalmente por seus atos, então porque criar uma lei que possibilita que o menor pratique um crime?

Porque criar uma lei inconstitucional que oferece brechas para criminosos?

O legislador necessita de forma célere corrigir esse equívoco legal, protegendo o menor, como manda

nossa lei maior e impedindo que brechas sejam criadas para burlar a lei, oferecendo desta forma mais

segurança jurídica na aplicação da lei.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto acima, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro deve passar por reformas para

que assim a discrepância existente na legislação infraconstitucional seja corrigida.

As leis civis, penais e a lei de falência discordam entre si quando se referem à capacidade penal do menor

emancipado comercialmente, uma vez que cria a possibilidade de exercer a atividade empresarial sem

levar em conta que poderá praticar um crime e não responderá criminalmente por ele, uma vez que é

inimputável.

Uma possível correção na legislação seria revogar a possibilidade da emancipação comercial que se

encontra no Código Civil e criar um parágrafo único no artigo 972, do mesmo código, criando uma

exceção.

A exceção teria por base impedir que um menor de 18 anos se torne um empresário, isto é, seria criada

uma regra que colocasse a idade mínima de 18 anos para exercer a atividade empresarial, pois assim, não

haveria a possibilidade de um menor de 18 anos assumir uma empresa e ficar sujeito a falência e

cometimento de crime falimentar.

Seria uma forma de impedir que o menor seja punido criminalmente, vez que é incapaz e possui pouco

discernimento e ao mesmo tempo impediria que um agente criminoso se utilizasse deste equívoco legal

para driblar a aplicação penal.

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Assim, para concluir há dois pontos importantes, o primeiro é a consciência da discrepância e desarmonia

da lei e sua conseqüência; o segundo ponto é a proposta de se criar uma exceção no tópico emancipação

onde o menor em hipótese alguma poderá exercer a atividade empresarial uma vez que não possui

capacidade suficiente para responder criminalmente por seus atos, conforme dita a Constituição Federal

de nosso país.

REFERÊNCIAS

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11.101, de 9-2-2005). Ed. Saraiva: São Paulo, 2005, p. 19/20.

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Currículo do articulista:

Graduada em Direito pela PUC Minas e Especialista em Advocacia Empresarial pela UNP.