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459 CAPÍTULO 33 TRAUMA URETRAL LUIS OTAVIO AMARAL DUARTE PINTO GUILHERME CHONCHOL BAHBOUT RICARDO ALMEIDA INTRODUÇÃO A uretra pode ser didaticamente dividida, tendo como referência o diafragma urogenital, em duas porções: anterior e posterior. Maiores detalhes sobre a anatomia da uretra no capítulo “Anato- mia Urogenital no Homem”. A uretra anterior compreende o segmento glandar, peniano e bulbar. As injúrias nessa re- gião, em geral, são provenientes de traumas tipo esmagamento ou iatrogenias resultantes de ma- nipulações imprudentes do canal. Um exemplo clássico são as “quedas a cavaleiro”, onde a lesão se desenvolve pela compressão da uretra bulbar contra o púbis, durante o impacto na região perine- al 1,2 . A porção posterior, por sua vez, corresponde à uretra membranosa e prostática. Os traumas nessa topografia se devem principalmente a acidentes automobilísticos com elevada dissipação de energia. A forte desaceleração no momento da colisão pode provocar fraturas do arco pélvico, juntamente com ruptura uretral. O local mais acometido é a transição do ápice da próstata/uretra membranosa com a porção bulbar, formando um espaço, ou gap, entre os segmentos 2 . APRESENTAÇÃO CLÍNICA As lesões de uretra são resultantes, em sua maioria, de traumatismos contusos; os ferimentos penetrantes, por armas brancas ou projéteis, ocorrem em menor frequência. O sinal ou sintoma mais comum é o surgimento de uretrorragia, ou seja, a saída de sangue vivo pelo meato uretral. Outros achados incluem: dor local; surgimento de hematoma perineal e pélvico; deslocamento superior da próstata, observado durante o exame de toque retal; incapacidade de esvaziamento vesical, entre

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CAPÍTULO 33

TRAUMA URETRAL

LUIS OTAVIO AMARAL DUARTE PINTOGUILHERME CHONCHOL BAHBOUT

RICARDO ALMEIDA

INTRODUÇÃO

A uretra pode ser didaticamente dividida, tendo como referência o diafragma urogenital, em duas porções: anterior e posterior. Maiores detalhes sobre a anatomia da uretra no capítulo “Anato-mia Urogenital no Homem”.

A uretra anterior compreende o segmento glandar, peniano e bulbar. As injúrias nessa re-gião, em geral, são provenientes de traumas tipo esmagamento ou iatrogenias resultantes de ma-nipulações imprudentes do canal. Um exemplo clássico são as “quedas a cavaleiro”, onde a lesão se desenvolve pela compressão da uretra bulbar contra o púbis, durante o impacto na região perine-al1,2.

A porção posterior, por sua vez, corresponde à uretra membranosa e prostática. Os traumas nessa topogra� a se devem principalmente a acidentes automobilísticos com elevada dissipação de energia. A forte desaceleração no momento da colisão pode provocar fraturas do arco pélvico, juntamente com ruptura uretral. O local mais acometido é a transição do ápice da próstata/uretra membranosa com a porção bulbar, formando um espaço, ou gap, entre os segmentos2.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

As lesões de uretra são resultantes, em sua maioria, de traumatismos contusos; os ferimentos penetrantes, por armas brancas ou projéteis, ocorrem em menor frequência. O sinal ou sintoma mais comum é o surgimento de uretrorragia, ou seja, a saída de sangue vivo pelo meato uretral. Outros achados incluem: dor local; surgimento de hematoma perineal e pélvico; deslocamento superior da próstata, observado durante o exame de toque retal; incapacidade de esvaziamento vesical, entre

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outros3,4.

Os hematomas dessa região podem � car contidos pela fáscia de Buck, mantendo-o na topo-gra� a do pênis. Quando ocorre violação dessa fáscia advém a progressão do hematoma para a fáscia de Colles, in� ltrando o escroto, períneo e parede abdominal, adotando a con� guração característica de “asa de borboleta”3.

INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA

O trauma de uretra deve ser sempre suspeitado nas vítimas de acidentes automobilísticos, que apresentam fratura pélvica associada à uretrorragia. Nesses casos é essencial uma avaliação complementar, com métodos de imagem, para con� rmação e estadiamento do quadro5.

O exame de escolha é a uretrocistogra� a retrógrada (Figura 1, 2 e 3). De fácil execução, pode ser realizada na maioria dos Hospitais de Pronto-Atendimento. Consiste na introdução de uma son-da Foley, por onde será infundida solução contrastada. O cateter deve � car � xado na topogra� a da fossa navicular, in� ando o balão com um ou dois mililitros de água destilada. As melhores radiogra-� as são obtidas com o paciente em posição oblíqua ou decúbito lateral.

A observação de extravasamento de contraste, porém com delineamento da uretra proximal e bexiga, sugere ruptura parcial do órgão; uma interrupção brusca na progressão do contraste, com transbordamento do mesmo, está relacionada à maior chance disjunção uretral completa.

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Fig. 1 – Uretrocistogra� a retrograda evidenciando lesão completa de uretra anterior (Foto cedida Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

Fig. 2 – Uretrocistogra� a retrógrada evidenciando lesão parcial de uretra anterior (Fotos cedida Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

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Fig. 3 – Uretrocistogra� a retrógrada evidenciando lesão completa de uretra posterior (Foto cedida Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

TRATAMENTO

O principal objetivo é garantir uma drenagem adequada do conteúdo vesical. O último Gui-deline da American Urological Association (AUA) orienta que, em pacientes com suspeita de trauma uretral e instáveis para a realização da uretrocistogra� a, está permitida a tentativa de sondagem vesical, contanto que seja realizada pelas mãos de pro� ssionais capacitados e habituados no manejo das doenças do sistema urinário6,7.

Na ausência desse especialista, ou uretrocistogra� a con� rmando ruptura da uretra, a condu-ta de escolha é o esvaziamento da bexiga por meio de cistostomia supra-púbica. Após estabilização das outras condições, como fratura pélvica e outras lesões associadas, o paciente deve ser avaliado ambulatorialmente para novo estadiamento e programação do reparo de� nitivo da lesão uretral, pela equipe de urologia.

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Alguns autores consideram o realinhamento primário dos cotos uretrais uma boa opção no manejo inicial, em pacientes estáveis. O procedimento é realizado com o auxílio de cistoscopia rígida e � exível. Infelizmente grande parte dos centros de trauma não dispõe de equipamentos apropria-dos para este � m, tornando essa técnica restrita a uma minoria de serviços7.

Os ferimentos penetrantes não complicados de uretra, sejam por arma branca ou projéteis de armas de fogo, são conduzidos em sua maioria com reparo cirúrgico de imediato, através de ure-trorra� a. Os � os utilizados devem ser preferencialmente mono� lamentares e absorvíveis.

COMPLICAÇÕES

Destacam-se as estenoses de uretra, com necessidade de múltiplas intervenções, a inconti-nência urinária e a disfunção erétil7.

REFERÊNCIAS

1. Zerati Filho. Urologia Fundamental. Sao Paulo: Planmark, 2010.

2. Capbell-Walsh. Urology 9th Edition. Philadelphia: Saunders, 2007.

3. Hohenfellner. Emergencies in Urology. Verlag: Springer, 2007.

4. Novick. Operative Urology at the Cleveland Clinic. New Jersey: Humana Press, 2006.

5. Montague. Textbook of Reconstructive Urologic Surgery. London: Informa UK, 2008.

6. Advanced Trauma Life Support for Doctors 9th Edition. American College of Surgeons. 2012.

7. Moorey A. F. et al.: Urotrauma. AUA Guideline. American Urological Association. 2014.

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