Zen, Surrealismo, Bresson

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  • 7/25/2019 Zen, Surrealismo, Bresson

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    Zen, Surrealismo, Bresson

    Por Dbora Bittencourt

    ...a aranha dana sua rede sem pensar nas moscas que se prendero nela. A mosca, danando

    despreocupadamente num raio de sol, se enreda sem saber o que a esperava. Mas tanto naaranha, como na mosca, algo dana, e nela o exterior e o interior so a mesma coisa.

    Dentre as influncias que inspiraram a obra de Bresson no ps-guerra, onde se inclui a sua

    experincia com a prpria guerra de forma bastante intensa, a filosofia Zen talve se!a a mais

    representativa para se pensar o seu ol"ar e a sua postura art#stica$ % paralelo entre o disparo da

    c&mera e o tiro da flec"a fa-se repleto na sua ideia de 'instante decisivo(, que remete

    diretamente aos ensinamentos do mestre arqueiro que )errigel tenta transmitir na Arte

    Cavalheiresca do Arqueiro Zen, livro que inspirou fortemente a sua rela*+o com a fotografia$

    m seu livro, )errigel expe o .rduo processo de internaliar verdadeiramente os valores que

    seu mestre l"e tenta passar no aprendiado da arte do arco/ a ideia de que existe 'algo que

    atira(, de que aps um n+o menos penoso processo de apreens+o da tcnica, o necess.rio

    apenas deixar esse algo existir, e isso s se torna poss#vel diante da anula*+o de si prprio

    naquele dado momento$ 0ssim, o desenvolvimento da arte d.-se pela pr.tica exaustiva que vem

    a integrar por completo o criador e a obra, sendo que os dois passam a ser uma 1nica coisa, ao

    mesmo tempo em que ocorre a desintegra*+o do 'eu(, obst.culo da cria*+o autntica$

    2o document.rio )enri-3artier-Bresson 4 S 0mor, ele relata um pouco de sua experincia com

    o faer fotogr.fico nesse sentido de permitir o fluir do momento e estar apto a receb-lo/

    A gente olha e pensa: Quando aperto Agora Agora Agora A emoo vai subindo e, de

    repente, pronto. ! como um orgasmo, tem uma hora que explode. "u temos o instante certo ou

    o perdemos, e no podemos recomear. " desenho # uma meditao, enquanto que a $oto # um

    tiro. %oc& pode apagar um desenho e $a'er outro, voc& no est( lutando contra o tempo. Mas,

    com a $otogra$ia, h( um esp#cie de ang)stia constante, pelo $ato de voc& estar presente em um

    momento que no mais se repetir(. Mas # uma ang)stia muito calma.

    5 esse estado de frui*+o que o mestre arqueiro prope a todo momento e que para ns

    ocidentais, sempre tendendo ao pragmatismo conceitual e esttico, parece t+o abstrato quanto

    distante$ 0 pr.tica da respira*+o meditativa um dos pilares propostos para a!udar a c"egar a

    esse n#vel de concentra*+o e desprendimento de si$

    m seu 6anifesto Surrealista, 0ndr Breton prope um fluxo do faer art#stico que em muito se

    assemel"a 7 essa 8des9integra*+o do autor com a obra, sobretudo na ideia da quebra da

    intencionalidade e da prepara*+o para o espiritual exercer o seu papel/

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    Mande tra'er com que escrever, quando *( estiver colocado no lugar mais con$ort(vel poss+vel

    para concentrao do seu esp+rito sobre si mesmo. onha-se no estado mais passivo ou

    receptivo, dos talentos de todos os outros. ense que a literatura # um dos mais tristes

    caminhos que levam a tudo. screva depressa, sem assunto preconcebido, bastante depressa

    para no reprimir, e para $ugir / tentao de se reler. A primeira $rase vem por si, tanto #

    verdade que a cada segundo h( uma $rase estranha ao nosso pensamento consciente pedindo

    para ser exteriori'ada$

    5 sempre 'algo( que quer ser expresso e o papel do artista n+o outro sen+o esquecer-se de si,

    criando espa*o para que a cria*+o se fa*a, assim como a flec"a que atira e a c&mera que dispara/

    o fluxo das ideias e dos acontecimentos colocam-se 7 disposi*+o do artista que precisa dispor-se

    reciprocamente$ 0 essa forma de escrever c"amamos escrita autom.tica, que embora se!a uma

    tcnica comumente associada aos movimentos surrealista e dada#sta, tambm mencionada nolivro de )errigel, relacionando-a ao aprendiado Zen/

    0ua habilidade se revela no momento em que a mo, dominadora incondicional da t#cnica,

    executa e torna vis+vel a id#ia que naquele exato momento est( sendo criada pelo esp+rito, sem

    que ha*a qualquer distanciamento entre a concepo e a reali'ao. A pintura se trans$orma

    numa escrita autom(tica.

    ). certamente, divergncias consider.veis em suas concep*es espirituais, tem.ticas e estticas,

    mas se pensarmos na tra!etria criativa de Bresson, lembrando de sua rela*+o primeira com oSurrealismo, os pontos coincidentes parecem faer todo sentido na materialia*+o de sua arte$

    :alve se!a esse o seu instante decisivo/ o momento da confluncia de t+o significativas

    referncias postas em !ogo como que por encanto, os encontros dando-se de forma t+o sutil

    quanto profunda, um ol"ar a lu e transpor-se ao seu potencial de ilumina*+o$

    1odo mestre de uma arte in$luenciada pelo Zen # como um rel2mpago gerado pela nuvem da

    verdade universal. ssa verdade est( presente na livre mobilidade do seu esp+rito e naquilo que

    se chama de algo, onde ela se mostra na sua plenitude e ess&ncia originais. 3essa $onte que

    *amais seca, suas potencialidades adormecidas se nutrem de uma compreenso da %erdade que,

    para ele e para os outros atrav#s dele, se renova perpetuamente.