4 ASSENTAMENTOS E ESTRUTURAS
Por la ferocidad de estos selvajes, y sus celadas y acechanzas, comopor la instabilidade de su paradero, ha sucedido que se imposibilitaron lasmisiones entre los indios del otro lado del rio, por lo dems, gente docil, ydedicada a la agricultura. Se han hecho toda clase de tentativas por nuestrosPadres, para ganarse la voluntad de los payagues, por medio de donecillosy otras seales de benevolencia, para facilitar a lo menos el paso por el rio, ypara poder instruir en la religin cristiana los indios del otro lado (...) (CA-IAP (b), p. 47).
Nosso estudo sobre os assentamentos Payagu e suas respectivas estruturas est
restrito a dados extrados das fontes escritas pertinentes. Apesar de limitadas, as informaes
possibilitam o enriquecimento das pesquisas arqueolgicas em andamento no Pantanal Mato-
grossense, alm de proporcionar subsdios para interpretaes quanto a adaptao ecolgica,
bem como da construo cultural dos grupos indgenas nessa rea.
Faz-se fundamental apresentarmos os conceitos sobre assentamento conforme o
entendimento de Chang (1976) e Trigger (1968), os quais respaldam nosso trabalho.
Para Chang (1976, p.50-53), assentamento pode ser entendido como:
(...) una unidad arqueolgica, analtica e histricamente significativa,sobre cuya base se realizan los anlisis y comparaciones de las culturasprehistricas y las histrias culturales. Esta unidad se encuentra en unestado estacionario y ocupa una rea significativa, extendindose tambinen un microtiempo significativo. (...) las caractersticas de un asentamientoarqueolgico (...) incluyen artefactos, otras pruebas de ocupacin humana ysu contexto de deposicin. Un asentamiento arqueolgico se define como la
84
unidad arqueolgica que posee dados tales como su contenido, con unadimensin temporal y una espacial que delimitan un estado estacionario.
Trigger (1968, p.68) compreende que o assentamento o ponto de partida estratgico
para a intepretao funcional de culturas arqueolgicas, onde refletido o ambiente natural, o
nvel tecnolgico no qual aqueles construtores estavam operando e vrias instituies de
interao social, mais o controle pelo qual era mantida a cultura.
Procuramos nessa elaborao associar a dinmica da utilizao do espao, atravs
dos assentamentos e sua relao ao ambiente habitado e sua sazonalidade.
4.1 Tipos de Assentamentos
Canoeiros por excelncia, os Payagu no possuam assentamentos fixos,
caractersticos de grupos sedentrios.
A escolha de locais para assentamentos certamente estava concatenada obteno da
subsistncia. Relacionados a isso esto dois aspectos fundamentais para compreender a
ocupao dos assentamentos pelos canoeiros: a sazonalidade (perodo de cheias e vazantes) e
a mobilidade fluvial. Os assentamentos tambm poderiam estar associados s possibilidades
de defesa e de contactos inter-tnicos, o que provavelmente influenciavam, em um plano
secundrio, a seleo de locais para ocupao.
A instabilidade da moradia ou a ausncia da casa-aldeia na viso simplista (e
preconceituosa) europia era entendida como um entrave a subjugao desses indgenas,
principalmente para o ensinamento da doutrina religiosa colonizadora.
"Otro no pequeo motivo los retare de ser cristianos, y es que estanacion es vagabunda, no estando jamas firme en algunos dias en un lugar,hoy estan en tierra firme, y maana en alguna isla; ni pueden de otra suerte
85
vivir, porque, sustentandose con caza y pesca, no se puede hallar siempreesta en mismo lugar (...) (Dirio apud De Angelis, 1955, V. VI, p.21,).
Contrariando essa tica superficial da cultura indgena, as informaes contidas no
registro abaixo exemplificam a manuteno de estratgias de adaptao a um ambiente
diversificado que exigia uma organizao complexa, a qual abarcava vrios elementos
culturais.
(...) y los naturales del ro, cuando el agua llega encima de lasbarrancas, ellos tienen aparejadas unas canoas muy grandes para estetiempo, y en medio de las canoas echan dos o tres cargas de barro, y hacenun fogn; y hecho, mtese el indio en ella con su mujer e hijo y casa, yvanse con la cresciente del agua donde quieren, y sobre aquel fogn hacenfuego y guisan de comer y se calientan, y ans andan cuatro meses del aoque dura esta cresciente de las guas; y como las aguas andan crescidas,saltan en algunas tierras que quedan descubiertas, y all matan venados yantas y otras salvajinhas que van huyendo del agua; y como las aguas hacenrepunta (yemas) para volver a su curso, ellos se vulven cazando y pescandocomo han ido, y no salen de sus canoas hasta que las barrancas estndescubiertas donde ellos suelen tener sus canoas (...)32 (Cabeza de Vaca,1982, p.242).
O relato de Ulrich Schmidl (1923, p.68) indica o estabelecimento dos Agaces-
Payagu, no sculo XVI, nas proximidades do rio Bermejo. Informa que a expedio de
Ayolas confrontou-se com os Agaces (Aigeiss) em rea banhada pelo rio Bermejo (Ypedy).
Consta que foram atacados e travaram guerra com os indgenas, os quais ocultaram a sus
mujeres y hijos y alimentos (...).
32Oliveira (1996, p.74 e 75) em Guat, Argonautas do Pantanal analisando os dados contidos em Cabeza deVaca, aponta como provvel que a referncia supra citada faa aluso aos canoeiros Guat, os quais, segundo oautor, habitavam nas proximidades do Puerto de los Reyes. No entanto importante enfatizar que os gruposcanoeiros como os Payagu, os Guat e os Guasarapo, habitavam o mesmo ambiente, dividindo-o e disputando-o, e apresentavam muitas semelhanas culturais (v er Figura 22, Captulo 3, nesta dissertao).
86
Cabeza de Vaca (1893, T.LVI, p.228) e Martnez de Irala (apud Machain, 1939,
p.446), no mesmo sculo, indicam a presena dos Agaces, no rio Paraguai, habitando nas
proximidades de Assuno.
A rea formada pelo rio Bermejo e arredores de Assuno, pode ser vista como espao
de assentamentos Payagu, estabelecendo o territrio meridional da etnia no rio Paraguai.
A documentao etno-histrica atesta a presena Payagu nesse raio de ao, desde os
primeiros contatos com os europeus (sculo XVI) at o final do sculo XVIII.
O interesse na manuteno de assentamentos nessa regio pode ser explicado devido
proximidade Assuno, local que servia para trocas intertribais e que tornou-se muito
promissor aps a chegada dos colonizadores com seus produtos.33 Tendo o rio Bermejo como
referncia podemos indicar que esse(s) assentamento(s) estavam situados em rea chaquenha.
O Alto-Paraguai pode ser visto como o espao selecionado pelos Payagu, para
estabelecer os assentamentos setentrionais, na rea delimitada nas proximidades do Porto de
Candelria34.
Nos Comentrios de Cabeza de Vaca (1893, T. LIV, p.276) registrado sobre a
localizao:
Aos 12 de Outubro xegmos ao porto de Candelria, que faz parte doterritrio dos Paiagus. O capito Joo dAilas fizera sua entrada nesteporto acompanhado dos Espanhes do seo comando. Ahi deixou DomingosdIrala para o esperar at o seo regresso com os bergantins, que trouxera;mas quando regressou, j no axou, e ali os esperou por 4 mezes, sofrendoneste intervalo muita fome.
33No captulo que trata da subsistncia, apresentamos a importncia das trocas intertribais para os Payagu comoforma de obter alimentos complementares subsistncia. No item Pilhagem, trabalhamos a questo docomrcio pacfico ou no executado por esses indgenas.34A discusso sobre a localizao de Porto de Candelria apresentada no Captulo 3 .
87
Baseando-nos na informao supra citada, podemos perceber que o local em que Irala
se manteve espera por Ayolas, e onde este, posteriormente, permaneceu por quatro meses,
poderia ser visto como rea escolhida pelos Payagu para estabelecer seus assentamentos
mais estveis (ao norte do rio Paraguai), cuja estabilidade se daria por um espao temporal
envolvendo meses, sendo provvel que a permanncia estivesse associada ao perodo de
inundaes e vazantes do ambiente.
Outro aspecto que refora a possibilidade de o assentamento possuir um carter mais
estvel a permanncia de componentes da expedio (ao que parece formando um grupo
numeroso) junto aos indgenas, aguardando o retorno de Ayolas.
Quanto a esse fato, a antroploga Branislava Susnik (1978, p. 103-104), escreve:
La presencia prolongada de los Espaoles impeda el libre movimientode los Payagues; las violencias propias de la soldadesca rompam el pactode alianza; la presencia de los acompaantes guaranes dio origen a lasuspiccacia y recelo intertnico; el continuo abastecimento con productos decaza y pesca ya perda su atractivo al carecer los Espaoles de elementos detruque, smbolo fundamental de una verdadera amistad y alianza.
O Porto de Candelria e suas adjacncias formariam o territrio setentrional dos
Payagu onde eram estabelecidos os assentamentos, o qual inserido na regio pertencente
ao atual Estado do Mato Grosso do Sul. A partir desse espao ocupado, os indgenas
deslocavam-se em migraes ao norte em direo laguna Mandior35, local de trocas
intertribais e de coleta do arroz (Oryza latifolia).
Susnik, em Etnhohistoria de los Chaqueos (1981, p.116), observa a importncia das
guas do Alto-Paraguai para os Payagu:
35Arce (sculo XVIII) (apud De Angelis, 1955, V. VI, p.28), apresenta aspectos geogrficos importantes doambiente prximo a Mandior: El dia 17 de dicho Mes de Ouctubre llegamos a la boca de dha LagunaMandior (...). La qual esta entre cerros altos y empinados, a la parte del poniente. Ella es muy dilatada, mas su
88
Dos caciques, Jarechac y Arapichigu, recorran el curso del Alto R.Paraguay, vigilantes a la presencia de nuevas embarcaciones y en busca delbotn, mientras el grupo del cacique Yacayr levant un asiento provisorioen la desembocadura del R. Jeju, donde abundaban rboles timb,necesarios para la fabricacin de canoas; durante esta tarea coletiva, nohesitaban los parciales a acercarse a los asientos mbayes o guan-chans ysimplemente robar sus cultivos.
Ao que tudo indica, o Porto de Candelria prossegue ao longo do anos, perpassando
pelos sculos XVI, XVII e XVIII, sendo rea dos Payagu.
La parcialidad nortea de los Sarigus siempre impona su dominiofluvial en la zona altoparaguayense; sus relaciones intertnicas con otrastribus atestiguan el rol especfico de los canoeros evuevis, cuyo prestigioaumentaba por su comunicacin- hostil o pacfica -, con los espaoles deAsuncin, el centro de una posible adquisicin de hierro-adornos antesde la formacin socioeconmica mattogrossense de los Portugueses (...)(Susnik, 1981, p.115).
Ressaltamos que a manuteno dos domnios no Alto-Paraguai fundamental a partir
do sculo XVIII, quando o grupo se reorganiza, voltando seus ataques aos portugueses da
regio das minas de Cuiab. A partir dessa reorganizao, o raio de ao dos Payagu
expande-se para muito alm das proximidades de Candelria. A documentao histrica36
apresenta a expanso desses indgenas por toda a rede fluvial (rio Porrudos, Taquari, Cuiab,
entre outros) formadora da rea alagadia do pantanal mato-grossense.
As fontes documentais37 indicam que os Payagu, como canoeiros por excelncia
usufruiam da ampla rea entre os territrios norte e sul, estabelecendo seus assentamentos em
boca o entrada es como un mediano rio caudaloso, y est entre dichos cerros; y por esso es facil acertar con ella(...)36Os registros contidos em Campos (1862, p.441), Camello (1863, p.495) e Rolim (1866, p.492) informam sobrea ameaa Payagu na regio das minas de Cuiab, conforme citaes apresentadas no captulo trs.37Fazemos referncia a documentao citada no captulo trs, que trata do espao ocupado pela etnia. Dentreessa, destacamos as Cartas nuas do ano de 1614, de 1632 a 1634, a de 1644 e a Carta nua de 1658 a 1660.
89
locais diversos, adaptando-se sazonalidade do ambiente que habitavam. Os assentamentos
poderiam ser divididos em estveis (que obedeceriam o perodo de cheias e vazantes) e
temporrios, os quais poderiam durar uma noite ou alguns dias, conforme o interesse do
grupo.
No sculo XIX, os Payagu perdem definitivamente a autonomia de canoeiros e
possuem o espao de circulao e deslocamento reduzido ao rio Paraguai, dentro dos limites
do Estado Paraguaio. Seus assentamentos tornam-se fixos, limitados a localidades prximas
Assuno, como Chacarita, Lambar e Remanso Castillo, determinadas pelo governo do
Paraguai.
4.2 Estruturas de Habitao
As informaes quanto ao tipo de habitao utilizada so escassas.
Ulrich Schmidl (1904, p.176-177), sculo XVI, menciona que os Agaces foram
surpreendidos nas suas casas quando atacados por Ayolas. Registra que todos os pueblos
que puderam encontrar foram queimados. O explorador alemo no fornece elementos que
possibilitem uma caracterizao das moradias, entretanto, deixa implcita a idia dos
indgenas distribuirem-se em vrias habitaes (possivelmente pequenas), talvez uma unidade
por famlia.
Referindo-se aos canoeiros o intrprete Lengua, guia de Cabeza de Vaca na expedio
pelo rio Paraguai, informa que transportariam para mais longe suas habitaes (...) (1893,
T. LIV, p.277). Provavelmente as habitaes mencionadas fossem abrigos provisrios, de
fcil funcionalidade (montagem e desmontagem) e de material leve.
Na relao da viagem pelo rio Paraguai de Assuno at o lago Xarais, empreendida
em 1703 e redigida em 1713 pelo padre Francisco Arce (apud De Angelis, 1955, T. VI, p.24),
90
consta o registro (fazendo aluso ao ms de agosto) de um local de boa madeira, prximo ao
pescadeiro de Nossa Senhora da F (a duas lguas de Ipane), onde foi visto o cacique
Yacayra, com 30 famlias, as quais abandonaram o local naquela noite, deixando muitas
esteiras e vasilhas de cermica. A informao que faz aluso ao cacique con su oficina
possibilita que apontemos o assentamento e suas respectivas habitaes como provisrio.
Outro aspecto sobre o qual podemos inferir, quanto s famlias. Possivelmente viajavam
grupos aparentados, nesse caso, com inteno de produzir canoas. O acompanhamento das
famlias pode mostrar que a atividade transcorria por dias ou semanas, sendo provvel que
fosse o tempo de ocupao do local e de manuteno das moradias.
No sculo XVIII, as referncias quanto habitao dos canoeiros so registradas de
forma superficial e muito genrica. Labrador (1910, T.II, p.174) faz meno al toldo dos
Payagus que se encontrava em Assuno. O general D. Mathias de Angls y Gortari informa
ao Corregedor Do Potosi sobre o ataque ordenado pelo governador da Provincia del Paraguay,
D. Diego de los Reyes, no ano de 1717, s tolderas rancheadas, dos Payagu, prximas a
Assuno.
D. Ignacio de Pasos (apud De Angelis, 1970, T. VI, p.127), no ano de 1790,
comandando uma expedio pelo rio Paraguai, registra a informao oriunda do cacique,
Payagu Quaty, que informa a presena da toldera prximo ao ro Corrientes, o Gualchi.
O toldo e a toldera, supra citados, provavelmente seriam habitaes mais estveis, as
quais abrigariam por um tempo maior. A estabilidade delas estaria associada a sazonalidade
e, possivelmente, aos interesses do grupo, como as trocas intertribais de produtos e alimentos
e com o comrcio junto populao de Assuno.
importante ressaltar o fato de Pasos aludir a disposio da toldera em fileira.
Quanto a esse aspecto Susnik (1982, p.116 e 117) escreve, respaldada em dados extrados de
91
Juan Francisco Aguirre (sculo XVIII) que la disposicin de chozas de esteras es lineal,
formando entre s una calle-plaza, indicando essa organizao para as casas dos Payagu.
A investigadora percebe na rea habitada pelos Guaycur, incluindo os Mbay,
Abipon, Mocov, Toba e Payagu, a uniformidade na estrutura habitacional, las chozas de
esteras (Susnik, 1982, p.103).
A descrio de Flix Azara (sculo XVIII) a que melhor caracteriza a habitao
Payagu:
Para construir sus habitaciones calavam 3 5 horquillas paralelas, lams alta para cavalete (caballete) de 2 y media varas (2,09 metros) y lasdems en disminucin: enfrente de stas clavan otras tantas iguales yparalelas. De cada una su correspondiente tienden una caa gruesa(Tacuara) y sobre stas esteras de juncos, no tejidos sino unidos por sulongitud: y he aqu un toldo donde se acomodan de 15 20 personas:pegado l por su longitud ponen otros y queda hecha la toldera abierta porlos costados. Cuando hace frio ponen otras esteras verticales en el lado queconviene. (Azara apud Schmidt, 1949, p.200).
Para Max Schmidt (1949, p.201), a descrio fornecida por Azara permite entender
que as habitaes Payagu assemelhavam-se s dos Guaikur, descritas pelo jesuta
Labrador.38 As esteiras serviam de teto e paredes (coincidindo com a dos Guaikur); sendo
provvel que os Payagu as utilizassem no interior da habitao.
Segundo Schmidt, a Payagu Maria Dominga Miranda, que trabalhou como
informante para a elaborao do seu estudo sobre a etnia, recordava do uso de esteiras, nos
toldos, dando mostras da manuteno das construes habitacionais at perodo mais
recente.
38Herberts (1998, p.92-93) em seu estudo sobre os Mby-Gaicur, transcreve de El Paraguay Catlico, (1910, T..I, p.268-273) as ricas informaes fornecidas pelo jesuta Labrador e tece comentrios relevantes sobre ahabitao desses indgenas.
92
No tocante ao interior, Azara coloca que o solo era coberto por couros, no existindo
redes. Aponta a presena de utenslios produzidos partir da cabaa e vasilhas de barro.
Quanto montagem e desmontagem das casas, o autor indica a tarefa como sendo de
responsabilidade feminina (1923, p.75).
O mdico francs Alfred Demersay (apud Moura, 1984, p.427), que esteve no
Paraguai no perodo de 1844-1847, registrou sobre a habitao Payagu:
Leur hutte principale, leve sur le bord du fleuve, consiste en unegrande case allonge, haute de trois quatre mtres, faite de bambous placssur des fourches et que lon a recouverts de nattes de jonc non tresss.
Demersay confirma a informao de Azara quanto ao interior ser revestido com
couro, acrescentando serem de jaguar ou de capivara.39
Augusto Leverger (1862, T. XXV, p.241) registra no ano de 1846 que na praia de
Assuno esto assentadas famlias Payagu, as quais habitan em miserveis e immundas
choupanas levantadas na borda do rio e cobertas de couro (...).
As habitaes dos canoeiros payagu eram condizentes com as necessidades do grupo,
ou seja, estavam associadas sazonalidade e mobilidade exercidada pelo grupo. Ao contrrio
de grupos sedentrios, os Payagu no habitavam em casas aldeias, possivelmente montavam
abrigos provisrios, que os protegiam das intempries da natureza e casas permanentes, de
carter mais duradouro, talvez seguindo os mesmos padres de construo do abrigo
provisrio.
4.3 Estruturas de Combusto
39Des dpouilles de jaguars, de capivara, tendues sur le sol, servent de lits; des armes, des utensiles de pche etde mnage sont accrochs aux perches qui soutiennente la frle toiture de lhabitatation, ou gisent ple-mle avecdes vases de terre quelque coin. (apud Moura, 1984, p.427).
93
Quanto s estruturas de combusto no constam dados nas fontes investigadas.
Contamos somente com o registro de Azara que indica a forma de fazer fogo utilizada pelos
Payagu, cujo mtodo o de frico rotativa40.
Saben tambin encender fuego sin piedra de chispa, como todos losotros indios. Para este efecto hacen dar rpidamente vueltas a un pedazo depalo, del grueso de un dedo, que hacen entrar por un extremo en otro pedazoagujereado al efecto, y le dan un movimiento como el de un molinillo dechocolate, hasta que este movimiento, reiterado, produce un polvosemejante a la yesca inflamada. (1923, p.75 e 76).
4.4 Estruturas Funerrias
Sobre a(s) forma(s) de sepultamento(s), os dados histricos so restritos ao sculo
XVIII e XIX.
As fontes que tratam sobre os sepultamentos fornecem informaes importantes,
principalmente quanto ao comportamento dos indgenas em relao ao funeral, no entanto,
no oferecem dados suficientes para respaldar inferncias sobre a forma de sepultamento e a
sua associao dinmica de assentamento do grupo.
A descrio de Jos Snchez Labrador, a qual corresponde ao ano de 1764, a mais
antiga de que dispomos e a que melhor informa sobre o sepultamento Payagu.
As informaes legadas em El Paraguay Catlico (1910, T.II) so oriundas da
escavao realizada pelo jesuta em um enterramento.
Enterramiento de los Payagus - La primera cosa que pic lacuriosidad fu la diablica tierra en que los infieles Payagus entierran susdifuntos, y ellos chaman iglesia, hurtando el nombre a los templos de los
40Classificao segundo Cooper (1986, p.109).
94
cristianos. Est colocada en un pequeo bosque pero muy espeso laentrada llamado Ypequ, nido de patos.Por tierra dista muy poco de un presidio que tiene el nombre Arecutacu, habitacin de recanujos. Por donde entramos haba un caaveral de caasbravas, que con sus garfios sacaban la ropa el pasaporte: tena de largocomo cien varas. Al fin de este caaveral haba unos cinco seis rbolescorpulentos y altos en proporcionada distancia uno de outro. Al Sur est labarranca del ro bastante alta. Debajo y los lados de dichos rboles,estaban las sepulturas, de una vara en cuatro cada una (Labrador, 1910, T.II, p.93)
Conforme Schmidt (1949, p.213), que analisa a documentao histrica, a escavao
realizada, ocorreu aproximadamente a duas lguas acima do antigo presidio de Arecutagu41,
no local denominado antigamente de Ipequ, atualmente chamado de Emboscada.
O registro do missionrio, deixa ntido que os locais escolhidos para servirem de
cemitrio, eram elevados, no inundveis e com vegetao bastante densa. Podemos
conjecturar que os Payagu os estabelecessem em lugares especficos, prximos aos locais de
assentamento, utilizando-os tambm como forma de indicar o espao (ou domnio) do grupo.
A descrio segue, apresentando a posio do morto no sepultamento:
La profundidad es cuanto basta para que entre un cadver en posturade sentado, recogidas las rodillas y brazos como a quien est en cuclillas.No echan mucha tierra encima, aunque se cubre con ella el cuerpo. No lopisan ni la apietan (Labrador, 1910, T. II, p. 93).
Conforme Labrador (1910, T. II, p. 93), as armas pertencentes ao morto eram
colocadas no lado externo do sepultamento. Registra ainda a presena de una estera de enea,
que aqu llaman totora, y un cobertizo de la misma, colocados sobre o sepultamento. Sobre
as esteras eram dispostos unos cntaros de varias figuras y grandeza. Unos parecen
campanas, pero iguales en el vuelvo de la concavidad, y en lugar de asas, en unos hay como
95
una hacha y en otros como una mano de almirez. Los ms tenan unos dibujos negros sobre
campo blanco (...). Debaixo dos cntaros grandes havia dos tres chicos de la misma
forma e em todas as sepulturas constava un cntaro con tres agujeros, uno un lado, otro
en medio y otro en el fondo.
Quanto s esteiras e cermica, o autor escreve:
Acaso en la imaginacion obscurecida servir aqulla para, que el almase siente sobre su corpo, cuando fatigada de la pesca, se retira la iglesia, yel cobertizo templer los ardores de sol y las otras incomodidades,guarecindose su sombra una alma andariega. Como el cansancio en lospaseos puede fatigar los espritus Payagus, acostumbrados en su vidamortal sus canoas, para que la sed no les aqueje, ponen sobre la esteraunos cntaros (...) (Labrador, 1910, T. II, p.93).
O trecho acima citado leva-nos a inferir que a crena na vida aps a morte os impelia
a colocar junto ao sepultado os pertences pessoais, alm de objetos necessrios no cotidiano,
como as esteiras e as vasilhas de cermica, importantes na sobrevivncia diria.
Tratando do sepultamento dos Payagu, Susnik (1983, p.57) destaca a presena das
cermicas de verdadero carcter funerario com trs furos en el fondo, en el medio y en el
cuello explicando as perfuraes como forma do morto ver el sol,sentir el viento y tambin
otear el ro como lo haca en la vida.
Outro registro do qual dispomos o de Flix Azara (final do sculo XVIII). As
informaes fazem referncia ao mesmo local registrado por Labrador. Entretanto, no esto
respaldadas no acompanhamento ou na execuo de um trabalho de escavao, mas se limita
observao do local.
41Pasos (apud De Angelis, 1970, T.VI, p.97-98)) em 1790, relaciona a existncia de islasnas proximidades dela Guardia de Arecutacu, registrando que han sido varias, son de poca altura; muchas en las crecientesquedaran anegadas, y algunas otras algo elevadas con espeso bosque tacuaral o sauces.
96
Em Geografa Fsica y Esfrica de Las Provincias Del Paraguay, Azara registra o
enterramento42 da seguinte forma:
el de los Tacamb est dentro de un bosque pegado la orilla del RioParaguay poco ms arriba del Presidio de Arecutagu (hoy llamadoEmboscada), all enterraban antes sus difuntos en pi dejando fuera lacabeza cubierta con una olla de barro; pero como los tigres se los comiesenhoy los entierran enteramente con sus flechas y pequeas alhajas. Tienenmucho cuidado de barrer el cementerio, aserarlo y arrancar las yerbas,cubriendo los sepulcros con toldo de esteras, y poniendo encima multitud decampanas de barro unas dentro de otras. (Azara, 1904, p.357).
Em Viajes Por La America Meridional, o autor coloca:
Apenas muere un payagu, las viejas lo envulven, con sus adornos ysus armas, en su manta o camiseta, y la familia alquilla un hombre parallevarles al cemiterio. (...) Aun hace mucho tiempo enterraban sus muertossentados, con la cabeza fuera de la fosa, pero cubierta con una gran campanao pote de barro cocido. Han aprendido de nosotros a enterrarlos enteramenteen toda su longitud, cosa que hacen de miedo de que los tatuejos y loscerdos selvajes devoren los cadveres, como antes suceda (...) (Azara,1923, p.83).
As informaes de Azara, em parte, esto contempladas em Labrador. A essas so
acrescentadas a presena de toldos sobre os sepultamentos e a mudana na forma de
posicionar o morto, alterando a postura de fletido (com os joelhos e braos recolhidos) para a
de decbito dorsal. Tais alteraes poderiam ser resultado da incorporao de costume
alheio cultura tradicional do grupo, talvez uma conseqncia do contato com outros grupos
indgenas ou com a sociedade colonizadora.
Conforme Flix Azara, os homens no lastimavam a perda do morto. O sentimento
estava restrito s mulheres, as quais pranteavam dois ou trs dias o finado, caso fosse marido
42Azara faz referncia aos Tacamb que seriam pertencentes tribo sul dos Payagu, ou seja, os Agaces.
97
ou pai. A morte ocasionada por inimigos ou homens de reputao, gerava uma lamentao
mais prolongada, neste caso as mulheres choravam dia e noite dando voltas em torno do
pueblo (1923, p.83).
As informaes correspondentes ao sculo XVIII permitem apontar o sepultamento
Payagu como sendo do tipo primrio, ou seja, direto no solo, podendo o morto ser enterrado
amortalhado em uma espcie de manta ou em uma esteira. As alteraes culturais sofridas
pelos Payagu ao longo dos anos, principalmente a partir de meados do sculo XVIII
evidencia-se gradativamente. Como exemplo, temos o registro de D. Ildefonso Antonio
Bermejo43, sculo XIX, o qual expe alteraes comportamentais sofridas com a
incorporao sociedade paraguaia e sua conseqente influncia.
Baj a la Ribera (en la ciudad de Asuncin) y en una explanadasolitaria, y entre dos canoas tumbadas, alumbrado por una imnsa fogata,estaba estendido el cadver de un indio, y su lado derecho vi un pucherode barro cuyo objeto me indic que tena alguna significacin, y se lopergunt al indio Miguel, quien yo conoca de antemano, y al cualencontr mas despejado, porque sus compaeros y sus compaeras estabantotalmente embriagados y tendidos en el suelo dando terribles aullidos...Segn me referi Miguel, Telesforo (el indio difunto) haba muerto de unaborrachera que tom de aguardiente de quemar...(...)cuando le vieron en laagona corri Miguel la Asuncin, llam al cura de la Encarnacin, quebatiz inmediatamente al moribundo y le di despus los ltimos auxiliosespirituales, segn prctica catlica, y espir momentos despus.Pregunt le Miguel, cmo Telesforo destinta creencia habia buscado ensus ltimos momentos socorros espirituales de los sacerdotes del Diosverdadero si era que se haba convertido y haba pedido el paciente estesocorro en su agona y me habl Miguel en esta sustancia: Siempre quellegan nuestros compaeros este trance, reclamamos el auxilio del Dios delos cristianos, fin de que puedan nuestros amigos ser conducidos enfretros y ser enterrados en vuestro cementerio, porque despues de muertostodos somos compaeros.Levant en esto la cabeza el cacique, y dando un fuerte grito, que equivala decir alerta despertad, los indios y las indias all reunidos, que ascendan cincuenta, se pusieron de pi, y unos tras otros corrieron en derredor delcadver y las canoas, dando desaforados aullidos guisa de lamentacin
43Ildefonso Antonio Bermejo esteve no Paraguai durante a poca do governo de Carlos Antonio Lopez (1840-1862).
98
estupida y exasperada. Cuando termin la corrida, que dur unos diezminutos, se tiro contra el suelo el cacique y le imitaron los dems, yentonces el llanto no fu tan ruidoso y selvaje.Miguel, que tambin haba formado parte de los corredores, torn ponerse mi lado, y le pregunt la significacin que tena el puchero que estaba allado diestro del difunto, y me dijo que dentro de aquel puchero iba unpedazo de chipa, diez doce granos de mas, un peso de plata y la cinta rojacon que se sujetaba el cabello; aadiendo que el puchero y su contenidotena que acompaar Telesforo en la fosa...As sucedi. Vi un carro tirado por una mula (...)dentro del cual iba la cajacon el cadver del indio. Detrs iban sus parientes y deudos todosborrachos, dando tumbos y atronando la calle con sus gritos y lamentos, yas caminaron hasta llegar al cementerio.Despues que dieron sepultura al difunto, los indios permanecieron aquel diay durante la noche cerca del enterramiento(...) (Bermejo apud Schmidt,1949, p.215-216).
Em Bermejo h poucos indcios dos canoeiros autnomos de outrora. Elementos
culturais so alterados de forma significativa: no possuem mais cemitrio prprio, utilizam-
se do caixo para instalar o morto e adotam o ritual do batismo cristo. Todavia, paralela a
essas alteraes, persiste a manuteno de aspectos culturais prprios, como a presena junto
ao morto de pertences pessoais, bem como objetos importantes no cotidiano.
Correspondendo ao mesmo sculo, porm de um perodo posterior, temos o registro
de Luis Jorge Fontana44:
Una noche despertamos a causa de unos gemidos lastimeros quellegaban de muy lejos; era que haba fallecido un indio payagu, y su familiay amigos lloraban. Estes gemidos, que se escuchaban con tanta claridaddesde tres cuartos de legua, no se interrumpieron durante toda la noche; a lamaana seguinte nos transladamos al campo de los payagus yefectivamente ellos se ocupaban del entierro de un indio(...)Cuandosaltamos de la embarcacin pudimos notar que, despus de la playa amarillay donde empezaba el verde de la ribera, se levantaban algunos rboles, alpie de unos de los cuales dos indios ahondaban una sepultura, en tanto quecuatro ms y algunas mujeres lloraban todava, apoyada la cara en las
44Fontana foi secretrio de Gobernacin del Chaco, no perodo de 1875 a 1884. Em 1875 acompanhou ogovernador Aurlio Diaz a uma viagem de explorao foz do rio Pilcomayo, realizada no ano de 1875. Oautor escreve que Pasamos todo el da hacindoles preguntas (aos Payagu) y ordenando el vocabulario de sulengua, la ms difcil de todas las de Chaco (...).
99
palmas de las manos, y todos rodeando un cadver que se halla tendido enuna estera de junco; aquel hombre muerto representaba cincuenta aos, notena ms vestituras que un pedazo de lienzo que le envolvia desde la cinturahasta las rodillas, se hallaba rgido, con los brazos naturalmente tendidos alos costados de su cuerpo, la cara hacia arriba, la boca ligeramente contraiday los ojos entreabiertos (Fontana, 1977, p.131).
Bermejo e Fontana permitem entender que a lstima pelo morto envolvia a todos
(homens e mulheres), contrariando Azara que limita a lamentao s mulheres. Quanto
forma de demonstrar o pesar com prantos, gritos e lamentos exasperados por tempo
prolongado, parece expressar o sentimento de perda em meio aos Payagu, caracterstica
cultural, pelo visto, mantida entre os indgenas.
Quanto forma e ritual do sepultamento, os autores apresentam disparidade nas
informaes. possvel que as diferenas estejam associadas ao contexto histrico no qual se
inseria a sociedade paraguaia. Talvez dependendo do governo, as regras impostas aos
indgenas para viver junto sociedade restringisse a pouca autonomia que restava, limitando
costumes. Podemos conjecturar tambm que, no sculo XIX, os Payagu estivessem
assentados nas proximidades de Assuno, em localidades como La Chacarita e Remanso
Castillo, encontravam-se em nveis diferenciados de aculturao45. Seguindo essa perspectiva
poderamos compreender os aspectos culturais apresentados em Fontana, os quais
assemelham-se a perodos mais remotos, como o de Labrador, segundo o qual o morto era
sepultado junto a rvores, em locais isolados, sempre prximos da gua, e que no so
mencionados em Bermejo.
O historiador ingls Robert Southey em Histria do Brazil (1862, T. VI, p.216)
transcreve de Novo Orbe Serfico Brazilico, publicado em Lisboa em 1761, de autoria do frei
45O emprego do conceito de aculturao est baseado no trabalho de Nathan Wachtel, A Aculturao (1987,p.142-172).
100
Antnio de Santa Maria Jaboatam, um costume indicado como pertencente aos Payagu, de
enterrar os idosos vivos:
"Soio entre algumas d'estas hordas os homens pedir que osenterrassem vivos, quando canados de viver por velhice, decrepitude,doena, ou mero tedio da existencia, enfermidade de esprito que s vezes seencontrava entre elles como entre os membros devassos de sociedadescorrompidas. Uma festa se fazia por estas occasies. Entre folias e danas secobria de gomma e se emplumava com grande cuidado o suicida. Soterradoestava ja de antemo um vaso enorme, n'elle o mettio, e fechada a bocacom pezada tampa, cobria-se tudo de terra."
Faz-se fundamental ressaltar que a informao apresentada na obra de Southey no
encontrada em nenhuma das fontes investigadas para a elaborao deste trabalho, o que
permite duvidarmos da prtica desse costume em meio cultura Payagu.
Neste captulo estudamos a ocupao do espao, indicando as principais reas de ao
dos Payagu. A seguir, apresentamos a explorao do ambiente, por parte da etnia, apontando
o aproveitamento dos recursos provenientes da fauna e da flora, bem como as estratgias
utilizadas por esses indgenas para promover a obteno de alimentos e produtos necessrios
manuteno dos grupos.