SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO1
Reginaldo Sales Magalhães2
O surgimento de um cooperativismo revolucionário
Sindicatos e cooperativas são organizações da classe trabalhadora que surgiram,
concomitantemente, num processo de resistência e luta dos trabalhadores, durante a
revolução industrial, contra a exploração capitalista e são, por natureza e princípios,
organizações socialistas. Porém, ambos podem ou não, na sua prática, estar vinculadas a
um projeto socialista.
No século passado, as teses dos socialistas utópicos viam no cooperativismo uma forma na
qual os trabalhadores, ao mesmo tempo que faziam greves organizadas pelos seus
sindicatos se organizavam em cooperativas. As cooperativas concorreriam com as empresas
capitalistas com o objetivo de tomar-lhes o mercado e gerir coletivamente os meios de
produção. Owen, empresário socialista e messiânico inglês nascido em 1771, um dos
principais socialistas utópicos, foi o idealizador do movimento “owenista” que orientava os
sindicatos a criar cooperativas de produção e defendia a criação de aldeias cooperativas,
sob o controle dos trabalhadores. As cooperativas era vistas como empresas socialistas que
organizadas em associações constituiriam sociedades de produtores associados.
Em 1817, Owen no “Relatório à Comissão de Assistência aos Operários Pobres” defendia
um plano completo de reoganização da sociedade através de agrupamentos de
desempregados em aldeias cooperativas que desenvolveriam a produção agrícola e
industrial. Owen defendia o fim da propriedade privada e do salário. A primeira experiência
conduzida por Owen foi implantada nos Estados Unidos em 1825 numa comunidade
1 Texto formulado como subsídio à expossição da CUT no debate sobre cooperativas, sindicatos e socialismo, promovido pelo PT e que será realizado no dia 7 de maio de 2001.2 Secretário Executivo da Agência de Desenvolvimento Solidário.
religiosa, a New Harmony que fracassou após apenas um ano de funcionamento. Em 1832,
Owen criou a National Equitable Labour Exchange, uma bolsa de trocas que utilizava
“bônus de trabalho” que durou apenas alguns poucos meses. Em 1833, Owen ajuda a criar
a Grand National Consolidated Trades Union, que representava mais de 500 mil
trabalhadores e numerosas cooperativas de produção.
São controvertidas entre os socialistas as opiniões sobre o papel desempenhado por Owen e
os demais socialistas utópicos na construção do projeto socialista, mas foi, sem dúvida,
uma das primeiras formulações sobre uma sociedade socialista assentada em organizações
cooperativas.
O princípio fundamental das cooperativas era a autogestão. As cooperativas seriam geridas
de forma democrática e igualitária por todos os sócios. Para vários movimentos políticos,
em especial os anarquistas, a autogestão nas empresas deveria se extrapolar como um
princípio para o conjunto da sociedade. O socialismo seria então uma sociedade
autogestionária.
No Brasil o cooperativismo que já tem uma história de quase um século, em poucos
momentos esteve vinculado a um projeto socialista. A esquerda brasileira em raros
momentos encontrou no cooperativismo um papel revolucionário. Precisamente, apenas no
início do movimento operário brasileiro, sindicatos e cooperativas se encontraram
unificados num mesmo projeto político. O sindicalismo e o cooperativismo brasileiro
também surgem de um mesmo movimento, no início da industrialização, quando os
trabalhadores qualificados constituíram os “clubes de ofícios”, sindicatos – para defender
os interesses da profissão, e as sociedades de consumo cooperativas com vistas a
possibilitar o desenvolvimento de trabalho, renda e acesso a produtos mais adequados aos
seus associados.
No início do século XX, várias cooperativas surgiram no Brasil inspiradas nas experiências
européias, principalmente a partir da experiência alemã dos Raiffeisen (caixas agrícolas) e
da experiência anarco sindicalista. Nas duas primeiras décadas do século XX, os anarco
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sindicalistas hegemonizaram o sindicalismo no Brasil. Os anarquistas organizaram muitas
cooperativas e outras organizações de caráter cooperativo como mútuas ou ligas que tinham
como objetivo a ajuda mútua, em estreita relação com a luta e o projeto político
revolucionário. Na última década do século XIX, chegaram ao Brasil várias famílias de
anarquistas italianos que organizaram comunidades com ideais libertários e as primeiras
cooperativas, mesmo enfrentando problemas econômicos e repressão.
O anarquismo foi a maior força político-sindical que projetava um papel político
revolucionário ao cooperativismo. O anarquismo é uma doutrina que defende a formação
de uma sociedade comunista com a supressão do Estado - por considerar que ele interfere
na liberdade individual e restringe a democracia participativa - substituindo-os por
federações de comunidades e de cooperativas de grupos associados de produtores.
Proudhon foi um de seus precursores e enfatizava o respeito à pequena propriedade,
propondo a criação de cooperativas sem fins lucrativos voltadas para o auto-abastecimento
e de bancos que concedessem empréstimos sem juros aos empreendimentos produtivos e
crédito gratuito aos trabalhadores. Dizia que o Estado deveria ser destruído, sendo
substituído por uma "república de pequenos proprietários" organizada num sistema
federativo.
Os anarco sindicalistas eram uma das correntes libertárias que viam nos sindicatos e na
organização da greve geral a principal forma de luta anti capitalista e a expropriação das
terras e dos meios de produção o caminho para a formação de uma sociedade igualitária. A
primeira confederação nacional operária, a COB, foi criada em 1906, por este movimento.
A confederação tinha claro caráter classista e independente e organizou diversas greves
entre 1906 e 1917, enfrentando forte repressão policial.
O enfraquecimento das greves anarquistas e a vitória da Revolução Russa foram fatores que
levaram ao fortalecimento dos comunistas no movimento operário. Os comunistas
acusavam os anarco-sindicalistas de economicistas e apolíticos, uma vez que estes não
apostavam na ação político partidária. A ideologia comunista pregava a derrubada do
capitalismo pela revolução armada, o controle do Estado por um partido de vanguarda. O
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sindicato e demais organizações operárias eram considerados apenas “correias de
transmissão da política revolucionária do partido”.
As décadas de 20 e 30 foi um período de grandes desafios para o movimento sindical
brasileiro, marcado pela forte repressão ao movimento sindical independente e pela
regulamentação e controle das relações de trabalho e da organização sindical pelo Estado
Getulista. Em 1929 é criada a CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros)
sobre controle dos comunistas que passam a exercer a hegemonia sobre o movimento
sindical brasileiro. Ao longo de 30 anos, até o golpe militar de 64, esta concepção política
orientou o movimento operário no país e mudou radicalmente a visão da esquerda e dos
sindicatos sobre as cooperativas. Neste período, o foco central da ação sindical volta-se
exclusivamente para a luta política e viam as cooperativas apenas como um instrumento de
ação política.
A 9ª conclusão da Internacional Comunista determinava a: "formação de núcleos
comunistas dentro dos sindicatos e cooperativas, cujo trabalho, pertinaz e constante,
conquistasse os sindicatos para o comunismo. (...) A imprensa periódica ou diária e todos
os serviços de edição, devem ficar inteiramente submetidos ao Comitê Central do partido,
seja este legal ou ilegal. (...) Nas colunas da imprensa, nas reuniões públicas, nos
sindicatos, nas cooperativas, por toda a parte em que os partidos da Terceira
Internacional tenham acesso, estes deverão combater, sistematicamente, não só a
burguesia, como também seus cúmplices - os reformistas de todas as gerações, mesmo sem
experiência. (...) Toda a organização desejosa de aderir à Internacional Comunista, deve
regular e sistematicamente afastar dos postos de responsabilidade, pequena ou grande, do
movimento operário (organizações e partidos, redações, sindicatos, frações parlamentares,
cooperativas, municipalidades) os reformistas e os "centristas", substituindo-os por
comunistas provados - sem temor à substituição, sobretudo no começo de militantes
experimentados por trabalhadores, mesmo sem experiência. (...) Os partidos desejosos de
pertencer à Internacional Comunista, devem sustentar uma propaganda perseverante e
sistemática no seio dos sindicatos, cooperativas e demais organizações das massas
operárias, Núcleos comunistas devem ser formados, cujo trabalho, pertinaz e constante,
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conquiste os sindicatos para o comunismo. (...) Esses núcleos comunistas, devem ficar
completamente subordinados ao conjunto do partido.”
No socialismo real, os sistemas cooperativistas foram estruturados sob controle estatal,
como o modelo soviético, a experiência iugoslava e as comunas na China. Todas as
experiências eram controladas por políticas nacionais sob comando de partidos únicos.
Foram sistemas impostos pelo regime socialista estatal, que com rígido controle ideológico
burocrático sufocaram a participação comunitária e restringiu o seu próprio
desenvolvimento econômico. Os kibbutzin, por outro lado, se viabilizaram economicamente
com autonomia de gestão nas próprias comunidades mas se consolidaram verdadeiramente
como empresas capitalistas.
Sem um papel político articulado à realidade imediata dos trabalhadores, o cooperativismo
permaneceu secundarizado na agenda política da esquerda brasileira nas últimas 7 décadas.
Um tempo nada desprezível para a construção de um ideário político na esquerda brasileira.
Este desprezo pelo cooperativismo não se deu apenas por conta da visão política das
correntes hegemônicas. O pleno emprego foi a meta de todos os governos e oposições ao
longo deste período. Uma promessa que limitou o projeto político sindical brasileiro a uma
parcela sempre restrita da classe trabalhadora.
O sindicalismo, atrelado aos alicerces construídos pelo trabalhismo getulista se limitou a
representar apenas trabalhadores integrantes do mercado formal de trabalho, considerando
o restante dos trabalhadores um resíduo do atraso do desenvolvimento capitalista brasileiro.
Somente ao final dos anos 90, quando percebe-se que nenhum dos projetos de
desenvolvimento econômico até então em debate seria suficiente para incorporar excluídos
estruturais do mercado de trabalho brasileiro que promove-se o reencontro do
cooperativismo com o projeto político da classe trabalhadora.
Ao longo de quase todo um século, o cooperativismo ficou nas mãos de projetos políticos
burgueses, ou melhor, o cooperativismo foi um dos principais pilares do crescimento da
burguesia agrária no Brasil. Porém, esta não foi uma característica exclusiva do
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cooperativismo no Brasil, nem foi um processo expontâneo. Foi resultado de um embate
entre distintos projetos.
Na Inglaterra do fim do século XIX, as cooperativas de consumo e as cooperativas
agrícolas se recusaram a adotar a autogestão e passaram a contratar assalariados e gerentes
profissionais. Por outro lado, na França, as cooperativas criadas desde a revolução de 1848,
se orientavam por princípios de democracia e autogestão. Foram estas cooperativas, junto
com os socialistas cristões, que criaram a primeira legislação do cooperativismo na
Inglaterra e criaram a ACI (Aliança Cooperativista Internacional). O poderio econômico
das grandes cooperativas agrícolas e de consumo fez com que a ACI abandonasse os
princípios da autogestão e se consolidassem pelo mundo afora cooperativas controladas por
gerentes profissionais ao invés da gestão democrática dos trabalhadores e pequenos
produtores.
A consolidação de um cooperativismo conservador
A ditadura getulista formulou as primeiras leis de regulamentação do cooperativismo no
Brasil e a ditadura militar, na década de 703, definiu a estrutura atual do sistema
cooperativista. A legislação brasileira impôs uma rígida estrutura, com grandes limites ao
desenvolvimento do cooperativismo. Estabeleceu uma estrutura centralizada e controlada
pelo Estado através do monopólio da OCB.
Segundo Daniel Rech foi o modelo formalista e conservador inglês que se impôs no Brasil.
Predominou na área rural o cooperativismo controlado por grandes produtores e tutelado
pelo Estado e o processo de expansão das cooperativas agropecuárias foi determinado pelo
modelo de modernização da agricultura. Um modelo baseado na modernização tecnológica,
na forte intervenção do Estado e num padrão de financiamento com grandes subsídios,
incorporou uma grande parcela da agricultura familiar aos mercados agrícolas e, em
3 a lei que regulamenta até hoje o cooperativismo brasileiro é a lei 5.764 de 1971.
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especial, de commodities (produtos para a exportação). Houve uma profunda transformação
da estrutura do setor agrário brasileiro impulsionada por uma rápida e intensiva
modificação da base técnica e pela integração de capitais agrícolas, industriais e
financeiros. A necessidade de escala na comercialização dos produtos determinou a
organização de grandes cooperativas de comercialização, posteriormente interligadas às
indústrias de processamento. O modelo de cooperativismo representado pela OCB tinha
como objetivo principal a ampliação do volume para a comercialização em grande escala.
Este modelo de organização da comercialização não estimulou um processo de organização
da produção. Os produtores mantinham sua produção individual, dependente e subordinada
às grandes cooperativas. Apesar de um discurso que valorizava os princípios internacionais
do cooperativismo baseados na autogestão, a sua gestão é estritamente empresarial, na qual
o crescimento da própria cooperativa é o objetivo principal, mesmo em detrimento da
melhoria das condições econômicas dos associados. A gestão é centralizada e controlada
por técnicos orientados exclusivamente pelos critérios comerciais de custo e benefício. As
grandes cooperativas passaram a exercer um monopólio sobre a comercialização dos
produtores familiares e um controle sobre a venda de insumos, passando a determinar as
suas condições de produção. Os pacotes tecnológicos da revolução verde foram
amplamente adotados e impostos aos produtores.
Ideologicamente, as cooperativas agropecuárias eram inteiramente engajadas nos discursos
conservadores da revolução verde e da modernização da agricultura. Numa mesma
cooperativa, grandes proprietários capitalistas e pequenos produtores familiares eram
tratados de maneira uniforme, com claros privilégios políticos e econômicos para os
primeiros. Os concursos de produtividade, os prêmios aos maiores produtores, etc., são
exemplos da orientação técnica e política do modelo de desenvolvimento agrícola que as
cooperativas pretendiam construir. Inúmeras tentativas de democratização do sistema
cooperativista tradicional foram frustradas, inclusive através de métodos ilícitos
patrocinados pelos grandes produtores patronais. A democracia interna ficava condicionada
pelo limitado acesso dos produtores às informações e pelas imposições da assistência
técnica. O baixo grau educacional da grande maioria de produtores reduziam ainda mais as
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possibilidades de participação na gestão destas cooperativas. O Sistema OCB mantinha e
ainda mantém pleno monopólio de representação do cooperativismo, mantendo-o atrelado
ao Estado.
Este padrão de crescimento, até então em vigor, entrou em colapso com a crise fiscal,
sobretudo porque, tornou-se inviável, em meados dos anos 80, o financiamento dos
subsídios ao crédito rural. O modelo das cooperativas agropecuárias, construído de acordo
com os modelos de financiamento e comercialização, entra em forte crise econômica com a
abertura comercial que provoca a reestruturação das cadeias produtivas na agricultura. As
grandes cooperativas passaram a adotar uma política cada vez mais seletiva, buscando
reduzir seus custos de intermediação, de transporte e de assistência técnica, através da
exclusão dos produtores com menores níveis de capitalização, tecnologia e produção. Nos
anos 90, o modelo das grandes cooperativas agropecuárias da OCB deixa, definitivamente,
de ser um referência para a grande maioria dos agricultores familiares.
No final da década de 70 e ao longo dos anos 80, a exclusão de muitos agricultores
familiares levou à ação de sindicatos, igrejas e ONGs na busca de construção de um novo
tipo de organização, autônoma, democrática, mais adequada às condições econômicas e
tecnológicas da agricultura familiar.
As restrições legais e burocráticas para a constituição de cooperativas, abriram espaço para
a organização de associações. O associativismo cresceu no meio rural segundo princípios e
modelos de organização inteiramente diferentes do cooperativismo da OCB. No
associativismo criado pelo movimento sindical e popular, privilegiou-se o processo
educativo e a participação democrática. Os conhecimentos necessários para a gestão das
associações eram construídos de forma participativa. Foram desenvolvidas novas
tecnologias a partir do conhecimento acumulado, foram estimuladas as formas coletivas de
produção, buscando-se alternativas de financiamento e de comercialização da produção.
Atualmente a OCB é representada no Congresso Nacional pela mesma base parlamentar
que representa o empresariado rural e o latifúndio. A bancada ruralista é a que vem com
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grande força defendendo a manutenção do sistema cooperativista tradicional com unicidade
de representação. Em contrapartida, o cooperativismo popular e a agricultura familiar
movimentam-se em apoio a projetos, principalmente o do Senador Suplicy que propõe para
o cooperativismo o princípio da livre associação, já garantido pela Constituição Brasileira.
As mudanças nas classes sociais, a crise do sindicalismo e a emergência do novo
cooperativismo
As transformações no mercado de trabalho e no capitalismo como um todo estão
desencadeando a expansão de novas formas de organização do trabalho e da produção. A
crise do trabalho modifica o perfil da classe trabalhadora e exige a construção de um novo
projeto político e social que confira nova centralidade ao trabalho. Por iniciativa dos
próprios trabalhadores, um grande número de experiências coletivas de trabalho e produção
estão se disseminando em todo o país sob diversas formas de cooperativas, associações e
empresas em regime de autogestão.
Dois novos processos sociais levam atualmente o sindicalismo a se reencontrar com o
cooperativismo. Uma profunda crise do trabalho acompanhada de uma crise de mesma
dimensão do próprio movimento sindical. A crise do trabalho, corresponde a um dos
períodos mais críticos para os trabalhadores em todo o mundo. Uma redução sistemática e
estrutural do emprego formal e a conformação de novas categorias de trabalhadores numa
velocidade maior que a capacidade de ação das organizações de trabalhadores. A crise do
sindicalismo está assentada nas heranças do modelo corporativo, que não foi capaz de
construir uma forte organização nos locais de trabalho ao mesmo tempo que provocou a
pulverização da organização, resultando numa baixa capacidade de resistência e luta e
numa grande dificuldade em se adequar às transformações no mundo do trabalho e da
produção.
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Por isso o debate atual na CUT se dá em torno da necessidade de pensar novas formas de
promover o desenvolvimento. Uma estratégia de ampliação de oportunidades de trabalho
que passe por políticas nacionais de expansão e fortalecimento do emprego mas, também,
pela promoção de novos padrões de desenvolvimento local e regional que viabilizem
processos sustentáveis de crescimento econômico e distribuição de riqueza, com
centralidade nas formas de desenvolvimento local, de desenvolvimento sustentável e de
desenvolvimento solidário.
Compreende-se que na medida em que se processa uma transição para um modelo de
desenvolvimento, devem ser repensadas as estratégias de enfrentamento e de organização
do movimento sindical. Um novo projeto político sindical vem se arquitetando sobre novas
formas de organização que enfrentem os novos instrumentos de exploração dos
trabalhadores.
A recessão e a reestruturação produtiva e seus impactos no mercado de trabalho estão
provocando fortes impactos na ação sindical que o colocam numa condição de impasse. As
negociações coletivas se descentralizam, aumentando as negociações por empresa. As
formas de ação sindical mudam, pressionadas pela dinâmica negativa do mercado de
trabalho. O arrefecimento das greve e das lutas de massa como principal instrumento de
luta é um dos principais sintomas da crise do movimento sindical.
No plano organizativo e torna-se imperativo o trabalho com o setor informal e
desempregados, que cada vez mais passam a responder por boa parte do mercado de
trabalho real. Nossos sindicatos se constituíram com base no trabalhador com carteira
assinada e/ou do serviço público. Porém, diminui a base tradicional do movimento sindical
e novas demandas surgem das diferentes formas de inserção dos trabalhadores no mercado
de trabalho.
A política sindical para a economia solidária deve estar inserida numa agenda que articule a
construção das organizações solidárias com os demais aspectos da agenda histórica do
movimento sindical. Fundamentalmente, é necessário combinar o processo de resistência
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com a ação propositiva, ou seja, ao mesmo tempo que as bases de um novo projeto vão
sendo forjadas, é fundamental o embate político às históricas barreiras estruturais ao avanço
das lutas dos trabalhadores. A expansão da economia solidária depende então de políticas
que visem o apoio direto, via formação, crédito, assessoria, etc, com políticas que visem a
superações de condicionantes econômicos, como as políticas macroeconômicas, os
condicionantes legais e as políticas públicas. Além disso, é fundamental a reorganização da
agenda sindical para que os sindicatos estejam politicamente aptos a representar e organizar
os trabalhadores desempregados e cooperados.
No sindicalismo cutista a construção de experiências de economia solidária está sendo
articulada a uma política mais sistemática de organização, mobilização e apoio aos
desempregados com políticas que buscam implementar cooperativas de produção, bem
como políticas de emprego como a criação da Central de Trabalho e Renda, políticas de
formação profissional e formulação de propostas de crescimento econômico e geração de
emprego e renda.
No ano 2000, o 7 Congresso Nacional da CUT, analisando as transformações na economia,
no mercado de trabalho e a persistência do modelo sindical corporativo, aprovou
construção de uma economia solidária como uma das estratégias para as ações políticas da
CUT. A economia solidária é entendida como um projeto de classe articulado às suas
bandeiras históricas. As principais tarefas da CUT são:
- o combate ao falso cooperativismo;
- incentivar a organização dos desempregados;
- lutar pela criação de linhas de crédito e políticas públicas;
- realização de mobilizações conjuntas em defesa do emprego;
- implementar um programa de educação em economia solidária; e
- atuar na construção de um novo cooperativismo através da ADS.
A ADS, Agência de Desenvolvimento Solidário, foi criada com o objetivo de gerar novas
oportunidades de trabalho e renda em organizações de caráter solidário e contribuir com a
construção de alternativas de desenvolvimento social e sustentável, democratizar o crédito
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através da criação de um Sistema Nacional de Crédito Cooperativo; promover a educação
permanente dos trabalhadores para a economia solidária; sistematizar e construir novos
conhecimentos empíricos e teóricos no campo da economia solidária; organização de redes
de economia solidária e viabilizar a inserção dos empreendimentos econômicos solidários
no mercado; formular propostas para a legislação e políticas públicas para a economia
solidária e difundir os princípios da economia solidária na sociedade.
O Plano Nacional de Formação da CUT tem como um dos seus eixos temático o
desenvolvimento sustentável e solidário, no qual são desenvolvidas diversas atividades de
formação que dialogam com a problemática do desenvolvimento e os projetos alternativos.
Os programas de formação (Integração, Integrar, Vento Norte, Raízes, Terra Solidária,
Semear, dentre outros), estão sistematizando, problematizando e formulando propostas
políticas para o desenvolvimento regional, desenvolvimento rural, políticas de geração de
trabalho e renda, princípios e gestão de empreendimentos solidários.
São muitas as iniciativas sindicais para o desenvolvimento de experiências de economia
solidária. Dois exemplos ilustram concretamente a relação entre sindicatos e cooperativas.
A experiência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC mostra a importância da articulação
de lutas históricas da classe trabalhadora com o apoio ao cooperativismo; e a experiência do
sindicalismo rural na Amazônia mostra como o cooperativismo vem se constituindo como a
principal forma de fortalecimento da agricultura familiar. São exemplos que ilustram o
quanto a ação sindical no campo da economia solidária fortalece a luta do conjunto da
classe trabalhadora.
No 3º Congresso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC foi aprovada uma resolução sobre
cooperativismo que apontava o aprofundamento de experiências de cooperativas de
trabalhadores, como alternativa de trabalho e renda, bem como a incorporação dos
cooperados como associados do sindicato. Na visão do Sindicato do Metalúrgicos do ABC
a economia solidária historicamente tem estreita ligação com o ideal socialista e esta
política não pode se distanciar dos princípios sindicais de luta. Mais do que uma alternativa
de geração de emprego e renda, as cooperativas representam uma alternativa às políticas
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neoliberais, com a promoção de crescimento econômico com a inclusão de setores que se
mostravam inviabilizados. As cooperativas podem representar ainda uma importante e
avançada forma de organização do processo produtivo baseado na autogestão e no espírito
de solidariedade que fazem parte da classe trabalhadora.
Como forma de gerar novos postos de trabalho o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
deverá incentivar todas as formas de economias solidárias que busquem desenvolver
alternativas de trabalho e renda para os trabalhadores desempregados. A criação de
Cooperativas de produção deverá ser uma das táticas prioritárias desta política. As
Cooperativas também poderão ser uma resposta aos processos de reestruturação produtiva,
e solução para empresas que enfrentam dificuldades financeiras. O Sindicato deverá
também exigir dos poderes públicos iniciativas concretos de incentivos e apoio a essas
cooperativas.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Sindicato dos Químicos do ABC e um grupo de
cooperativas de trabalhadores formaram a UNISOL Cooperativas, uma associação com o
papel de unir, organizar, incentivar e defender as cooperativas do Estado de São Paulo.
Entre seus planos iniciais estão o de obter linhas de financiamento para viabilizar o
crescimento das empresas cooperativas e a promoção de cursos de qualificação e
requalificação voltados para o cooperativismo.
Este movimento está ligado ainda à luta do sindicato contra as cooperativas que tenham
sido criadas com objetivo específico de precarizar as relações de trabalho, as
“coopergatos”. O sindicato também pressiona as empresas a não contratar as cooperativas
fraudulentas e denuncia às autoridades do Ministério do Trabalho e do Ministério Público
do Trabalho.
A história da relação entre as cooperativas e o sindicalismo rural na região amazônica é
mais longa. A partir de 1985, com as mudanças advindas com a Nova República e da
expansão econômica na região, iniciou-se uma transição do movimento sindical para um
novo patamar de leitura do seu próprio papel. Nessa releitura, questões relacionadas às
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saídas econômicas para a categoria, passaram a ter destaque nas ações dos sindicatos de
trabalhadores rurais.
Até então, poucos sindicatos na região tinham uma ação bem definida sobre as questões
econômicas, mantendo ações sob coordenação dos próprios sindicatos, ou paralelas como
grupos de revenda, transportes comunitários, cantinas, caixas agrícolas, etc. O
cooperativismo era visto como uma estrutura viciada e manipulada politicamente pelas
elites locais. As poucas associações ligadas aos sindicatos eram vistas como uma
alternativa, mas sem grande impacto no conjunto do movimento. No início dos anos 90, era
comum em alguns estados, o debate sobre a relação dos sindicatos com as poucas
associações que começavam a animar a base sindical. Falava-se em “braços econômicos
dos sindicatos”.
Foi com a conquista do financiamento para a agricultura familiar repassado por associações
e cooperativas, que o movimento sindical passou a incentivar esta forma de organização.
Simultaneamente ao atrativo do crédito, em vários municípios, iniciativas das mais
consistentes se fortaleciam em atividades, como agroindustrialização e comercialização.
Estima-se que atualmente, na órbita do movimento sindical, existam na região cerca de 2
mil associações e cooperativas, com cerca de 60 mil produtores familiares. O Sistema OCB
(Organização das Cooperativas Brasileiras), representa na região em torno de 170 mil
trabalhadores.
O movimento sindical rural na Amazônia vem construindo um projeto de desenvolvimento
sustentável para a região assentado em dois grandes eixos. A formulação de políticas
públicas e a difusão de experiências sustentáveis de organização da produção.
As lutas conduzidas pelo movimento sindical têm provocado um forte processo de
valorização da agricultura familiar tendo como resultados concretos a criação de políticas
públicas voltadas especificamente para o setor, como o Pronaf, o FNO especial, o Prodex,
dentre outros. O movimento sindical está ainda em constante debate para a formulação e
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negociação de políticas que venham a eliminar os principais entraves estruturais da
produção familiar rural na Amazônia. Estão sendo trabalhadas propostas de mudança,
principalmente, nas políticas de pesquisa agropecuária e extrativista, políticas públicas de
comercialização, assistência técnica, infra-estrutura e educação.
O outro eixo de ação do movimento sindical para a construção do projeto de
desenvolvimento rural sustentável está fortemente alicerçado em experiências que se
multiplicam em toda a região. Em Rondônia, os sindicatos estão apoiando e desenvolvendo
projetos piscicultura, apicultura e sistemas agroflorestais. No Pará, destacam-se as
experiências de beneficiamento da produção, formação técnico profissional, mutirões,
associações de mulheres para a produção de artesanato, industrialização de polpas, com
pesquisas de novas tecnologias, as colônias de pescadores, com a industrialização de
pescados. No estado do Amazonas, destacam-se projetos para a preservação de lagos,
reflorestamento e implantação de sistemas agroflorestais e várias outros projetos.
Para viabilizar a abertura de mercado para os produtos das organizações dos produtores
rurais, promover intercâmbios entre produtores e a sociedade urbana, divulgar, promover e
comercializar os produtos, viabilizar espaços para a realização de negócios e divulgar
experiências, pesquisas e incentivos existentes, o movimento sindical organiza a FEPAM
(Feira da Produção Familiar da Amazônia). Esta é uma feira anual, realizada em Belém e
que tem proporcionado um grande impacto no mercado.
Cooperativas e socialismo no debate atual
Não aparece haver dúvidas de que a economia solidária apresenta grande potencial de
ampliação das possibilidades de trabalho, propicia maior democratização da gestão do
trabalho, distribuição de renda, democratização do crédito e fortalecimento do
desenvolvimento local sustentável e transformação social. A grande questão é a qual
projeto político esta proposta está relacionada.
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O debate atual sobre o socialismo busca fundamentalmente uma alternativa ao modelo
construído nas experiências do socialismo real. A idéia da economia solidária surge como
um modelo de economia socialista em contraponto às experiências que concentraram no
Estado totalitário a propriedade e o poder político, ao invés de socializá-los.
A economia solidária é vista por Paul Singer inserida num processo de revolução social.
Esta tese se contrapõe à tese da revolução política (a conquista do poder estatal como único
caminho para a revolução socialista) e defende que a transferência dos meios de produção
para os trabalhadores deve ser resultado de um processo em que os próprios trabalhadores
estejam desejosos e habilitados para assumir o controle dos meios de produção. Este
processo seria um longo percurso no qual modos de produção socialistas são formados
dentro das formações sociais capitalistas. Este processo já estaria em curso há cerca de 200
anos, quando as primeiras cooperativas socialistas foram formadas no auge da primeira
revolução industrial na Inglaterra. Segundo esta visão, as experiências de economia
solidária, especialmente as cooperativas, seriam também potenciais embriões de um
processo de revolução social socialista. A primazia de valores como a solidariedade, a
democracia, a autogestão e a autonomia sobre valores do capital, combinada com a
eficiência econômica, coloca tais experiências na condição de coexistir com o mercado
capitalista ao mesmo tempo que o questiona.
Para Singer, a importância das experiências de economia solidária reside no aprendizado
que elas proporcionam aos trabalhadores sobre como assumir coletivamente a gestão de
empreendimentos produtivos segundo princípios democráticos e igualitários. Da mesma
forma, para Carlos Wainer, as cooperativas e os sindicatos são momentos de utopia
experimental, são momentos de afirmação, no presente, de que o futuro é possível. Segundo
Gadotti (1993), estas experiências estão forjando uma economia popular solidária integrada
à economia de mercado porém, contrárias à sua lógica. As experiências locais são
portadoras de novos conceitos e profundos questionamentos aos sistemas tradicionais de
produção, de crédito, de organização social, de mercado, de políticas sociais, etc.
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As experiências apresentam também um enorme potencial de revigorar energias de setores
populares excluídos, de emancipação e de apropriação de tecnologias produtivas e
organizacionais mais adequadas aos saberes populares. Ou seja, é um processo de
construção de cidadania. Segundo Fernando Haddad, o exercício da democracia no local de
trabalho, poderia cumprir o papel de estimular o desejo de participação. Daí a importância
de formas mais democráticas de organização do trabalho, da qual o cooperativismo é um
grande exemplo. Além disso, a igualdade de condições pressupõe, não somente a igualdade
formal de participação, como fundamentalmente, uma igualdade substantiva quanto aos
meios materiais (recursos econômicos que podem converter-se em recursos políticos) de
que dispõem os vários sujeitos e setores da sociedade para o pleno exercício e
funcionamento da democracia. Sendo assim, alguma forma de socialização da riqueza, o
que passa por alguma forma de socialização da propriedade, deveria ser implementada.
A economia solidária vem sendo colocada como uma das frentes de luta pelo socialismo.
Não a única, mas uma frente indispensável. Porém, diferentes correntes ideológicas
encontram abrigo nos projetos de economia solidária. A vinculação das cooperativas, bem
como dos sindicatos, a um projeto socialista depende fundamentalmente da luta permanente
da classe trabalhadora. O sucesso da economia solidária depende de um processo ao mesmo
tempo econômico e político, um processo lento de mudança cultural, de comportamentos,
combinado com a capacitação política que rompa progressivamente com uma ideologia de
subordinação e de competição entre os trabalhadores e o fortalecimento da capacidade
técnica e econômica que amplie as suas condições de produção e de gestão.
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