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QUARTAFEIRA, 1 DE JULHO DE 2015 Vilão, um congado de corte (agradecimentos especiais ao Imperador do Divino José Cláudio Henriques, pelas fotos do grupo de Carmo da Mata gentilmente cedidas para esta postagem) Sob o nome de vilão é conhecida em Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina uma dança folclórica outrora difundida, com movimentação circular e em filas, acompanhada por viola e eventualmente outros instrumentos. O violeiro comanda a movimentação. Existem algumas variantes coreográficas chamadas vilão de agulha, vilão de mala, vilão de mochila, vilão de bengala, vilão de lenço (ou de fita), vilão de faca, vilão de pau (ou de vara) _ nomes motivados pelos implementos adotados nas coreografias. É de provável origem ibérica, com registros em Portugal desde o século XV, segundo CASCUDO [s.d], que a diz também conhecida na Ilha da Madeira ("bailinho dos vilões"). Seria talvez uma dança rural, dança dos camponeses de uma vila, vilões. Em Minas Gerais uma das formas de vilão se adaptou ao ciclo festivo do rosário, convertida em folguedo de fundo religioso. É este vilão que é tratado na presente postagem. É um dos tipos básicos do congado em Minas Gerais, que dentre tantas modalidades se destaca pelo seu ritmo acelerado e uma dança agitada, enérgica que em geral usa acessórios tais como manguaras, que são varas longas e enfeitadas de fitas multicores e em alguns grupos imitações de facões feitos em madeira. Desta forma, os dançantes, sob o comando do capitão, se dispõe em dupla fila e dançam percutindo as manguaras ("vilão de vara" ou "de pau") e mais raramente os facões ("vilão de faca"), como num simulacro guerreiro. São várias coreografias ensaiadas, que põe à prova a habilidade do "vilãozeiro" (congadeiro dançador de vilão) e a sua resistência física. Alguns grupos apresentam um número à parte, a dança das fitas, trançando ao redor de um pequeno poste de madeira, fitas coloridas em movimentação vivaz e cadenciada. A título de exemplo, o grupo de Carmo da Mata, presente na Festa do Divino de São João delRei em 2002 e 2003, despediuse apresentando o pau de fitas, encimado por um pequeno oratório contendo a imagem de Santa Efigênia, a mesma santa de sua bandeira. A formatação das guardas de vilão no geral é a seguinte: duas filas de dançantes, sem instrumentos, só com as varas e facões; instrumentistas, na retaguarda e algumas vezes na dianteira, tocando em geral sanfona, pandeiro e caixa; bandeireiro, adiante de todos como abrealas; capitão, no comando do grupo em posição relativamente livre. Alguns grupos não tem canto, só toque instrumental; mas outros, são como os demais congados, com canto solista pelo capitão e resposta coral pelos demais dançantes. Compete ao vilão fazer a guarda simbólica de todos os outros congados de uma festa, como se fosse um batalhão de infantaria. Por isto, via de regra, na montagem dos cortejos, vem à frente de todos, abrindo caminho com sua percussão cadenciada de

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02/07/2015 Tradições Populares das Vertentes: Vilão, um congado de corte

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QUARTAFEIRA, 1 DE JULHO DE 2015

Vilão, um congado de corte

(agradecimentos especiais ao Imperador do Divino José Cláudio Henriques, pelas fotosdo grupo de Carmo da Mata gentilmente cedidas para esta postagem)

Sob o nome de vilão é conhecida em Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e SantaCatarina uma dança folclórica outrora difundida, com movimentação circular e em filas,acompanhada por viola e eventualmente outros instrumentos. O violeiro comanda amovimentação. Existem algumas variantes coreográficas chamadas vilão de agulha,vilão de mala, vilão de mochila, vilão de bengala, vilão de lenço (ou de fita), vilão defaca, vilão de pau (ou de vara) _ nomes motivados pelos implementos adotados nascoreografias. É de provável origem ibérica, com registros em Portugal desde o séculoXV, segundo CASCUDO [s.d], que a diz também conhecida na Ilha da Madeira("bailinho dos vilões"). Seria talvez uma dança rural, dança dos camponeses de umavila, vilões.

Em Minas Gerais uma das formas de vilão se adaptou ao ciclo festivo do rosário,convertida em folguedo de fundo religioso. É este vilão que é tratado na presentepostagem. É um dos tipos básicos do congado em Minas Gerais, que dentre tantasmodalidades se destaca pelo seu ritmo acelerado e uma dança agitada, enérgica queem geral usa acessórios tais como manguaras, que são varas longas e enfeitadas defitas multicores e em alguns grupos imitações de facões feitos em madeira.

Desta forma, os dançantes, sob o comando do capitão, se dispõe em dupla fila edançam percutindo as manguaras ("vilão de vara" ou "de pau") e mais raramente osfacões ("vilão de faca"), como num simulacro guerreiro. São várias coreografiasensaiadas, que põe à prova a habilidade do "vilãozeiro" (congadeiro dançador de vilão)e a sua resistência física. Alguns grupos apresentam um número à parte, a dança dasfitas, trançando ao redor de um pequeno poste de madeira, fitas coloridas emmovimentação vivaz e cadenciada. A título de exemplo, o grupo de Carmo da Mata,presente na Festa do Divino de São João delRei em 2002 e 2003, despediuseapresentando o pau de fitas, encimado por um pequeno oratório contendo a imagemde Santa Efigênia, a mesma santa de sua bandeira.

A formatação das guardas de vilão no geral é a seguinte: duas filas de dançantes, seminstrumentos, só com as varas e facões; instrumentistas, na retaguarda e algumasvezes na dianteira, tocando em geral sanfona, pandeiro e caixa; bandeireiro, adiante detodos como abrealas; capitão, no comando do grupo em posição relativamente livre.Alguns grupos não tem canto, só toque instrumental; mas outros, são como os demaiscongados, com canto solista pelo capitão e resposta coral pelos demais dançantes.

Compete ao vilão fazer a guarda simbólica de todos os outros congados de uma festa,como se fosse um batalhão de infantaria. Por isto, via de regra, na montagem doscortejos, vem à frente de todos, abrindo caminho com sua percussão cadenciada de

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varas, cortando os males em cruzamentos das manguaras como se fossem tesouras.Daí os congadeiros dizerem que o vilão é uma "guarda de corte" (pronúncia aberta,"córte"). Outras guardas podem até vir na frente, mas apenas quando não tem nenhumvilão naquela festa.

É muito pitoresco ver a cena do vilão no seu papel protetivo do cortejo. Na dianteira,em marcha, puxando todos os outros congados que não são vilões (marujos, catupés,congos, caboclos, moçambiques...), a um dado sinal do capitão, as duas filas saem porfora do cortejo, uma em cada lateral e correm em sentido contrário, sempre por fora,como se estivessem na contramão, e vão até o último moçambique que fecha o cortejo,cruzam as filas por trás do reinado, mudando cada fila de lado e retornam para adianteira, ainda correndo por fora, até se recomporem na posição original de abrealas.

Por vezes, nesse retorno à frente do cortejo, retiram o chapéu e o equilibram na pontada vara e a erguem e vem vibrando ou girando em sua corrida, dando um efeito visualúnico.

Cumpre notar que esta movimentação curiosa é exclusiva dos vilões, e que não se vêtoda hora. A bandeira e os instrumentistas permanecem na dianteira, sem acompanharos portadores das varas. É nesse movimento coreográfico que acreditam estar omistério de sua ação protetiva à coletividade das irmandades congadeiras.

É de se frisar mais uma vez que este movimento e o papel em si é uma prerrogativa dovilão. Se outra guarda o fizer gera um ciclo de demandas na festa, fomentando odesequilíbrio entre os congados, com cantorias de pontos, desafios entre grupos,provocações, por se considerar um abuso.

Há congadeiros que acreditam que o vilão representa os negros que traíam osescravos, delatando esconderijos nos quilombos e os planos de fuga das senzalas. Emalguns grupos os vilãozeiros adaptavam ao chapéu uma espécie de franja na parte dafrente, de fitas e penduricalhos, sobre os olhos, tampandoos parcialmente, que nessecontexto mítico seria para disfarçar sua fisionomia de traidor. Mas ao mesmo tempo,tendo sido perdoados foram incorporados na Irmandade do Rosário e sua penitência,digamos assim é guardar os demais dançantes.

MARTINS (1988) afirmou ser o vilão "o caçula, o mais novo dos sete irmãos da alegrefamília congadeira", dizendoo em pleno crescimento.

Na assaz conhecida lenda da aparição de Nossa Senhora do Rosário, da qual existemmuitas versões, os brancos ao buscarem a santa com banda de música para levar àigreja ela sempre sumia no dia seguinte reaparecendo no local de origem (uma serra,uma mata, uma cachoeira, uma loca de pedra ou gruta, o mar... conforme a versão).Ela só veio para a igreja e aceitou permanecer quando os negros a buscaram com ocongado. Assim mesmo, cada grupo que passava ela manifestava de uma forma, orabalanceando ora sorrindo, mas não saía no andor. Quando o vilão passou ela "aluiu",ou seja, arredou, moveu um pouco, fez sinal de movimentarse, ensaiou uma saída. Só

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quando passou o moçambique é que de fato ela acompanhou o cortejo e permaneceuna igreja (*).

Quanto à distribuição geográfica a principal área de ocorrência em Minas é na zonaoeste e centrooeste, de onde se estende rumo à área limítrofe com o Campo dasVertentes (**). É plausível que migrantes de Minas Gerais tenham introduzido o vilãocongado em Goiás, passando a se incorporar aos festejos que já tinham seus congos emoçambiques. Em Santa Catarina, na cidade de São Francisco do Sul existe tambémum vilão, formado por jovens que dançam percutindo varas, mas não guardam vínculocom os festejos do Rosário, se apresentando em diversas ocasiões.

Em outras partes do Brasil o vilão é uma dança propriamente dita e não um folguedo.Como manifestação avulsa, independente do Ciclo do Rosário, acontece por exemplono contexto dos fandangos caiçaras.

O vilão representa sempre uma nota de grande alegria na Festa do Rosário e na doDivino, com sua música vivaz, seu colorido intenso e a dança agitada e atraente, quefelizmente envolve e cativa os jovens.

Vilão de Lavras/MG, durante a Festa do Rosário na mesma cidade. 26/09/2004.

Vilão de Carmo da Mata/MG, durante a Festa do Divino em São João delRei,fazendo uma apresentação com as facas de madeira. Foto: José Cláudio Henriques, 19/05/2002.

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Vilão de Carmo da Mata/MG, durante a Festa do Divino em São João delRei,em veneração ao andor do Espírito Santo, no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

Foto: José Cláudio Henriques, 19/05/2002.

Vilão de Guarita (Santo Antônio do Amparo/MG), durante a Festa do Rosário em Ibituruna. 30/06/2013.

Vilão de Bom Sucesso/MG, durante a Festa do Divino em São João delRei. 04/06/2006.

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Postado por Ulisses Passarelli às 20:30

Marcadores: Congado, Cultura Popular, Dança das Fitas, Festa do Divino, Festa doRosário, Folclore, vilão

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Referências Bibliográficas

AZEVEDO, F. Corrêa de. Fandango do Paraná. Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE/INF,1978. 50p. Cadernos de Folclore, n.23.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro,[s.d]. 930p.il. Verbete: Vilão.

GIFFONI, M.A. Corrêa. Danças folclóricas brasileiras: suas aplicações educativas.2.ed. São Paulo: Melhoramentos,1964. 361p.

MARTINS, Saul. Congado: família de sete irmãos. Belo Horizonte: SESC, 1988.

Notas e Créditos

* Ver a este respeito a seguinte postagem neste blog: COMO SURGIU O CONGADOPARA O CONGADEIRO.** Ao redor de Oliveira e Divinópolis, pelos municípios limítrofes difundiramse osgrupos de vilão. Destaque também para Lavras, Perdões, Santo Antônio do Amparo,Bom Sucesso, Itapecerica, Carmo da Mata, etc. Informações orais ainda nãoconfirmadas dão conta de terem existido grupos em São Tiago, Ibituruna e PassaTempo, talvez seu limite geográfico. *** Texto: Ulisses Passarelli**** Fotos: Carmo da Mata: José Cláudio Henriques; Guarita e Perdões, Iago C.S.Passarelli; Bom Sucesso e Lavras, Ulisses Passarelli.

Vilão de Perdões/MG, durante a Festa do Divino em São João delRei. 19/05/2013.

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