Álvaro Cunhal - O Maior Português de Sempre?

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    O MAIORPORTUGUS DE

    SEMPRE?

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    INFORMAO IMPORTANTE

    O texto que se segue uma reproduo escrita,com pequenas adaptaes e esclarecimentos, dodocumentrio exibido pela Rdio e Televiso dePortugal, O Maior Portugus de Sempre lvaroCunhal, integrado no programa GrandesPortugueses, de 2006-2007.

    Como tal, cumpre-me esclarecer que toda ainformao constante deste documento foiapresentada pela Dra. Odete Santos, aquando daexibio do documentrio referido.

    Resta-me recordar, em ltimo lugar, que a Dra.Odete Santos defendeu o diplomata portugus

    Aristides de Sousa Mendes, segundo classificado do

    dito concurso.

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    Introduo do documentrio:

    (por Maria Elisa Domingues)

    () Vamos hoje dar-vos a conhecer melhor a personalidade deoutro dos dez finalistas de Os Grandes Portugueses: lvaroCunhal, o conhecido lder comunista.

    Para defender esta personalidade apaixonante, teremos umamulher que tambm escolheu o Partido Comunista para fazer

    Poltica e mergulhou com verdadeira paixo na vida invulgar delvaro Cunhal. Ela Odete Santos.

    lvaro Cunhal o homem que nasceu no conforto de umafamlia da mdia burguesia, que se formou em Direito com provasbrilhantes, apesar de as prestar nas condies mais adversas, masrapidamente deixou a carreira, a famlia e at o pas para, noexlio, se dedicar totalmente formao e organizao do PCP,que j h muito antes da Revoluo de Abril liderava naclandestinidade.

    Um homem que lutou incansavelmente contra o Estado Novo eque transformou todas as oportunidades em actos polticos. A sua

    tese de licenciatura, sessenta e seis anos atrs, foi sobre o Aborto,um problema ainda vivo na sociedade portuguesa. Um homem cujaideologia amada ou odiada.

    Com argumento de Jos Pinto Carneiro, produo de Ana PaulaReis e realizao de Ricardo Resende, a ex-deputada Odete Santosfala-nos de lvaro Cunhal.

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    Introduo de Odete Santos

    Em Janeiro de 1960, Portugal estremeceu. Afinal a audcia que

    deu 800 anos de histria aos portugueses ainda residia entre ns, erenascia. No dia 3 desse ms, lvaro Cunhal encetou e dirigiu umaarrojada e espectacular fuga da priso de alta segurana de

    Peniche. O Estado Novo, que durante 48 anos subjugou os portugueses com uma ditadura implacvel e lhes retirou at osmais fundamentais direitos de livremente falar e pensar, sofreu asua mais humilhante derrota.

    lvaro Cunhal sacrificou 80 anos da sua vida numa entregaabsoluta luta pela conquista da liberdade e da democracia para o

    povo portugus. Correndo todos os riscos. Foi preso 3 vezes, passoumais de 12 anos na cadeia, 8 deles isolado do mundo, foi torturado,viveu as agruras da clandestinidade e do exlio durante dcadas. Asua coragem e convices, a sua capacidade de resistncia e detrabalho, so lendrias. Ele representa e simboliza de forma maiscompleta e eloquente todos aqueles que, com coragem e

    persistncia, sempre lutaram, ao longo da nossa histria, pelarestaurao da nossa dignidade enquanto povo. E sem a luta de

    lvaro Cunhal e o seu exemplo, talvez Portugal no tivesseacordado naquela manh para o 25 de Abril.

    por isto que lvaro Cunhal o nosso Grande Portugus.

    (genrico do programa)

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    me, Mercedes Barreirinhas Cunhal, era catlica fervorosa econservadora, de feitio obstinado e determinado. No meio desteconflito latente, lvaro Cunhal herdou o iderio progressista do paie o recato e firmeza de princpios da me. Ficou assim forjada asua personalidade.

    Com 11 anos, lvaro foi com a famlia para uma Lisboaefervescente. Nas ruas da capital ouvia-se por vezes os tiros dosvrios levantamentos militares que estavam sempre a acontecer.

    Durante a adolescncia de lvaro, o mundo foi sofrendotransformaes radicais: em 1930, aos 17 anos, quando acabou osseus estudos secundrios, no Liceu Cames, os Estados Unidosatravessavam o que se chamou a Grande Depresso, com o colapsode um sistema econmico e a consequente grande crise social; na

    Unio Sovitica vingava a revoluo comunista, que represen ta ummundo novo, uma forma de organizao da sociedadecompletamente diferente do que at ento se tinha visto; na velha

    Europa, o fascismo florescia em pases poderosos, como na Itliade Mussolini e na Alemanha de Hitler. E, em Portugal, tinha-seentrado numa ditadura. Desde 1926 que as liberdades nascidascom a implantao da Repblica estavam confiscadas.

    s rdeas desse novo poder estava Salazar, que tinha na

    secretria uma foto de Mussolini e que importava para c conceitos fascistas. Formavam-se Legies e Mocidades Portuguesas,instituies corporativas profissionais e um Partido nico.

    Tambm disponvel em:http://www.youtube.com/view_play_list?p=F6CB860D813BA348&playnext=1&v=9mnf64CbIWA( RTP 2007 Todos os direitos reservados)

    Naquele tempo, os jovens com formao, com conscincia poltica e sangue na guelra, tinham de escolher uma de duascoisas: ou se colavam subservientes ao poder e alinhavam no

    fascismo, ou abraavam a aventura e a contestao e escolhiam o

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    oposto. Sendo certo que na resistncia ao Nazi-Fascismo eram oscomunistas a fora mais consequente e organizada, como, alis,reconheceu Marcello Caetano durante o seu consulado,relativamente a Portugal e ao PCP, numa das suas Conversas em

    Famlia transmitidas pela RTP.

    O humanismo que herdou do pai no permitia a lvaro ficarindiferente situao dos portugueses mais desfavorecidos, queera a maior parte da populao. A maioria dos portugueses eraanalfabeta e vivia na misria. Havia fome, os trabalhadores notinham, enquanto tal, quaisquer direitos. Viviam, ao contrrio dehoje, s ordens arbitrrias dos patres e sem segurana social. Se

    fossem despedidos (o que podia acontecer por qualquer razo e aqualquer momento) estavam desgraados. A nica segurana

    social era a caridade dos outros. A humilhao ou a fome. Os ideaisda igualdade e da solidariedade defendidos pelo marxismo

    formavam-se nalguns espritos mais atentos como um imperativo.

    Em 1931, lvaro entra na faculdade de Direito, sempre porinfluncia do pai. Mas apesar do seu curriculum de aluno brilhantee interventivo, s acabou o curso 9 anos depois. Numa altura emque j toda a gente ouvira falar dele e ele j tivera a oportunidadede conhecer grande parte da Europa. Nesses 9 anos formou-se em

    Direito, mas tambm se formou enquanto comunista e soldado daguerra contra a ditadura do Estado Novo. No seu exame de final decurso, lvaro chegou sala da faculdade de Direito escoltado pela

    polcia poltica de Salazar. Fora preso pela 2 vez.

    lvaro Cunhal mal entrou na faculdade comeou a frequentarmeios e organizaes comunistas, adere aos Grupos de Defesa

    Acadmica e rapidamente eleito para o Senado Universitrio. Atrata de pr a reitoria em apuros logo na primeira oportunidade,reclamando a extino da Aco Escolar Vanguarda, umaorganizao militarista e fascista de estudantes com a qual sedefrontara j nos jornais e nas ruas. A sua coragem, capacidadeintelectual e esprito combativo no deixavam ningum indiferentee impeliam-no para a aco poltica com uma fora irresistvel.

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    Em 1934, lvaro j dirigente da Federao de JuventudesComunistas Portuguesas e, um ano depois, interrompe o curso

    para encetar uma viagem que se revela um percursoimportantssimo, estruturante e decisivo no seu processo de

    formao enquanto homem e poltico. Vai a Moscovo, ondecontacta com os dirigentes mundiais do movimento comunista econhece a revoluo por dentro; vai a Paris, capital cosmopolita; eno incio da Guerra Civil espanhola vai a Madrid, onde intervm noconflito que deflagra como maqueiro e soldado. Em poucos meses,adquire a experincia de uma vida, aprendendo as maiores lies esofrendo todos os dramas e tragdias. Tambm viajou c dentro do

    pas: para o Aljube e para Caxias, nomeadamente, pois foi presoduas vezes devido s suas actividades polticas. E foi a Penamacor

    cumprir o servio militar obrigatrio como soldado raso, devido sua fama de revolucionrio, apesar de ter direito a poder faz-locomo oficial miliciano.

    Mas voltemos ao exame cadeira de Direito Penal, o ltimo doseu curso. lvaro, preso e incomunicvel h mais de 3 meses, foiautorizado, ao contrrio do que era habitual, a ir faculdade fazero exame. espera dele, para alm dos professores de servio (todosgrandes excelncias do regime: Marcello Caetano, Cavaleiro

    Ferreira, Paulo Cunha e Jaime Gouveia), estavam inmeros

    representantes da oposio ao regime, dos mais diversosquadrantes, todos eles j confessos admiradores de lvaro, que alise apresentavam em solidariedade e com curiosidade em ver comose safava o colega revolucionrio. Os professores mantiveram brioe trataram-no com o conveniente respeito acadmico. Mas o temada sua tese no era uma qualquer questo extrada da sebenta de

    Direito Penal. Era, nada mais, nada menos, o Aborto. Perante aautoridade e o poder de professores to importantes do regime de

    Salazar, apesar de estar preso e ter estado incomunicvel, lvarono perde a oportunidade de fazer do seu exame um acto de luta

    poltica. Ao fundo da sala o Pide (que o escoltara) pasmava, deboca literalmente aberta escreveu um amigo que assistiu a tudo.

    lvaro defendeu, na sua tese, o direito legal das mulheres aoaborto, para erradicar o flagelo do aborto clandestino,

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    considerando as mulheres como vtimas de um modelo desociedade e da misria. H 66 anos, numa poca em que os

    Portugueses eram ainda dominados no seu dia-a-dia por uma Igreja que rezava a missa em latim, em que nem o divrcio era permitido, j lvaro dissecava o problema que ainda hoje temade discusso na nossa sociedade.

    Apesar da provocao, teve 16 valores, um bom com distino. lvaro ficava assim licenciado em Direito, que naquele tempo erauma habilitao que abria facilmente as portas do sucesso e dobem-estar. O seu valor acadmico era inegvel e o seu nomereconhecido. lvaro podia ter tudo. Mas o seu corao estava

    penhorado causa dos mais fracos e oprimidos.

    Durante um ano teve uma vida dita normal. Arranjou emprego,uma vida social, namorou, portou-se como qualquer jovem de 28anos. Foi dar aulas para o Colgio Moderno, onde ensinouGeografia a Mrio Soares. Escreveu, desenhou capas de livros,

    frequentou cafs e tertlias.

    Mas, em 1941, abdicou disso tudo. Tornou-se funcionrio do Partido Comunista Portugus, tornou-se num revolucionrio profissional, como tambm se designavam. Isso implicavaingressar no mundo sombra da clandestinidade, na guerrasilenciosa.

    Os Comunistas eram implacavelmente perseguidos pela polciapoltica de Salazar, pois constituam o corpo de oposio ao regimemais organizada e activa. Mas quando lvaro passou clandestinidade o Partido Comunista estava em crise. Os seus

    principais quadros estavam presos e a organizao estavafragilizada. A prpria Internacional Comunista havia suspendido aseco portuguesa. E foi graas a lvaro que o Partido Comunista e

    a oposio ao regime renasceram.

    Tambm disponvel em:http://www.youtube.com/view_play_list?p=F6CB860D813BA348&playnext=1&v=VDcrAihknbk( RTP 2007 Todos os direitos reservados)

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    A vida de clandestino era um perigo permanente. Vivia-se forada lei. Era um mundo de documentos e identidades falsas, de fugas,de ciladas, de segredos, o permanente risco de se ser preso edeportado. lvaro passou a ser Daniel, Duarte, Gabriel, Carlos,Gonalves, Jorge. Vivia-se arredado da vida social normal, no se

    podia andar na rua como toda a gente, no se podia ir ao cinema,no se podia contactar a famlia nem os amigos. No era permitidocriar amarras afectivas de qualquer espcie. Era um mundonocturno, penoso, de solido, que s vontades muito fortessuportam. E de perigo constante, a guerra era aberta e semtrguas. lvaro e os seus camaradas tinham de andar semprearmados. E lvaro era incansvel na sua actividade clandestina. Asua capacidade de trabalhar at exausto, o seu rigor, a sua

    fora de vontade e a sua postura impoluta ficaram desde essestempos a constituir um modelo de comportamento para todos oscomunistas.

    Dada a escassez de funcionrios com formao bastante, coubea lvaro a maior fatia do trabalho. Tinha formao superior,conhecimentos adquiridos no estrangeiro, tinha a energia anmica.

    Foi ele que organizou uma rede de casas clandestinas de apoio, detipografias, de procedimentos de segurana, todo um modelo deorganizao clandestina. Passava noites a fio a escrever nos

    rgos de informao do Partido, chegava a escrever e paginarnmeros do AVANTE inteiros.

    As deslocaes no terreno, para os contactos entre militantes eentre estes e a populao, eram feitas na maior parte das vezes embicicletas, que era o meio de transporte mais barato, annimo e democrtico. Sempre a pedalar, em silncio, por estradassecundrias, sempre em luta, movidos fora de msculos e porcertezas inabalveis. lvaro, segundo disse, chegou a fazer Porto-

    Lisboa em bicicleta. E desta experincia se inspirou uma parte dasua obra literria.

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    Havia mais de uma semana que iniciara a volta ao sector e,durante essa semana, passara j duas noites em branco, emnenhuma das outras dormira mais de 3 ou 4 horas, fizera centenasde quilmetros de bicicleta, andara lguas e lguas a p, e tudo istocomendo em mdia uma fraca refeio por dia.

    Sentia por aquela recta uma verdadeira averso. Eram doisquilmetros na planura chata, com raros troncos marginando aestrada, sem uma casa, sem um marco, sem um acidente. Agora sse ouviam as rs nos charcos e o rudo do dnamo montono edoce. Todo o cansao lhe tombava nos olhos.

    (Excerto do livro At Amanh, Camaradas de Manuel Tiago)

    Em 1942, lvaro eleito para o Secretariado do Partido e o seudirigente principal. Foi escolhido por razes bvias: a sua craveiraintelectual e capacidade de trabalho, a sua experincia de

    prisioneiro poltico digno e corajoso, o seu carcter srio, a suamodstia, a sua abnegao. ento que lvaro leva a efeito averdadeira reconstruo do PCP. Com ele passou a haver umaactuao concertada e permanente do Partido em todas as frentesde combate. De um pequeno grupo de agitao poltica o PCP

    transformado numa organizao, clandestina certo, mas profundamente infiltrada na sociedade. O corpo de funcionriosclandestinos aumentou e fortaleceu-se. A rede de casas secretas ede casas de apoio aos clandestinos espalhou-se pelo pas; o papeldo partido no seio das empresas e sindicatos e o seu modo deactuao foi regulamentado num tratado escrito pelo prprio pulsode lvaro, chamado A Clula de Empresa; a rede de tipografiasclandestinas aumentou e a publicao do AVANTE, o rgo decomunicao do Partido e elo de ligao com a populao, desde

    esta altura e at hoje, nunca mais foi interrompido. Foram tambmorganizados os Passeios no Tejo onde, a pretexto de umas voltasdescontradas de barco pelo rio Tejo, se reuniam clandestinamente,longe dos olhos da PIDE, os dirigentes do partido e intelectuaisinfluentes, e onde se discutiam Poltica em liberdade. O ambienteera descontrado, comentava-se a realidade portuguesa e europeia,

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    cantava-se canes revolucionrias, estruturavam-se planos,faziam-se contactos, tomavam-se decises.

    Data deste perodo a organizao do I Congresso clandestino do Partido Comunista, onde se assentaram os princpios tericos

    globais de interveno do PCP. Um destes princpios constitudo pela tese de lvaro Cunhal sobre Unidade democrtica, que semanteve vlido at ao 25 de Abril. Este princpio preconizava oderrube do regime de Salazar e sugeria uma poltica de unidade ealiana com todas as foras de oposio democrticas ao regime,com vista criao de um futuro governo de Unidade Nacional.

    Os efeitos de toda esta dinmica na sociedade portuguesa soevidentes. As greves de 41 a 43 e principalmente a de 44 (a greve do

    po) motivadas por reivindicaes de aumento de salrios e demais comida, foram dinamizadas pelo PCP de lvaro Cunhal. Ebem embaraaram o regime de Salazar, que as reprimiuviolentamente. O esprito de luta e afirmao entrava assim nocorao do operariado portugus e exprimia-se em luta de massas.

    Esta nova fora do PCP fez-se sentir ainda alguns anos maistarde. Com o fim da guerra, Salazar decide convocar eleieslivres, mais livres do que na livre Inglaterra, disse o Ditador.Ora, lvaro e o PCP no podiam deixar passar esta oportunidade

    para fazer com que o povo marcasse presena. Foras da oposiocriaram o MUD (Movimento de Unidade Democrtica) e o PCP, noesprito das directivas do seu I Congresso clandestino, adere. O

    MUD juvenil liderado pelo ento jovem comunista Mrio Soares.

    Mas Salazar mentira. Nas eleies para a Assembleia Nacionalos resultados foram manipulados e os elementos da mesa de votoligados oposio chegaram, nalguns casos, a ser expulsos da sala.

    Mas o MUD no esmoreceu com estas falcatruas. A sua aco

    representou um grito de revolta e protesto que emocionou muitosportugueses. A esperana aumentou e a oposio engrossou fileirasde forma desafiadora.

    Nas eleies que se seguiram, para a Presidncia da Repblica, o MUD apoiou um candidato de oposio, o general Norton de

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    Matos. Mas este, a 2 dias das eleies, tem de desistir dacampanha. Salazar, temendo o pior, decidira ilegalizar e extinguiro MUD. E manda agir a sua PIDE. A represso aumenta e maisimplacvel do que nunca, muitos jovens do MUD, futurosdirigentes do nosso pas democrtico, so presos. lvaro Cunhaltambm.

    Tambm disponvel em:http://www.youtube.com/view_play_list?p=F6CB860D813BA348&playnext=1&v=Bb8YkKyWffw( RTP 2007 Todos os direitos reservados)

    Em 1949, lvaro era o homem mais procurado do pas. Estavaescondido numa casa clandestina, no Luso. Por companheira (uma

    funcionria do partido que o acompanhava para compor o disfarcede vulgar casal) tinha Sofia Ferreira. Com eles estava tambm

    Milito Ribeiro, que fugira polcia, dias antes, de outra casaclandestina. Talvez andassem todos a desafiar a sorte em demasia.O certo que s 4 da manh do dia 25 de Maro a PIDE e a GNRentram de rompante pela casa e apanha-os a dormir. Naquelanoite foi desferido um rude golpe em todo o movimento de oposioa Salazar.

    lvaro Cunhal foi preso 3 vezes e ao todo passou na cadeia 12anos e meio da sua vida. 12 anos e meio Mais de oito anos emregime de isolamento, sem convvio com outros presos. Nestaltima priso, s voltou liberdade 11 longos anos depois. 11 anos

    E s no esteve preso mais tempo porque fugiu.

    A PIDE tratava sempre os presos polticos de uma forma brutal.

    Milito Ribeiro acabou por morrer na cadeia algumas semanasdepois de ter sido preso no Luso. lvaro teve sorte em nunca ter ido parar ao Tarrafal, uma priso que era um autntico campo deconcentrao, situado numa ilha de Cabo Verde, onde as doenas eas ms condies causavam grande mortandade. Muitos presos

    polticos l faleceram. No foi para o Tarrafal mas no escapou

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    tortura. Felizmente s da primeira vez que foi preso, em 1937, tinhalvaro 24 anos.

    Algemaram-me, meteram-me numa roda de agentes eespancaram-me a murro, pontap, cavalo-marinho e com umas

    grossas tbuas. Depois de me terem assim espancado longo tempo,deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalaram-me ossapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos

    ps. Isto repetiu-se numerosas vezes, durante largo tempo, at que perdi os sentidos, estando 5 dias sem praticamente dar acordo demim.

    (Declaraes de lvaro Cunhal no seu Julgamento em 1949)

    Como vissem que estes tratamentos no surtiam o efeitodesejado lvaro nada disse PIDE no mais voltaram atortur-lo. Concluram que seria intil. Tendo aprendido isto emuitas outras coisas, lvaro, durante a clandestinidade, elaborouum detalhado manual de comportamento na cadeia que era acartilha de todos os militantes da oposio ao Regime. Chamava-seSe fores preso, camarada. Aqui dava-se conta do que se devia

    fazer quando se fosse preso e se relata quais os truques maisutilizados pela PIDE nos interrogatrios.

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    Se fores preso, camarada, encontrar-te-s em circunstnciasto duras como nunca talvez tenhas atravessado.

    duma grande importncia o primeiro interrogatrio (.) a polcia procura logo tirar o mximo do preso, aproveitar a

    surpresa e o choque da priso

    Se o preso fraqueja, se diz o que a polcia pretende, esta v o ponto fraco e redobra as brutalidades para obter novasdeclaraes

    A polcia utiliza as mais variadas armadilhas. Uma delasconsiste em meter na cela em que o preso se encontra um agenteda polcia que se diz preso tambm.

    A esttua um complemento e uma variante da tortura dosono, na medida em que o preso fica no s privado de dormir,mas ainda privado de se poder sentar.

    As pernas e os ps incham desmesuradamente, at ao ponto dossapatos rebentarem, podes comear a urinar sangue.

    (Excertos do livro Se fores preso, Camarada)

    Nos primeiros 6 meses desta sua 3. priso, lvaro ficouincomunicvel. Encontrava-se doente. Durante o primeiro ano, noapagaram a luz da sua cela, impedindo-o de descansar. Para

    preparar o seu julgamento, uma vez que no lhe deram papel nemlpis, usou a cal da parede, aos bocadinhos, para tomar notas nocho, que depois decorava e apagava.

    O seu julgamento durou dois dias. Os julgamentos de presospolticos decorriam com aparente serenidade. S que as sentenas j iam previamente feitas pela PIDE e os juzes limitavam-se a

    fazer o que a polcia poltica de Salazar mandava. Por isso, quandolhe deram autorizao para falar, lvaro, em vez de se defender,atacou o Regime, e de uma forma que deu brado internacional,motivando ondas de solidariedade de vrios intelectuais como

    Jorge Amado e Pablo Neruda.

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    Como filho adoptivo do proletariado, cumpri os meus deverespara com o meu partido e o meu povo.

    (Declaraes de lvaro Cunhal no seu julgamento)

    Passou os primeiros 8 anos na Penitenciria de Lisboa, cela n.30. Quando lhe deram acesso a papel, lpis e livros (por presso dodirector da cadeia que no se entendia com os PIDES), aproveitou oseu tempo de forma muito disciplinada, estudando, escrevendo,desenhando.

    Depois foi transferido para a priso de alta segurana de Peniche. O sistema era rigoroso mas ao menos podia conversar,

    sob vigilncia, com outros presos que eram tambm presos polticos. Alguns deles membros do PCP. Para os presos polticosestava reservado um regime de pena muito especial: um arguidoera condenado a uma pena de priso de tempo fixo, mas depois a

    PIDE podia sugerir a prorrogao desse prazo sem limites, atquando lhes apetecesse. Era o sistema das Medidas de Segurana,inventado por um conhecido de lvaro, o seu professor Cavaleiro

    Ferreira. lvaro foi condenado a 6 anos de cadeia. Mas cumpriuquase o dobro desse tempo!

    A necessidade de fuga era imperiosa. Por um lado, porque podiaficar ali at morrer, por outro, porque c fora o regime de ditaduraperpetuava-se. lvaro e 9 dos seus companheiros mobilizaram-se edelinearam um plano. Entre eles estavam dois homens de aco:

    Jaime Serra e Joaquim Gomes, este j com uma fuga PIDE no seucurriculum. O plano era audacioso e, se corresse mal, podiaterminar em tragdia e morte para os fugitivos e vitria moral

    para Salazar. No se podia falhar.

    Tambm disponvel em:http://www.youtube.com/watch?v=jeC_3WmR_es&feature=related( RTP 2007 Todos os direitos reservados)

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    No dia 3 de Janeiro de 1960, um Domingo, o actor Rogrio Paulo, ligado ao PCP, d luz verde para se avanar, levantando ocap de um carro 3 vezes. Era lvaro quem o conseguia ver da

    janela da sua cela. Pouco passava das 19 horas. O guarda prisionalfoi adormecido com clorofrmio, trazido do exterior pelo GNR queos ajudou. Avanam para o ptio exterior da cadeia onde,escondidos sob o capote do GNR, passam sem serem vistos a linhade fogo das outras sentinelas. Saltam o 1. muro com a ajuda deuma figueira e depois, por uma corda feita de cobertores,

    previamente construda, descem a muralha exterior do forte. espera deles esto carros do partido, reunidos por aco de Dias

    Loureno e Octvio Pato, funcionrios clandestinos. Na priso sdo conta da fuga ao render da guarda. Houve feridos, alguns dos

    fugitivos sofreram acidentes nestas acrobacias, e o GNR, que fugiucom eles, entrou em pnico a meio da operao e quase deitou tudoa perder. Mas, no dia seguinte, Salazar e a sua ditadura eramtrespassados pelo maior embarao das suas vidas.

    Algum tempo depois lvaro Cunhal eleito Secretrio-geral deum PCP combalido e deriva. Este de novo reorganizado erevitalizado. Recomea a luta, procurando-se recuperar o tempo

    perdido. lvaro volta para a clandestinidade mas, como eragrande o risco de voltar a ser preso, decide sair do pas. Comeam

    os seus anos de exlio.

    O seu destino no exlio foi a Unio Sovitica, onde eram j bemconhecidos os seus feitos e onde h muito era admirado. Foi arecebido com honras de chefe de estado, concederam-lhe o estatutode lder nacional. lvaro era um dos mais prestigiados dirigentescomunistas do mundo.

    Mas o facto de estar longe da ptria no o impediu de continuara sua misso de mobilizar as foras democrticas contra aditadura. De Moscovo dirigiu as emisses regulares da Rdio

    Portugal Livre, que era atentamente seguida por muitosportugueses, e organizou foras nacionais para a participao emmais eleies. As de 1973, as ltimas realizadas durante a ditadura,

    j sob as promessas liberalizantes de Marcello Caetano. Faz

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    entendimentos com o Partido Socialista e cria-se a CDE (Comisso Democrtica Eleitoral). Marcello Caetano, afinal, no era muitodiferente de Salazar quando se tratava de falsificar eleies.Controlando as mesas de voto provoca uma derrota da CDE. Mas amovimentao da esquerda manteve-se viva.

    Em meados dos anos 60, nasce Ana, a nica filha de lvaroCunhal, me dos seus netos. Finalmente concede-se a este guerreiroalgum tempo em famlia, que h muito vinha sendo sacrificada.

    S aps 12 anos de exlio e depois do 25 de Abril, regressa ao pas. Finalmente pode sair da sombra, pode olhar o seu povo defrente. lvaro tem 61 anos.

    Nesta nova fase da vida de todos ns, como cidado responsvel

    que era, no deixou de intervir activamente na poltica nacional,agora dentro do poder e segundo as regras democrticas pelasquais lutou toda a vida. Foi ministro sem pasta em 4 governos,deputado Assembleia constituinte e Deputado Assembleia da

    Repblica durante 13 anos. Durante 10 anos foi membro doConselho de Estado.

    lvaro Cunhal sempre defendeu com tenacidade os interesses dopovo, dos trabalhadores em particular, sob o ponto de vista do seu

    partido. Mas nunca perdeu a lucidez nem permitiu aventureirismosque levassem violncia. Buscou sempre consensos, com prudnciae pragmatismo, evitando radicalismos e esquerdismos, almejandosempre o que buscava desde 1943: a unidade das foras deesquerda, a paz, a democracia.

    Em 1994, aos 81 anos, este homem habituado a uso de inmeros pseudnimos decide desvendar um deles, o de Manuel Tiago,assumindo assim em pleno a sua actividade de ficcionista. O lvaroCunhal, escritor e artista plstico, com uma obra realizada emgrande parte na priso e toda ela profundamente influenciada porelementos neo-realistas e de interveno revela-se, humilde edesinteressado, recusando sempre estatutos especiais. Nos seusvrios livros de fico h relatos, impregnadas de um profundohumanismo, de aventuras de homens que, como ele, lutaram na

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    Para saber mais sobre o lder comunista portugus:

    Histria de Portugal, volume VII, direco de Jos Mattoso, ed.Crculo de Leitores

    lvaro Cunhal, Uma Biografia Poltica, Jos Pacheco Pereira,ed. Temas e Debates

    Uma Longa Viagem com lvaro Cunhal, de Joo Cu e Silva, ed.ASA

    lvaro Cunhal, ntimo e Pessoal, de Miguel Carvalho, ed. Campodas Letras

    At amanh camaradas, de Manuel Tiago, ed. Avante Documentrio de Maria Augusta Seixas lvaro Cunhal O

    homem, o dirigente e o partido, produo RTP