Sumário - ULBRA · Ellos se encuentran en diferentes lugares, como hospitales, campos de...

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Aletheia 31, jan./abr. 2010 1

Sumário

3 Editorial

Artigos de atualização4 Lo esencial es invisible a los ojos: payasos que humanizan y promueven salud What is essential is invisible to the eye: Humanitarian and health promotion clowns Bruna Baliari Espinosa; Teresa Rosado Gutiérrez 16 Descompassos entre a lei e o cotidiano nos abrigos: percursos do ECA Differences between the law and the daily life in the shelters: ECA’s trajectories Maria Lívia do Nascimento; Alessandra Speranza Lacaz; Marilisa Travassos

26 Estudo do processo de resposta num teste de memória Study about the response process of a memory test Fabián Javier Marín Rueda; Fermino Fernandes Sisto; Cláudia Araújo da Cunha; Alexandre

José Raad

39 A infl uência das habilidades sociais no envolvimento de mães e pais com fi lhos com retardo mental

The infl uence of social skills on the involvement of mothers and fathers with their mentally retarded children

Alcides Cardozo; Adriana Benevides Soares

54 Precisão entre juízes na avaliação dos aspectos formais do teste de Wartegg Raters reliability in the assessment of formal aspects of the Wartegg test Irai Cristina Boccato Alves; Augusto Rodrigues Dias; Luís Sérgio Sardinha; Fábio Donini

Conti

66 Conjugalidade em contexto de depressão da esposa no fi nal do primeiro ano de vida do bebê

Conjugality in context of wife’s depression by the end of the infant’s fi rst year of life Giana Bitencourt Frizzo; Ivani Brys; Rita de Cássia Sobreira Lopes; Cesar Augusto

Piccinini

82 As ideias do senso comum sobre a relação entre a justiça e a injustiça The common sense ideas about the relations between justice and injustice Lila Maria Spadoni; Ana Raquel Rosas Torres

Aletheia, revista quadrimestral editada pelo Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, publica artigos originais, relacionados à Psicologia, pertencentes às seguintes categorias: artigos de pesquisa, artigos de atualização, resenhas e comunicações. Os artigos

são de responsabilidade exclusiva dos autores e as opiniões e julgamentos neles contidos não expressam necessariamente o pensamento dos Editores ou Conselho Editorial.

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97 Investigação do grau de tolerância à frustração em presidiários Investigation of the degree of tolerance to frustation in prisioners Elizelma Ortêncio Ferreira; Cláudio Garcia Capitão 111 Estudo de caso – avaliação neuropsicológica: depressão x demência Relate of case: Neuropsychology assessment – depression x dementia Nicole Maineri Steibel; Rosa Maria Martins de Almeida

121 Indicadores de síndrome de couvade em pais primíparos durante a gestação Indicators of couvade syndrome of fi rst time fathers during pregnancy Talu Andréa Dartora De Martini; Cesar Augusto Piccinini; Tonantzin Ribeiro Gonçalves

137 Autoefi cácia e qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas Self-effi cacy and quality of life in young adults with chronic disease Elisa Kern de Castro; Clarissa Franco Ponciano; Débora Wagner Pinto 149 Habilidades sociais e problemas de comportamento: um estudo exploratório baseado no

modelo construcional Social skills and behavior problems: An exploratory study based on the constructional

approach Vanessa Barbosa Romera Leme; Alessandra Turini Bolsoni-Silva 168 Interações sociais e clima para criatividade em sala de aula Social interaction and the climate for creativity in the classroom Ana Clara Oliveira Libório; Marisa Maria Brito da Justa Neves

184 Psicologia e presença feminina nos discursos médico e católico na primeira metade do século XX

Psychology and female presence in medical and catholic discourses in the fi rst half of the 20th (twentieth) century

Flávia Moreira Oliveira; Adriana Amaral do Espírito Santo; Marcela Peralva Aguiar; Ana Maria Jacó Vilela

199 Litígios intermináveis: uma perpetuação do vínculo conjugal? Unending litigations: A perpetuation of the conjugal bond? Ana Lúcia Marinônio de Paula Antunes; Andrea Seixas Magalhães; Terezinha Féres-

Carneiro

Resenha212 Trauma e superação: o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam Ana Catarina Araújo Elias

215 Instruções aos autores

221 Instructions to authors

227 Instrucciones a los autores

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Editorial

Aletheia: 15 anos

No ano de comemoração de seus 15 anos, a Aletheia recebe da ULBRA e dá aos leitores mais um presente: sua quadrimestralidade.

A consolidação de nosso periódico é um processo que contou com a participação de vários atores da comunidade acadêmica local, por meio de seus editores, professores do curso de Psicologia da ULBRA Canoas, Editora da ULBRA e da comunidade científi ca nacional e internacional.

O curso de Psicologia não só projetou e acompanhou seu desenvolvimento, mas, também, participou efetivamente de sua evolução, permitindo seu ajuste à realidade que constantemente batia e bate à sua porta. Auxiliou na superação, de modo crescente e efi caz, das múltiplas situações com que teve de se confrontar nestes anos de existência.

A edição de um periódico científi co, em meio a tantos olhares, exigências, expectativas, cobranças, é, sem dúvida, um desafio, mas, acima de tudo, uma responsabilidade. Lidar com a constante incerteza quanto ao momento seguinte tem sido nosso estímulo para criação, realização e busca persistente de reconhecimento.

No auge da sua juventude, caminha agora para a maturidade, não menos desafi adora e trabalhosa. A Aletheia transita bonita e segura na sua fase de construção e consolidação de sua identidade, fase que nos tem exigido questionar valores e ações sem temer a perda do já conquistado. Movimenta-se gradativamente para uma compreensão mais madura de sua identidade e de propósito. Persiste no seu caminho do estabelecimento e da manutenção de seus relacionamentos satisfatórios pelo aprendizado e gosto de compartilhar. Entendemos ser nossa tarefa seguir na complexa missão, atribuída ao longo dos anos a seus editores e, em especial, a seus autores: traduzir em palavras e em um discurso cientifi camente articulado experiências refl exivas e investigativas complexas. Agora de forma mais ágil.

Agradecemos e contamos sempre com a participação de todos.

Mary Sandra CarlottoEditora

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Lo esencial es invisible a los ojos: payasos que humanizan y promueven salud

Bruna Baliari EspinosaTeresa Rosado Gutiérrez

Resumen: La figura del payaso ha pasado por diferentes momentos y lecturas históricas, lo que permite considerarla como una figura arquetípica. Su papel en la sociedad históricamente fue el del ridículo, objeto de risas, pero el payaso no sólo es un ser congruente, auténtico y valiente, sino que también puede ser frágil y transparente en sus significaciones. En la actualidad los significados de este personaje son reconstruidos, como, por ejemplo, en los programas de payasos en intervenciones comunitarias – un fenómeno nuevo, que ha crecido de forma considerable en los últimos años. Ellos se encuentran en diferentes lugares, como hospitales, campos de refugiados, territorios en vías de desarrollo y en situaciones de emergencia en todo el mundo, ocupando ahora un espacio de transición rumbo a la configuración de cuidador. Preocupados en promover la salud a través del humor, de la risa y de una atención auténtica y verdadera con el otro, estos artistas encajan, cada vez más, en intervenciones comunitarias, ejerciendo así un papel social y sanitario significativo. El presente trabajo tiene como objetivo relacionar la figura del payaso y los programas de payasos de hospital con el movimiento de humanización hospitalaria existente actualmente, identificando en ellos, relaciones con el trabajo de promoción de salud. Palabras clave: payasos; promoción de salud.

What is essential is invisible to the eye: Humanitarian and health promotion clowns

Abstract: The figure of the clown has passed through different moments and historical lectures, which makes it be considered an archetypal figure in the occidental culture. Their role in society has always been the ridiculous, object of giggling, but the clown is not only a being consistent, authentic and courageous, he is also fragile and transparent in his significations. Nowadays, the means of this character are reconstructed, like, for example, in the programs of clowns in community interventions – a new phenomenon that has grown considerably in the last years. They are already in different places such as hospitals, refugee camps, in developing areas and in emergency situations around the world. Anxious to promote health through humour, of laughter and a true and genuine attention to the other, these artists fit, increasingly, in community interventions, acting as a very important social role. This work aims to relate the figure of the clown and the clown of the hospital programs with the movement of humanization hospital currently available, identifying in them, relations with the work of health and promotion.Keywords: clowns; health promotion.

Introducción

“El verdadero artista, rebelde por naturaleza y fuerza, resiste a ser domesticado, niega a aceptar el mundo tal como este se ofrece a sus sentidos, y entonces, crea un universo con sus propios límites.” (Aristóteles)

Aletheia 31, p.4-15, jan./abr. 2010

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El Bobo da Corte y el Payaso son fi guras del imaginario cultural que pueden ser históricamente signifi cadas como arquetípicas, o sea “imágenes universales que existirán desde los tiempos más remotos” (Jung, 2002, p.16). Segundo Willeford (citado por Nogueira, 2006) el bobo es un misterioso y ambiguo personaje que de un lado es parte del mundo para simpatizar con los demás, pero por el otro, está separado lo sufi ciente para ser motivo de risa. Su posición está en la línea justa entre el bien y el mal, el personaje y el auténtico, el orden y el caos, realidad e ilusión, existencia y no existencia.

De acuerdo con de Castro (2005), en innumerables épocas y culturas encontramos la práctica de rituales en que se imitaban ciegos, leprosos, provocando la hilaridad de los participantes. Los aztecas hacían estas imitaciones, los indios norte-americanos tenían la fi gura de los heyokas, que tenían como principal función la de recordar a la tribu lo absurdo de los comportamientos humanos y la necesidad de no llevar las reglas demasiado en serio. Los monjes budistas tibetanos tenían la fi gura del Mi-tshe-ring, el viejo bufón sabio – que molesta todas las ceremonias religiosas, incapaz de controlarse y de hacer silencio. En la India fue formado uno de los más antiguos dúos de cómicos que se conocen. La unión de un “malandro” – Vita – con un estúpido torpe – Vidusaka – es una de las más felices combinaciones de la comedia, siendo encontrada en todas las culturas, en todos los tiempos.

Por lo tanto, la fi gura del bufón no es un papel exclusivo de la civilización occidental sino una fi gura universal con diversas funciones sociales (Bestetti, 2005).

Un posible surgimiento de los llamados bufones “tontos” en la cultura occidental, podría haber sucedido en las cortes de la Edad Media. Generalmente usaban gorros con orejas. Desfi laban con vestidos coloridos y brillantes y llevaban bastones que tenían las empuñaduras talladas con la cabeza de un bufón. Aunque el papel de los bufones y de los payasos generalmente estaba limitado a la servidumbre, existen evidencias de que algunos disfrutaban de un trato familiar por parte de sus amos. Como “contentos consejeros” se conocía a los bufones en Alemania, porque dentro de sus agudas observaciones incluían sabios consejos (Vicens, 1958).

Durante los siglos XVI y XVII, se torna célebre, en Italia, un nuevo estilo teatral inspirado en la cultura romana. En la commedia dell´Arte los personajes eran siempre los mismos y apenas variaban los argumentos, improvisados, por los mismos personajes, de acuerdo con su carácter.

La Commedia dell´arte, con su estructura de grandes arquetipos humanos perennes a lo largo del tiempo y su trepidante comicidad, fue y es por donde se afi rma el arte del gesto y del humor. El teatro basado en la convención, la complicidad con el público. En defi nitiva, el arte del clown. “La Commedia dell´arte representa la más clara expresión de simbiosis entre mimos, clowns, acróbatas, bailarines y demás especies del teatro popular” (Jara, 2000, p.28).

El circo surgió en 1768, cuando el sargento inglés Philip Astley construyó un anfi teatro abierto donde hacia espectáculos con caballos. La necesidad de hacer el espectáculo en un círculo (de acuerdo con la descubierta de que esto ayuda al caballero mantenerse de pie sobre el caballo), hizo que lo transformara en un espacio en círculo, como una arena de los griegos. Sus espectáculos contaban aparte de caballos y caballeros, con equilibristas y acróbatas. Más tarde empezó a surgir la fi gura del payaso y del payaso en el caballo.

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Los términos Augusto y clown blanco son encontrados en muchos libros que hablan sobre la historia del clown. Por lo tanto es importante hacer una diferencia. Independiente de la versión contada como surgimiento de estas fi guras, la verdad es que el augusto es el personaje del criado idiota, la fi gura que se cae en escena, tropieza. Y lo vestirán como una persona común, empezando a utilizar las exageraciones, los zapatos de números mayores, los pantalones largos, un poco de rojo en la nariz para parecer alguien que ha exagerado en la bebida. Pero al principio el augusto aún era un personaje discreto, existía un intento de aparentar una persona normal, y lo cómico estaba ahí. “El augusto era un idiota, un inadaptado, alguien que quería vestirse bien, pero no sabia como. El sombrero era muy pequeño, el traje sobraba por las mangas y los zapatos eran largos. La fi gura del augusto llega a confundirse con la del vagabundo” (Castro, 2005, p.71).

El augusto, como lo conocemos hoy, habría sido criado por Albert Fratelinni en 1910, cuando los hermanos crearon un trío de payasos. Siguiendo sus líneas, empezaron a surgir payasos copiando sus máscaras alucinadas y sus actitudes y en 1923, en los Estados Unidos, a partir del “circo más grande de todos los tiempos” (Ringling´s Brothers, Barnun and Bailey´s Circus) donde existían augustos con bocas rojas, pelucas y nariz roja, surge una epidemia de copias de esta imagen. El modelo de relación dominadora del clown sobre el augusto vendría después, con el dúo formado por el inglés Tudor Hall y el cubano Raphael Padilla, o sea, “Footit e Chocolat” (Castro, 2005).

De acuerdo con Masetti (2003), el termino clown es usualmente utilizado en Brasil para designar la actuación de este personaje en espacios no circenses, como el teatro o el hospital. Una de las razones para diferenciar los dos términos seria en relación a las diferentes técnicas y el maquillaje que uno u otro ambiente exigen, de acuerdo con el tamaño y la función del espacio. La otra seria diferenciar el trabajo del clown de una comprensión peyorativa del papel del payaso, como por ejemplo, de la de fi gura de animador de fi estas, muchas veces remitida a un carácter patético o distante de lo que es la esencia de la actuación artística. Ya para Mello (1994), “el payaso es hoy un tipo que intenta hacer gracia y divertir a su público por medio de sus extravagancias en cuanto que el clown intenta ser sincero y honesto” (Mello, 1994, p.246).

Aún en relación a esta visión peyorativa, es importante resaltar el crecimiento en el sector comercial, de esta “clownería”, lo cual lleva a la banalización de la fi gura del payaso, que tiene su esencia corrompida y se torna “una máscara sin alma” (Bestetti, 2005, p.69).

La fi gura del clown, más que apenas una apropiación del término en inglés (normalmente traducible por payaso) es la de un adulto que actúa siempre como hacen los adultos cuando no son observados, cuando no están expuestos a los juicios de los otros adultos (Jara, 2000). Así, se puede entender que “el clown trabaja en una fábrica de reciclaje de emociones. Relativizando y redimiendo la escoria de los sentimientos (...) capaz de descargar la parte inútil de los escudos “anti-gente” (anti-simplicidad, anti-sinceridad) que penosamente cargamos” (Federicci, 2004, p.80).

Los payasos son artistas que vienen ejerciendo una función social de promotores de salud en sus trabajos en los hospitales. En este sentido, es importante situarnos en el concepto de salud aquí utilizado, el mismo empleado por la OMS, donde salud pasa

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a ser entendida, desde 1948, como un estado completo de bienestar físico, mental y social, y no sólo la ausencia de afecciones o enfermedades.

Esa confi guración del ideario desmedicalizado y despatologizante de la salud hace que los dispositivos de humanización de las prácticas en salud sean necesarios y, en este sentido, las intervenciones de los artistas (entre ellos los clowns) pasen realmente a tener sentido como práctica de salud. Según Lima e Pelbart (2007), “a partir de la reforma psiquiátrica en Brasil, se busca, a través del arte, tematizar las oposiciones entre salud y enfermedad, normal y patológico, locura y sanidad. Las prácticas de desinstitucionalización atraviesan los muros de los hospitales, invaden las ciudades y pasan a intervenir en las redes sociales y en la cultura, buscando deshacer manicomios mentales” (p.729).

Por tanto, los payasos de hospitales pueden ser vistos como artistas dispuestos a llevar la fi losofía del clown dentro de ambientes donde es explícita la necesidad de humanización, entendida aquí como “cualidad de las relaciones desarrolladas entre el equipo de salud y los pacientes, lo que es comunicado en esta interacción y el ejercicio de las potencialidades de los seres humanos” (Masetti, 2003, p.23).

Payasos de hospital, humanización y promoción de salud

Son innumerables los conceptos utilizados para intentar hablar de la subjetividad humana, de la persona y de la humanización necesaria para el tratamiento de esta persona. Uno de ellos es la palabra esencia. Se puede resaltar aquí la importancia del trabajo de los payasos con lo que es invisible y, por lo tanto, muchas veces impronunciable en palabras, aunque esencial. El concepto de ser humano se aproxima, muchas veces, al concepto de acto artístico, ya que el arte muchas veces no tiene una explicación, es algo subjetivo y el subjetivo existe para no ser totalmente explicado, porque no siempre está al alcance de las palabras.

Masetti (2003) para hablar del trabajo de los “Doctores de la Alegría”, habla mucho de la potencialidad de los encuentros, donde las personas co-existen: “Todo lo que existe son cuerpos compuestos de cualidades de afectar y de ser afectados por otros cuerpos” (Masetti, 2003, p.35). Por lo tanto, sería a través de la alegría que buscaríamos los buenos encuentros que favorezcan nuestra potencialidad y libertad.

Actualmente se habla mucho de la humanización de la salud. El modelo biomédico, durante mucho se mantiene como único e imperativo en la medicina occidental. Pero este tema viene siendo cada vez más discutido y la sociedad actual viene exigiendo reformas frente a esto, exigiendo no solamente la cura, sino también el cuidado. Por lo tanto, otra forma de medicina pasa, también, a ser admirada y exigida.

La relación entre humanización y salud es cada vez más defendida por diferentes autores, de acuerdo con la explícita necesidad de su unión. Para Martins (2003), la deshumanización de la medicina está refl ejada en la extrema especialización técnica de los médicos y no en el inevitable distanciamiento entre médico y enfermo que esta especialización resulta; como también la creencia (sustentada por los grupos privados) de que el interés “científi co” (aquí en su acepción más positivista) y económico es más importante que el interés social. Todo esto sustentaría la idea de que “la enfermedad vale más que el enfermo y que el dinero y el prestigio obtenidos por los servicios médicos no tienen obligaciones y deudas con el

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sufrimiento humano” (Martins, 2003, p.33). Las alternativas terapéuticas surgen en este escenario, como indicadores de una posible nueva salud, que según este mismo autor surge como un fenómeno cultural pos-moderno y como una expresión más radical de un amplio proceso de rehumanización de la medicina moderna.

Aún en relación a esta mercantilización de la medicina, Caminal (2008) menciona la medicalización de la salud como un factor importante para la confi guración actual de los servicios y procedimientos “científi camente” válidos en el ámbito sanitario. Se refi ere con esto, por ejemplo, a la industria farmacéutica como manipuladora de miedos profundos como el de la muerte, el deterioro físico o la propia enfermedad, y como responsable de un cambio de lo que signifi ca ser humano, visto que se percibe cada vez más una búsqueda por una salud inexistente, un estado de bienestar utópico y objeto de mercado, lo que lleva a la tendencia de clasifi car como enfermedad muchos problemas que anteriormente no lo eran.

Giglio (2008) habla de un nuevo paradigma para la relación médico-paciente, por la cual la razón de la búsqueda por el médico no se restringe ya sólo a una enfermedad defi nible, y pasa a englobar toda y cualquier forma de sufrimiento o dolor del individuo que requiere la atención sanitaria. De esta forma, el ser que sufre se convertiría en un paciente y, el profesional que se preocupa en minimizar o abolir su sufrimiento, se torna el médico u otra caricatura de cualquier profesional, que tiene en el médico el único modelo culturalmente viable de ser profesional de salud (o de enfermedad, en la mayoría de los casos).

Con otro punto de vista, Trindade, Aquino, Araújo, Moreira, Ferreira y Maia (2007), mencionan el otro lado de la humanización, o sea, la que ve necesaria no solamente la asistencia del médico al paciente, sino también la salud psíquica del propio profesional, que está implicada directamente con el trato que este profesional puede ofrecer a su paciente. Por lo tanto, según la investigación de estos autores, se torna interesante buscar la inserción y la implementación de acciones que vengan a atender también la salud del profesional de la salud. Así, “insertados en un hospital, es posible encontrarnos no sólo sujetos en tratamiento, como también los propios profesionales (cuidadores) con su salud debilitada, necesitando de cuidados y atención en pleno ejercicio de sus atribuciones: el cuidado del otro” (p.7).

Todos los programas de payasos de hospital parecen preocuparse con los médicos, enfermeras y funcionarios del hospital, afi rmando que su trabajo no consiste apenas en favorecer al niño hospitalizado, sino también todo el ambiente en el cual se encuentra, englobando así, todo el equipo de trabajo del hospital.

De esta forma, se podría relacionar estos programas de payasos de hospital como “promotores de salud”, visto que llevan el fl ujo de la vida a un lugar que está dominado por el fl ujo de la muerte, como el hospital.

Pero para hablar sobre promoción de salud se debe tener cuidado, ya que este concepto se ha tornado, muchas veces, algo rotulado. El término “salud” se ha convertido en distinto y “la salud” se ha tornado un objeto de mercado, visto como producto y exposición a los demás.

Para Evans e Stoddart (1994), “este concepto tan global, por otro lado, corre el riesgo de convertirse en un objetivo idóneo de toda la actividad humana… y de transformarse

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en el objetivo no solamente de la política sanitaria sino de toda actividad humana” (p.30-55). Por lo tanto se puede ver aquí otra visión de la salud, una salud hermenéutica, con un fi n en sí misma: la salud como un tipo de enfermedad. Para Lewis Thomas (citado por Renaud, 1994), nos transformamos obcecados con la salud, buscando más exuberancia al vivir e ignorando el fracaso, la muerte:

Perdemos la confi anza en el cuerpo humano. El nuevo consenso es que estamos mal dibujados… Ciertamente deberíamos preguntarnos si nuestra preocupación por la salud personal no es un síntoma de incapacidad para hacer frente a las cosas, una disculpa para subir corriendo las escaleras, caernos en un agujero, oler el aire en búsqueda de contaminantes, y cansarnos de pulverizar desodorantes, mientras fuera la sociedad entera se deshace (Thomas citado por Renaud, 1996, p.351).

Por lo tanto, se podría relacionar la promoción de salud con una instauración y manutención de comportamientos no sólo saludables sino también potenciadores de capacidades funcionales, físicas, psicológicas y sociales de las personas. O sea, un proceso amplio con lo cual las personas y las comunidades mejoran su control sobre los determinantes personales y ambientales de salud (Dias, Duque, Silva & Durá, 2004).

Características de los programas de payasos de hospital

La complejidad de las formas de ser en la contemporaneidad genera sentimientos de incertidumbre, de inestabilidad. Las verdades que teníamos a priori, en la modernidad, no son ya sustentadas por las mismas teorías. Vivimos ahogados por las dudas y por las incertidumbres y nos sentimos solos, vulnerables. Pero empezamos a sentirnos responsables también y curiosamente, todo esto nos hace sentir una necesidad de rescatar “el humano de la humanidad”. Para Bauman (2006), vivimos en una Modernidad Líquida, que tiene como características: la fragilidad de los vínculos humanos, la superfl uidad de desvinculación, la decrepitud; los estados transitorios y volátiles y la adicción a la seguridad y el miedo al miedo. De acuerdo con este autor, la crisis por la cual pasamos es la crisis del largo plazo y el único largo plazo es uno mismo, porque todo lo demás sería a “corto plazo”. Las palabras de Bauman hacen pensar sobre el automatismo en que nos encontramos actualmente. Vivimos siempre teniendo que correr detrás de resultados que no siempre son conscientes para nosotros mismos. Los vínculos humanos se tornan frágiles, superfi ciales y la intimidad es algo que puede estar en extinción. Todo se ve transitorio, incluso los vínculos.

Es verdad que el automatismo del mundo implica una falta de consciencia sobre la vida misma. Las presiones, necesidades y valores existentes en la sociedad actual, construida por nosotros mismos, nos aleja de nuestro presente y de nuestra propia vida. Así que, normalmente es más fácil culpabilizar a lo externo, o no humano, en relación a las elecciones que uno hace. Entonces, la aparición de esta persona, de una esencia del ser humano, se ve relacionada con la comunicación. Y, por lo tanto, una de las estrategias básicas de la humanización que tanto se habla, puede estar relacionada con una atención a la comunicación existente entre las personas. Entre dos indivíduos que se comunican como personas, entre dos esencias que se encuentran. Y esta ha

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sido una de las principales funciones del arte, promover extrañeza y encuentro al mismo tiempo, o sea, una posibilidad de ser a través de una experiencia que al mismo tiempo en que comparte el lenguaje de la incertidumbre contemporánea, acoge la diferencia de percepciones, abriendo nuevos caminos y posibilidades de encuentro con el humano.

Federicci (2004) afi rma que “para mover en el lado de la patética y patológica inalterabilidad del normal, existe el arte; solamente para chocar concepciones del mundo que se cristalizan al dejar de ser al menos pensadas, y restituirnos una permeabilidad entupida”, y cita Bergson:

Si nuestros sentidos y nuestra conciencia fueran directamente impresionados por la realidad, si pudiéramos entrar en comunicación inmediata con las cosas y con nosotros mismos, creo que el arte seria inútil, o mejor, que seríamos todos artistas, pues nuestra alma vibraría entonces continuamente en unísono con la naturaleza (Bergson cifrado por Federici, 2004, p.73).

Los programas de payasos de hospital son un ejemplo nítido de la función social y de promoción de salud que puede ocupar el arte. En las últimas décadas ha crecido de forma signifi cativa el número de estos programas, los cuales ya están disponibles en todos los continentes. La tasa de introducción y la integración de los programas de payasos de hospital de forma continua o fi ja en la atención de salud son consideradas un fenómeno nuevo.

Los clown doctors o payasos de hospital, son profesionales, artistas intérpretes o ejecutantes (no médicos) que tienen una capacitación adicional para trabajar, prioritariamente, con los niños enfermos en el hospital. Los programas normalmente son integrados y aceptados en la acogida de los hospitales, con informes de alto nivel de profesionalismo y confi anza.

La diferenciación entre lo que es terapia y lo que es terapéutico es muy importante para contextualizar el trabajo de los payasos en intervenciones como, por ejemplo, en los hospitales. El ambiente hospitalario acostumbra a estar bien estructurado profesionalmente: “profesionales de ayuda” más tradicionales (como pueden ser los psicólogos, asistentes sociales o religiosos) fi nalmente vienen encontrando sus espacios dentro del hospital y el apoyo terapéutico está por todas partes. Muchos incluso pueden utilizar herramientas artísticas para hacer sus “terapias” (como los dibujos o las historias infantiles). Pero el payaso no está ahí con este objetivo. Él no busca diagnósticos, o “tratamientos”, no se centra en las enfermedades ni en la espera de resultados. Él actúa sin preocuparse por el después, vivenciando el presente y haciendo de esta vivencia lo que vendrá a ser terapéutico.

Adams (2002) aún afi rma preferir los payasos para los adultos, porque, según el, estos tienen una vida mucho más alejada de la experiencia, o sea, del aquí y ahora, de lo que se vive en el presente. Y afi rma: “los hospitales modernos y las prácticas médicas en todo el mundo, gritan por reconectar el suministro de la atención a la compasión, alegría, amor y humor” (Adams, 2002, p.47).

Una de las características que más marcan de este tipo de trabajo es el sentido del humor. Actualmente, son muchos los estudios que consideran la importancia del humor en

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la promoción de salud de las personas. La capacidad de reír es una de las cualidades más características y profundamente enraizadas en el humano. Fueron muchos los psicólogos y fi lósofos que argumentaron que el hombre es el único ser que ríe y tiene sentido del humor (Moody, 2002).

El humor puede relacionarse con el estrés y, por lo tanto, se habla de un posible efecto positivo indirecto del humor sobre la salud. Según Narvaez (2007), el estrés inhibe el sistema inmunológico y, por lo tanto, está asociado a todos los tipos de condiciones médicas, como resfriados, dolores en las espaldas, diabetes, etc. A través del control del estrés, un buen sentido del humor debería, en principio, prevenir ciertas enfermedades, favorecer la recuperación y contribuir, en defi nitiva, a una salud mejor. Richman (2001) hace referencia al humor como condición humana: “el humor positivo es un bien con una esencia afectuosa y una tolerante comprensión de las locuras de nosotros mismos y de los otros” (p.422).

Y el humor parece tener siempre alguna relación con la autenticidad. Bergson (2008), en su ensayo sobre la signifi cación del cómico, afi rma que la vida auténticamente vivida no debería repetirse y que la repetición nos hace sospechar que algo mecánico funciona por detrás del viviente. Por lo tanto, defi ende la idea de que la desviación de la vida en dirección a lo mecánico es la verdadera causa de la risa y nos aporta que la risa debe ser una especie de gesto social, teniendo en cuenta que el mundo donde vivimos está lleno de incongruencias y la capacidad de percibir lo cómico, entonces, sería indispensable para el enfrentamiento de estas alternancias, que puedan ser percibidas y manejadas tranquilamente con el sentido de humor.

En una investigación realizada por la ONG de payasos promotores de salud “Doutores da Alegria” (2003/2004), fueron encontradas 124 web-sites de organizaciones de payasos de hospital en el mundo. En los Estados Unidos fueron los primeros en el desarrollo de este tipo de intervenciones. El llamado the Big Apple Circus Clown Care Unit, en la ciudad de Nueva York, creado por Michael Christensenn en 1986 es reconocido como el primer programa bien estructurado, de payasos de hospital. A partir del conocimiento y aprendizaje, trabajando con este grupo, el artista brasileño Wellington Nogueira llevó la idea para Brasil, creando el grupo “Doutores da Alegria” en 1990 (Nogueira, 2006).

Infelizmente, entre tantos programas y asociaciones, pocas son las investigaciones hechas sobre las aportaciones de los payasos de hospital para la promoción de una salud “real”.

En una investigación realizada en Finlandia, sobre las expectativas de los niños en relación a la atención de las enfermeras en una unidad pediátrica, los entrevistados (niños entre 4 y 11 años) esperaban que las enfermeras fueran simpáticas, afectivas y divertidas, siendo las características humanas las que más les importaban. Además de esto, una buena enfermera era esperada por los niños como con “sentido de humor” y “honestas”. Los niños afi rman también que les gustarían que las ropas de las enfermeras fueran más coloridas y dicen que “el blanco no es guapo” (Pelander & Leino-Kilpi, 2004, p.145).

En otra investigación, con niños sometidos a la anestesia en un Hospital de Florencia, Italia (Vagnoli, Caprilli, Robiglio & Messeri, 2005) los investigadores buscaban encontrar

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efectos del trabajo de payasos de hospital en los niños que tenían que tomar anestesia. Como resultados, encontraron que la presencia de payasos durante la inducción de la anestesia, junto con uno de los padres del niño, fue una intervención efectiva para la gestión del niño y de los padres, sobre la ansiedad en el período pre-operatorio. Además, los responsables de este estudio comentan, como conclusión, sobre la necesaria promoción de esta forma de terapia de distracción, para los niños que requieren cirugía. Y afi rman que la resistencia del equipo médico a este tipo de (en la opinión de ellos) “terapia”, puede “tratarse mejor mediante el suministro de información relativa a la prestación de terapia a los niños y de investigación si la presencia de payasos durante la inducción de anestesia, retarda el proceso de manera signifi cativa” (p.567).

En España, Cantó, Quiles, Vallejo, Pruneda, Morote y Piñera (2008) realizaron una investigación sobre el efecto de la actuación de los payasos de hospital sobre la ansiedad, en niños sometidos a una intervención quirúrgica. Los resultados obtenidos mostraron que los niños que recibieron la atención de los payasos se manifestaron menos ansiosos y con menos miedo que los que no la recibieron. Además, estos resultados parecieron mantenerse 7 días después del alta a través de manifestaciones de conducta positivas.

En Brasil, Aquino, Bortolucci y Marta (2004) hicieron un estudio cualitativo sobre la visión de los payasos de hospital por niños, de 4 a 12 años, hospitalizados. En este estudio, observaron que el trabajo de los payasos ayuda en la autonomía del niño que se encuentra en poder decidir si quiere o no la entrada de los payasos en su habitación, lo que signifi ca un respeto a la opinión del niño, derechos que cuando el niño esta hospitalizado no puede tener en relación a su cuerpo.

Masetti (1997), en su investigación con payasos de hospital, ha aplicado dibujos en los cuales los niños contaban historias, antes y después de la actuación de los Doutores da Alegria. Lo que se observó como más presente, fue la modifi cación de historias después de la actuación de los payasos, con un enriquecimiento de contenidos, expresiones de confl ictos, resoluciones mejores o más positivas. Además, se ha observado un mayor uso de colores, aumento del tamaño de los dibujos, mayor nitidez o mejora en las formas. De acuerdo con la autora “estas modifi caciones son indicadores de un cambio positivo en relación al niño con la hospitalización, en concordancia con las informaciones obtenidas junto a los padres, médicos y enfermeras” (Masetti, 1997, p.43).

Por lo tanto, a pesar de que fueran investigaciones en pequeñas cantidades y, normalmente, con resultados poco signifi cativos frente a la grandiosidad de otras pesquisas médicas y farmacológicas, todos los estudios citados apuntan hacia una ayuda real en la calidad de vida de los niños hospitalizados y a la necesidad de humanizar los ambientes sanitarios infantiles.

Es nítida la falta de más pesquisas signifi cativas, que puedan llevar el conocimiento de los factores favorables de este tipo de trabajo para dentro del hospital, de forma que estos programas puedan ser más conocidos y, consecuentemente, mejor aceptados.

Consideraciones fi nales

Es notable el desarrollo y la abertura existente actualmente para nuevas propuestas de actuación en el área de salud. Al mismo tiempo en que se habla de necesidad de

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humanización y desmercantilización de la medicina, muchos nuevos proyectos son aceptados por las autoridades con el fi n de revertir estos problemas. Infelizmente muchas veces esta aceptación apenas ocurre como “fachada”, con la intención de parecer que a alguien le importa. Pero, la certeza es que muchos profesionales se ven envueltos en este cambio y lo que antiguamente podría ser inimaginable, actualmente ya es visto con cierta naturalidad, como la existencia de payasos dentro del hospital.

Por otro lado, la existencia de muchos servicios no especializados acostumbra a difi cultar la aceptabilidad de este tipo de trabajo. Y la difi cultad consiste en que los payasos de hospital trabajan directamente con la subjetividad humana, con lo invisible a los ojos y por lo tanto, su efi cacia y efi ciencia son difíciles de ser probadas y evaluadas en los parámetros de la ciencia médica de carácter positivista, basada en la “evidencia”.

Bestetti (2005) trae preocupaciones en relación a una posible transformación de la fi gura del payaso de hospital en un producto a ser vendido, cristalizado, o sea, una especie de clichê. La autora afi rma haber nacido “un fuerte confl icto entre el carácter profesional y la función social del payaso” (p.81), por aproximarse muchas veces a esta fi gura, personas poco preparadas que hacen “del arte clownesco una mezcla de ganas de cooperar y comodismo con el resultado, ciertamente no desaprobado (teniendo en vista las buenas intenciones) pero muy lejos de la verdadera técnica clownesca, fruto de un rigor extremo, de años de trabajo.” (p.81).

Pero, algunos intentos de estudios vienen siendo hechos y las repercusiones son cada vez más favorables. Los payasos de hospital son profesionales que promueven salud al estar llamando la atención sobre la existencia de este lado saludable, dentro de un hospital. Para facilitar la atención al presente, utilizar un sentido del humor apurado y provocador de risas, desdramatizan el ambiente hospitalario no solo para los pacientes sino también para todos que allá se encuentran. Esta humanización realizada por estos artistas sería una prueba más de que ellos están promoviendo salud por donde pasan.

Todavía existe mucho que estudiar, visto que para que estos profesionales sean reconocidos necesitan de estudios que los lleven más cerca de sus nuevos colegas de profesión. Felizmente, aquellos que ya vieron este tipo de trabajo de cerca pudieron percibir sus resultados, restando dudas de que la presencia de payasos en el hospital promueve salud y lleva un poco más de humanidad, alegría y vida para todos los que los rodean.

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Bruna Baliari Espinosa: Psicóloga; Master en Salud y Bienestar Comunitario por la Universidad Autónoma de Barcelona; Becária ALBAN (Becas de Alto Nível para America Latina).Teresa Rosado Gutiérrez: Psicóloga; PhD, Profesora titular del Departamento de psicología clínica y de la salud de la Universidad Autónoma de Barcelona.

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Descompassos entre a lei e o cotidiano nos abrigos: percursos do ECA

Maria Lívia do NascimentoAlessandra Speranza Lacaz

Marilisa Travassos

Resumo: O texto apresenta debates referentes a uma pesquisa bibliográfica que analisou produções escritas sobre o tema do abrigamento de crianças e jovens. Tal pesquisa visou cartografar as narrativas escritas sobre abrigos e convivência familiar a partir do ano 2000, quando, após dez anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a consolidação de seus princípios na sociedade poderia ser esperada e sua implantação discutida. Dentre as categorias de análise levantadas, uma delas, “Ditos do ECA e cotidiano dos abrigos”, problematiza as mudanças produzidas pelo Estatuto na lógica de assistência à infância, interrogando-as através das práticas cotidianas dos abrigos. As análises feitas apontam divergências entre a lei e essas práticas, qualificando o abrigo como um espaço protetor dos direitos de crianças e jovens, mas ao mesmo tempo violador desses mesmos direitos, ao infringir a lei por outros percursos.Palavras-chaves: abrigo; ECA; infância e juventude.

Differences between the law and the daily life in the shelters:ECA’s trajectories

Abstract: The text presents discussions about a bibliographical research that has analyzed written productions about the subject: sheltering of children and young people. Such study aimed to cartography the written narratives about shelters and family living from the year 2000, when, after ten years of the promulgation of the Children and Adolescent Statute (ECA), the consolidation of its bases in the society could be expected and its deployment discussed. Among the categories of analysis lifted, one of them, “ECA’s proposal and the daily life in the shelters” inquiring the changes produced by the Statute in the logic of assistance to the childhood, asking them through the daily practices of the shelters. The produced analysis shows differences between the law and these practices, qualifying the shelter as a space that protects the rights of children and young people, but also violates these same rights while breaking the law in other ways. Keywords: Shelter, ECA, childhood and youth

Introdução

Os debates que apresentamos aqui dizem respeito à pesquisa Cenários dos Abrigos no Brasil: uma leitura a partir de produções acadêmicas, que integra o Programa de Intervenção Voltado às Engrenagens e Territórios da Exclusão Social (PIVETES). Através de uma pesquisa bibliográfi ca, buscamos levantar a produção escrita sobre os temas abrigo e convivência familiar (livros, artigos, dissertações e teses) produzida e disponibilizada em diferentes dispositivos de divulgação acadêmica. Para tanto, tomamos como marco inicial textos divulgados a partir de 2000, data escolhida por se considerar que, passados dez anos da promulgação do Estatuto da Infância e da Adolescência (ECA),

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a consolidação de seus princípios na sociedade poderia ser esperada. Como durante essa primeira década foram acontecendo ajustes decorrentes da passagem para as novas ordenações jurídicas de proteção à infância e à juventude, apostamos ser essa uma data de referência importante para a discussão da implantação do Estatuto. Foi acreditando que uma lei não funciona apenas pela imposição de um decreto, mas pelos efeitos que sua aplicação vai produzindo, que a pesquisa buscou cartografar as narrativas escritas sobre abrigo e convivência familiar.

Tomamos os discursos presentes nos textos analisados como prática social, que produz modos de funcionamento e gestão da vida, estabelece relações de poder, fabrica instituições, enfi m, produz efeitos. Tal concepção nos levou a problematizar e historicizar as práticas que estão sendo produzidas sobre crianças e adolescentes abrigados, sobre algumas das instituições que os atravessam – família, infância, internação, abandono, tutela, dentre outras – e sobre quais efeitos são por elas produzidos. A cartografi a do cotidiano dos abrigos, construída pelas afi rmações de autores e produções acadêmicas, possibilitou colocar em análise temas como os especialismos científi cos, o complexo tutelar, as novas ordenações jurídicas de proteção à população infanto-juvenil e os modelos de infância e família.

Concomitantes às leituras dos textos encontrados, foram propostas algumas categorias de análise, localizando temas que estão sendo pesquisados nesse campo e o que tem sido dito a respeito de crianças e adolescentes abrigados no Brasil. Durante o processo de construção dessas categorias, foram destacadas aquelas mais presentes nos textos estudados, que passaram a apoiar nossas discussões e análises.

Desse conjunto de categorias, escolhemos para discutir aqui aquela que denominamos “Ditos do ECA e cotidiano dos abrigos”, que problematiza as rupturas produzidas pelo Estatuto na lógica de assistência à infância e à juventude, interrogando até que ponto tais rupturas de fato estão presentes nas práticas dos abrigos.

Proteção e violação dos direitos: uma convivência presente nos abrigos?

Muitos dos trabalhos analisados mostram que, apesar do ECA propor um rompimento com a lógica de internação, ao estabelecer uma outra forma de atendimento, a cultura dos antigos internatos muitas vezes permanece, o que aponta para divergências entre a lei e as práticas cotidianas dos abrigos. Assim, o modelo de estabelecimentos onde crianças e jovens moravam, estudavam, recebiam assistência médica, psicológica e odontológica não foi completamente substituído pelos princípios presentes na nova legislação. De acordo com eles, os abrigos devem funcionar priorizando o contato com atividades comunitárias, favorecer a preservação dos vínculos familiares, possibilitar o não desmembramento de grupos de irmãos e afi rmar o atendimento personalizado e em pequenos grupos. Entretanto, nem sempre isso ocorre, e pode-se dizer que há uma considerável incompatibilidade entre algumas propostas do Estatuto e o que, na realidade, se pratica nos abrigos.

O descompasso entre a lei e o vivido nos abrigos pode aparecer das mais diferentes formas, inclusive em algumas completamente inaceitáveis, como nos trechos que se seguem:

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Ameaças e punições físicas também eram aplicadas às crianças. (...) Desse modo, a manutenção do autoritarismo e violência ainda existia na vida das crianças que, retiradas de suas famílias por maus-tratos, eram, forçosamente, obrigadas a conviver com pequenos atos de violência diários. (Barros & Fiamenghi, 2007, p.1272)1

Embora seja órgão executor do ECA, em muitos aspectos, o abrigo contraria seus preceitos, colocando em dúvida se efetivamente é um abrigo para proteção. Um claro exemplo desta contradição é referente à preservação (e até estímulo) do vínculo familiar normatizado pelo ECA. A organização institucional cria obstáculos para que as famílias não sejam insistentes e “atrapalhem o trabalho”. Uma vez que se deva manter o vínculo, o trabalho da instituição é justamente abrir espaço para a família, e não limitá-la a duas horas de visitas semanais. (Oliva, 2004, p.9)

Em outro texto pesquisado, Arpini citando Bleger (1980), corrobora com a ideia de que os abrigos tendem a reproduzir a mesma lógica de alguns dos problemas que buscam combater, pois criam as mesmas difi culdades vivenciadas por crianças e adolescentes pobres, estabelecendo a mesma relação excludente que a sociedade tem com seus sujeitos não adaptados aos modelos instituídos. A partir de tais argumentos, é sugerida a falta de êxito do funcionamento desses estabelecimentos.

Cabe aqui colocar em análise a ideia de abrigo que tem êxito. O que seria um abrigo bem sucedido? Aquele onde há ordem? Onde tudo está organizado? Aquele que os órgãos de fi scalização avaliam como tendo bom funcionamento? Geralmente esses são os que primam por práticas de normatização, de moralização e de higienização, como visto em outro artigo de nossa base de dados, no qual os autores relacionam a boa aparência das crianças com a disciplinarização de seus corpos.

Constata-se, assim, a existência de um paradoxo presente na relação mãe social/criança, com relação ao cuidado. Não se pode negar que as crianças recebem cuidados, pois estão sempre asseadas e apresentam boa aparência, no que se refere à limpeza e vestimenta. Ao mesmo tempo, a garantia de boa aparência e asseamento ocorre às custas de muita repressão para que não se movimentem e, consequentemente, se desarrumem, associada a cuidados rápidos, muitas vezes bruscos, que não levam em consideração o tempo e as necessidades de cada criança individualmente. (Nogueira & Costa, 2005, p.172 )

Seria esse um bom abrigo, já que asseado, bem cuidado, em perfeita sintonia com padrões instituídos de cuidado e com forças hegemônicas que produzem técnicas de governo? Nesses locais, que espaço teriam linhas fl exíveis que possibilitassem modos de existência diferenciados, escapes ao “pensamento único”, e aos valores morais apontados como verdadeiros e universais? Locais onde, por exemplo, a algazarra das crianças, o desalinho de suas roupas, o movimento de seus corpos inquietos afi rmem a vida e desnaturalizem o abrigo padrão, enfi m, onde a criança ao invés de se adaptar, inventa formas de vida com outras formas de expressão.

1 As citações que aparecem com asterisco referem-se aos textos utilizados como fonte da pesquisa bibliográfi ca.

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Se voltarmos à ideia, anteriormente sugerida, que associa o êxito ou o não êxito ao fato do abrigo reproduzir as mesmas práticas de exclusão presentes na sociedade para sujeitos não adaptados, pode-se dizer que o abrigo não se constitui como algo fora das construções subjetivas. Ou seja, enquanto instituição do tecido social é a um só tempo produzido e produtor de processos de subjetivação excludentes. Seus muros não o isolam desses processos. Existe uma porosidade entre o que se passa no seu interior e fora dele, já que as subjetividades construídas não habitam locais específi cos, não existem em si, não são estáticas e nem defi nitivas, não se dão dentro ou fora dos estabelecimentos: são processuais, constantemente fabricadas a partir de um conjunto de relações de forças, no qual as hegemônicas convivem com outras construídas como minoritárias e se espraiam em todo o tecido social. Dessa forma, as lógicas da exclusão referentes aos abrigados se encontram em toda parte, até porque esses territórios dentro e fora não se separam no que se refere a construções subjetivas.

Foucault (2001) afi rma a dimensão positiva do poder ao dizer que é necessário “(...) deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos” (p.161). Entende a positividade como a propriedade de produzir alguma coisa, como a existência de confi gurações que possibilitam acontecimentos. Assim, as relações de poder presentes nos abrigos, como todas as demais, são sempre propositivas. Afi rmam políticas públicas destinadas à população infanto-juvenil, fabricam orçamentos públicos, constroem práticas de atendimento, higienizam as ruas ao guardarem intramuros alguns dos considerados nocivos sociais. Todas essas, muitas vezes, vistas como práticas bem sucedidas. Ou seja, o êxito sempre existe, importa localizá-lo.

Frente a tais análises e passados 18 anos da implantação do ECA, é pertinente uma discussão que problematize as transformações ocorridas nas práticas protetivas de atenção infanto-juvenil e o que ainda permanece como herança do sistema total2. O abrigo se qualifi ca como um espaço protetor dos direitos de crianças e jovens, mas é ao mesmo tempo violador, já que simultaneamente se propõe a protegê-los de situações de risco, mas infringe a lei por outros percursos. Um dos pontos mais recorrentes nos textos analisados diz respeito ao fato dos abrigos terem se tornado um lugar de permanência até a maioridade, enquanto o caráter temporário desses espaços é uma condição prevista na lei. Dessa maneira, muitos passam suas vidas inteiras ali, não tendo oportunidade de retornar à sua família de origem. É o que Orionte e Souza (2007, p.114) descrevem no seguinte trecho:

Sabe-se que, em virtude da burocracia das instituições, difi cilmente uma criança

2 O sistema total tem como suporte as instituições totais (manicômios, prisões, asilos, conventos) (Goffman, 1974). No que se refere ao tema aqui tratado – infância e juventude – diz respeito ao complexo de estabelecimentos que se destinavam à internação de crianças e jovens. Ancorados pela proposta de substituição da caridade pela fi lantropia, emergem no século XIX, fazendo parte de um aparato médico-jurídico-assistêncial, que buscava a prevenção, a reeducação e a recuperação dessa parcela da população quando vista como perigosa ou em perigo. Com base na vigilância e no controle, funcionava como forma de promover a correção dos internados e o saneamento social. Na maioria dos casos, atuavam como depósito, já que o mais comum era só deixar o estabelecimento após a maioridade, mesmo que ao longo de suas vidas passassem por diferentes locais de internação.

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será retirada dali. O espaço que deveria ser apenas temporário torna-se, para muitas delas, permanente, contrariando a proposta do ECA (Brasil, 1990). Entretanto, no âmbito geral, essa proposta ainda não foi efetivada, necessitando de políticas sociais que garantam apoio às famílias, qualidade da institucionalização e efetiva aplicabilidade dos preceitos e normativas do ECA.

Muitos abrigos alegam não ter recursos para realizar suas funções, como, por exemplo, a de reintegração da criança ou do jovem na sua família, a quem deveriam prestar assistência no sentido de favorecer condições para esse retorno. Sendo essa tarefa exercida de forma precária pelos abrigos, ela fi ca, muitas vezes, a cargo das equipes técnicas do poder judiciário, que também a realizam de maneira insufi ciente.

Tal preocupação está presente em algumas das produções pesquisadas, quando discutem as funções do abrigo, as práticas de desqualifi cação da família pobre e os limitados procedimentos de reintegração da criança à sua família. O exemplo que se segue, retirado de um dos textos pesquisados, aponta a necessidade do abrigo buscar meios de reaproximar a família do fi lho abrigado.

Entendemos que as instituições que se destinam a abrigar crianças, necessitam desenvolver estratégias de ação que possibilitem a reintegração da criança à família, servindo como ponte para o restabelecimento dos vínculos que por motivos diversos, em algum momento se perderam. A instituição necessita repensar seus objetivos a fi m de ampliar seu horizonte de ação, acrescendo a sua função de cuidadora da criança à de promotora do restabelecimento do contato da mesma com a família, para que esta assuma o seu papel enquanto primeira gestora do cuidado de seus membros, ou seja, cumpra sua função afetiva, provedora e formadora. (Zem-Mascarenhas & Dupas, 2001, p.419)

Encontramos, ainda, referências ao fato de que muitos abrigos, até o presente, ainda funcionam com especialistas atendendo dentro de seus espaços internos. Silva, Mello e Aquino (2004) relatam que o “Levantamento Nacional” realizado pelo IPEA

... mostra um quadro preocupante nesse sentido: apenas 6,6% dos abrigos pesquisados utilizam todos os serviços disponíveis na comunidade, tais como: creche, ensino regular, profi ssionalização para adolescentes, assistência médica e odontológica, atividades culturais, esportivas e de lazer e assistência jurídica. Nesse aspecto, a maioria dos abrigos (80,3%) ainda oferece pelo menos um desses serviços diretamente (de forma exclusiva) dentro do abrigo... (p.234)

Referindo distância, difi culdade de transporte, quebra da dinâmica da casa, falta de funcionários para acompanhar as crianças, os abrigos alegam não ter condições, por exemplo, de levar as crianças a postos de saúde. Nesse contexto, e no sentido de poupar trabalho, muitos estabelecimentos relatam práticas de padronização nos abrigos semelhantes àquelas dos antigos estabelecimentos de internação: uma homogenização de roupas, penteados, condutas e hábitos. Isso evidencia uma contradição com a diretriz do ECA, que afi rma o atendimento personalizado, que respeite as individualidades de cada criança ou jovem.

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No entanto, anterior a todas estas violações, o que está em questão é a própria prática de abrigamento utilizada de forma recorrente, como primeiro recurso. Tal procedimento fere os direitos garantidos pelo Estatuto, operando a inversão do que encontramos no artigo 101, parágrafo único: “O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade”.

Estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (Silva, 2004), em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), mostraram que mais de 80% da população desses estabelecimentos têm família, sendo que quase 60% mantêm vínculo com seus familiares. Esses dados contrariam a crença disseminada de que a maioria das crianças abrigadas não tem família e evidenciam um modo de funcionamento da rede dissonante com a proposta do Estatuto no que concerne, especialmente, ao direito fundamental de convivência familiar.

Nesse caminho de análise, cabe perguntar: escrever algo em formato de lei assegura as mudanças que inspiraram sua elaboração? A lei garante os direitos por ela mencionados?

A pesquisa do IPEA indicou, também, que entre os abrigados a maioria é de meninos, negros e pobres, com idade entre 7 e 15 anos, sendo os principais motivos que justifi cam a entrada nos estabelecimentos a carência de recursos materiais da família e um pretenso abandono. Nesses casos, o abrigamento está fortemente ligado à situação fi nanceira da família e sua suposta incapacidade de prover para seus fi lhos condições básicas como higiene e alimentação. Isto, apesar do ECA ratifi car, em seu artigo 23, que a carência de recursos materiais não constitui motivo sufi ciente para o abrigamento e a consequente suspensão do poder familiar. Tal artigo afi rma ainda, em seu parágrafo único, que não havendo outro fator, a criança será mantida na família de origem, que deverá, obrigatoriamente, ser inserida em programas sociais de auxílio.

Estaria sendo o abrigo um dispositivo de violação de direitos? A institucionalização dessas crianças e adolescentes seria a melhor medida? Que outros funcionamentos poderiam ser operados pela rede de proteção à infância e juventude?

O ECA, os abrigos e as relações de forças que os atravessam

Não há como problematizar as práticas de violação de direitos sem revisitar a história de assistência à população infanto-juvenil brasileira, pautada e construída a partir das práticas de internação. Até 1990, crianças e adolescentes que por algum motivo não podiam ser cuidados por suas famílias e fi cavam sob a tutela do Estado eram encaminhados para os grandes internatos. Tal conduta se constituiu fortemente embasada em pressupostos médico-higienistas, juristas e, podemos também dizer, foi fundamentada em certos discursos psi, aqueles que acreditam na apreensão objetiva do mundo e do ser humano e na natureza específi ca e identitária dos objetos.

Ao se apoiar em uma concepção de indivíduo dotado de uma essência, o discurso psi corroborou com a afi rmação de modelos hegemônicos de família, estabelecendo padrões

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de normalidade e anormalidade, desqualifi cando, assim, a família pobre, fi xando-a em aparelhos de normalização, regulação e controle. Visando dar conta disso, proliferam os grandes complexos de internação para infância e juventude, dispondo de um modelo punitivo-repressivo, legitimado, dentre outros, pelo saber da psicologia.

Compartilhamos com Foucault (1996) a ideia de que o lugar de saber-poder ocupado pelos especialistas e sua habilidade em instituir verdades eternas e a-históricas produz sentidos por/para os sujeitos. Dessa forma, o saber age nos indivíduos a partir da observação, da rotulação, do registro, da análise de seu comportamento, da comparação entre os tidos como desiguais e da sua posterior desqualifi cação, visto que a razão especialista se pauta pela vigilância, o controle e a disciplina, transformando questões sociais em problemas individuais, ao retirar das análises a condição histórica dessas questões. As múltiplas forças do poder dos especialistas constroem valores e sensibilidades e se apresentam de diferentes maneiras no cotidiano.

Os efeitos que os saberes dos especialistas produziram no interior dos internatos foram colocando em análise suas formas de funcionamento. Assim é que a partir dos anos de 1980 a internação e o cotidiano de sua aplicação passam a ser objeto de debates. Sobretudo questionava-se a utilização dessa prática como dispositivo de controle das famílias pobres. Discussões dessa ordem, somadas ao cenário político brasileiro daquela época, marcado pela elaboração e promulgação da Constituição de 1988 e pela presença de fortes movimentos sociais, prepararam o terreno para a revogação do Código de Menores e sua substituição pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA, portanto, tenta interromper o percurso histórico da internação ao propor uma lógica de contraposição aos grandes estabelecimentos de acolhimento de crianças e jovens, instituindo o abrigo enquanto dispositivo de proteção.

Mais uma vez nos fazemos acompanhar de Foucault e do que ele nos diz sobre os discursos. Para ele, o discurso “não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos” (Foucault, 1971).

Dessa forma, o que seria a lei senão um discurso? Um discurso que se faz em meio a relações de força e produz efeitos sobre essas próprias relações. Diferente do que se pensa e se espera, a lei não cria a realidade por si só. É mais um discurso circulando, mais uma palavra de ordem no meio de outras forças. É fato que existe todo um aparato junto a esse discurso legal que pretende fazê-lo funcionar de determinada forma. Existe uma relação de força para fazer a palavra legal funcionar de modo a prescrever comportamentos. Só que como toda relação de força, ela não é estática e nem defi nitiva.

De acordo com Passetti (2007),

O Direito (...) é produto de uma luta entre forças, que justifi ca a força vencedora e o seu egoísmo, mesmo quando esta se apresenta igualitária, altruísta e com facetas universalistas. Assim é que todo direito se expressa em lei a ser respeitada pelo cidadão (...) (p.76)

Fica, pois, a questão: o que aconteceu no intervalo entre as lutas, os movimentos que construíram o ECA e a realidade dos abrigos, no que se refere à implantação das

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noções trazidas pela nova lei? Para pensá-la é fundamental evocar os processos de subjetivação que instituem nossas práticas e que através de diferentes mecanismos, como por exemplo, a mídia forma os sujeitos e seus modos de funcionamento. É interessante lembrar que no caso da mídia, sua ação se faz de preferência atrelada aos especialistas, que constantemente são convocados a dar pareceres nos meios de comunicação,

As noções de família desestruturada, de menor, de infâncias desiguais, de pais ideais são constantemente vinculadas à desqualifi cação e mesmo à criminalização da pobreza. Veiculadas no espaço social, em destaque pela mídia, vão produzindo subjetividades que julgam os pobres como necessitados de intervenção, inclusive psi, no sentido de corrigir, enquadrar e adaptar as pluralidades de seus modos de vida a modelos hegemônicos de família, trabalho, infância, dentre outros. Isso, apesar do Estatuto tentar justamente romper com essa lógica assistencialista e desqualifi cadora.

Sendo assim, é através de um discurso científi co, que legitima, reforça e coloca a família pobre no lugar da impotência, e da massifi cação desse pensamento através dos meios de comunicação, que as práticas no campo da infância e juventude também vão sendo constituídas. Conceber o modo de vida dos pobres como desprovido de condições para o cuidado de seus fi lhos é herança que vem do Código de Menores. Tal noção, não completamente desmontada com a entrada do ECA, ganha espaço, dentre outros aspectos, apoiada em forças circulantes que associam a pobreza com risco, periculosidade e violência.

Apesar do ECA propor uma nova política de assistência para a infância e a juventude, que promove a noção de sujeitos de direitos, a garantia desses direitos fi ca prejudicada em função de uma disparidade entre os processos presentes numa ordem macropolítica e os que se apresentam numa perspectiva micro. Na passagem do Código de Menores para o ECA, a difi culdade de desmontar um modo de funcionamento e construir outro esbarra nas singularidades e nas multiplicidades do cotidiano. A lei, assim, não garante a implantação de seus preceitos. O instrumento legal é, sem dúvida, de suma importância nesse processo, no entanto, não dá conta da pluralidade presente no dia a dia das práticas dos abrigos.

Além disso, é preciso referir, também, o processo através do qual a lei se faz. O ECA emergiu num contexto de movimentos de luta, movimentos sociais, e culmina com um poder constituído, a Lei. Parece-nos importante, e trágico, para os movimentos sociais que suas lutas para construir uma realidade, percam força justamente no momento em que se consegue legislar uma determinada questão. Pode-se dizer que os movimentos de defesa dos direitos da infância e da juventude reduziram suas forças após a promulgação do ECA, e sabemos que seria justamente neste momento da cotidianidade da aplicação da lei que mais fortemente deveriam estar presentes. O advento do Estatuto traz novas perspectivas para a população infanto-juvenil ao propor a doutrina de proteção integral e criar o sistema de garantias de direitos. Esse sistema envolve, além do poder público, entidades da sociedade civil organizada, que têm lugar fundamental no cenário da proteção. São as condições de organização dessas entidades, suas forças de articulação em rede e suas posturas ético-políticas frente à consolidação do texto da lei que irá garantir os direitos de crianças e jovens.

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Nossa pesquisa apontou que em muitos casos de abrigamento inexiste um trabalho com as famílias que assegure o caráter provisório e excepcional da medida. Esse deveria ser um campo de atuação dos movimentos de defesa dos direitos de crianças e jovens, orientados para o fortalecimento das famílias e da convivência familiar e comunitária.

É com a lógica de internação que o ECA tenta romper. Entretanto, na literatura consultada nesta pesquisa, algumas afi rmações apresentadas corroboram com a ideia, já mencionada, de que o abrigo além de protetor, também viola os direitos de crianças e jovens, em descumprimento da lei. Tomando mais um exemplo, diz o Estatuto que não mais se pode abrigar por pobreza, mas não são justamente as crianças e os jovens pobres, fi lhos dos qualifi cados como negligentes, descuidados, violentos, que continuam sendo abrigados? Ou seja, são os pobres os considerados necessitados de intervenções especialistas que possam regular e tutelar suas vidas.

Muitas são as interfaces que permeiam esse processo histórico de cronifi cação da pobreza, em que a questão econômica emerge como um dos mais nocivos vetores. Embora se saiba que a pobreza em si não deveria ser causa do abrigamento de uma criança ou adolescente como preconizado pelo ECA, nos inúmeros casos de abrigo em que a justifi cativa é a pobreza, constata-se uma situação de miséria – crescente e avassaladora – que interfere diretamente na dinâmica das relações familiares e gera as denominadas “famílias desestruturadas”, um termo que identifi ca “famílias incapazes de cuidar dos fi lhos. (Oliveira & Milnitsky-Sapiro, 2007, p.10)

Nesses moldes, o que podemos extrair do conjunto de dados e análises que realizamos ao longo da pesquisa, referente ao descompasso entre a lei e o cotidiano de abrigamento, é que a implantação do ECA, no que diz respeito aos abrigos, vem experimentando um embate de forças que, em certos momentos, faz funcionar engrenagens produtoras de infâncias desiguais e mecanismos violadores dos direitos da população infanto-juvenil pobre.

Referências

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_____________________________ Recebido em março de 2009 Aprovado em junho de 2009

Maria Lívia do Nascimento: Psicóloga; Doutora em Psicologia (PUC-SP). Professora do Departamento de Psicologia/Universidade Federal Fluminense (UFF).Alessandra Speranza Lacaz: Graduanda de Psicologia UFF; Bolsista PIBIC/CNPq. Marilisa Travassos: Graduanda de Psicologia UFF.

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Aletheia 31, p.26-38, jan./abr. 2010

Estudo do processo de resposta num teste de memória

Fabián Javier Marín RuedaFermino Fernandes Sisto

Cláudia Araújo da CunhaAlexandre José Raad

Resumo: O processo de resposta do Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) classifica seus itens em três categorias sequenciais (céu, terra e água). Assim, aventou-se a hipótese que pessoas com uma familiaridade diária com o mar (Aracaju-grupo A) lembrariam mais desses itens quando comparadas com pessoas sem esse contato diário (Uberlâdia-grupo B). Participaram 858 estudantes universitários, com idades entre 18 e 68 anos, de ambos os sexos, e que responderam coletivamente ao teste. Primeiramente, a hipótese não foi confirmada, sendo que o grupo B obteve maiores pontuações que o grupo A. Também, todas as categorias mostraram diferenças significativas entre os grupos, sendo que o grupo B sempre mostrou melhor desempenho. Por fim, o grupo A apresentou uma sequência não esperada (terra, céu e água) se diferenciando dos grupos do manual. Palavras-chave: Memória, processo de resposta, testes psicológicos, avaliação psicológica.

Study about the response process of a memory testAbstract: The response process of The Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) classified the items into three sequential categories (sky, land and water). So, it was hypothesized that the day-by-day familiarity with the sea by the people (Aracaju-group A) could ease their recovering of item of water grouping, when comparing with people that who not have that daily experience (Uberlândia-group B). 858 college students, aging 18 to 68 years old, of both sexes collectively answered the test. First of all, the hypothesis was not confirmed, and the group B obtained higher scores than the group A. Besides, all categories presented significant differences between both groups, always group B showing the best performance. Finally, the group A presented unexpectedly the sequence land, sky and water differentiating itself of all groups related in the Manual. Keywords: Memory, response process, psychological tests, psychological assessment.

Introdução

Do século XVII até o XIX, fi lósofos como John Locke, John Stuart Mill e Thomas Brown especularam sobre os fatores que afetariam a força de associações particulares no âmbito do sistema psicológico. Eles supusseram que o “despertar” de associações da memória (recordação) poderia ter maior ou menor intensidade em razão da semelhança da pista estimulante para a memória, o quão recente fosse a experiência, a coexistência de poucos “associados alternativos” para a pista (chamados “interferência”), e as “diversidades temporárias de estado” (intoxicação, delírio, depressão). Tais conjecturas geraram muita pesquisa e varias teorias, até hoje, sendo que cada uma delas lidou com esses fatores de formas diferentes (Bower & Hilgard, 1981).

Desde que a memória começou a ser estudada empiricamente, vários pesquisadores propuseram defi nir o que se entendia pelo construto; porém, uma das primeiras grandes correntes foi a empírica, introduzindo a teoria de associação por contiguidade (Warren,

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1921). Segundo essa corrente, ideias complexas seriam formadas na mente, conectando na memória ideias simples baseadas em sensações que seriam vivenciadas simultaneamente em tempo e/ou espaço.

Quando se fala em investigadores da memória humana, o primeiro foi Ebbinghaus, que em 1885, se interessou em saber qual a quantidade de informação que as pessoas poderiam se lembrar, imediatamente após sua apresentação. Foi ele quem inventou a noção da sílaba sem sentido ao fornecer para si mesmo materiais de aprendizagem de difi culdade homogênea, evitando dessa forma a variabilidade de palavras familiares (Tulving & Craik, 2000).

Investigações subsequentes propuseram outros paradigmas e testaram muitas variáveis que determinaram o desempenho da memória em diferentes contextos. A memória começou a ser testada tanto por lembrança, reconhecimento, reconstrução, além de uma variedade de medidas indiretas. A natureza dos materiais poderia ser variada, como também a forma de apresentação, as estratégias que os sujeitos usam para estudá-las, as expectativas a respeito do teste e as relações entre vários conjuntos de materiais a serem aprendidos. Como resultado, uma enorme quantidade de informação empírica foi acumulada sobre como se aprende em dadas situações, além de muitas hipóteses terem sido aventadas e testadas para integrar as diferentes defi nições e propostas para entender a memória humana (Tulving & Craik, 2000).

Mesmo com inúmeras variações e elaborações, o experimento de memória contemporâneo consiste de três fases, quais sejam, uma fase de estudo ou codifi cação, na qual o material é apresentado ao sujeito, um intervalo de retenção e, fi nalmente, uma fase de devolução ou teste, na qual o sujeito tenta responder a uma questão que envolve o uso da informação inicialmente estudada. Os diferentes métodos de memória, de Ebbinghaus até os dias de hoje, podem ser caracterizados em termos das condições que eles estabelecem para cada uma dessas três fases. A estratégia de pesquisa fundamental tem sido variar as condições em cada uma das fases.

É importante salientar que a mudança na forma de abordagem não trouxe modifi cações radicais na forma de avaliar o construto, mas deu-lhe um novo propósito, produzindo outra ênfase e o surgimento de novos procedimentos. Cada uma das três fases passou a ser vista como um conjunto de operações complexas a ser entendido em termos de um processador de informação ativo. Além disso, o foco desses métodos mudou o entendimento da interação com outras variáveis em cada uma das fases.

Bastante relacionado com essa mudança de foco, existia um crescente debate em relação ao número e forma dos diferentes sistemas de memória, assim como também a relação do construto com outras variáveis. Uma das variáveis muito pesquisada ao longo dos anos foi a idade. Pode-se dizer que o interesse pelo estudo da memória e a idade surgiu da pesquisa de Brunswik, Goldscheider e Pilek, que em 1932 estudaram a memória de escolares de 6 a 18 anos, observando que o número de repetições necessárias para apreender um material apresentado decrescia conforme aumentava a idade das pessoas. Após esse estudo, as relações entre idade e memória, especialmente na primeira infância e na idade avançada, têm sido muito investigadas.

Nesse sentido, Anderson, Craik e Naveh-Benjamin (1998) mostraram que o desempenho em testes de memória de adultos idosos era pior na codifi cação e devolução do que adultos jovens. Dentro desse contexto, enquanto alguns autores afi rmaram que a

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memória entraria em declínio nos adultos velhos ou idosos (Kausler, 1994; Ryan, 1992), outros consideraram que nem todos os aspectos da memória fi cariam prejudicados com o passar da idade (Balota & Duchek, 1988; Burke & Light, 1981; Craik, 1983; Schacter, Kihlstrom, Kaszniak & Valdiserri, 1993; Shimamura, 1989). Assim, em testes de memória explícita, segundo Verhaeghen e Marcoen (1993), existiria uma diferença de cerca de 20% entre adultos jovens e idosos, e em testes de memória implícita essas diferenças poderiam cair para aproximadamente 5% (Graf, 1990).

Já Alonso e Prieto (2004), pesquisando idosos, concluíram que conforme aumenta a idade diminui a memória de longo prazo, como também a de curto prazo e a capacidade cognitiva. Esse estudo corroborou os achados anteriores de Wilson, Cockburn e Baddeley (1985) com a população inglesa.

Se até o momento os autores citados concordam quase que unanimemente em que a memória de idosos seria prejudicada quando comparada com adultos jovens, nem todos os autores e pesquisas confi rmam esses dados. Assim, as investigações de Kline e Orme-Rogers (1978), Di Lollo, Arnett e Kruk (1982) e Gilmore, Allan e Royer (1986) indicaram que a diferença no desempenho em tarefas de memória sensorial de jovens adultos e idosos seria mínima, com uma pequena vantagem para os idosos. Esses resultados também foram alcançados por Parkinson e Perry (1980) estudando o desempenho em memória sensorial auditiva em idosos e adultos jovens.

Estudando a memória de curto prazo, Puckett e Stockburger (1988) encontraram desempenhos semelhantes entre idosos e adultos jovens em uma tarefa de lembrança de letras por curtos períodos de tempo. Já em estudos sobre a memória de longo prazo, pesquisadores sustentaram que os idosos teriam um desempenho menor que os adultos jovens (Craik & Byrd, 1982; Kausler, 1991; Rabinowitz & Ackerman, 1982). Por sua vez, Giambra e Arenberg (1993), Park, Royal, Dudley e Morrell (1988) e Rybarczyk, Hart e Harkins (1987) afi rmaram que quando igualados os períodos de codifi cação inicial de teste, ou seja, quando os idosos têm um maior tempo para a codifi cação que os adultos jovens, a diferença no desempenho seria relativamente pequena.

No Brasil, o estudo de Rueda e Sisto (2006) com a versão preliminar do Teste Pictórico de Memória, que avalia a capacidade do indivíduo devolver uma informação em um curto período de tempo, foi ao encontro dos achados de Ackil e Zaragoza (1998), Balota e cols. (1999), Craik e Byrd (1982), Java (1996), Perfect e Dasgupta (1997), Poole e White (1993), dentre outros, que afi rmam que tanto as pessoas mais velhas quanto as mais novas, apresentam desempenhos menores que os indivíduos considerados adultos jovens. No caso da pesquisa de Rueda e Sisto, os sujeitos de 18 a 25 anos apresentaram as maiores pontuações no teste, quando comparados com os indivíduos mais novos e adultos velhos, o que poderia sugerir um aumento da memória até certo ponto da vida e após uma estabilidade da mesma aconteceria um declínio.

Após uma reconfi guração desse teste, a versão fi nal também foi estudada por Rueda (2006) em função da idade das pessoas. Os resultados mostraram que os sujeitos de 17 a 36 anos apresentaram as maiores pontuações, o que novamente foi sugestivo de um aumento da memória até certo ponto da vida e, após, uma estabilidade seguida de um declínio. A diferença entre a pesquisa de Rueda e Sisto (2006) e de Rueda (2007) é que na primeira os participantes tinham entre 10 e 60 anos, enquanto que na investigação de Rueda (2007) não participaram pessoas com menos de 17 anos.

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Mas esses não foram os únicos aspectos relevantes usados na construção de um teste que poderiam explicar o comportamento das pessoas. Nesse sentido, uma das perguntas que começaram a ser colocadas por pesquisadores deixou de ser como diferentes processos de codifi cação infl uenciariam os níveis de desempenho (causa e efeito), e a questão de maior interesse se tornou como a lembrança poderia ser determinada pela interação de processos de codifi cação particulares. Esse tipo de estudo passou a ser denominado processo de resposta e tem servido para uma maior compreensão dos fenômenos psicológicos.

Nesse contexto, no Teste Pictórico de Memória (Rueda & Sisto, 2007) os autores investigaram o processo de resposta utilizado pelos indivíduos ao responder o teste. Para isso, o ponto de partida para a análise foram três estudos. Assim, Paivio (1991) propunha que a memória para localização seria pobre no meio de uma página, mas seria melhor perto dos cantos e bordas; por sua vez, Mandler, Seegmiller e Day (1977) apontaram que cenas organizadas seriam lembradas melhor do que cenas não-organizadas; e, fi nalmente, Couclelis, Golledge, Gale e Tobler (1987) indicaram que alguns elementos de uma cena pictórica, chamados pontos de referência, seriam mais salientes na paisagem geográfi ca e serviriam como pontos de referência cognitivos na organização de espaço, o que determinaria a lembrança de determinados detalhes em detrimento de outros. Com base nesses dados foram realizados procedimentos para averiguar se esses resultados se mantinham nos dados da pesquisa.

Após o estudo dessas possibilidades, Rueda e Sisto (2008) encontraram que três agrupamentos formavam uma sequência constante, quais sejam, céu, terra e água. Para isso, reanalisaram os 51 itens da versão preliminar do instrumento, oito fazendo parte do ambiente água, 18 do céu e 25 da terra. Os estudos foram feitos transformando os dados em médias ponderadas em razão da desproporcionalidade da representação, e realizando uma análise de variância (ANOVA) para verifi car possíveis diferenças entre os três agrupamentos. Obteve-se como resultado um [F (2, 511)=74,92, p=0,000], sendo que a prova de Tukey diferenciou os três grupos.

Após a realização de uma equalização dos itens de cada agrupamento do desenho do teste, Rueda (2008) submeteu o instrumento a um novo estudo sobre o processo de resposta, obtendo como resultado a mesma confi guração que na versão preliminar. Porém o valor da análise de variância foi consideravelmente maior [F (2, 642)=256,84, p=0,000].

Com base nesses resultados, Rueda e Sisto (2008) e Rueda (2008) sugeriram estudos que se propussessem a avaliar o processo de resposta ao teste em indivíduos de diferentes contextos, como uma forma de verifi car a existência de variáveis que infl uenciariam tal processo. Dentro desse contexto, o objetivo deste estudo foi verifi car possíveis diferenças em função de populações que moram em contextos diferentes, como uma forma de verifi car se a estrutura de resposta ao teste se manteria ou seria modifi cada. Para isso, foi estudada uma amostra de pessoas que vivem em uma cidade beira-mar, ou seja, que vivenciam diariamente a presença do mar (Aracaju) e outra cuja vivência cotidiana não inclui a presença marcante de água (Uberlândia). Convém salientar que não foram encontrados estudos dessa natureza que tratassem dessa relação, nem que houvessem relatado a presença desses elementos (céu, terra e água) ao estudar testes pictóricos, nem na literatura nacional nem internacional. Além disso, as diferenças nesse processo de resposta em função da idade também foram verifi cadas.

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Método

ParticipantesParticiparam da pesquisa 858 estudantes universitários, sendo 296 (34,5%) da

cidade de Aracaju (grupo A), estado de Sergipe e 562 (65,5%) da cidade de Uberlândia (grupo B), estado de Minas Gerais. Do total, 251 (29,3%) eram homens e 600 (69,9%) mulheres. Não informaram o sexo apenas 7 (0,8%) pessoas. Quanto à idade, ela variou de 18 até 68 anos, verifi cando-se uma concentração de indivíduos até os 25 anos (67,6%). A média de idade foi 26,50 (± 10,70).

InstrumentoTeste Pictórico de Memória – TEPIC-M (Rueda & Sisto, 2007)O Teste é composto por uma fi gura com vários desenhos e detalhes que podem ser

agrupados em três categorias, quais sejam, itens que pertencem e podem ser encontrados na categoria Água (peixe, jet-ski, por exemplo); itens referentes à categoria Céu (pássaro, sol, balão, dentre outros) e itens que podem ser localizados na categoria Terra (barraca, casa, árvore, por exemplo). Para responder o teste a pessoa deve visualizar a fi gura durante um minuto e, em seguida, deve lembrar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis e escrevê-los na folha de resposta do teste. A pontuação pode variar de 0 a 55, sendo que é atribuído 1 ponto para cada item lembrado pelo indivíduo.

Quanto às propriedades psicométricas do instrumento, no manual são relatados estudos de evidências de validade pelo funcionamento diferencial do item, assim como análise de itens pelo modelo Rasch. Quanto aos índices de precisão, eles foram considerados satisfatórios (0,63 a 0,74).

ProcedimentoApós assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme

aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade São Francisco, por parte dos respondentes, o instrumento foi aplicado de forma coletiva. O tempo total de aplicação foi de aproximadamente 5 minutos, e não excedeu a 30 pessoas por grupo.

A aplicação do teste ocorreu seguindo as orientações do manual. São elas: Este é um teste de memória. Será projetado na lousa quadro com vários desenhos e detalhes. Vocês terão um minuto para olhar e memorizá-los. Vou pedir para vocês não falarem nem escreverem nada. Apenas olhem o quadro e tentem memorizar a maior quantidade de desenhos e detalhes que conseguirem.

Dada a instrução, foi projetada a transparência e não foi permitido que as pessoas fi zessem qualquer anotação. Após 1 minuto desligou-se o retroprojetor. Feito isso, foi dito: Agora quero que peguem a folha e escrevam a maior quantidade de desenhos e detalhes que conseguirem. Vocês terão dois minutos para isso.

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Resultados

Num primeiro momento foram realizadas as estatísticas descritivas do TEPIC-M com a amostra total; foram comparadas as pontuações no teste em função da cidade dos participantes; posteriormente essa mesma análise foi realizada levando em consideração a faixa etária dos participantes; e, por fi m, foi realizada uma análise de variância para verifi car se a estrutura original de cada agrupamento do teste se mantinha nos sujeitos de cada cidade.

No caso da estatística descritiva, ela foi realizada por agrupamento e com a pontuação total do teste. Esses dados podem ser visualizados na Figura 1.

Figura 1 – Pontuações e frequência nos três agrupamentos do teste e na pontuação total do TEPIC-M

frequ

ênci

a

frequ

ênci

a

frequ

ênci

a

frequ

ênci

a

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No caso do agrupamento Água, as pontuações poderiam variar de zero a 16, verifi cando-se uma concentração entre dois e cinco pontos (64,3%). A média de pontos foi 3,59, com um desvío padrão de 2,10. A pontuação mínima foi zero e a máxima seis. Esses resultados mostram que as pessoas se lembraram de poucos itens do agrupamento. Com relação ao agrupamento Céu pode-se observar que a concentração de pontos fi cou entre 5 e 8 (69,9%) de um total possível de 17. A média foi 6,24 (DP=1,98). No caso desse agrupamento as pontuações, como no agrupamento anterior, também não alcançaram a máxima possível. Quanto ao agrupamento Terra, a pontuação máxima possível é de 22 pontos e a máxima obtida pelos participantes foi 15. A concentração das pontuações fi cou entre cinco e oito pontos (62,4%). Por fi m, em relação à pontuação total do instrumento observou-se uma média de 16,15 (DP=4,64), sendo que essa pontuação média foi considerada baixa, pois é inferior ao ponto médio do instrumento. Esses resultados vão ao encontro dos achados de Rueda (2007) e Rueda e cols. (2007).

Com a fi nalidade de verifi car diferenças em cada ambiente do teste e na pontuação total foi realizada a prova t de student levando em consideração o grupo dos participantes, partindo do pressuposto que os indivíduos da cidade de Aracaju (grupo A) lembrariam mais itens pertencentes ao ambiente Água, pelo fato de terem mais contato com o mesmo, quando comparados às pessoas da cidade de Uberlândia. Esses resultados encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 – Médias, desvios padrão, valores de t de student e níveis de significância (p) para as pontuações em memória por cidade

Teste Pictórico de Memória

Cidade N M DP t p

Água Grupo B 562 3,98 2,117,82 0,000

Grupo A 296 2,84 1,87

Céu Grupo B 562 6,77 1,8611,45 0,000

Grupo A 296 5,25 1,82

Terra Grupo B 562 6,48 2,352,62 0,009

Grupo A 296 6,03 2,36

Total Grupo B 562 17,22 4,569,82 0,000

Grupo A 296 14,12 4,07

Nota: Signifi cativo ao nível de 0,05

Os dados da Tabela 1 mostram que houve diferença estatísticamente signifi cativa em todos os agrupamentos do teste assim como também na pontuação total, sendo que em todas as medidas os indivíduos da cidade de Uberlândia (grupo B) apresentaram maiores pontuações. Deve-se ressaltar que enquanto a sequência dos agrupamentos foi correta para o grupo B, o mesmo não ocorreu com o grupo A, pois houve uma inversão na sequência. Com a fi nalidade de aprofundar esses dados dividiram-se os participantes de acordo com as três faixas etárias estabelecidas pelo manual do teste, quais sejam, dos 18 aos 36 anos, dos 37 aos 59 anos e indivíduos com 60 anos ou mais. Os resultados podem ser observados na Tabela 2.

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Tabela 2 – Médias, desvios padrão, valores de t de student e níveis de significância (p) para as pontuações em memória por cidade para cada faixa etária

Teste Pictórico de Memória

18-36 anos

Cidade N M DP t p

Água Grupo B 471 4,04 2,067,60 0,000

Grupo A 275 2,88 1,90

Céu Grupo B 471 6,87 1,8511,14 0,000

Grupo A 275 5,32 1,79

Terra Grupo B 471 6,66 2,333,53 0,000

Grupo A 275 6,03 2,36

Total Grupo B 471 17,56 4,4410,17 0,000

Grupo A 275 14,24 4,09

37-59 anos

Cidade N M DP t p

Água Grupo B 69 4,33 2,073,01 0,004

Grupo A 12 2,36 1,63

Céu Grupo B 69 6,61 1,804,08 0,000

Grupo A 12 4,18 2,04

Terra Grupo B 69 5,65 2,20-0,48 0,633

Grupo A 12 6,00 2,45

Total Grupo B 69 16,59 4,542,82 0,006

Grupo A 12 12,55 3,53

60 anos ou mais

Cidade N M DP t p

Água Grupo B 22 1,55 1,79-0,90 0,375

Grupo A 12 2,10 1,10

Céu Grupo B 22 5,14 1,581,11 0,276

Grupo A 12 4,40 2,07

Terra Grupo B 22 5,23 2,35-1,04 0,305

Grupo A 12 6,20 2,66

Total Grupo B 22 11,91 3,75-0,55 0,590

Grupo A 12 12,70 3,92

Nota: Signifi cativo ao nível de 0,05

De acordo com a Tabela 2, na faixa etária dos 18 aos 36 anos todas as medidas apresentaram diferenças estatíticamente signifi cativas. Novamente verifi cou-se que os participantes do grupo B se lembraram de mais itens em todos os casos. Já na faixa etária dos 37 aos 59 anos houve diferença signifi cativa em três das quatro medidas,

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quais sejam, na Água, no Céu e na pontuação total, com uma média maior também dos indivíduos do grupo B. No caso do agrupamento Terra verifi cou-se que as pessoas do grupo A lembraram mais itens, porém a diferença não foi estatíticamente signifi cativa. Por fi m, nas pessoas de 60 anos ou mais, as do grupo B obtiveram maiores pontuações no agrupamento Céu e na pontuação total do teste, enquanto que o grupo A teve um melhor desempenho nos agrupamentos Água e Terra. Destaca-se, porém, que nenhuma dessas diferenças foi estatisticamente signifi cativa. Ao lado disso, o total de respostas diminuiu com o avançar da idade, sendo que nas pessoas com mais de 60 anos, a diferença entre os grupos deixou de ser signifi cativa.

Para verifi car se a estrutura de cada agrupamento do teste se mantinha em função dos grupos realizou-se uma análise de variância após calcular as médias ponderadas de cada agrupamento, em razão das diferentes quantidades de itens. No resultado observaram-se diferenças estatísticamente signifi cativas, sendo que a prova de Tukey diferenciou os três agrupamentos [F (2, 858)=242,50, p=0,000] e [F (2, 858)=112,26, p=0,000] para as cidades de Uberlândia e Aracaju respectivamente. Os resultados da diferenciação da prova de Tukey podem ser visualizados na Tabela 3.

Na Tabela 3 observa-se que a estrutura estabelecida pelo Manual do teste foi mantida no grupo B, ou seja, os itens da Água foram os menos lembrados e os itens do Céu apresentaram a maior média de pontuação. Por sua vez, no grupo A os itens mais lembrados pertenciam à Terra, seguidos pelo Céu e Água.

Tabela 3. Subconjuntos formados pela prova de Tukey em razão dos três agrupamentos de itens e a média ponderada para os participantes de ambas as cidades

Grupo B

Subconjunto alfa = 0,05

Agrupamentos 1 2 3

Água 0,25

Terra 0,29

Céu 0,40

p 1,000 1,000 1,000

Grupo A

Subconjunto alfa = 0,05

Agrupamentos 1 2 3

Água 0,18

Céu 0,27

Terra 0,31

p 1,000 1,000 1,000

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Discussão

Este estudo partiu da proposta de Rueda e Sisto (2008) e Rueda (2008) de avaliar o processo de resposta no TEPIC-M em pessoas que convivem em diferentes contextos, no que se refere a ter a presença do mar em seu cotidiano ou não. Com base nisso estudaram-se amostras de duas cidades diferentes, quais sejam, Aracaju e Uberlândia. A primeira caracteriza-se por ser uma cidade costeira na qual as pessoas convivem diariamente com estímulos provenientes do mar. Por sua vez, os habitantes da cidade de Uberlândia não têm esse contato com tanta frequência, por ser localizada a mais de 500 quilómetros da cidade costeira mais próxima. Assim, acreditava-se que os indivíduos de Aracaju lembrariam mais dos itens do teste pertencentes ao ambiente Água do que as pessoas de Uberlândia.

Nos resultados essa expectativa não foi comprovada, pois os participantes de Uberlândia se lembraram de mais itens em todas as medidas do TEPIC-M. Quando comparadas as medidas em função das faixas etárias contempladas pelo manual do teste, evidenciou-se esse mesmo resultado dos 18 aos 36 anos. Já dos 37 aos 59 anos essa tendência aconteceu em dois agrupamentos (Água e Céu) e na pontuação total do teste. Por sua vez, nas pessoas com 60 anos ou mais não foram observadas diferenças em nenhuma das medidas estudadas. Infelizmente esse tipo de dado não foi encontrado na literatura o que impossibilitou comparações. Entretanto, há que se ressaltar que houve uma diminuição das pontuações conforme aumentou a idade, fato esse já amplamente comentado na literatura (Alonso & Prieto, 2004; Graf, 1990; Kausler, 1994; Ryan, 1992; Verhaeghen & Marcoen, 1993; Wilson, Cockburn & Baddeley; 1985).

Por esses resultados podem ser discutidos dois aspectos. O primeiro deles seria que com o passar da idade das pessoas o processo de resposta mudaria, ou seja, até uma determinada idade verifi ca-se diferença entre os participantes de cada cidade, e com uma idade mais avançada (a partir dos 60 anos aproximadamente) essa diferença não é mais observada. Nesse sentido pode-se pensar na possibilidade da memória das pessoas ser infl uenciada pelo contexto no qual convivem até certo ponto da vida e, posteriormente, a lembrança deixaria de ter uma relação tão estreita com o contexto da pessoa, podendo estar mais relacionada, talvez, com a experiência. Também pode ser aventada a possibilidade de que o número de participantes das faixas etárias desta pesquisa foi pequeno, o que daria lugar a outros estudos com essa população.

Por outro lado, e talvez o achado mais importante da investigação, foi que o processo de resposta dos indivíduos no instrumento estaria relacionado ao entorno da pessoa. De fato, não da forma que se postulou, qual seja, que as pessoas que convivessem diuturnamente com o mar teriam mais facilidade de se lembrar de elementos correlatos, principalmente porque essa categoria sempre foi a menos lembrada em todas as pesquisas feitas e descritas no Manual. Assim, a hipótese inicial de que as pessoas de Aracaju tenderiam a lembrar mais dos itens do agrupamento Água foi refutada. Também, esse tipo de agrupamento de pessoas mostrou outro resultado, as pessoas com convivência com o mar apresentaram uma sequência diferente da detectada pelo Manual, fato esse que alerta para a necessidade de pesquisas para entender detalhadamente quais variáveis estariam envolvidas nesse processo. De fato, a estrutura original do teste foi mantida apenas na cidade de Uberlândia.

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Assim como alguns autores sugerem que os itens que compõem os testes pictóricos podem infl uenciar na resposta das pessoas (Couclelis, Golledge, Gale & Tobler, 1987; Mandler, Seegmiller & Day, 1977; Paivio, 1991), esta pesquisa mostrou que o Teste Pictórico de Memória também apresenta tal infl uência. Mas mostrou também um processo de resposta ainda não descrito na literatura e a infl uência de uma variável em uma situação para a qual esta pesquisa não possuía dados para explicar. Nesse sentido, pesquisas usando esses procedimentos devem ser encorajadas e fi ca em aberto a questão da diferença na sequenciação das categorias.

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_____________________________ Recebido em março de 2009 Aprovado em agosto de 2009

Fabián Javier Marín Rueda: Psicólogo; Doutor em Avaliação Psicológica (Universidade São Francisco, campus Itatiba-SP).Fermino Fernandes Sisto: Pedagogo; Doutor em Pedagogia (Universidad Complutense de Madrid); Livre-docente (Unicamp); Professor do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, campus Itatiba-SP; Bolsista de Produtividade CNPq.Cláudia Araújo da Cunha: Psicóloga; Doutora em Educação (Universidade Estadual de Campinas); Professora do curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia-MG.Alexandre José Raad: Psicólogo; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco); Professor assistente do Departamento de Psicologia da Universidade Tiradentes, Aracaju-SE.

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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A infl uência das habilidades sociais no envolvimento de mães e pais com fi lhos com retardo mental

Alcides CardozoAdriana Benevides Soares

Resumo: O estudo teve como objetivo comparar e correlacionar indicadores de habilidades sociais e do envolvimento de pais com filhos portadores de retardo mental. Participaram 27 casais com filhos portadores de retardo mental. Os pais responderam os questionários “Critério Brasil”, “Qualidade da interação familiar na visão dos pais” e “Inventário de habilidades sociais” (IHS – Del Prette). Houve diferença significativa no “Inventário de habilidades sociais”; para o F1, enfrentamento e autoafirmação com risco, as médias dos pais foram superiores as das mães e para o F3, conversação e desenvoltura social, as médias das mães foram superiores as médias dos pais. As mães mostram-se mais envolvidas na educação dos filhos. Foram encontradas correlações entre cuidados dispensados aos filhos e assertividade e também entre expressão de sentimentos positivos e cuidados com o filho evidenciando a influencia das habilidades sociais no envolvimento de pais com seus filhos. Palavras-chave: Habilidades sociais; envolvimento pais-filhos; retardo mental.

The influence of social skills on the involvement of mothers and fathers with their mentally retarded children

Abstract: This study aimed to compare and correlate indicators of social skills and the engagement of parents having children with mental retardation. The sample included 27 couples living with their children, with mental retardation. The parents answered the questionnaires “Criterion Brazil”, “Quality of family interaction on parent viewpoint” and “Social Skills Inventory (IHS – Del Prette). There was significant difference in the “Inventory of social skills”; for F1, coping and self-assertion at risk, the average of fathers were higher than those of mothers, and for the F3, conversation and social performance, the averages of the mothers were higher than the average of fathers. Mothers are more involved in children education processes. Correlations were found between care provided to children and also between assertiveness and expression of positive feelings and care for the child. This shows the influence of social skills in engaging parents with their children.Key words: Social skills; parents-children involvement; mental retardation.

Introdução

Os estudos e a aplicação dos saberes referentes às habilidades necessárias nas relações interpessoais caracterizam um campo teórico-prático denominado Treinamento de Habilidades Sociais (THS), que inclui um conjunto de estratégias que podem ser aplicáveis à superação de défi cits de comportamentos e tem o propósito de minimizar difi culdades interpessoais e promover comportamentos socialmente competentes (Del Prette & Del Prette, 2005). Na base da construção das relações sociais está a interação entre o indivíduo e o ambiente social. Pessoas socialmente habilidosas promovem interações sociais mais satisfatórias (Caballo, 2003).

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Em diversos contextos onde as situações interpessoais ocorrem são esperados determinados desempenhos que exigem um amplo repertório de habilidades sociais do indivíduo. É na infância principalmente que estes desempenhos são aprendidos.

A infância e a adolescência são períodos críticos e decisivos para se aprender habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2002; Salvo, Mazzarotto & Löhr, 2005). Segundo esses autores, o ambiente familiar, o envolvimento e a participação dos pais na educação dos fi lhos são fundamentais, pois a família representa um dos contextos mais básicos e nucleares da relação organismo-ambiente. As condições familiares de educação dos fi lhos, (Garcia-Serpa, Del Prette & Del Prette 2006), chamadas práticas parentais, são entendidas como formas de relacionamento estáveis de comportamento que os pais emitem quando interagem com seus fi lhos. Del Prette e Del Prette (2004) e Bolsoni-Silva e Marturano (2008) propõem a análise dessas práticas parentais a partir do conceito de habilidades sociais educativas (HSE), e as defi nem como intencionalmente voltadas à promoção do desenvolvimento e a aprendizagem do outro.

A importância da qualidade da relação pais-fi lhos sobre o desenvolvimento das crianças é verifi cada por estudos diversos nos últimos anos (Gomide, 2003; Gomide, Salvo, Pinheiro & Sabbag, 2005). Os autores correlacionam práticas educativas inadequadas a problemas no desenvolvimento cognitivo e social e ao desempenho acadêmico dos fi lhos.

Sobre a infl uência da interação familiar no desempenho acadêmico dos fi lhos, Cia, Souza Pereira, Del Prette e Del Prette (2006) mencionam que o repertório de habilidades sociais gerais e mais especifi camente o de habilidades sociais educativas dos pais, pode infl uenciar a qualidade do envolvimento destes com seus fi lhos e o tipo de prática que adotam na relação com eles. Bolsoni-Silva, Del Prette e Del Prette (2000) e Koberg, Sachetti e Viera (2006) entendem que pais, ao apresentarem difi culdades interpessoais, poderão comprometer a qualidade dessas relações, além de, provavelmente, servir de modelos de comportamentos sociais inadequados para seus fi lhos.

Em uma revisão dos estudos sobre práticas parentais e problemas de comportamentos, Bolsoni-Silva e Marturano (2006) observaram que há uma tendência dos pais serem não contingentes no uso do reforço positivo para comportamentos pró-sociais e em punições efetivas para comportamentos indesejáveis. Consequentemente, comportamentos coercitivos são diretamente reforçados pelos membros da família, o que leva a criança a utilizá-los. Assim, quando a criança frequenta outros ambientes, passa a repetir este padrão, entendendo-se como indicadores de problemas de comportamento, défi cits ou excessos comportamentais que prejudicam a interação da criança com seus pares e adultos de sua convivência.

As relações familiares despertaram o interesse dos pesquisadores, especialmente no que tange às práticas educativas, isto é, as formas utilizadas pelos pais para orientar o comportamento dos fi lhos (Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002; Koberg, Sachetti & Viera, 2006). Segundo Gomide (2003) e Gomide, Salvo, Pinheiro e Sabbag (2005), em seu modelo teórico acerca das sete práticas educativas que compõem o estilo parental, duas são positivas: monitoria positiva e comportamento moral. Essas práticas dizem respeito ao uso adequado de reforçadores sociais, ao desenvolvimento da empatia e ao estabelecimento de contingências reforçadoras ou punitivas para o comportamento do

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fi lho. Dessa forma se estabelecem regras claras e consequências (sanções) para o não cumprimento das mesmas. A monitoria positiva defi ne-se como um conjunto de práticas parentais que envolvem atenção e conhecimento dos pais acerca de onde seu fi lho se encontra e das atividades desenvolvidas por ele.

Cia e Barham (2006), em estudo que teve por objetivo identifi car as condições de trabalho que infl uenciam no envolvimento do pai com o seu fi lho, relatam que a privação paterna ou uma interação inadequada com o pai é considerada um fator de risco para o desenvolvimento infantil. Segundo as autoras, pesquisas têm demonstrado, de modo geral, a importância do pai em participar dos cuidados com os fi lhos e das atividades domésticas. Segundo Cia e Barham (2006), tais comportamentos por parte dos pais contribuiriam diretamente para diminuir a sobrecarga das mães, o que melhoraria o relacionamento entre ela e o fi lho. Ainda os autores apontam que no relacionamento entre pai e fi lho, os pais indicaram que mantiveram várias formas de comunicação diariamente com os fi lhos, avaliaram como alta a sua participação quanto aos cuidados dos fi lhos e apontaram que participavam das atividades escolares, culturais e de lazer dos fi lhos com alta frequência. Este relacionamento signifi cativo entre pai e fi lho é, segundo Bolsoni-Silva e cols. (2000), precursor de um bom desenvolvimento infantil, destacando-se o desenvolvimento social.

O conceito de retardo mental destaca a necessidade do desenvolvimento das condutas adaptativas dessas pessoas, principalmente habilidades de relacionamento. Segundo a American Association on Mental Retardation (AAMR, 2002), a defi nição de retardo mental aponta uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual, quanto no comportamento adaptativo, expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa incapacidade tem início antes dos 18 anos. O critério diagnóstico do retardo mental indica que, no caso das dez condutas adaptativas, o indivíduo há de ter défi cits em pelo menos três dessas condutas. Nesta listagem aparecem categorias indicativas de comportamento (habilidades sociais, cuidados pessoais, comunicação), de condições (saúde, segurança) e de contextos de funcionamento do indivíduo (lazer e trabalho). Segundo Del Prette e Del Prette (2005), é fácil reconhecer, portanto, que além da categoria das habilidades sociais, outras mostram o caráter também interativo que implicam em demandas sociais. Habilidades sociais, portanto, são cruciais para os processos de ajustamento social dos indivíduos nos diversos contextos, portadores ou não de necessidades educativas especiais.

Rosin-Pinola, Del Prette e Del Prette (2007) referem que a expressão necessidades educativas especiais pode ser utilizada para se referir a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua pouca capacidade para aprender. O termo surgiu para evitar os efeitos negativos de expressões utilizadas no contexto educacional, como defi cientes, excepcionais, subnormais, infradotados, incapacitados etc., para se referir as pessoas com defi ciências cognitivas, físicas, psíquicas e sensoriais. Tem o propósito, segundo a autora, de deslocar o foco do aluno e direcioná-lo para as respostas educacionais que eles requerem, evitando enfatizar os seus atributos ou condições pessoais que possam interferir na sua aprendizagem e socialização. Uma dessas direções é o desenvolvimento de habilidades sociais que, embora não solucionem o problema orgânico ou mental, podem diminuir seus efeitos psicológicos, especialmente na comunicação com pessoas

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não defi cientes, maximizando a condição de vida e de socialização dessa clientela (Del Prette & Del Prette, 2005).

Segundo Paniagua (2004), ter um fi lho é um dos acontecimentos mais vitais para um ser humano. Os vínculos afetivos entre pais e fi lhos são muito intensos. Nunes (2003) e Nobre, Montilha e Temporini (2008) em seus estudos sobre as famílias com fi lhos com defi ciência, descreve os confl itos presentes nos vínculos e os indicadores de risco no meio familiar. Estes autores concluem que esses confl itos não surgem do resultado direto da defi ciência, mas da adaptação ou não a essa nova realidade.

Desde o momento em que os pais fi cam sabendo da existência de uma defi ciência, há muita preocupação com o presente e o futuro da criança que irá acompanhá-los por toda a vida. Muitas vezes, a criança com defi ciência irá requerer muito mais cuidados físicos, assim como mais tempo de interação e mais situações de jogo ou estudo compartilhado.

Glat e Duque (2003), em uma pesquisa qualitativa com dezesseis pais de fi lhos com necessidades especiais, concluíram que a preocupação com a incerteza do futuro de seus fi lhos foi um ponto relevante nesse estudo. As autoras viram que essa preocupação faz com que eles se esforcem em dar a seus fi lhos uma educação que, principalmente, possa desenvolver habilidades que garantam maior independência e autonomia possível na vida adulta. Nesse estudo as autoras concluíram também, que apesar dos pais viverem suas angústias, desespero e depressão no contato íntimo e diário com seus fi lhos, eles tiveram inúmeras oportunidades de compensação. Conseguiram superar as crises, de acordo com suas maneiras de ser, amando e convivendo com seus fi lhos, apesar de todas as difi culdades.

Hanson (2003) estudou famílias em que fi lhos com Síndrome de Down participaram de um programa de intervenção na infância, o qual foi reavaliado vinte e cinco anos depois. Os dados mostraram que os pais percebem as características positivas da criança, considerando, por exemplo, como uma benção às experiências prazerosas das aquisições dos fi lhos com Síndrome de Down.

Feitosa (2003), em sua pesquisa sobre a relação família-escola, sugere que os pais participem ativamente das decisões relacionadas à educação de seus fi lhos, buscando conhecer as suas difi culdades acadêmicas e a necessidade de recursos específi cos para o desenvolvimento adequado das potencialidades destes alunos.

Segundo Cia, D’Affonseca e Barham (2004), são poucos os estudos que nos permitem saber como é a qualidade do relacionamento entre pais e fi lhos no Brasil. Além disso, o papel do pai se encontra em fase de mudanças, sendo frequente as famílias em que ambos (mãe e pai) trabalham fora, o que tem levado a redefi nição do papel paterno.

Cia, D’Affonseca e Barham (2004) estudaram, em uma amostra de cinquenta e oito pais e fi lhos do ensino fundamental, o impacto da qualidade do relacionamento entre estes pais e seus respectivos fi lhos no desempenho acadêmico. Neste estudo puderam verifi car que quanto maior a frequência de comunicação entre pai e fi lho e a participação dos pais nas atividades escolares, culturais e de lazer, maior a pontuação das crianças em escrita e leitura e maior o desempenho acadêmico delas.

Em outra pesquisa, que teve como objetivo comparar e correlacionar indicadores do repertório de habilidades sociais e do envolvimento dos pais na educação dos fi lhos, Cia e

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cols. (2006) tem duas referências apontam que os relatos passados pelos cônjuges indicam atividades diferenciadas. Por exemplo, os pais se ocupavam com maior frequência em proporcionar lazer fora de casa aos fi lhos e as mães em estabelecer horário de deitar-se e em controlar a higiene. Esta diferença de participação e envolvimento dos pais (mãe e pai) nos cuidados com os fi lhos é semelhante aos dados das pesquisas de Bertolini (2002) em que há uma divisão razoavelmente estruturada de atividades, com o homem se ocupando da parte social e de lazer e as mães com os cuidados diários da casa.

Como é possível ver, a relação entre pais e fi lhos é fruto de um conjunto de expectativas compartilhadas e o envolvimento dos pais com seus fi lhos é crucial para seu desenvolvimento físico e mental. Os pais são também modelos de conduta para seus fi lhos daí a importância de se mostrarem habilidosos na resolução de problemas e no trato com as situações cotidianas. No caso de pais que tem fi lhos com defi ciência mental as habilidades sociais servem, além de tudo, de recursos para o enfrentamento dos pais e são favorecedoras do envolvimento com fi lhos.

Considerando a importância das habilidades sociais dos pais (pai e mãe) para o envolvimento e a qualidade na relação educativa de fi lhos com retardo mental e os estudos escassos focalizando especifi camente as habilidades sociais educativas e a participação de cada cônjuge na educação das crianças com defi ciência, esta pesquisa objetivou: (1) comparar os indicadores do repertório de habilidades sociais de pais e mães de fi lhos com retardo mental (2) comparar os indicadores do envolvimento na educação dos fi lhos de pais e mães de fi lhos com retardo mental e (3) correlacionar os dois conjuntos de medidas.

Método

ParticipantesParticiparam desta amostra vinte e sete pais e vinte e sete mães morando juntos e

com um fi lho diagnosticado com retardo mental, matriculado em instituição para pessoas com defi ciência, com idade cronológica entre sete e quatorze anos. A idade dos cinquenta e quatro respondentes variou de trinta a sessenta anos, sendo que, a grande maioria (83%) esteve entre trinta e cinquenta anos. Todos os respondentes eram casados, tendo a grande maioria, (74%) entre dois e três fi lhos. O grau de escolaridade dos pais caracterizou uma amostra de 79,6% entre os anos iniciais completos do ensino fundamental e o superior incompleto. Considerando o nível socioeconômico das famílias, a amostra caracterizou-se por 48,1% da classe C e 51,9% da classe D, segundo o critério Brasil (Ibope, 2000).

A coleta de dados ocorreu em uma sala da FUNLAR (Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula), localizada no bairro de Vila Izabel na cidade do Rio de Janeiro. Escolheu-se este local, pois, a instituição, na qual estão matriculados os fi lhos desses casais, realiza vários encontros com as famílias, abordando tanto aspectos sociais como psicopedagógicos, o que facilitaria a coleta dos dados, além de criar e fortalecer vínculos com seus membros.

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InstrumentosCritério de Classifi cação Econômica Brasil (Ibope, 2000): divide a população em

grupos de consumidores a partir da sua capacidade de consumo (que resulta em classes socioeconômicas), sendo possível classifi cá-la em sete diferentes grupos: A1, A2, B1, B2, C, D e E. A capacidade de consumo é verifi cada por tabela cuja pontuação é maior quanto mais itens e em maior quantidade a família possuir (ex: automóvel; empregada mensalista) somando a pontuação referente ao grau de instrução do chefe da família. Os dados do Critério Brasil foram pontuados de acordo com a tabela proposta pelos autores, com maior pontuação indicando maior nível socioeconômico (mais próximo de A1) do respondente.

Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais (Cia, D’Affonseca & Barham, 2004) adaptado especialmente para esta pesquisa.

Além da folha de rosto para a identifi cação dos dados sociodemográfi cos, é dividido em três partes: (1) Habilidades sociais educativas dos pais para com os fi lhos: escala de comunicações (verbais e não verbais) entre pai e fi lho, segundo o pai, com 21 itens e a pontuação variando entre 1 (nunca) a 6 (uma vez por dia); (2) Participação dos pais nas atividades escolares, culturais e de lazer dos fi lhos: escala de participação com 14 itens e a pontuação variando entre 1 (nunca) a 6 (todos os dias); (3) Participação dos pais nos cuidados de seu fi lho: escala de participação com 7 itens e a pontuação variando entre 1 (nunca) a 6 (todos os dias). Foi calculado o Alpha de Cronbach para cada fator do instrumento. Para avaliar a qualidade da consistência interna utilizou-se a classifi cação proposta por Hill e Hill (2002) que considera acima de 0,9 excelente; entre 0,8 e 0,9 bom; entre 0,7 e 0,8 razoável; entre 0,6 e 0,7 fraco e abaixo de 0,6 considerado inaceitável.

O primeiro fator obteve valor do Alpha de Cronbach de 0,87 e foi classifi cado como bom, o segundo fator obteve valor de 0,82 e também foi classifi cado como bom; o terceiro fator obteve 0,84 considerado também como bom. O questionário “Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais” como um todo obteve (0,92) e foi classifi cado como excelente.

Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2001) é um instrumento de autorrelato, composto por trinta e oito itens que descrevem situações de interação social em diferentes contextos (trabalho, lazer e família). Solicita-se ao respondente que estime a frequência com que reage a uma situação descrita em cada item, em uma escala tipo Likert que varia de 0 (nunca ou raramente) a 4 (sempre ou quase sempre) e avalia cinco fatores: (a) enfrentamento e autoafi rmação com risco; (b) autoafi rmação na expressão de sentimento positivo; (c) conversação e desenvoltura social; (d) autoexposição a desconhecidos e situações novas; (e) autocontrole da agressividade. Trata-se de um instrumento aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, com estudos psicométricos que atestam suas qualidades de validade e confi abilidade. Apesar do instrumento ter sido validado para estudantes universitários (Bandeira, Costa, Del Prette, Del Prette & Gerk-Carneiro, 2000) diversas pesquisas têm utilizado o mesmo instrumento para identifi car habilidades sociais em adultos, inclusive pais, mães e cuidadores (Bolsoni-Silva, Brandão, Versuti-Stoque & Rosin-Pinola, 2008; Bolsoni-Silva, Silveira & Marturano, 2008; Bolsoni-Silva, Silveira & Ribeiro, 2008).

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Procedimentos de coleta de dadosUma vez explicado os objetivos e mostrando desejo de participarem do estudo, os

pais assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Só a partir daí, receberam o instrumento Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais (Cia, D’Affonseca e Barham, 2004) adaptado e as orientações quanto ao seu preenchimento levando em conta seu relacionamento com seu fi lho com retardo mental. Em seguida foi aplicado o IHS-Del Prette, (2001) que foi respondido em separado pelos respondentes.

Com o objetivo de documentar as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo seres humanos, dispostas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o presente projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número 156/2007.

ResultadosOs resultados são apresentados de forma a contemplar três conjuntos: comparações

dos escores de habilidades sociais entre mães e pais com fi lhos com retardo mental; comparações dos escores quanto ao envolvimento de mães e de pais com fi lhos com retardo mental; correlação entre os escores de Habilidades Sociais e de Envolvimento dos casais na educação de fi lhos com retardo mental.

Comparações entre os escores de habilidades sociais de mães e pais com fi lhos com retardo mental

Para avaliar se as mães de filhos com retardo mental são mais habilidosas socialmente do que os pais destes mesmos fi lhos, utilizou-se o teste t para amostras dependentes, comparando-se as médias dos pais e mães dos fi lhos com retardo mental nas variáveis de habilidade social conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1 – Descrição por fatores (IHS)

Fatores N M DP t p

Enfrentamento Autoafi rmação com Risco

Pai 27 2,43 0,56 3.292 0,003**

Mãe 27 1,93 0,69

Autoafi rmação Expressão de Sentimento Positivo

Pai 27 2,77 0,48 -1.760 0,090

Mãe 27 2,95 0,35

Conversação Desenvoltura Social Pai 27 1,52 0,80 -3.132 0,004**

Mãe 27 2,06 0,62

Autoexposição a Desconhecidos e Situações Novas

Pai 27 1,85 0,86 -0.049 0,961

Mãe 27 1,86 0,72

Autocontrole da Agressividade Pai 27 2,64 1,12 0.133 0,895

Mãe 27 2,62 0,68

IHSTOTAL Pai 27 2,25 0,40 -0.161 0,873

Mãe 27 2,26 0,35

Nota: ** Signifi cativo ao nível de 0,01 * Signifi cativo ao nível de 0,05

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A Tabela 1 mostra que houve diferenças signifi cativas no Fator 1, Enfrentamento e Autoafi rmação com Risco, com os pais obtendo escores superiores aos das mães (t = 3.292; p = 0.003). Este fator reúne onze itens que retratam situações interpessoais e está ligado a uma classe de habilidade social chamada assertividade que envolve enfrentamento em situação de risco de reação indesejável do interlocutor, com controle de ansiedade e expressão apropriada do sentimento, desejos e opinião. Ela implica tanto na superação da passividade, quanto no autocontrole da agressividade e de outras reações não habilidosas (Del Prette & Del Prette, 2005). Por outro lado, conforme mostra a Tabela 1 observaram-se diferenças signifi cativas no Fator 3, Conversação e Desenvoltura Social, com as mães obtendo escores superiores aos dos pais (t = -3.132; p = 0.004). Este fator reúne sete itens sobre situações interpessoais, demanda traquejo social na conversação o que supõe conhecimentos das normas de relacionamento do dia a dia e comportamentos razoavelmente padronizados inerentes aos encontros sociais breves e ocasionais. Estão ligados à classe de habilidade social de Civilidade, que expressa cortesia e algumas habilidades de conversação como apresentar-se, despedir-se e agradecer utilizando formas delicadas de conversação (Del Prette & Del Prette, 2005).

Comparações entre os escores de envolvimento das mães e pais com fi lhos com retardo mental

Quanto ao envolvimento das mães e pais de fi lhos com retardo mental na educação dos fi lhos, os dados foram avaliados pelo teste t para amostras dependentes, comparando as médias dos pais e mães dos fi lhos com retardo mental nas variáveis de envolvimento na educação dos fi lhos. Para tanto se investigou a frequência das respostas dos pais e mães nos três fatores de Habilidades Sociais Educativas de Comunicação, Participação (Escola, Cultura e Lazer) e Participação (Cuidados) do QIFVP. A Tabela 2 mostra as médias das respostas dos respondentes em que claramente nota-se que as médias das mães são bem superiores aos dos pais.

Tabela 2 – Descrição por fatores QIFVP

Fatores N M DP t p

Habilidades Sociais Educativas de Comunicação (Verbais e Não Verbais)

Pai 27 4,45 0,73 -5.028 0,000**

Mãe 27 5,18 0,67

Participação (Escola / Cultura / Lazer) Pai 27 3,63 0,87 -6.695 0,000**

Mãe 27 4,87 0,73

Participação (Cuidados) Pai 27 3,58 1,17 -8.833 0,000**

Mãe 27 5,66 0,39

Nota: **Signifi cativo ao nível de 0,01 *Signifi cativo ao nível de 0,05

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Foram observadas, conforme os dados da Tabela 2, diferenças signifi cativas no fator referente às Habilidades Sociais Educativas de Comunicação (Verbais e Não Verbais), com as mães obtendo escores superiores aos dos pais (t = -5.028; p = 0.000). No fator referente à Participação (Escola / Cultura / Lazer), também as mães obtiveram escores superiores aos dos pais (t = -6.695; p = 0.000), bem como no fator referente à Participação (Cuidados), em que mais uma vez as mães obtiveram escores superiores aos dos pais (t = -8.833; p = 0.000). Tais evidências apontam que mães de fi lhos com retardo mental são mais envolvidas na educação dos fi lhos do que os pais destes mesmos fi lhos.

Correlações entre os escores de habilidades sociais e de envolvimento dos casais na educação de fi lhos com retardo mental

Para verifi car se casais com maiores escores de habilidades sociais são aqueles que demonstram maior envolvimento na relação com os fi lhos com retardo mental, utilizou-se o teste de correlação linear de Pearson, buscando-se correlação positiva entre escores de habilidades sociais e envolvimento na educação dos fi lhos.

Tabela 3 – Correlação entre escores HS e QIFVP

Habilidades Sociais

Educativas de Comunicação

Participação (Escola / Cultura

/ Lazer)

Participação (Cuidados)

r p r p R p

Enfrentamento autoafi rmação com risco 0,033 0,813 -0,053 0,705 -0,282* 0,039*

Autoafi rmação expressão de sentimento positivo

0,036 0,793 0,201 0,145 0,296* 0,030*

Conversação desenvoltura social 0,055 0,694 -0,120 0,388 0,208 0,132

Autoexposição desconhecidos situações novas

-0,192 0,165 0,120 0,387 0,047 0,734

Autocontrole agressividade 0,115 0,406 0,218 0,113 -0,081 0,562

IHSTOTAL 0,055 0,695 0,121 0,385 0,003 0,986

Nota: **Signifi cativo ao nível de 0,01 *Signifi cativo ao nível de 0,05

Como se observa na Tabela 3, apenas os fatores Autoafi rmação na Expressão de Sentimento Positivo (F2-Habilidades Sociais) e Participação (Cuidados) do QIFVP apresentaram uma associação positiva e signifi cativa (r = 0.296; p = 0.030). Por outro lado, os fatores Enfrentamento e Autoafi rmação com Risco (F1-Habilidades Sociais) e Participação (Cuidados) apresentaram uma associação negativa e signifi cativa (r = -0.282; p = 0.039). As demais correlações não foram signifi cativas. O que podemos constatar, de acordo com as evidências expressas pela análise estatística, é que casais que têm grande facilidade de expressar seus sentimentos positivamente são aqueles que demonstram maiores cuidados com seus fi lhos com retardo mental e ainda que casais que se envolvem

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nos cuidados pessoais de seus fi lhos são aqueles que têm mais difi culdade de enfrentarem assertivamente as difi culdades de seus fi lhos evidenciando a infl uência das habilidades sociais no envolvimento de pais com seus fi lhos.

Discussão

Quanto ao primeiro conjunto de resultados, comparações entre os escores de habilidades sociais de mães e pais com fi lhos com retardo mental, verifi ca-se que em relação ao Fator 1, enfrentamento e autoafi rmação com risco em que os pais (homens) apresentam escores bem superiores de assertividade em relação aos das mães. Cia, Pamplin e Del Prette (2006), em seus estudos sobre comunicação e participação pais-fi lhos afi rmam que, pais que se comportam assertivamente com os fi lhos, podem estar monitorizando os próprios comportamentos passivo e agressivo que levariam às práticas educativas inefi cientes, como negligência e coerção. Desta forma, com este monitoramento, estariam sendo modelos assertivos para seus fi lhos. Pode-se, supor, que no caso de crianças com retardo mental, este modelo de pai, melhoraria muito os repertórios de comportamento de autonomia de seus fi lhos, bem como os avanços nas relações interpessoais. No Fator 3, conversação e desenvoltura social, em que as mães obtiveram médias signifi cativamente superiores as dos pais e está ligado as habilidades sociais de civilidade, Cia, Souza Pereira, Del Prette e Del Prette (2007), identifi cando e analisando o repertório de habilidades sociais de mães, concluíram que este fator, efetivamente, é importante para incentivar os fi lhos a participarem de atividades, tanto no colégio como em outros contextos. Relatam ainda as autoras que a comunicação com os fi lhos normalmente é permeada por sentimentos positivos e é crucial que estes sentimentos sejam expressos de forma verbal e não verbal. Neste sentido, corroborando os dados verifi cados neste estudo, as mães estariam, provavelmente, ajudando seus fi lhos com retardo mental, fazendo uso da comunicação não verbal, com a intenção de minimizar défi cits nesta área.

Para o segundo conjunto de resultados, comparações entre os escores de envolvimento das mães e pais com fi lhos com retardo mental, os dados deste estudo demonstram que as mães relataram alta frequência nos indicadores de envolvimento com seus fi lhos com retardo mental através do Questionário Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais (Cia, D’Affonseca & Barham, 2004). Segundo Cia e cols (2007), esses indicadores favorecem ao desenvolvimento infantil saudável, mormente ao desenvolvimento socioemocional, abrangendo também cognição e desempenho na escola. Por esses estudos, os autores concluem que o envolvimento das mães na educação de seus fi lhos é importante, ainda mais, diante da fase de transição em que as crianças da amostra se encontram (começo do ensino fundamental). Segundo os autores, nesta fase, o ajustamento no ambiente escolar, muito em função das novas relações que requerem novas regras de comportamento moral e social, vão exigir dos pais maior assistência (Del Prette & Del Prette, 2005).

Transportando esses resultados para os estudos de famílias de fi lhos com retardo mental, verifi ca-se a mesma preocupação das mães com os cuidados das crianças. Apesar da ênfase que se deve dar aos processos de interação social (Araújo, 2006; Riches, 1996), os cuidados que as mães têm, principalmente no tocante à higiene, à alimentação, levar ao médico, acordar e cuidar de madrugada (as médias mais altas, Tabela 2) são constantes

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mesmo na faixa etária bem acima das idades de crianças em início do ensino fundamental com desenvolvimento normal. A responsabilidade das mães por aspectos que são cruciais no desenvolvimento da autonomia de seus fi lhos em famílias de crianças com retardo mental, ainda é bem maior do que a responsabilidade dos pais (homens). Embora os modelos atuais de paternidade preconizem uma participação (cuidados) mais próxima com os fi lhos, ideias, crenças e comportamentos tradicionais do papel do pai e da mãe, permanecem enraizados no cotidiano das famílias (Rangel, 2006), principalmente nos contextos familiares de crianças com retardo mental.

Segundo Rapoport e Piccinini (2006), a experiência da maternidade traz muitas mudanças, especialmente para a mãe, que se adapta a esta nova realidade de acordo com suas características pessoais e com a sua habilidade de solicitar e aceitar apoio de outras pessoas. Quanto mais a mãe se mostra apoiada socialmente mais ela se apresenta em condições para responder a situações estressantes, entretanto nem todas mães conseguem pedir ajuda ou até mesmo recebê-la e algumas têm maior difi culdade em compartilhar os cuidados do bebê, mesmo tendo uma rede de apoio disposta a ajudá-la.

Segundo Navarini e Hirdes (2008), mulheres que experienciam a maternidade de fi lhos com retardo mental tem a necessidade de incorporar à doença a vida cotidiana, utilizando recursos adaptativos tais como lidar com os encargos objetivos e subjetivos de ter um fi lho portador de um transtorno mental, o estigma e outros sentimentos decorrentes. Muitos familiares sentem culpa, mas acima de tudo existe a preocupação com o bem-estar do fi lho.

De acordo com Pereira, Dessen e Pereira Silva (2005), recentemente, o relacionamento marital estaria sendo apontado como um fator importante para a qualidade das relações que os pais mantêm com os seus fi lhos. Segundo as autoras, a convivência entre cônjuges, quanto às formas de comunicação e estratégias para resolver os problemas, estariam infl uenciando a criação de estilos parentais de cuidados dos fi lhos e a qualidade dessas relações. No que tange às situações de confl ito, os autores relatam que seus estudos estão em consenso com a literatura em que mães insatisfeitas tendem a compensar seus fi lhos sendo mais responsivas e envolvendo-se mais com suas crianças. Por outro lado, pais emitem condutas negativistas e intrusivas em relação aos seus fi lhos, afastando-se do convívio mais direto, apesar de viverem sob o mesmo teto. É possível que no caso da amostra de pais e mães de fi lhos com retardo mental isto esteja ocorrendo, principalmente, com relação ao estresse vivenciado pelo pai, oriundo das difi culdades fi nanceiras, e pelo fato de ter um fi lho com retardo mental. Afi nal, os sentimentos e as representações familiares que existiam anteriormente ao nascimento deste fi lho, se deterioram gerando uma crise de identidade neste pai. Segundo Glat e Duque (2003), tudo aquilo que era dado como certo é questionado e desqualifi ca-se. Por outro lado, este envolvimento das mães de fi lhos com retardo mental, principalmente com relação aos cuidados, levou-a a caminhar a procura de tratamento para seus fi lhos. Miltiades e Pruchno (2001) realizaram um estudo com mães de fi lhos adultos com defi ciência e chegaram à conclusão que essas mulheres ainda continuam vivendo situações de cuidado e de responsabilidades pela vida de seus fi lhos, assumindo um papel vitalício de cuidadoras. Estão sempre procurando manter as diversas formas de tratamento, em infi ndáveis negociações com as instituições de reabilitação ou redes de apoio. Em função dessa demanda, pode-se supor que tenham

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adquirido habilidades de traquejo na conversação, o que supõe conhecimento das regras e normas de relacionamento, o que ratifi caria os resultados desse estudo, quando da verifi cação dos indicadores do repertório de habilidades sociais da amostra de mães de fi lhos com retardo mental.

Para o terceiro conjunto de resultados, correlações entre os escores de habilidades sociais e envolvimento de casais na relação com os filhos com retardo mental, considerando a relação entre os cinco fatores que fazem parte da escala de habilidades sociais e as medidas do envolvimento entre cônjuges e seus fi lhos com retardo mental, pôde-se verifi car que a assertividade (F1) dos casais estabelece uma relação inversa com o nível de cuidados atribuídos ao fi lho.

Segundo os estudos de Cia e cols. (2006), culturalmente no Brasil, ambos os pais têm liberdade de expressarem seus direitos e a mostrarem para seus fi lhos que eles têm também direitos e deveres.

Quanto mais os casais se envolvem com os cuidados de seus fi lhos mais parecem não se utilizarem da assertividade, talvez por interpretarem que seus fi lhos não estão aptos a corresponder às exigências sociais e cognitivas de outros indivíduos sem defi ciência mental.

Quanto ao F2, autoafi rmação na expressão de sentimento positivo, correlacionou-se signifi cativamente de forma positiva com o fator Cuidados quando avaliaram o envolvimento de ambos os pais com seus fi lhos. De fato, segundo Cia e cols. (2006), espera-se que mães e pais expressem sentimentos positivos como carinho, cuidado e atenção durante suas relações com seus fi lhos com retardo mental, favorecendo a qualidade do relacionamento.

Considerações fi nais

Este estudo procurou investigar se as habilidades sociais dos pais (pai e mãe) se relacionam com o envolvimento na educação dos fi lhos com retardo mental. Em geral, os resultados indicam que os pais são mais assertivos que as mães e as mães tem melhores habilidades de conversação e desenvoltura social que os pais. As mães são mais envolvidas que os pais na educação, nas atividades escolares, de lazer e culturais e no cuidado dos seus fi lhos. Verifi cou-se também que existe correlação positiva entre expressão de sentimentos positivos e cuidados dedicados aos fi lhos e correlação negativa entre assertividade e cuidados dedicados aos fi lhos, ou seja, as mães se envolvem mais com seus fi lhos tanto nos cuidados pessoais quanto da educação e os pais são mais assertivos e normatizadores da conduta dos fi lhos.

Este trabalho permitiu entender melhor a infl uência que as habilidades sociais podem ter para o envolvimento dos pais com seus fi lhos ainda que a amostra tenha sido pequena devido ao fato de se encontrarem muitos casais que viviam com seus fi lhos e suas companheiras e não eram casados, ou que casados, não eram pais biológicos, mas que se diziam participantes e envolvidos com seus fi lhos nos diversos ambientes partilhados. Nesse sentido, fi caram impossibilitados de participar da amostra e isso se apresentou como uma limitação do estudo, assim como o uso de um instrumento ainda não normatizado.

A investigação da dinâmica familiar e o estresse enfrentado pelos pais de crianças com retardo mental mostraram a existência de fatores interessantes que carecem de

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intervenções que possam possibilitar o favorecimento de um ambiente acolhedor e de melhor qualidade do suporte parental. Também ao minimizar o estresse parental, isso estaria indo no sentido da melhoria da qualidade de vida desses pais e a condução da criança ao seu potencial máximo.

O encontro com os pais que desenvolvem não apenas o papel de provedor, mas principalmente, participantes das atividades escolares, culturais e de lazer, educando e dividindo atividades de cuidado da criança, interagindo adequadamente, brincando, estimulando, favorecidos com um bom repertório de habilidades sociais, visualiza um caminho aberto para investigações com a fi gura do pai.

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Recebido em maio de 2009 Aprovado em março de 2010

Alcides Cardozo: Psicóloga; Mestre em Psicologia Social (Universidade Salgado de Oliveira – Universo/ Niterói-RJ)Adriana Benevides Soares: Psicóloga; Mestre e Doutora em Ciências Cognitivas (Université de Paris Sud); Professora da Universidade Salgado de Oliveira (Universo/ Niterói-RJ) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Precisão entre juízes na avaliação dos aspectos formais do teste de Wartegg

Irai Cristina Boccato Alves,Augusto Rodrigues Dias,

Luís Sérgio Sardinha,Fábio Donini Conti

Resumo: A questão da clareza e objetividade dos critérios utilizados na avaliação e interpretação dos testes psicológicos é uma das preocupações dos profissionais da Psicologia que trabalham com a avaliação psicológica. O objetivo deste trabalho consistiu em verificar em que medida os critérios de avaliação delineados para alguns aspectos formais do Teste de Completamento de Desenhos de Wartegg (WZT) estão definidos adequadamente. Participaram desta pesquisa dois juízes devidamente treinados nos critérios desenvolvidos pela autora, que avaliaram 191 protocolos do teste. Para determinar a precisão entre juízes foi calculado o coeficiente Kappa, para cada campo em cada uma das variáveis estudadas, tendo variado 0,66 a 1,00. Estes resultados permitiram concluir que os critérios propostos, de um modo geral, se mostraram claros e objetivos para os aspectos formais estudados, possibilitando o seu emprego de forma relativamente segura na avaliação de um protocolo do WZT.Palavras-chave: técnicas projetivas; teste de Wartegg; precisão de avaliadores; avaliação de desenhos.

Raters reliability in the assessment of formal aspects of the Wartegg testAbstract: The question of clearness and objectivity of the criteria in the assessment and interpretation of psychological tests has been a concern between Psychology professionals who work with psychological assessment. The purpose of this work was to verify if the assessment criteria for some formal aspects of The Wartegg Test (WZT) are adequately defined. Two trained judges evaluated 191 test protocols. The Kappa coefficient was calculated to determinate the rater’s reliability to each studied variable and for each WZT field. The coefficients between raters ranged from 0.66 to 1.00. It can be concluded that the proposed criteria for evaluation of the formal aspects were clear an objective and they will permit their use in a secure form in the WZT assessment.Keywords: projective techniques; Wartegg test; raters reliability; drawing assessment.

Introdução

Para que um teste psicológico seja considerado em condições de uso, ele necessita apresentar estudos atualizados relativos aos seus parâmetros psicométricos, em especial os que evidenciem sua validade e precisão. Tal condição passou a ser determinante a partir da Resolução 002/2003 do Conselho Federal de Psicologia (C.F.P.), que defi ne e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização dos testes psicológicos. Como consequência desta Resolução, na atualidade, uma série de instrumentos se encontra com a utilização suspensa devido à ausência de tais estudos, em particular aqueles que são classifi cados como técnicas ou métodos projetivos (Alves, 2004; Sardinha, 2008).

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Dentro deste universo inclui-se o Teste de Completamento de Desenhos de Wartegg (WZT). Este instrumento caracteriza-se como uma técnica projetiva gráfi ca, de completamento de desenhos, que pretende avaliar a personalidade por meio das produções realizadas livremente pelos examinandos a partir de oito sinais gráfi cos dispostos em oito campos (Berlinck, 2000). O WZT encontra-se na lista de testes com parecer “não favorável” devido à escassez de estudos de validade e precisão com a população brasileira.

O Teste de Wartegg foi muito usado no Brasil, conforme pode ser constatado na pesquisa de Noronha, Beraldo e Oliveira (2003), na qual foi indicado como o 5o colocado entre os testes mais usados pelo psicólogo (N = 52) na sua prática profi ssional. Por outro lado, a literatura internacional sobre o WZT é muito ampla, mas é de difícil acesso, conforme foi apontado pelo levantamento apresentado por Berlinck (2000, 2006) e Ramon (2006), principalmente porque alguns dos estudos mais completos foram realizados por Takala (citados por Heidberg, 1981) na Finlândia.

Também podem ser destacados os trabalhos de Kinget (1952) nos Estados Unidos e o de Biedma e D’Alfonso (1955/1973) na Suíça. Kinget foi responsável pela sistematização dos critérios de avaliação do teste e realizou estudos de validade, comparando os resultados do WZT com os dados de um questionário baseado no Inventário de Personalidade de Benreuter.

No Brasil, a literatura sobre o WZT é pequena e existem poucos dados de pesquisa disponíveis sobre a nossa realidade, que foram resumidos por Alves (2008). Algumas dessas pesquisas serão apresentadas a seguir.

Os únicos estudos normativos do Teste de Wartegg desenvolvidos para adultos no Brasil foram os de Berlinck (2000; 2006), cujo objetivo foi estabelecer critérios para a aplicação, avaliação e interpretação para pessoas com diversos níveis de escolaridade. A autora propôs critérios objetivos para avaliação, baseados principalmente no trabalho de Kinget (1952).

Em 1999, Gullo, Reis e Siqueira compararam as características de originalidade avaliadas pelo Teste de Wartegg e pelo Teste Pensando Criativamente com Figuras de Torrance, em universitários, tendo obtido uma correlação positiva e fraca (0,21) entre as características de originalidade avaliadas pelos dois testes.

Salazar, Tróccoli e Vasconcelos (2001) compararam os resultados do fator Desempenho do IFP-R e os desenhos do campo 5 do Wartegg, entre o campo 8 e o fator Afi liação e entre o tipo de Sequência do WZT e o fator Ordem, de uma amostra de 723 participantes com nível de escolaridade superior. Os protocolos do WZT foram avaliados por dois juízes e foram correlacionados os resultados de cada avaliador e da média entre eles com os fatores do IFP-R. As correlações obtidas foram próximas de zero, indicando não haver relação entre os aspectos avaliados nos dois testes. As correlações entre os juízes variaram entre 0,18 e 0,78, as quais apontam para a necessidade de critérios objetivos. Concluem que os dois testes parecem abordar aspectos diferentes da personalidade, bem como apresentam pressupostos teóricos diferentes, o que pode explicar os resultados encontrados. É importante ressaltar que não se sabe exatamente como foram avaliadas as características do WZT para chegar às conclusões apresentadas.

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Investigando a validade de critério do WZT com o Teste de Zulliger, em relação à variável movimento, Berlinck (2002) obteve uma correlação signifi cante de 0,349 entre os dois testes. Embora a correlação não seja muito alta, esta indica a validade da interpretação dessa variável nos dois testes, que se relaciona à criatividade, empatia, espontaneidade e poder de adaptação ao meio externo.

Em outro estudo de validade, Cruz, Ruschel, Meazzi, Monteiro e Fagundes (2003) avaliaram a persistência e o desempenho no IFP e no campo 3 do Wartegg, que avalia ambição, desejo de crescimento e perseverança. Encontraram que um resultado favorável no campo 3 estava relacionado a maior persistência no IFP, o que sugere tendência a terminar um trabalho, mesmo quando este é difícil. Foram encontradas diferenças entre homens e mulheres, com resultados mais altos para os homens.

Muitos questionamentos surgem quando se aborda a validade e a precisão das técnicas projetivas, em especial a adequação ou não destes parâmetros psicométricos para este tipo de instrumento. A esse respeito, Vane e Guarnaccia (1989) assinalam que os procedimentos (métodos) utilizados para o estabelecimento de tais parâmetros foram criados para testes cujos resultados são expressos de forma quantitativa e em dimensões únicas, diferentemente do que ocorre com as técnicas projetivas, em que os resultados dependem muito da subjetividade do avaliador. Contudo, ressaltam a necessidade de estabelecer critérios padronizados para a avaliação. Cabe salientar que, a principal distinção entre os testes objetivos e os projetivos reside no fato de que os primeiros têm por objetivo informar o quanto um indivíduo tem de um determinado traço, estado ou fator; enquanto que os projetivos seriam considerados meios de se obter informações sobre a pessoa avaliada (Weiner, 2000). Entretanto, independente da problemática exposta, é impossível não tratar as questões de validade e precisão dessas técnicas, em virtude de ser necessário verifi car se elas fazem aquilo que se propõem a fazer e com que consistência o fazem (Alves, 2006).

No que se refere à precisão das técnicas projetivas deve ser dada atenção especial à escolha do método a utilizar. Os métodos mais comuns para o estabelecimento da precisão de um teste são (teste-reteste, formas paralelas e divisão em metades ou consistência interna), entretanto, apresentam difi culdades quando aplicados às técnicas projetivas. No caso do teste-reteste a difi culdade estaria relacionada a mudanças em aspectos da personalidade que podem ocorrer com o passar do tempo ou como consequência de pressões externas e internas, que vão depender do intervalo de tempo entre as aplicações. Se o intervalo for curto, o reteste vai mostrar se as fl utuações em um breve período de tempo alteram o resultado do teste. Se a correlação for alta, ela vai indicar que estão sendo avaliados aspectos mais estáveis da personalidade. Em relação às formas paralelas, a difi culdade estaria ligada à criação de formas equivalentes, pois os estímulos nestas duas formas deveriam avaliar as mesmas características. No caso da divisão em metades a difi culdade estaria centrada na divisão de um teste projetivo em duas metades equivalentes (Alves, 2006).

Depreende-se, portanto, que avaliar a precisão de uma técnica projetiva pelos métodos mais convencionais pode se tornar uma tarefa difícil e até mesmo inócua, afi nal toda avaliação, que em seu processo envolva aspectos da subjetividade do indivíduo que a realiza, está mais propensa a erros e, consequentemente, pode ser considerada mais

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vulnerável e imprecisa. Desse modo, torna-se necessária a busca de um método mais adequado às características peculiares destes instrumentos (Sardinha, 2000). Este método estaria baseado na concordância entre as avaliações efetuadas por dois ou mais juízes independentes (Alves, 2006).

Comumente denominada de precisão ou fidedignidade do avaliador (juízes independentes), este método prevê que uma amostra dos protocolos do teste seja pontuada independentemente, de acordo com critérios previamente defi nidos, por dois ou mais examinadores. Os escores atribuídos por cada avaliador a cada examinando devem ser correlacionados, sendo os coefi cientes resultantes, medidas da fi dedignidade do avaliador (Anastasi & Urbina, 2000; Dias, 2005). No Brasil, alguns estudos foram desenvolvidos para aferir a precisão do WZT fazendo uso deste método, entre os quais se destacam os trabalhos de Silva (2004) e Ramon (2006).

Silva (2004) realizou dois estudos de concordância entre avaliadores. O primeiro envolveu a avaliação de 93 protocolos quanto às variáveis “Atmosfera e Envolvimento”, por dois profi ssionais treinados. A variável “Atmosfera” foi avaliada no campo “2” do WZT, seguindo os critérios propostos por Kinget (1952), e classifi cada em três níveis previamente defi nidos: atmosfera negativa, neutra ou positiva. Para a variável “Envolvimento” foram considerados os desenhos executados nos oito campos, no que se refere à atenção na produção demonstrada por meio da realização cuidadosa e presença de detalhes adicionais e enriquecedores. Esta variável foi classifi cada em três níveis alto, médio e baixo.

No segundo estudo foi solicitado a dois psicólogos clínicos com experiência no WZT que avaliassem as seguintes características complexas da personalidade: recursos intelectuais; habilidades sociais, fl exibilidade, organização, nível de aspiração, nível de energia, controle emocional, segurança e assertividade de 30 protocolos. Para cada característica os profi ssionais seguiram critérios previamente defi nidos e as classifi cavam nos níveis 1 (baixo), 2 (médio) e 3 (alto).

Quanto aos resultados, no primeiro estudo Silva (2004) observou que as avaliações relativas à variável “atmosfera” apresentaram correlação de 0,91 e de 0,89, para a variável “envolvimento”. No segundo estudo, a análise de características complexas da personalidade atingiu correlação média de 0,88, sendo que as correlações máximas (1,00) foram para as características “energia” e “assertividade” e a correlação mais baixa (0,81) para a característica “controle emocional”. Com base nestes dados, a autora concluiu que profi ssionais treinados atingem altos níveis de concordância na avaliação do WZT, tanto na avaliação de características de execução quanto de características de personalidade mais complexas.

Ramon (2006) efetuou um estudo, relativo à precisão do WZT, dividido em duas etapas. A primeira voltada a verifi car a precisão da classifi cação de 27 variáveis e a segunda direcionada para a precisão da interpretação de três características: relacionamento interpessoal, afetividade e controle emocional e ambição. Participaram do estudo 18 psicólogos com experiência entre três e 30 anos na avaliação do WZT, que analisaram cinco protocolos.

Na primeira etapa deste estudo (precisão da classifi cação), os resultados mostraram que das 27 variáveis classifi cadas, sete apresentaram correlações altas (acima de 0,70),

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quatro obtiveram correlações satisfatórias (acima de 0,60), cinco correlações medianas (entre 0,50 e 0,60) e 11 variáveis correlações abaixo de 0,50. Em relação à segunda etapa (precisão das interpretações), o autor obteve precisão satisfatória para as três características consideradas, entretanto, este resultado foi obtido com 10 dos 18 juízes. Em suas conclusões, Ramon observou que foi possível estabelecer a precisão no sistema de classifi cação do WZT para algumas variáveis, sendo necessário o desenvolvimento de novos estudos, principalmente em relação à precisão das interpretações, para permitir que avaliadores diferentes façam interpretações semelhantes de um mesmo protocolo.

Como é possível observar, os resultados encontrados nos estudos de Silva (2004) e Ramon (2006) são animadores e indicam que, em relação à precisão do WZT, seria primordial o domínio ou conhecimento que o profi ssional possua dos critérios utilizados, principalmente no que se refere à classifi cação e interpretação dos dados. Na verdade, a questão da experiência é uma preocupação antiga dos profi ssionais da Psicologia. Van Kolck (1984) e Alves (2006) apontam que para uma avaliação são necessários profi ssionais com bastante experiência na área, que possam traduzir melhor os dados fornecidos por um teste.

Concorda-se que a experiência seja um fator importante em um processo avaliativo, mas não pode ser o único (Sardinha, 2000). Esta experiência encobre uma falta de parâmetros claros de avaliação dos testes, pois “muitas técnicas pecam por não apresentar um sistema de análise e interpretação que seja sufi cientemente preciso de modo a permitir alto grau de concordância quando avaliados por profi ssionais diferentes” (Villemor-Amaral, 2006, p. 168-169). Villemor-Amaral (2006) acrescenta ainda, que, para ampliar a gama de indicadores de validade das técnicas projetivas, é preciso criar sistemas de análise que garantam a precisão entre avaliadores. Assim, os psicólogos devem se esforçar para criar critérios objetivos e que possam ser utilizados de maneira mais uniforme e ampla por toda a categoria profi ssional.

Foi neste sentido que Berlinck (2000) realizou um estudo sobre o WZT. Seu trabalho teve como meta estabelecer critérios objetivos para a aplicação, avaliação e interpretação do teste, a partir de uma ampla revisão da literatura sobre o mesmo. Em termos da classifi cação dos aspectos formais do WZT, propõe que sejam avaliadas cinco categorias e suas respectivas derivações, a saber: a) traçado ou linha, em que se avaliam a pressão (forte, média, fraca e mista), o tipo de linha (reta, curva e reta/curva), a continuidade do traçado (contínuo ou descontínuo) e a qualidade da linha (reforço, retoque e tremor); b) o tamanho do desenho (grande, médio, pequeno e constrição); c) sombreado (presença ou ausência); d) composição do desenho em que são avaliados a organização (bidimensional e tridimensional), a repetição, duplicação e a recorrência, o movimento, a orientação, a clareza, a originalidade e a popularidade e; e) outros em que se enquadram a transparência, o desenho sobre moldura, a visão de pássaro e a mudança de posição. Entretanto, apesar de valioso, este sistema de classifi cação ainda não foi submetido a um estudo que verifi que a sua clareza e objetividade. Entende-se que estudos desta natureza trariam uma maior confi abilidade ao sistema proposto.

Foi a partir desta constatação que o presente trabalho se originou. Seu objetivo consistiu em verifi car em que medida alguns critérios de classifi cação dos aspectos formais do WZT, delineados por Berlinck (2000), estão adequadamente defi nidos. Em outros

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termos, se são claros e objetivos o sufi ciente para serem compreendidos e utilizados pelos profi ssionais que irão realizar uma avaliação (Primi, Miguel, Couto & Muniz, 2007).

Método

ParticipantesParticiparam do presente estudo 191 sujeitos, dos quais 100 eram do sexo feminino,

com as idades variando entre 18 e 54 anos (média de 28,6 anos, DP de 8,71), e 91 do sexo masculino com idades entre 18 e 50 anos (média de 28,0, DP de 9,36). Em termos de escolaridade 2,1% (n=4) do total não a informaram, 11,5% (n=22) indicaram possuir o ensino básico completo, 12,6% (n=24) o ensino médio incompleto e, 73,8% (n=141) o ensino médio completo. Participaram também, dois juízes treinados no método de pontuação desenvolvido por Berlinck (2000) para a avaliação dos aspectos formais do WZT. Estes juízes eram profi ssionais devidamente inscritos no CRP 06 – São Paulo.

MaterialForam utilizadas as folhas de aplicação padronizadas do Teste de Completamento

de Desenhos de Wartegg publicadas pela editora (CETEPP), lápis preto No 2 e borracha para cada examinando. A folha de aplicação é constituída de oito quadrados ou campos, havendo em cada quadrado um sinal ou estímulo gráfi co, para ser completado pelo examinando da forma e sequência que desejar.

ProcedimentoA coleta de dados foi realizada em um único dia e de forma coletiva, sem limite

de tempo. Os sujeitos eram parte de um grupo de 700 candidatos a um concurso público para o cargo de Agente Comunitário em uma cidade da Grande São Paulo no ano de 2003, realizado antes da publicação da lista defi nitiva de testes pelo CFP. Estes foram subdividos em grupos de aproximadamente 20 indivíduos por sala e todos assinaram o termo de consentimento livre-esclarecido. As instruções de aplicação do WZT utilizadas foram as padronizadas por Wartegg (1987).

Para o estudo de precisão, inicialmente os dois juízes se submeteram a um treinamento na codifi cação dos aspectos formais delineados por Berlinck (2000), selecionados para esta pesquisa. Para tanto, 10 protocolos do WZT (metade de cada sexo), que não fi zeram parte de amostra, foram utilizados. Cada juiz indicou a presença ou ausência de cada um dos aspectos formais avaliados para cada um dos oito campos dos protocolos considerados, com base nas defi nições de Berlinck. Em seguida, os juízes discutiram as concordâncias e discordâncias das classifi cações de modo a dirimir as dúvidas.

Os 191 protocolos do WZT foram entregues aos dois juízes obedecendo a seguinte distribuição: juiz 1 recebeu os 100 protocolos de sujeitos do sexo feminino para a avaliação e o juiz 2 recebeu os 91 protocolos dos sujeitos masculinos. Posteriormente, os juízes trocaram os protocolos do WZT, para avaliar os restantes. Os juízes indicaram a presença ou ausência de cada uma das variáveis para cada campo em todos os protocolos.

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Os juízes consideraram os seguintes aspectos formais e respectivas defi nições: 1. Pressão do lápis: a) forte: “caracterizada por marcas profundas, escuras

e visíveis principalmente nas costas do papel” (Berlinck, 2000, p. 94); b) média: linhas intermediárias, não há traços fortes, nem leves; c) fraca: realizada com linhas extremamente delicadas e leves e; d) mista: presença de traços fortes, médios e fracos em diversas combinações em um mesmo desenho;

2. Tipo de linha: a) reta: aparenta ter sido traçada com o auxílio de uma régua; b) curva: traçado com características de fl exibilidade em sua construção, bem como graciosidade e fl uência; c) mista: quando os dois tipos de linhas estão presentes num mesmo desenho;

3. Continuidade da linha: a) contínua: traçado constituído por uma linha sem interrupções, feito de tal forma que dá a ideia de que o lápis não foi levantado do papel; b) descontínua: realizada com interrupções, paradas ou quebras nos traçados, subdividindo-se em: b1) traçado interrompido: com uma ou mais interrupções ao longo das linhas; b2) tracejado: linha substituída por pequenos traços que mostram aparente continuidade; b3) pontilhado: quando a linha contínua é substituída por pontos. Para o presente estudo, estes três tipos foram agrupados em uma única variável, a saber: traçado interrompido.

4. Qualidade da linha: a) reforço ou retoque: caracterizado pela presença de linhas repassadas, dando a impressão de maior largura ou cobrindo linhas leves e fi nas; b) Linha tremida: avaliada pelas constantes mudanças não intencionais do traçado, ou seja, ondulações características de tremores.

5. Tamanho do desenho: a) grande: quando o desenho ocupa mais do que ¾ do campo (de 13 a 16 células); b) médio: entre ¼ a ¾ do campo (de 5 a 12 células); c) pequeno: desenho em área menor que ¼ do campo (de 1 a 4 células). Para fazer a distinção entre os três tamanhos foi utilizado o crivo de avaliação, que subdivide a área de um campo do WZT em 16 células de 1cm², proposto por Biedma e D’Alfonso (1973) e adotado por Berlinck (2000).

6. Sombreado nos desenhos: a) presença; b) ausência, considerando-se as superfícies de colorido mais escuro, contrastando com zonas de luz.

7. Movimento nos desenhos: a) presença; b) ausência. O desenho transmite uma sensação de que as fi guras estão em movimento.

8. Transparência nos desenhos: a) presença; b) ausência. Constitui a inclusão de partes no desenho, que não seriam visíveis na realidade.

Resultados e discussão

A análise estatística foi feita como auxílio do SPSS versão 17 para Windows. Foram calculados os coefi cientes Kappa entre os dois juízes de cada variável por campo do WZT e depois as médias desses coefi cientes para cada variável. O coefi ciente Kappa de Cohen (1960) é uma medida estatística de concordância entre juízes para escalas nominais (qualitativas, isto é, em que existe a avaliação em categorias). Ele é considerado uma maneira mais adequada de avaliação do que o simples cálculo de porcentagens de acordo, porque leva em conta a possibilidade de concordância por acaso (Cohen 1960; Wikipedia, 2009). A interpretação do coefi ciente Kappa pode ser classifi cada como

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concordância quase perfeita, quando os valores estão entre 0,81 e 1,00; concordância substancial, quando estão entre 0,61 e 0,80; concordância moderada entre 0,41 e 0,60; concordância fraca ou pequena entre 0,21 e 0,40; concordância leve entre 0,0 e 0,20 e, nenhuma correlação quando forem menores do que zero (0), indicando ausência de acordo (Landis & Koch, 1977).

Além deste sistema de classifi cação, adotou-se como critério mínimo para indicar clareza e objetividade das defi nições dos aspectos formais avaliados a correlação de 0,60, ou seja, moderada (Conselho Federal de Psicologia – CFP, 2003; Dancey & Reidy, 2006). Desse modo, as correlações inferiores a 0,60 indicariam falta de clareza e objetividade e, consequentemente, a necessidade de redefi nição dos critérios de avaliação. Salienta-se que este valor de correlação é o mínimo aceito para coefi cientes de precisão pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), de acordo com a Resolução 02/2003.

Nas Tabelas de 1 e 2 são apresentados os coefi cientes de concordância Kappa entre os juízes e as médias para os aspectos formais avaliados.

Tabela 1 – Coeficientes Kappa para cada campo da pressão do traçado, tipo, continuidade, descontinuidade e qualidade da linha

Campos

Aspectos formais 1 2 3 4 5 6 7 8 M

Pressão 0,84 0,80 0,85 0,83 0,86 0,79 0,86 0,88 0,84

Tipo de linha 0,93 0,85 0,82 0,87 0,91 0,93 0,91 0,94 0,89

Linha contínua 0,90 0,84 0,90 0,86 0,84 0,83 0,97 0,88 0,88

Linha descontínua 0,90 0,83 0,88 0,88 0,84 0,95 0,93 0,99 0,90

Qualidade da linha 0,92 0,89 0,84 0,86 0,91 0,91 0,90 0,85 0,88

Na Tabela 1 verifi ca-se que todos os coefi cientes foram positivos e variaram de 0,79 a 0,99, sendo todas acima do critério mínimo adotado pela Resolução 02/2003 do CFP para a precisão. Os maiores coefi cientes encontrados foram para linha descontínua, no campo 8 com kappa = 0,99, linha contínua, no campo 7 com kappa = 0,97 e o menor foi kappa = 0,79 no campo 6 (pressão do lápis). No caso do maior coefi ciente observa-se a presença da concordância positiva quase perfeita (0,99), relativa a linha descontínua no campo 8 do WZT.

Em relação ao menor coefi ciente (kappa = 0,79, no campo 6 da pressão do lápis, ocorreu a maior discrepância entre os avaliadores, embora possa ser classifi cado como uma concordância signifi cativa. Foram calculadas as médias dos coefi cientes dos oitos campos para cada um dos aspectos formais. Estas variaram entre 0,84 (pressão do lápis) e 0,90 (linha descontínua). Estes coefi cientes podem ser considerados pelo critério adotado como concordâncias quase perfeitas.

Só é possível fazer comparações em relação à literatura com o estudo de Ramon (2006), no qual a precisão foi obtida por meio das correlações de Pearson entre quatro

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pares de juízes, que para a pressão variaram de 0,13 a 0,62, sendo três delas superiores a 0,56. Contudo em seu trabalho o autor não especifi cou como foi avaliada a pressão, nem ao que as correlações se referem, isto é, se para cada campo e para cada intensidade de pressão, o que torna difícil uma comparação dos resultados.

Ramon (2006) também investigou a continuidade da linha, tendo encontrado correlações muito baixas (entre 0,14 e 0,31), todas não signifi cantes. Deve-se lembrar que o autor estudou as variáveis linhas contínuas e descontínuas, mas não ofereceu uma defi nição, nem ilustrações das mesmas para os juízes, o que fez com que cada juiz utilizasse seu próprio parâmetro, o que pode ter levado à ausência de correlações signifi cantes. Para a linha reforçada ou trêmula Ramon (2006) obteve correlações entre 0,21 e 0,60, que foram muito inferiores às da presente pesquisa.

Tabela 2 – Coeficientes kappa para cada campo do tamanho, sombreado, movimento e transparêncianos desenhos

Campos

Aspectos formais 1 2 3 4 5 6 7 8 M

Tamanho 0,90 0,88 0,86 0,78 0,83 0,90 0,91 0,90 0,87

Sombreado 0,87 0,85 0,77 0,81 0,85 0,75 0,92 0,87 0,84

Movimento 0,96 0,89 0,85 0,82 0,95 0,91 1,00 0,93 0,92

Transparência 1,00 0,93 0,74 0,88 0,85 0,86 0,70 0,66 0,83

Na Tabela 2 todos os coefi cientes Kappa foram positivos, sendo que os maiores foram para movimento (Kappa = 1,00) no campo 7 e transparência no campo 1 (Kappa = 1,00) e, os menores, foram para transparência (Kappa = 0,66) no campo 8 e no campo 7 (Kappa = 0,70).

Estes dados são importantes, pois se pode considerar no geral que, na avaliação de um determinado aspecto formal dos desenhos do WZT, os dois juízes usaram o mesmo critério, o que leva a uma consistência nas conclusões que podem ser tiradas a partir dos mesmos. Os coefi cientes podem ser considerados como indicando concordância substancial ou quase perfeita, uma vez que variaram entre 0,66 e 1,00, com médias que variaram entre 0,83 para o sombreado até 0,92 para o movimento.

Em seu estudo, Ramon (2006) obteve para o tamanho dos desenhos correlações entre 0,67 e 0,80, indicando que essa é uma das variáveis mais precisas nas duas pesquisas, mesmo que o autor não tenha estabelecido parâmetros para ela. As variáveis movimento e sombreado também foram investigadas por Ramon (2006), que estabeleceu como movimento os vários tipos propostos por Kinget (1952), também considerados na presente pesquisa, incluindo movimento humano, animal, inanimado, cósmico e mecânico. As correlações obtidas variaram de 0,62 a 0,84, um pouco menores do que as desta pesquisa. Quanto ao sombreado ele estabeleceu as classifi cações leve, moderado e escuro, tendo encontrado correlações entre 0,37 e 0,73, também mais baixas do que as desta pesquisa.

Aletheia 31, jan./abr. 2010 63

O outro estudo brasileiro sobre a fi dedignidade de avaliadores do WZT foi realizado por Silva (2004), que investigou variáveis diferentes das abordadas na presente pesquisa, o que torna impossível a comparação com seu estudo. A única conclusão que pode ser considerada em comum com essa autora é a da importância do domínio ou experiência do profi ssional sobre os critérios utilizados.

Conclusão

Este trabalho é parte de um projeto mais amplo que pretende verifi car a adequação de todos dos critérios propostos por Berlinck (2000) para a avaliação do WZT em relação à precisão entre avaliadores. O objetivo deste trabalho consistiu em verifi car em que medida os critérios delineados por Berlinck para alguns aspectos formais do Teste de Completamento de Desenhos de Wartegg (WZT) estão defi nidos adequadamente, isto é, se eles são claros e objetivos o sufi ciente para serem compreendidos e utilizados pelos profi ssionais que irão realizar a avaliação do teste.

Os resultados foram promissores, pois os coefi cientes obtidos foram classifi cados entre concordância substancial ou quase perfeita, de acordo com o critério de Landis e Koch (1977), bem como fi caram acima do critério mínimo adotado (0,60) pela Resolução 02/2003 do CFP para os estudos de precisão. Tais dados permitem afi rmar que os critérios propostos por Berlinck (2000) para os aspectos formais do WZT podem ser utilizados com considerável precisão, mesmo os que apresentaram as correlações mais baixas.

Também é importante lembrar que os resultados mais altos obtidos nesta pesquisa em realção aos relatados por Ramon (2006) devem-se principalmente a dois aspectos. Nesta pesquisa as variáveis e suas classifi cações foram claramente defi nidas fazendo com que os juízes tivessem parâmetros para fazer suas avaliações. O segundo aspecto, que muito contribuiu para os resultados obtidos, foi a realização de um treinamento e da discussão dos critérios entre os juízes para que os dois estabelecessem parâmetros comuns para as variáveis. Assim, pode-se concluir que para se tirar conclusões confi áveis do WZT é necessário que os avaliadores conheçam bem as defi nições das variáveis, bem como sejam submetidos a uma treinamento na avaliação para evitar classifi cações altamente subjetivas que somente poderão prejudicar as interpretações de qualquer técnica projetiva.

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_____________________________ Recebido em maio de 2009 Aceito em setembro de 2009

Irai Cristina Boccato Alves: Psicóloga; Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (Universidade de São Paulo/ USP). Professora do curso de Psicologia (Universidade de São Paulo/ USP).Augusto Rodrigues Dias: Psicólogo; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco – USF). Especialista em Educação a Distância (Faculdades SENAC/SC). Professor dos cursos de Psicologia e Gestão de Recursos Humanos (Centro Universitário Paulistano – UniPaulistana) e do curso de Psicologia da Universidade do Grande ABC – UniABC/SP). Luís Sérgio Sardinha: Psicólogo; Mestre em Educação Arte e História da Cultura (Universidade Mackenzie). Doutorando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (Universidade de São Paulo/ USP). Fábio Donini Conti: Psicólogo; Mestrando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (Universidade de São Paulo/ USP). Professor do curso de Psicologia (Universidade Guarulhos/UnG).

Endereço eletrônico para correspondência: [email protected]

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Conjugalidade em contexto de depressão da esposa no fi nal do primeiro ano de vida do bebê

Giana Bitencourt FrizzoIvani Brys

Rita de Cássia Sobreira LopesCesar Augusto Piccinini

Resumo: O presente estudo investigou o relacionamento conjugal no contexto da depressão materna, no final do primeiro ano de vida do bebê. Participaram do estudo 22 casais, divididos em dois grupos, um em que a esposa apresentava indicadores de depressão (10), e outro em que não os apresentava (12), segundo o Inventário Beck de Depressão. Os bebês tinham em torno de 12 meses de idade, sendo 8 meninas e 14 meninos. O teste Mann-Whitney indicou diferença significativa entre os dois grupos quanto à depressão, mas não em relação às diversas variáveis sociodemográficas investigadas. Análise de conteúdo qualitativa das entrevistas indicou que, comparado ao grupo sem depressão, as esposas com indicadores de depressão relataram mais dificuldades com relação ao companheirismo e o tempo para o casal, à comunicação e resolução de conflitos e à avaliação global da qualidade do relacionamento conjugal e sexual. Esses resultados corroboram outros estudos que têm destacado que a presença de indicadores de depressão na esposa pode trazer dificuldades para a conjugalidade. Palavras-chave: relacionamento conjugal; conjugalidade; depressão materna; parentalidade.

Conjugality in context of wife’s depression by the end of the infant’s first year of life

Abstract: The present study investigated marital relationship in the context of maternal depression, at the end of the baby’s first year of life. Twenty-two couples, divided into two groups, took part in the study. In one of them the wife presented depression indicators (10), and in the other there were no depression indicators (12), according to Beck’s Depression Inventory. The babies were around 12 months, 8 girls and 14 boys. Mann-Whitney test indicated significant differences between the two groups as far as depression is concerned, but not regarding the several investigated socio-demographic variables. Qualitative content analysis of the interviews indicated that, compared to the group without depression, the wives with depression indicators reported more difficulties regarding partnership and time for the couple, to the communication and resolution of conflicts and to the global evaluation of the quality of the marital and sexual relationship. Those results corroborate other studies which have highlighted that the presence of depression indicators in the wife can bring difficulties for marital relationship.Keywords: marital relationship; conjugality; maternal depression; parenthood.

Introdução

Devido a algumas condições específi cas ao encontro mãe-bebê e pai-bebê, é possível que a mãe sinta difi culdades em lidar com as mudanças que sucedem após o nascimento de um fi lho. Com frequência, durante a transição para a parentalidade, algumas pessoas

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não conseguem preservar seus interesses pessoais e, principalmente, suas relações de casal (Cramer & Palácio-Espasa, 1993). Waldemar (1998) afi rma que não é incomum que, em famílias com fi lhos pequenos, os casais acabem dedicando muito tempo aos cuidados com os fi lhos, relegando a conjugalidade para um segundo plano. Algumas vezes, esse pouco investimento na conjugalidade é sentido como um sentimento de insufi ciência, de fracasso e de esgotamento (Cramer & Palácio-Espasa, 1993).

A qualidade do relacionamento conjugal estabelecido ainda antes do nascimento do primeiro fi lho pode ser um importante fator de ajustamento nesse período, podendo inclusive predizer alguns desfechos possíveis. Menezes e Lopes (2007) sugerem que a estrutura da relação conjugal possui forte infl uência no desenrolar da transição para a parentalidade, já que esse momento pode potencializar um distanciamento já existente no casal.

Nesse contexto, a depressão pode ser um fator que traz complicações para o ajustamento do casal às novas demandas. Uma das formas que a depressão pode afetar a família é através de um possível aumento de problemas no relacionamento conjugal (Cummings, Keller & Davies, 2005). Ainda sobre a associação entre depressão materna e qualidade do relacionamento conjugal, Mayor (2004), em um estudo longitudinal realizado com participantes de Porto Alegre, sugere que parecem existir diferenças nas famílias com e sem depressão materna. Nas primeiras, houve maior relato de existência de confl itos, menor apoio do marido e maior insatisfação conjugal. Interessante notar que, durante a gestação, as famílias não apresentavam maiores diferenças entre si nesses aspectos. Foi após o nascimento do bebê que as diferenças entre essas famílias apareceram, sendo que as famílias com mães deprimidas apresentaram maiores difi culdades durante essa transição para a parentalidade, especialmente quanto à satisfação conjugal.

A satisfação conjugal aumenta quando há proximidade, estratégias adequadas de resolução de problemas, coesão, boa habilidade de comunicação, se os cônjuges estiverem satisfeitos com seu status econômico e forem praticantes de sua crença religiosa (Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt, & Shlomo, 2004). Mas é possível que esses sejam alguns fatores também afetados pela presença de depressão e que poderiam, então, levar a uma maior insatisfação conjugal.

A depressão pode, inclusive, afetar a percepção da mãe quanto ao apoio recebido. No estudo de Schwengber e Piccinini (2005), as mães deprimidas de Porto Alegre referiram sentimentos ambivalentes em relação ao apoio social recebido por parte dos familiares e amigos, além de sentimentos muito ambivalentes em relação ao apoio recebido do companheiro e a seu papel como pai. Já o estudo de Fritsch e cols. (2005) mostrou que as mulheres deprimidas tiveram uma avaliação mais negativa da qualidade de vida familiar e da relação conjugal, posição corroborada por seus parceiros. Beach e O´Leary (1993) também encontraram que pessoas deprimidas podem avaliar de modo mais negativo a qualidade do relacionamento conjugal, como uma consequência de seus sintomas depressivos.

Além disso, conviver com uma pessoa deprimida pode ser sentido como fonte importante de tensão e angústia emocional para os cônjuges. Benazon e Coyne (2000) sugerem que o impacto da depressão não se restringe ao indivíduo, pois os cônjuges de pacientes deprimidos relataram diminuição em suas atividades sociais e

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de lazer, queda na renda familiar e aumento de tensão na relação conjugal. Segundo Papp (2000), essa sobrecarga sobre o cônjuge sem depressão pode ser ainda maior, pois se sentir emocionalmente vinculado a uma pessoa, como o cônjuge, pode ser essencial no alívio da depressão. Para essa autora, o relacionamento conjugal é muito importante para a mulher após o nascimento do bebê, posição também corroborada por Trad (1997). Segundo esse ponto de vista, a insatisfação conjugal pode até mesmo ser um fator de risco para o desenvolvimento de depressão nesse momento (Alvarado e cols., 2000).

A literatura revisada acima aponta que, quando um membro do casal tem depressão, pode haver interferências na qualidade das relações familiares, tanto diretamente, através das interações com a criança, como indiretamente, infl uenciando as condições do relacionamento conjugal (Braz, Dessen & Silva, 2005). Além disso, a depressão parental pode alterar o desenvolvimento da criança, ao modifi car o comportamento dos genitores, o que pode acarretar risco, predispondo-a a problemas emocionais e de comportamento (Jacob & Johnson, 1997). O exercício da parentalidade requer uma reorganização familiar, em que o bebê é incluído e o casal precisa de uma nova acomodação para desempenhar as tarefas de cuidado e educação dos fi lhos, sem esvaziar sua conjugalidade (Minuchin, 1982). Dessa forma, é importante investigar a qualidade das relações conjugais e seu impacto no desenvolvimento da criança, no seu ajustamento social (Dessen & Braz, 2000) e na família. Vários estudos têm investigado particularmente a depressão pós-parto (Field, 1995; Frizzo, 2008) e outros, a depressão e a maternidade no primeiro ano de vida do bebê (Schwengber, 2007; Schwengber & Piccinini, 2005), mas poucos têm examinado a conjugalidade neste contexto. De forma geral, os estudos que investigaram a conjugalidade e a depressão indicaram uma associação entre estes dois fatores com o surgimento de problemas conjugais (Cramer & Palácio-Espasa, 1993; Cummings, Keller & Davies, 2005; Frizzo, 2008; Linares & Campo, 2000; Mayor, 2004; Prado, 1996; Trad, 1997). Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi investigar o impacto da depressão da esposa na conjugalidade em casais com bebês no fi nal do seu primeiro ano de vida.

Método

Participaram do estudo 22 casais, divididos em dois grupos, um em que a esposa apresentava indicadores de depressão (10 participantes), e outro em que a esposa não os apresentava (12), conforme o resultado do Inventário Beck de Depressão (Beck & Steer, 1993; Cunha, 2001). No grupo de esposas com indicadores de depressão, sete apresentavam indicadores de intensidade leve e três de intensidade moderada. Os bebês tinham em torno de 12 meses de idade, sendo 8 meninas e 14 meninos. Todas as esposas

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de ambos os grupos moravam com o marido1, que era o pai do bebê. As Tabelas 1 e 2 apresentam as características sociodemográfi cas dos casais. O teste Mann-Whitney não indicou diferenças sociodemográfi cas entre os dois grupos quanto à idade, escolaridade, nível socioeconômico do casal e sexo do bebê. O nível socioeconômico dos casais foi avaliado de acordo com critérios baseados em Hollingshead (1975), adaptados para o presente estudo por Tudge e Frizzo (2002).

Tabela 1 – Dados sociodemográficos dos casais com esposa deprimida

Família DepressãoMaterna

BDI mãe

Idade Escolaridade Ocupação Sexobebê

IdadeBebê

NSEFam

1 Leve 15 E=23 M=29

E=1° G inc.M=1° G

E=dona de casa/doceiraM=auxiliar de matizador

M 12m 1

2 Leve 15 E=19M=27

E=2º GM=2º G

E=dona de casaM=comerciante

M 12m 2

3 Leve 15 E=19M=22

E=2º GM=2º G

E=dona de casaM=segurança

M 12m 2

4 Moderado 31 E=18M=19

E=2º GM=1º G inc

E=dona de casaM=marcenaria

M 12m 1

5 Leve 12 E=33M=29

E=3º GM=3º G

E=psicólogaM=advogado

M 12m 5

6 Leve 16 E=26M=40

E=3ºG incM=3º G

E=estudanteM=escrivão judicial

F 12m 5

7 Leve 16 E=17M=17

E=2ºG incM=2º G inc

E=estudanteM=desempregado

F 12m 1

8 Leve 12 E=24M=25

E=2ºG incM=2ºG

E=garçoneteM=pintor

F 12m 3

9 Moderado 20 E=23M=38

E=1ºG incM=1ºG inc

E=dona de casaM=caseiro

F 12m 1

10 Moderado 25 E=20M=20

E=2ºGM=2ºG

E=auxiliar administrativoM=bancário

M 12m 3

1 Embora alguns casais coabitassem e outros fossem casados legalmente, no presente estudo optou-se por falar em maridos e esposas para simplifi car o texto, por considerar essa distinção não importante para os fi ns dessa investigação.

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Tabela 2 – Dados sociodemográficos dos casais com esposa sem depressão

Família DepressãoMaterna

BDI mãe

Idade Escolaridade Ocupação Sexobebê

Idadebebê

N S E Fam

11 Ausente 6 E = 2 6 M=30

E= 1ºG incM= 1ºG inc

E= dona de casaM= zelador de igreja

M 12m 1

12 Ausente 9 E=27 M=21

E= 2ºGM= 1ºG

E= serviços geraisM= auxiliar de padaria

M 12m 1

13 Ausente 4 E=23M=24

E= 2º GM= 2º G

E= recepcionistaM=auxiliar de serigrafi a

M 12m 2

14 Ausente 6 E=33M=33

E= 3ºGM= 3ºG

E= fonoaudiólogaM= designer gráfi co

F 12m 5

15 Ausente 8 E=18M=18

E= 1ºG incM= 1ºG inc

E= dona de casaM= pedreiro

M 12m 1

16 Ausente 6 E=30M=35

E= 3ºGM= pós grad.

E= programadora M= administrador

F 12m 5

17 Ausente 6 E=25M=32

E= 3ºG inc M= 3ºG inc

E= dona de casaM= servidor público

M 12m 2

18 Ausente 11 E=14M=16

E= 1º GM= 1ºG inc

E= dona de casaM= jardineiro

M 12m 1

19 Ausente 11 E=27M=26

E= 3ºG incM= 3ºG inc

E= vendedora de carrosM= corretor de seguros

M 12m 4

20 Ausente 6 E=31 M=30

E= 3ºGM= 3ºG inc

E= empresária M= Empresário

M 12m 5

21 Ausente 5 E=28M=41

E= 2ºGM= 1ºG inc

E= chefe de setor M= modelista

F 12m 3

22 Ausente 10 E=35M=41

E= 3ºG M= 3ºG

E= dona de casaM= empresário

F 12m 5

Delineamento, procedimentos e instrumentos Foi utilizado um delineamento de grupos contrastantes (Nachmias & Nachmias,

1996), a fi m de comparar eventuais diferenças entre os casais cujas esposas apresentavam ou não indicadores de depressão. A amostra foi selecionada dentre os participantes do “Estudo Longitudinal de Porto Alegre: Da Gestação à Escola- ELPA” (Piccinini, Lopes, Sperb & Tudge, 1998), que teve por objetivo investigar tanto os aspectos subjetivos e comportamentais das interações iniciais pai-mãe-bebê, como o impacto de fatores iniciais do desenvolvimento nas interações familiares, no comportamento social de crianças pré-escolares e na transição para a escola de ensino fundamental. Esse estudo iniciou acompanhando 81 gestantes, que não apresentavam intercorrências clínicas, seja com elas mesmas ou com o bebê, que era seu primeiro fi lho. Os maridos também foram convidados a participar do estudo, caso residissem juntos em situação matrimonial. Os participantes representavam várias confi gurações familiares (nucleares, monoparentais ou re-casados), de diferentes idades (adultos e adolescentes) e com escolaridade e níveis socioeconômicos

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variados. Foram realizadas várias coletas de dados desde a gestação até os oito anos das crianças (gestação, 3º, 8º, 12º, 18º, 24º, 36º meses e 6º,7º e 8º ano de vida da criança). O convite inicial para participar do estudo ocorreu quando a gestante fazia pré-natal em hospitais da rede pública da cidade de Porto Alegre (41%), nas unidades sanitárias de saúde do mesmo município (4%), através de anúncio em veículos de comunicação (14%) e por indicação (41%). Naquela ocasião, foi preenchida a Ficha de contato inicial (GIDEP, 1998), visando obter dados sociodemográfi cos dos participantes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFRGS (Resolução n° 2006596).

Para fi ns desse estudo, foram utilizados os dados relativos à coleta de dados realizada aos 12 meses de idade do bebê. Nesse momento, seguindo o plano de coleta de dados do projeto ELPA, o casal foi convidado a comparecer a um novo encontro no Instituto de Psicologia para realizar as entrevistas referentes a essa etapa. A esposa e o marido responderam separadamente à Entrevista sobre o desenvolvimento do bebê e a experiência da maternidade (GIDEP, 1999a) e à Entrevista sobre o desenvolvimento do bebê e a experiência da paternidade (GIDEP, 1999b), respectivamente. Essas entrevistas tinham por objetivo investigar as impressões maternas e paternas a respeito do crescimento, desenvolvimento, habilidades e características emocionais do bebê, os sentimentos sobre ser mãe/pai, as impressões sobre o marido como pai e da esposa como mãe, a rede de apoio em relação aos cuidados com o bebê e a ocorrência de eventos estressantes. Após, o casal respondia conjuntamente à Entrevista com o casal com bebê de doze meses (GIDEP, 2000), cujo objetivo era investigar como estava a vida do casal no momento, sua rotina e o relacionamento conjugal. O Inventário Beck de Depressão (Beck & Steer, 1993; Cunha, 2001) foi preenchido apenas pela esposa. As entrevistas foram conduzidas por outros pesquisadores que não os autores do presente estudo.

Dos 47 casos do ELPA2 avaliados pelo BDI aos 12 meses de vida do bebê, 26 esposas (34%) apresentaram indicadores de depressão, sendo que 5 (11%) foram classifi cadas como apresentando depressão moderada e 11 (23%) depressão leve. 31 esposas (66%) não apresentaram depressão. Para fi ns do presente estudo, foram inicialmente selecionados todos os casais cuja esposa apresentava indicadores de depressão, morasse com o marido, que era o pai do bebê, e que tinham os dados completos, o que permitiu a inclusão de dez casais. Foram então selecionadas as esposas que não apresentavam indicadores de depressão, que tinham dados completos e que apresentavam características sociodemográfi cas semelhantes ao grupo com indicadores de depressão, o que permitiu a inclusão de doze casais.

Resultados e discussão

As entrevistas foram examinadas através de análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 1977; Laville & Dionne, 1999), com base em três categorias: companheirismo, atração

2 Um artigo que contemplou parte da mesma amostra, mas apenas com os relatos das mães sobre sua experiência da maternidade, foi publicado por Schwengber, D. D. S., & Piccinini, C. A. (2005). A experiência da maternidade no contexto da depressão materna no fi nal do primeiro ano de vida do bebê. Estudos de Psicologia, 22, 143-46.

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física e paixão romântica (Waldemar, 1998) e comunicação, que foi também incluída por ser bastante referida nos estudos sobre conjugalidade (Braz, Dessen & Silva, 2005; Garcia & Tassara, 2003; Norgren & cols., 2004). Para cada uma dessas categorias, foram incluídas subcategorias, que permitiram explicitar detalhes dos resultados, conforme exposto a seguir. Tomando-se por base esta estrutura de categorias, inicialmente foram feitas repetidas leituras de todas as entrevistas das esposas e dos maridos, buscando-se identifi car todos os relatos que caracterizassem cada uma das categorias e subcategorias acima. As análises foram realizadas de forma independente por duas das autoras deste artigo, sendo que as eventuais diferenças foram revisadas e discutidas até haver um consenso. Caracteriza-se, a seguir, cada uma das categorias e subcategorias, ilustrando-as com os relatos dos participantes, destacando inicialmente as semelhanças e depois as particularidades nos relatos dos casais nos dois grupos.

Companheirismo Essa categoria refere-se à dedicação dos membros do casal no relacionamento

conjugal. Para fi ns de análise, foi subdividida em três subcategorias: tempo para o casal, cuidar um do outro e divergências e confl itos.

Uma importante semelhança que ocorreu entre os grupos foram os relatos de que conseguiam organizar o tempo do casal, independente do tempo dedicado ao bebê (cd:E4/E9/E10/M8/M2/M4/M5; sd:E12/E17/E20/E22/M12/M22) 3,4, como exemplifi cado na fala a seguir: “A gente procura assim ter um fi nal de semana que a gente sai nós dois, nós deixamos [fi lho] com a mãe ou a gente liga pra babá, pra ela fi car” (E20/sd). No entanto, algumas diferenças apareceram quando essa questão foi mais bem explorada ao longo da entrevista. No grupo de esposas deprimidas5, os casais pareciam ter maior difi culdade na organização do tempo do casal, quando o bebê não estivesse presente, restando para o casal apenas os momentos em que o bebê estivesse dormindo (cd:E9/M6/M8): “O tempo que a gente tem junto a gente não tá.... não tá junto, a gente tá no ambiente de serviço, então não tá disponível. E depois em casa a gente dá maior atenção para ela, até ela dormir né, depois a gente tem um tempo para fi car só nós dois... (M8/cd)”. Embora isso também tenha sido relatado pelo grupo com esposas deprimidas (sd:E11/E13/E14/E16/E17/E20/M13/M17/M16), parecia que nesse a divisão do tempo se dava com mais tranquilidade: “As coisas pessoais sempre se revezando até que ela durma, quando ela dorme, a gente pode olhar fi lme junto... tem mais tempo né” (M16/sd). Alguns casais, em ambos os grupos, relataram que o tempo em que estão juntos, o bebê sempre está presente (cd:E1/E2/E3/E14/E6/E7/E8/E9/M5/M14/M8; sd:E11/E14/E20/E22/M14/M19/M21). Isso foi relatado como queixa por algumas esposas deprimidas (cd:E1/E2/E9) “Eu tenho que estar junto. Então de noite, o quê que se faz? Que ele possa ir junto. Jantar. Então é o que a gente faz, a gente vai comer pizza...” (E2/cd). Houve também um relato de difi culdade em se separar do bebê: “Eu, aonde eu for, eu gosto de levar ele [bebê] comigo. Eu não gosto de deixar

3 A letra ‘E’ refere-se à esposa, e ‘M’, ao marido; o número indica o participante, conforme a tabela 1 e 2.4 As letras ‘cd’ referem-se aos casais com esposas com indicadores de depressão, e ‘sd’ aos casais com esposas sem indicadores de depressão. 5 Embora o termo correto seja esposas com indicadores de depressão, para tornar o texto mais claro, optou-se por falar a partir desse momento em esposas deprimidas e esposas sem depressão.

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ele com ninguém.” (E2/cd). Outra esposa deprimida relatou que passou a incluir o bebê nos passeios do casal para poderem retomar à vida normal: “É que a gente tá percebendo que se a gente incluir a [bebê] no nosso programa, a gente faz coisas normais. A gente vai passear, sempre, e leva ela junto.” (E6/cd). Mas vários casais, em ambos os grupos, relataram que incluíam o bebê para poder aproveitar melhor o tempo em que estavam juntos: “Mas de noite a gente aproveita, de noite a gente janta e a primeira coisa que a gente faz é ir pro quarto, os três, fi car ali junto, fi car olhando TV, mas geralmente a gente procura sempre ir os três juntos, descansar, olhar TV, fi car juntos, pelo menos esse tempo. A gente faz coisas junto, a gente, domingo, a gente não faz muita coisa diferente, mas a gente fi ca mais tempo junto” (E7/cd). Da mesma forma, isso aconteceu nos casais com esposa sem depressão, que consideravam essa inclusão do bebê como já esperada, como pôde ser visto nesse diálogo do casal: “E: –É que já era tão previsto assim que os nossos planos eram estar com ela, a gente adaptou muita coisa, as saídas... M: – Tudo gira em função dela [bebê]. E: – É. Nossa vida gira muito em função dela, então, ah, a praia ou sair... M: – Quer ir para a praia, ‘Ah, mas e daí?’, tudo em função dela. É, a maior parte é sair assim durante o dia para parque, que ela gosta e é isso” (E14/M14/sd). Finalmente, poucos casais, em ambos os grupos, relataram explicitamente que não tinham mais tempo juntos (cd:E7/M2; sd:E12/M12): “A gente não tem aquele tempo pra nós, né.” (E7/cd)”.

Juntos estes relatos mostram que, quando se tem fi lhos pequenos, pode fi car difícil organizar um tempo somente para o casal, mesmo na ausência de depressão (Cramer & Palácio-Espasa, 1993; Waldemar, 1998). Esse ajustamento entre o subsistema conjugal e parental é uma importante tarefa dessa etapa do ciclo vital (Carter & McGoldrick, 1995), por ser necessário criar um espaço para inclusão do bebê sem perder o apoio e companheirismo no relacionamento do casal. Esse desafi o pode ser sentido como algo já esperado, como citado pelos casais sem depressão, ou suscitar sentimentos de insufi ciência, de fracasso e de esgotamento (Cramer & Palácio-Espasa, 1993), como apareceu particularmente nos relatos dos casais com esposas com indicadores de depressão do presente estudo. A depressão pode, então, ser considerada um fator estressor que difi culta a adaptação nesse momento de transição na vida da família.

Na subcategoria cuidar um do outro, apareceram poucas semelhanças e várias diferenças entre os casais com e sem esposa deprimida. No que diz respeito às semelhanças, nos dois grupos apareceu, com pouca frequência e somente na fala dos maridos, a questão de o marido ajudar a esposa nas tarefas de casa como uma forma de ajudar o outro (cd: M1/M5/M6/M9/M10; sd: M11/M19/M21/M22): “Aí, fi ca, quando eu tô em casa, sempre eu tô ajudando ela, limpando, coisa assim” (M1/cd); “Ela chega em casa, hoje tem um monte de roupa, ela chega em casa e vai estar passada” (M21/sd). Essa subcategoria teve maior incidência nos casais com esposas deprimidas, (cd: E2/E5/E6/E8/E9/E10/M2/M5/M6/M9/M10), com grande convergência no relato de ambos membros do casal. Houve relatos de o marido cuidar do bebê para a esposa descansar: “Eu fi co com ela [bebê] para minha esposa tomar um banho, fazer uma sauna, e depois ela [bebê] fi ca com a mãe e eu faço. A gente se adapta dessa forma, porque nem sempre tem alguém pra cuidar dela...” (M6/cd) ou para terem mais tempo juntos “Meu marido faz tudo, até o serviço da casa, ele me ajuda dia de semana, pra gente poder terminar rápido” (E9/cd). As falas das esposas com depressão também se referiram ao apoio do marido para que elas

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se sentissem melhores, o que envolveu possíveis sintomas de depressão, por exemplo, quando a esposa chorava sem motivo e o marido fi cava preocupado com isso: “O [marido] me ajudava um monte. Ele chegava em casa e nós duas chorando... e ele não sabia se acudia a ela ou acudia a mim...” (E8/cd). Cabe ressaltar que, nos casais sem depressão, houve apenas relatos dos maridos se sentirem cuidados pelas esposas, especialmente quando ela não trabalhava fora de casa “No dia-a-dia da casa, nessa história de ela não trabalhar, ela termina então dando uma dedicação adicional. Contribuição adicional, até me poupando de demandas que certamente se ela trabalhasse fora, eu teria que auxiliar” (M22/sd). Não houve nenhum relato das esposas nessa subcategoria como apareceu nos casais com esposas deprimidas.

Estas falas ilustram como a esposa e o marido precisam um do outro como um refúgio para as exigências múltiplas da vida (Minuchin, 1982). Especifi camente em situação de depressão materna, o pai pode amenizar possíveis efeitos negativos da depressão para seus fi lhos ao apoiar a esposa deprimida, o que acaba contribuindo para uma melhor parentagem (Frizzo & Piccinini, 2005). Ao mesmo tempo, isso contribui para a satisfação conjugal, se a mulher perceber isso como um cuidado com ela, como um indicador desse “refúgio” proposto por Minuchin (1982).

Quanto à subcategoria divergências e confl itos, houve mais diferenças nos relatos entre os dois grupos, com maior relato de confl itos nos casais com esposa deprimida (cd: E5/E7/E8/M2/M8; sd: M19/M21). Em sua maioria, nos casais com esposas deprimidas, os confl itos foram relacionados às diferenças de temperamento: “Ele tem saído com os amigos dele, eu não gosto de sair, aí ele vai com os amigos dele” (E7/cd); à falta de apoio numa situação em que a esposa se sentiu mal: “Ele achou que eu estivesse fi ngindo a indisposição e disse que ia levar [fi lho] lá pra mãe. Dá uma olhada nele, eu só quero dar uma descansada. Eu não sei o que eu tenho, eu tô um pouco indisposta, eu tô com dor de cabeça, uma situação estranha pra mim, sintomas que eu não tinha sentido. Aí ele simplesmente disse pra mim, então tu trata de fi car boa” (E5/cd) e ao pouco tempo para fi car junto: “Mas ela [esposa] é muito dorminhoca... ela não assiste a um fi lme comigo....” (M8/cd).

Nos casais sem depressão, houve apenas dois relatos que referiram divergências e confl itos (M19/M21), sendo que ambos diziam respeito às tarefas domésticas e isto só apareceu nas falas dos maridos: “Ah, do ponto de vista dela, eu sempre poderia fazer um pouquinho mais. Mas não em relação a ele [fi lho], mas em relação à casa.” (M19/sd). Apareceu também divergência nas tarefas domésticas em um casal com esposa deprimida, mas com maior intensidade: “Acho que ela não gosta de fi car junto, então ela sai lá e depois ela vem... aí na hora de voltar para casa aí tem que tomar banho, tem que fazer a refeição... aí quando eu acho que a gente vai descansar, ela vai passar roupa... aí em vez de nós fi carmos descansando e curtindo fi car com ela [bebê], ela tem que fi car passando roupa... então fi ca tudo complicado” (M8/cd). Especialmente em relação a essa última vinheta, podemos pensar que, conforme preconizado pela literatura, a pessoa deprimida parece ter uma tendência a priorizar os deveres e responsabilidades, negligenciando os momentos de prazer e descanso (Linares & Campo, 2000). Além disso, devemos lembrar que essa subcategoria se refere a divergências e confl itos no companheirismo do casal e não a questões mais globais de confl ito. Ainda assim, estes relatos corroboram a

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associação entre depressão e confl ito conjugal existente na literatura (Alvarado e cols., 2000; Cummings e cols., 2005; Mayor & Piccinini, 2005). Embora divergências e confl itos tenham aparecido nos dois grupos, nos casais com esposas deprimidas, os relatos foram mais frequentes e intensos, tanto na fala dos maridos como das esposas.

ComunicaçãoEssa categoria se refere à qualidade da comunicação entre o casal. Para fi ns de

análise, foi subdividida em duas subcategorias: resolução de confl itos e divergências e confl itos. Quanto à primeira subcategoria, a resolução de confl itos, nos casais com esposas deprimidas, aparentemente, havia confl itos que não eram solucionados de forma adequada para ambos, pois um deles acabava cedendo sempre (cd: E2/E6/M2/M5): “É, eu já decidi que não fi co mais brava. Não vou mais me estressar à toa” (E2/cd). Um casal desse grupo relatou uma divergência, pois a esposa referiu que o marido conversava com ela: “Eu acho que a gente conversa bastante, ele procura ser carinhoso, se ele tiver que falar alguma coisa... ou eu tiver com alguma coisa, mau humor por exemplo... ele deixa eu me acalmar, depois ele vem e conversa: ‘O que que tu tem?... porque tu tá assim?’” (E8/cd) e o marido relatou que não costumava conversar: “Então, quanto a isso, não tem muita ajuda... e quando a gente briga ou coisa assim, não tem... eu não costumo conversar muito” (M8/cd).

Já nos casais sem depressão, o diálogo apareceu como forma de resolução de confl itos (sd: E11/E22/ M20/M22): “Às vezes, a gente tem um desentendimento, ela [esposa] quer resolver logo e, às vezes, ela tá junto, então, não vale a pena, eu não insisto em falar enquanto a nenê tá junto, até porque ela vai sentir que tem uma... então, não precisa saber disso, não é que não precisa saber, mas que ela não precisa passar por isso, até porque isso não é dela, não é assunto dela, não é dela, não é problema dela, uma coisa nossa, de nós resolver, aí, depois a gente fala.” (M22/sd).

Quanto à subcategoria divergências e confl itos, apenas um casal, do grupo das esposas deprimidas, fez um relato incluído nessa subcategoria, tanto pelo marido como pela esposa: “E eu quero conversar, sabe? Eu passei o dia inteiro sozinha. Eu quero conversar, eu quero que ele me conte como é que foi... E ele não presta atenção no que eu falo, porque ele fi ca na televisão, sabe?” (E2/cd). “Daí eu não falo com ela também, porque eu tô vendo o jogo!” (M2/cd).

De acordo com Cummings e Davies (1994), mulheres deprimidas podem ter difi culdade em explicar as causas e consequências de suas brigas, aproximando-se então de uma característica de casais disfuncionais que, muitas vezes, têm difi culdades na identifi cação do problema, pois a pouca clareza na comunicação bloqueia a sua defi nição (Walsh, 2002). Em geral, esses casais têm difi culdade de exprimir as diferenças por um grande medo de que o confl ito aumente e ocasione violência ou ruptura do casamento. Linares e Campo (2000) corroboram essa asserção ao descreverem algumas características de casais com esposas deprimidas, onde a evitação de confl ito parece ser bastante comum, exatamente pelo receio de ruptura na relação. Porém, essas estratégias só fazem aumentar a possibilidade de que os problemas não sejam enfrentados de modo efi caz, com consequências negativas para o relacionamento (Walsh, 2002). Em uma revisão teórica realizada por Mayor e Piccinini (2005), os autores apontaram que, quanto mais

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o casal puder escutar um ao outro, respeitar e aceitar o ponto de vista do outro, mais chances têm de encontrar uma solução para seus confl itos que satisfaça a ambos. Garcia e Tassara (2003) também apontaram que a falta de diálogo constitui-se num dos principais problemas nos casamentos de modo em geral. No caso de casais cuja esposa apresenta depressão, esse parece ser um desafi o particularmente importante.

Atração física e paixão românticaEssa categoria refere-se à qualidade do relacionamento conjugal relatada pela

esposa e marido. Para fi ns de análise, foi subdivida em qualidade do relacionamento conjugal, percepção em relação ao outro e divergências e confl itos. Quanto à primeira subcategoria, casais de ambos os grupos avaliaram de forma positiva seu relacionamento conjugal (cd:E2/E3/E6/E7/P2/P4/P9; sd:E11/E12/E14/E13/E17/M11/M12/M13), como no relato desse marido: “Mudou pra melhor, né, tem pessoas que reclamam, mas eu, da minha parte melhorou mais, assim.” (M11/sd). Por outro lado, houve uma pequena diferença entre os grupos, pois nos casais com esposas deprimidas, não foram referidas melhoras no relacionamento conjugal após o nascimento do bebê: “Não, eu acho tá, assim, normal. Tá bom” (E3/cd), ao contrário do que foi relatado nos casais sem depressão, onde apareceram mais avaliações de que o relacionamento melhorou, principalmente em comparação com os primeiros meses após a chegada do bebê (sd:E14/E17;M11/M12/M14): “Então, acho que isso facilita um pouco e aí isso faz com que o casal também fi que melhor, né, comece a ter mais momentos.” (E14/sd). Devemos lembrar que o casal contemporâneo é confrontado o tempo todo com forças paradoxais: por um lado, deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um e, por outro, surge a necessidade de vivenciar a conjugalidade e os desejos e projetos comuns do casal (Féres-Carneiro, 1998). Conciliar essas demandas pode ser especialmente difícil para as famílias principalmente em alguns momentos de crise no ciclo vital, como na ocasião do nascimento dos fi lhos. No entanto, quando existe um bom relacionamento conjugal, a tendência é que, passado o momento inicial de crise, a reorganização estabelecida de certa forma tende a restaurar os sentimentos de satisfação familiar e conjugal. Não devemos esquecer, entretanto, que a depressão nesse período do ciclo vital é um fator estressor imprevisível que se sobrepõe à crise normativa, característica principalmente do nascimento do primeiro fi lho do casal (Carter & McGoldrick, 1995). E com essa sobreposição, pode ser mais difícil avaliar os aspectos positivos das mudanças.

Alguns casais, em ambos os grupos, avaliaram de forma negativa seu relacionamento (cd:E2/E6/M4/M8; sd:M13/M19). Nos casais com esposa deprimida, houve maior incidência desses relatos e pareceu que essa percepção foi relatada com mais intensidade: “Eu tinha um cansaço, uma angústia, uma coisa assim. Primeiro porque eu fi quei muito insatisfeita com o meu corpo, pra começar. Porque eu acho que, no meu inconsciente, estava assim, ‘Aquela que me estragou’, tá, ‘que me deixou, assim, mal, porque eu tô mal comigo’, se eu estava mal, se estava mal com meu corpo, eu estou mal. Até com o meu marido, a minha relação com ele” (E6/cd). Já nos casais sem depressão, houve apenas dois relatos nessa subcategoria e de pouca intensidade: “Tá faltando um pouco de tempo, mas...” (M13/sd). Estes relatos apoiam o que a literatura indica, já que era esperado que o relacionamento conjugal fosse avaliado de forma mais negativa nos casais com esposas

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deprimidas, na medida em que elas parecem ter uma percepção mais negativa de seu relacionamento familiar e conjugal (Beach & O´Leary, 1993; Fritsch e cols., 2005).

Por fi m, alguns poucos casais, em ambos os grupos, se mostraram ambivalentes na sua avaliação sobre a qualidade do relacionamento conjugal (cd:E5/M5; sd:E19/M19): “Não vai mal, mas nós estamos tentando conciliar, e aí que vai... Às vezes, é muito estressante, e principalmente pra mim.” (M5/cd); ou ainda relataram que não havia ocorrido mudanças (cd:E1/E2/E8/E10; sd:E18/M15/M21), o que foi referido principalmente pelos casais com esposas deprimidas: “Acho que não mudou” (E10/cd).

Quanto à percepção em relação ao outro, casais de ambos os grupos (cd:E8/E9/M2/M3/M4/M6/M10; sd:E20/E21/M11/M14/M16/M20/M21/M22) avaliaram seu cônjuge de forma positiva: “Sendo fi lha da mãe dela, eu sempre achei que ela tinha esse jeito [carinhosa e meiga], essa personalidade, assim” (M6/cd). Mas houve também relatos negativos em relação ao cônjuge. Nos casais com esposas deprimidas, a maioria dos relatos são queixas dos maridos sobre suas esposas serem bravas (cd:M4/M1): “A mãe dele, quando fi ca brava, é brava mesmo” (M1/cd); apáticas (M7/cd): “Eu acho que ela é muito preguiçosa, porque ela poderia ir, ela poderia largar a [fi lha] no chão, ela não vai muito de preguiça mesmo, porque a [fi lha] vai atrás, ela não é daquelas que tem que fi car sempre no colo, que a [fi lha] é muito mais fácil de lidar com ela” (M7/cd); ou impacientes: “Ela perde a paciência muito rápido” (M10/cd). Nos casais sem depressão, os principais aspectos relatados foram relacionados com características da esposa como ser ciumenta (M19): “a [nome da esposa] é mais ciumenta” (M19/sd); mandona (M18): “Ela é muito mandona”; ou brava (M20), como pôde ser visto no exemplo a seguir: “O jeito assim de bravo [da fi lha] tudo é da mãe” (M20/sd). Em ambas os grupos (cd:E4/E6; sd:E17/E22), houve poucos relatos negativos da percepção das esposas sobre seus maridos e não houve diferenças entre os grupos nesse aspecto, pois, em ambos, eles foram descritos como teimosos/geniosos (cd:E4; sd:E22) e como bravos/estourados (cd: E6; sd: E17).

Além disso, somente os maridos relataram certa ambivalência com relação às suas esposas (cd:M1/M5/M7; sd:M13), especialmente nos casais com esposas deprimidas: “Mas quando ela tá assim, calma, ninguém xingou, brigou com ela, ela tá, é normal, assim, calma, tudo assim.” (M1/cd). Esse aspecto de inconstância das emoções precisa de atenção especial no contexto da depressão, pois as emoções tendem a se alterar com frequência (Phares. Duhig & Watkins, 2000). Essa característica das esposas pode ter infl uenciado a avaliação desses maridos sobre elas no presente estudo.

Quanto às divergências e confl itos no relacionamento conjugal, houve uma incidência maior de confl itos relacionados à impulsividade da esposa nos casais com esposas deprimidas: “Até tivemos algumas brigas assim, porque a [nome da esposa] é bem impulsiva” (M8/cd); à quantidade de tempo para fi carem juntos: “Eu encho o saco, ah, vem deitar comigo, vamos dormir, porque ele é muito amarrado, entendeu, ele tem a mania de chegar e fi car se amarrando, se amarrando e demora pra tomar banho, eu já estou até deitada e quero que ele venha deitar junto com a gente assim, sabe e ele fi ca se amarrando” (E7/cd); brigas por morar com a sogra e não ter casa própria: “Passa dois, três dias, eu já tô agoniado, mas se a gente fi ca muito tempo junto, parece que, que qualquer coisa a gente briga, sabe, eu acho que é porque também a gente não mora sozinho, a gente não tem uma casa nossa” (E4/cd); e quanto à sexualidade: “Porque esses dias... foi o caso de novo da coisinha

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[sexo], que eu não queria, e queria dormir, tava cansada. Aí pegou, ‘Ai... então, pega e vai dormir!’ Sabe? Já fi cou bravo, já não me deu boa-noite... ‘Tu não vai deitar?’ ‘Não!’ Já fi cou furioso comigo. Daí fui eu me deitar lá, toda cheia de culpa, sabe? Toda furiosa. Aí acabei dormindo. Daqui a pouco, ele veio se deitar, me abraçou...” (E2/cd). Apenas um casal sem depressão relatou confl ito, mas sem explicitar detalhes: “Certas coisas a gente briga, mas só...” (E21/sd). Novamente, pôde-se perceber a associação entre qualidade do relacionamento conjugal e presença de depressão (Beach & O’Leary, 1993; Fritsch e cols., 2005; Mayor & Piccinini, 2005), além de certa difi culdade das esposas deprimidas de lidarem com eventos estressantes (Schwengber & Piccinini, 2005).

Considerações fi nais

O presente estudo teve como objetivo investigar diferenças na conjugalidade de casais em que a esposa apresentava ou não indicadores de depressão, quando o bebê estava no fi nal do primeiro ano de vida. Os resultados encontrados corroboraram a expectativa inicial de que a presença de depressão na esposa pode trazer difi culdades nos diferentes aspectos investigados do relacionamento conjugal, com destaque para o companheirismo e o tempo para o casal, a comunicação e resolução de confl itos, a avaliação global da qualidade do relacionamento conjugal e sexual.

A fase do ciclo vital do nascimento dos fi lhos por si só tende a ser estressante para a maioria dos casais pelas diversas readaptações que necessitam ser feitas. Na ocorrência de mais um estressor, como a depressão materna, pode ser ainda mais difícil realizá-las, como pôde ser visto nos relatos dos casais do presente estudo. Obviamente, muitas vezes, as difi culdades são sutis e podem surgir tanto em casais em que a esposa tem ou não depressão. No presente estudo, puderam-se observar sofrimentos e difi culdades adicionais especialmente no primeiro grupo, seja na forma de avaliar o relacionamento conjugal ou no cuidado com o outro, como na reorganização do tempo do casal, quando o bebê não está presente. A comunicação talvez tenha sido a categoria que melhor explicitou as diferenças entre os dois grupos, especialmente quanto à forma de resolução de confl itos, mais difícil nos casais com esposas deprimidas. De acordo com Walsh (2002), a diferença entre casais ditos “saudáveis” e àqueles que apresentam difi culdades não está na presença ou ausência de problemas, mas na maneira como eles são resolvidos. Por exemplo, o acúmulo de fatores estressantes (no caso, nascimento do bebê mais sintomas depressivos) pode colocar em perigo qualquer casal, mesmo os que não apresentam difi culdades, embora no presente estudo isto pareça ter sido mais comum entre os casais em que a esposa apresentava indicadores de depressão no fi nal do primeiro ano de vida do bebê. Além disso, a estrutura prévia da relação conjugal, que não foi investigada aqui, pode também atuar como um fator que explica a conjugalidade em momentos de crise e merece ser investigada em futuros estudos.

A importância de se investigar a conjugalidade e a depressão pós-parto, também merece ser ressaltada devido a um possível efeito de contaminação de afetos entre os diferentes subsistemas familiares. Quando a mulher encontra-se deprimida, com sentimentos de desvalia e difi culdades no relacionamento conjugal, isto pode também afetar a qualidade da relação que poderá estabelecer com seu bebê. Ainda que, muitas vezes, apareça no relato materno a satisfação em cuidar do bebê, mesmo em situações de

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depressão pós parto da mãe (Frizzo, 2008), devemos lembrar que isso também pode ser sentido como sobrecarga em alguns momentos. E, embora essa sobrecarga seja relatada também por mulheres sem depressão, novos estudos devem investigar melhor este aspecto e sua relação com depressão pós-parto.

É importante ressaltar que nenhuma das participantes deste estudo havia sido diagnosticada com depressão anteriormente, embora algumas estivessem com sintomas intensos de irritabilidade, fadiga e difi culdades no cuidado com o bebê, além de difi culdades no relacionamento conjugal. Esses não são casos isolados, pois, muitas vezes, os sintomas depressivos podem ser confundidos com o desgaste natural do puerpério, tanto pelo cuidado com o bebê e as noites mal dormidas, como pelo acúmulo de tarefas domésticas (Cruz, Simões & Faisal-Cury, 2005). Assim, é comum que a mulher deprimida e as pessoas que a cercam nem sempre reconheçam que seus sintomas podem ser considerados depressão. Tendo em vista que, mesmo a presença moderada e leve de indicadores de depressão – como o que ocorreu nos casos do presente estudo – já pode trazer importantes difi culdades nos relacionamentos da mulher, ressalta-se a importância da família e dos profi ssionais da saúde em reconhecer esses sintomas e em ajudar a mulher a buscar ajuda quando ela não se sente bem, especialmente ao longo do primeiro e segundo ano de vida do bebê, quando as demandas sobre a mulher são particularmente elevadas. Avaliações sistemáticas associadas à prevenção e intervenções psicológicas neste contexto terão importante papel não só para o relacionamento conjugal, mas particularmente para o desenvolvimento da criança.

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_____________________________ Recebido em novembro de 2008 Aprovado em dezembro de 2009

Giana Bitencourt Frizzo: Psicóloga; Especialista em Psicoterapia de Casal e Família (INFAPA); Doutora e pós-doutora em Psicologia (UFRGS); Professora do curso de Psicologia (UFRGS)Ivani Brys: Psicóloga; Mestranda em Psicologia (UFRGS); Bolsista de Iniciação Científi ca do CNPq. Rita de Cássia Sobreira Lopes: Psicóloga; Doutora em Psicologia (University College London/Inglaterra); Professora do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisadora do CNPq.Cesar Augusto Piccinini: Psicólogo; Doutor e Pós-doutor em Psicologia (University College London/Inglaterra); Professor do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisador do CNPq.

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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As ideias do senso comum sobre a relação entre a justiça e a injustiça

Lila Maria Spadoni Ana Raquel Rosas Torres

Resumo: Este artigo tem como objetivo principal investigar as ideias do senso comum de jovens brasileiros e franceses acerca das relações entre justiça e injustiça. Para tanto, utilizou-se o conceito de tematas. As tematas são concebidas como fatores organizadores de conjuntos temáticos de diferentes representações sociais. A abordagem estruturalista das representações sociais norteou o planejamento metodológico desta investigação. Assim, foi utilizada a técnica de evocação simples juntamente com a análise dos esquemas cognitivos de base. Os participantes deste estudo foram estudantes universitários franceses (N=121) e brasileiros (N=129). Os resultados foram semelhantes nas duas amostras, demonstrando uma relação funcional e de oposição entre as ideias sobre a justiça e a injustiça. Essa relação é bem estruturada e resistente às diferenças socioeconômicas e culturais existentes entre o Brasil e a França. Palavras-chave: justiça; representações sociais; tematas.

The common sense ideas about the relations between justice and injusticeAbstract: This article aimed at investigating Brazilian and French young people’s common sense ideas on the relations between justice and injustice. For this, the concept of thematas was used. Thematas are defined as the organizing factors of thematic sets of different social representations. The methodological design was planned from the social representation estructuralistic approach. Therefore simple evocation technique together with the base cognitive schemata analysis was used. The participants were French (N = 121) and Brazilian (N = 129) university students. The results were similar in both samples, demonstrating a functional and oppositional relationship between justice and injustice ideas. This relationship is well structured and resistant to the socio-economic and cultural differences between Brazil and France. Keywords: justice; social representations; thematas.

Introdução

Neste artigo, é apresentado um estudo desenvolvido em duas culturas diferentes a fi m de investigar as concepções ingênuas a respeito das relações entre a justiça e a injustiça. Ele foi realizado a partir da perspectiva teórica das representações sociais, iniciada por Moscovicci (1961), que gerou diferentes abordagens, e que tem sido um campo de estudo, segundo Jodelet (2001), pleno de vitalidade.

Para tanto, adota-se a abordagem estruturalista, caracterizada pela busca das estruturas invariantes e inerentes à organização interna das representações sociais, em detrimento da investigação de seus diversos conteúdos que variam segundo grupos e objetos (Flament & Rouquette, 2003). Essa abordagem desenvolveu-se, sobretudo, com base na ideia de que as representações sociais se organizam a partir de um sistema central e um sistema periférico. No primeiro, existem poucos elementos de grande consenso, e no

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segundo, há um maior número de elementos que expressam as diferenças interindividuais e as adaptações circunstanciais (Rouquette, 1999).

As representações sociais são defi nidas pelo Grand Dictionaire de la Psychologie (Rouquette, 1999, p.800) como “uma maneira de ver, localmente e momentaneamente partilhada no seio de uma cultura, que permite assegurar a apropriação cognitiva de um aspecto do mundo e guiar as ações a seu respeito.”1 Essa defi nição é particularmente apropriada para este estudo pois esclarece o caráter efêmero e cultural das representações sociais que as diferenciam do outro conceito teórico aqui utilizado, conhecido como tematas. As tematas são estruturas profundas do pensamento social, construídas e modifi cadas no tempo longo da história, e, portanto são extremamente duráveis e tendencialmente de grande amplitude cultural, quando não universais (Moscovicci & Vignaux, 1994). Elas podem ser defi nidas como uma fonte de ideias que se operam metodologicamente, a fi m de estabilizar os signifi cados dos objetos sociais, por meio da relação entre os temas.

Esse conceito, proposto por Moscovicci e Vignaux (1994), evidencia as relações entre dois temas que se opõem, tais como a justiça e a injustiça, vindo ao encontro da necessidade de os estudos acerca das representações sociais confrontarem o desafi o de associar duas ou mais representações (Guimelli & Rouquette, 2004).

As representações sociais têm sido investigadas isoladamente em comparações sincrônicas ou diacrônicas, ou seja, ora evidenciando as representações de grupos diferentes em um mesmo momento, ora ressaltando as representações de um mesmo grupo em momentos diferentes (Flament & Rouquette, 2003). No entanto, a realidade sociocognitiva não é dividida em partes, mas ela se organiza em um conjunto de temas e de conceitos, alguns mais específi cos e outros mais restritos, descritos por Rouquette (2002) como uma espécie de enciclopédia temática organizada em árvores documentais. Assim, algumas representações relacionam-se a outras representações e também a algumas atitudes, crenças ou tematas.

A relação entre as tematas e as representações sociais foi descrita por Guimelli (1999) com a pressuposição de que as tematas servem de ponto de referência para a organização de conjuntos temáticos de diferentes representações sociais. Nesse mesmo sentido, Moscovici e Vignaux (1994) descreveram as tematas como uma espécie de memória coletiva de longa duração que organiza os signifi cados de todos os temas e conceitos do pensamento social, por intermédio da objetivação e da ancoragem.

Mediante a ancoragem, as tematas criam classes de discursos, nos quais se enquadram as diferentes representações sociais, formando conjuntos temáticos. Por meio da objetivação, é feito um trabalho de reparação cognitiva e linguística a fi m de estabelecer modos de composição entre os objetos. Esse trabalho gera leis, especifi cações de objetos exemplares, de acordo com as propriedades apresentadas como típicas, tais como bom e ruim, melhor e pior, ideal e real, justo e injusto, o que visa estabilizar os aspectos cognitivos e sociais.

1 Tradução livre realizada pela primeira autora do texto original : “Façon de voir localmente et momentanément partagée au sein d’une culture, qui permet de s’assurer l’apropriation cognitive d’un aspect du monde et de guider l’action à son propos.’’

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Embora os processos de objetivação e ancoragem das representações sociais por meio das tematas ainda não tenham sido investigados, há alguns estudos que fornecem pistas sobre eles, como o referente à relação de oposição entre as representações sociais da segurança e da insegurança (Guimelli & Rouquette, 2004). Esse estudo demonstra que se trata de duas representações sociais diferentes, ou seja, portadoras de núcleos centrais diferenciados. Também Gurrieri (2007) testa, de maneira empírica, a instanciação da temata ideal-pire (ideal-pior) sobre a representação social de voyage (viagem), investigando a estruturação das representações voyage, voyage le pire (a pior viagem) e voyage ideal (a viagem ideal). Novamente, os resultados confi rmam que se tratam de três representações diferentes, e que, portanto, possuem núcleos centrais diferentes. Esses estudos corroboram a ideia de Guimelli (1999), segundo a qual diferentes representações podem ser organizadas em torno de algumas tematas, pois os diferentes polos de uma mesma temata (polo positivo e polo negativo) geram representações diferentes. Pode-se antever então a importância da identifi cação dos componentes do núcleo central das representações sociais para a investigação das tematas.

A temata justiça e injustiça

Segundo Markova (2007), as atividades mentais dos seres humanos são naturalmente regidas por antônimos. Consequentemente, as ideias do senso comum também o são. No entanto, essas antinomias só se tornam tematas quando elas não se referem à situação de conteúdos latentes. Os conteúdos latentes são conhecimentos já adquiridos, frutos da memória e da história do grupo e transmitidos de geração em geração. No entanto, por alguma eventualidade histórica, eles podem transformar-se em alvo da atenção comum, tornando-se objetos de discussões e do discurso público. Geralmente isso acontece quando surge um confl ito no curso dos acontecimentos históricos e sociais.

No caso da justiça, por exemplo, as ideias iluministas do século XVIII, trouxeram à tona a discussão referente à justiça aliando-a, até os dias atuais, a ideia de igualdade. As ideias iluministas sobre a justiça igualitária foram geradas pelos confl itos históricos entre a igreja, a classe aristocrática e a burguesia, e desembocaram em transformações políticas importantes, tais como a criação e a expansão de direitos civis, e a redução da infl uência de instituições hierárquicas como a nobreza e a igreja. Essas transformações, aliadas aos eventos políticos, também gerados à luz das ideias iluministas, tais como a revolução francesa e russa e todos os movimentos independentistas, dentre os quais a independência brasileira do reinado de Portugal, foram de extrema importância para a constituição do mundo moderno.

Por isso, embora a oposição justiça e injustiça pareça noção onisciente, que sempre existiu, seu signifi cado atual aparece arraigado nas ideias igualitaristas provenientes do século XVIII, frutos da revolução francesa, que aliou defi nitivamente a noção da justiça à noção da igualdade. A igualdade de direitos, de deveres, de oportunidades expressam-se diferentemente conforme as ideologias políticas da sociedade atual.

As oposições temáticas podem ser muito antigas em sua estrutura, existindo em quase todas as sociedades, independentemente de suas diferenças culturais. No entanto, seu

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signifi cado, ou seus conteúdos, variam de um grupo a outro e também sofrem mudanças através do tempo.

Objetivando investigar a relação entre os temas justiça e injustiça, o conceito de temata e as metodologias próprias da abordagem estrutural das representações sociais foram adotados. Para verifi car a amplitude ideológica deste estudo, o mesmo procedimento foi utilizado em dois países diferentes – Brasil e França.

A comparação intercultural

Como as tematas são objetos de pesquisa ainda pouco investigados, ainda não existe nada escrito sobre os métodos de investigação desse conceito. Neste estudo, investiga-se a relação entre dois polos temáticos, adotando uma abordagem estruturalista. Por isso, utiliza-se a metodologia originalmente criada e utilizada para a investigação das representações sociais, mais especifi camente as evocações e os esquemas cognitivos de base. No núcleo central das representações sociais, encontram-se os aspectos mais consensuais, ideológicos ou societais, frutos da memória coletiva, no qual estão inscritas as tematas.

Nesse caso, utilizou-se a comparação de duas representações (justiça e injustiça) em duas culturas diferentes do mundo laico ocidental (Brasil e França). Busca-se investigar, sobretudo, as características das relações entre essas duas representações, percebidas em cada cultura. A relevância da investigação intercultural tem sido uma constante nas investigações da psicologia social da justiça. Tyler, Broeckmann, Smith e Huo (1997) afi rmam que existem tanto aspectos universais quanto especifi cidades culturais na maneira como as pessoas pensam e reagem ao tema justiça.

As primeiras teorias da psicologia social da justiça, nascidas nos Estados Unidos da América nos anos 1960, foram inspiradas na teoria da privação relativa. Essa teoria afi rma que a satisfação ou insatisfação das pessoas, nas situações sociais, não são diretamente relacionadas à qualidade objetiva de suas recompensas ou riquezas, mas são socialmente determinadas pela comparação social entre suas recompensas e uma espécie de padrão que a pessoa adota.

A essa teoria, seguiram-se três ondas diferentes de investigação relacionadas às concepções de justiça. A primeira onda fi cou conhecida como justiça distributiva e teve como pioneira a teoria da equidade, que estabelece a proporcionalidade como um princípio básico da justiça. A justiça distributiva tem como objeto as concepções de justiça nas situações que implicam distribuição de bens.

Na década de 1970, iniciou-se uma nova onda que fi cou conhecida como justiça procedural, que, por sua vez, se preocupa com os processos de tomadas de decisão em situações de justiça que inclui a decisão de um terceiro. E recentemente, na década de 1990, surgiu uma terceira onda, conhecida pela preocupação com a punição em casos de infração de leis formais e normas sociais, denominada justiça retributiva.

No entanto, segundo Tyler e cols. (1997), inicialmente a psicologia social da justiça, infl uenciada pelo positivismo, tinha uma visão universalista, e buscava encontrar leis universais capazes de reger os comportamentos humanos. Gradualmente, os pesquisadores afastaram-se dessa concepção, à medida que foram percebendo a importância das

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infl uências culturais nas concepções de justiça. Começaram então os estudos transculturais, que procuravam as semelhanças e as diferenças de comportamentos e de processos mentais entre culturas diferentes. Enfi m, as pesquisas psicológicas da justiça passaram a questionar e testar a validade trans-cultural das teorias existentes.

Conforme Assmar (2000), as primeiras teorias psicológicas da justiça se atinham aos dois primeiros níveis de análise descritos por Doise (2002). O primeiro nível é o intrapessoal que investiga, sobretudo, os processos mentais individuais. O segundo nível trata das relações interpessoais. Doise (2002) também realça a necessidade da psicologia alcançar os dois últimos níveis, o grupal e o societal. A psicologia precisa preocupar-se com as diferentes posições que os indivíduos ocupam nas relações sociais e com as produções culturais e ideológicas da sociedade, que dão signifi cação aos comportamentos dos indivíduos e sustentam as diferenciações sociais. Esse nível é complexo e detém a maioria dos aspectos universais, que são resultado de estruturas profundas, nos quais se inserem as tematas.

Nesse mesmo sentido, Tajfel (1984) também critica as primeiras teorias sobre a psicologia da justiça afi rmando que elas deveriam ser transpostas para uma psicologia das relações intergrupais, traduzindo em larga escala o fenômeno social que se torna realidade psicológica para cada indivíduo envolvido nesse sistema. Ele também critica essas teorias serem concebidas como se cada indivíduo começasse do zero suas considerações e concepções de justiça, em processo totalmente ingênuo e descontextualizado. Tajfel (1982) considera que essas teorias pecam por praticar um reducionismo psicológico, que são tentativas de explicar as complexidades do comportamento coletivo ou social em termos de processos individuais ou relacionais.

Nesse sentido, investigar as concepções de justiça, por meio das teorias e metodologias estruturalistas a respeito das representações sociais e das tematas, é um dos caminhos possíveis para tratar esse fenômeno, contemplando, sobretudo o nível societal. Por isso, concebe-se a hipótese de que as diferenças na convivência com as desigualdades sociais podem operar como um fator de diferenciação no modo como o senso comum estabelece a relação entre a justiça e a injustiça social.

As diferenças socioecônomicas entre o Brasil e a França são notadamente conhecidas, já que a França consta entre os países considerados desenvolvidos, e o Brasil fi gura entre os países considerados em desenvolvimento.

A desigualdade social marca profundamente a realidade brasileira. Essa desigualdade tem sido calculada por meio do índice de Gini, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de zero, menores as desigualdades sociais. O índice brasileiro é 0,58. No Brasil, segundo o índice de desenvolvimento humano do Human Development Reports (HDR, 2007-2008), os 10% mais ricos da população detêm 45,8% da renda nacional, ao passo que os 10% mais pobres detêm apenas 0,8 % da renda nacional.

O índice de Gini da França é 0,32, classifi cando-a como o quarto país menos desigual do mundo e em décimo lugar, segundo o índice de desenvolvimento humano (HDR, 2007-2008), que não enfrenta mais problemas como o analfabetismo. Pode-se concluir então que as realidades em relação à justiça social nesses dois países são bem diferentes.

Além disso, há diferenças no curso da história dos dois países. A França tem seu percurso histórico marcado pela revolução francesa, no século XVIII, que pode ser

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considerada como o fl orescimento das ideias igualitaristas da modernidade. A revolução culminou nas mudanças políticas que na prática, já tinham acontecido na vida social e econômica, com o surgimento da classe burguesa.

O Brasil inspirou-se nessas mesmas ideias para proclamar sua independência de Portugal no século XIX. No entanto, a independência brasileira restringiu-se à esfera política e se manteve a mesma estrutura socioeconômica no país, o que favoreceu a distribuição desigual da riqueza que atualmente caracteriza o país.

Por outro lado, considera-se também que a obtenção de resultados semelhantes nos dois estudos revela não somente as semelhanças na maneira de relacionar os dois temas (justiça e injustiça), mas, sobretudo o sucesso da mensuração desse fenômeno no plano ideológico e, portanto, mais estrutural, estável, universal e característico das tematas.

Método

ParticipantesParticiparam deste estudo alunos de psicologia de Goiânia e de Paris. Em Goiânia,

foram 129 alunos, contatados em setembro de 2007. A média de idade foi de 25,7 anos, com desvio padrão de 8,29. A idade mínima foi de 17 anos e, a máxima, de 52 anos. A amostra foi composta por 88,4% de mulheres e 11,6% de homens. Em Paris, foram 121 alunos, contatados em fevereiro de 2008. A média de idade foi de 22 anos com desvio padrão de 7,5. A idade mínima foi de 17 anos e, a máxima de 53 anos. A amostra foi composta por 83% de mulheres e 17% de homens.

Instrumento e procedimentoOs participantes responderam a um questionário composto de três partes. Na

primeira, constavam duas perguntas de evocação simples sobre os termos indutores justiça social e injustiça social. A técnica de evocação simples tem sido utilizada para identifi car os possíveis componentes do núcleo central ou da periferia de uma representação social. Ela consiste em solicitar dos participantes as três primeiras palavras ou expressões lembradas após o conhecimento de um termo indutor. Vergès (1992, 1994) propõe sua análise com o cruzamento da frequência das respostas e a rapidez com que foram proferidas, produzindo uma tabela composta por quatro casas. Os itens com maior frequência e menor média de ordem de citação (casa1) podem ser elementos que caracterizam o núcleo central de uma representação. Os itens com frequência baixa, mas com alta média de ordem de citação podem caracterizar os elementos periféricos (casa 4). E os itens das duas casas restantes são considerados uma zona de instabilidade, nas quais as mudanças se operam.

As análises das respostas foram efetuadas utilizando o Logiciel Evocations 2000, criado por Vergès, Scano e Junique (2002). O valor 2,0 foi adotado como referencial de média de ordem de citação, por ser o valor médio, já que foi pedido aos participantes três respostas. Como frequência mínima, defi niu-se o valor de cinco respostas, sendo excluídos, portanto, os itens citados menos de cinco vezes. Defi niu-se também, como frequência média, um valor equivalente à 10% do número total de participantes, o que signifi ca que os itens considerados com alta frequência foram citados por pelo menos

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10% da amostra. Esse valor foi defi nido com o objetivo de reter, na primeira casa, apenas os elementos com o maior nível de consenso possível.

Na segunda parte do questionário, 25 itens abordavam os esquemas cognitivos de base (SCB) (Flament & Rouquette, 2003), relativos às famílias prática, atribuição, composição e vizinhança. Os esquemas cognitivos de base constituem um modelo teórico proposto por Guimelli e Rouquette (1992) que parte do pressuposto estruturalista, segundo o qual a lógica natural do sujeito social possui regularidades, ou seja, regras que determinam operações cognitivas particulares e especifi cas. As operações cognitivas provavelmente apresentam-se em número fi nito. Portanto, o modelo dos esquemas cognitivos de base sugere que as relações possíveis entre dois elementos são numericamente limitadas e propõe 28 tipos de relações possíveis (ver Sá, 1996, para informações em português).

As 28 relações aplicam-se entre dois elementos, um indutor e um induzido, e a ligação entre eles constitui um tripé (indutor-relação-induzido). Essas relações são organizadas em famílias distintas que representam estruturas de organização do conhecimento (Guimelli, 1994, 2003; Flament & Rouquette, 2003; Rouquette, 1994; Rouquette & Rateau, 1998). As famílias prática e atribuição compõem o núcleo central das representações sociais, pois formalizam os aspectos normativos e valorativos. A família prática trata das relações entre um ator, uma ação, um objeto e um instrumento, descrevendo assim as prescrições de práticas das representações sociais. A família atribuição corresponde às diversas modalidades de relação de qualifi cação e concepção do objeto, descrevendo, dessa forma, os valores e as relações de causa e efeito.

As demais famílias tratam da descrição do objeto e são consideradas mais periféricas. A família vizinhança descreve o reagrupamento de elementos adjacentes a uma classe conceitual, tais como A é uma subclasse de B. A família composição também faz o mesmo tipo de relação, mas ela o faz com base na noção de constituinte, tais como A é um componente de B. A família léxica descreve as relações de sinônimo, antônimo e de defi nição. A última família (léxica) foi eliminada do questionário, pois ela seria redundante em relação ao objeto aqui analisado, já que investigou-se um par de antônimos.

Cada modalidade de relação pode ser operacionalizada por um conector, o que possibilitou a construção de um procedimento empírico dividido em três etapas. A seguir, descreve-se as etapas do procedimento padrão, identifi cando como elas foram instrumentalizadas nesse estudo.

A primeira etapa consistiu em um procedimento de evocação simples e contínua, no qual os sujeitos devem dar três respostas em forma de expressões verbais, com base em um termo indutor. No questionário, incluiu-se duas questões desse tipo, uma com o indutor justiça social e outra com o indutor injustiça social. As respostas não foram utilizadas para determinar o termo induzido como previsto no protocolo, mas para serem analisadas conforme a tabela proposta por Vergès (1992, 1994).

A segunda etapa consistiu na justifi cação das três respostas apresentadas na primeira etapa e que tem por objetivo facilitar para o sujeito a etapa seguinte. Essa etapa foi ignorada neste estudo, pois as três respostas apresentadas na primeira etapa não foram utilizadas como termo induzido na etapa seguinte, como prescreve o protocolo original da metodologia.

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A terceira etapa consiste na apresentação dos 28 conectores (que formalizam as 28 relações possíveis) do modelo para que os participantes respondam sim, não, ou talvez, determinando assim as modalidades de relação que se aplicam a cada uma das três respostas dadas na primeira etapa. Utilizou-se apenas 25 conectores, eliminando apenas a família léxica, como explicado anteriormente. Defi niu-se então como termo indutor a palavra justiça e como único termo induzido a palavra injustiça.

Os estudos anteriores que tratam das relações entre duas ou mais representações (Guimelli & Rouquette, 2004) o fazem com base na investigação dos elementos centrais de cada representação. No entanto, neste estudo, o sujeito foi considerado como um especialista de seu próprio conhecimento, de acordo com a proposta inicial dessa metodologia, perguntando ao sujeito quais relações dos SCB se aplicam a uma dupla de termos. A terceira parte do questionário refere-se aos dados demográfi cos: sexo, idade e nacionalidade.

Os questionários foram respondidos individualmente em aplicação coletiva durante as aulas. Ressalta-se que os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que todos os procedimentos realizados estavam de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

Inicialmente serão apresentados os resultados do estudo com participantes brasileiros. Em seguida, apresentam-se os resultados franceses. Isso por que o objetivo deste artigo não é comparar os dados dos diferentes países, nem encontrar as variantes culturais que perpassam a relação entre a justiça e a injustiça. Pelo contrario, o objetivo deste artigo é justamente encontrar as invariantes estruturais que resistem aos efeitos provocados pelo contexto cultural.

Resultados do primeiro estudo – participantes brasileiros

Evocação utilizando como termo indutor a expressão “justiça social”Como se percebe na tabela 1, construída nos moldes propostos por Vérges (1992,

1994), no primeiro quadrante aparece a palavra igualdade, caracterizada por uma baixa ordem de evocação (range = 1,3) e por uma forte frequência (f = 41), superior ao dobro da frequência do segundo item mais citado, a palavra respeito (f = 20). Igualdade aparece como único item candidato a núcleo central, e representa 11% do total de respostas retidas na tabela, o que pode indicar uma estereotipia, ou um grande consenso em torno da igualdade como um fundamento das teorias que compõem o pensamento social a respeito da justiça. Na casa 4, correspondente aos itens que podem constituir a periferia da representação, há os termos direitos humanos, inclusão social, justiça, moradia, oportunidade, paz, responsabilidade e solidariedade, que parecem exprimir os aspectos circunstanciais, provenientes das experiências cotidianas e que exprimem também a variabilidade intraindividual. Nas casas consideradas como zona que contém os elementos de status ambíguos, há o termo respeito, com alta frequência e baixa média de ordem de citação, e o termo direito, que apresenta baixa frequência e alta média de citação.

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Tabela 1 – Evocações obtidas com base no termo indutor “justiça social” – Brasil

Ordem de citação

Frequência≤2 >2

≥ 15 Igualdade (41; 1,3) Respeito (20; 2,3 )

< 15≥ 5

Direito (6; 1,3) Direitos humanos (5; 2,4)Inclusão social (5; 3,0)Justiça (6; 2,5)Moradia (5; 2,0)Oportunidade (7; 2,3)Paz (5; 2,4)Responsabilidade (5; 2,4)Solidariedade (6; 2,3)

Evocação utilizando como termo indutor a expressão “injustiça social”Na primeira casa da tabela 2, há, como candidatos ao núcleo central, os termos

desigualdade e preconceito. O termo desigualdade representa 37% do total dos itens retidos na tabela e também aparece como um fundamento do pensamento social sobre a injustiça, que, à semelhança da igualdade em relação à justiça, exerce um papel gerador e organizador no plano ideológico, como descreve Doise (2002). Os termos da casa 4, corrupção, desemprego, fome e racismo, parecem expressar as aplicações circunstanciais que coincidem com os aspectos periféricos da representação. Os termos das casas 2 e 3 também parecem exprimir aplicações circunstanciais, frutos da experiência cotidiana dos indivíduos, como a violência, o desrespeito, a discriminação, a miséria e a pobreza.

Tabela 2 – Evocações obtidas com base no indutor “injustiça social”- Brasil

Ordem de citação

Frequência≤2 >2

≥ 15 Desigualdade (32; 1,6) Preconceito (33; 1,9)

Violência (16; 2,1)

< 15≥ 5

Desrespeito (9; 1,3)Discriminação (13; 1,7)Miséria (7; 1,6)Pobreza (12; 1,4)

Corrupção (10; 2,5)Desemprego (7; 2,0)Fome (12; 2,0)Racismo (5; 2,0)

Há uma indicação da existência de relação de antônimos entre as representações de justiça e injustiça social, semelhantes à relação entre segurança e insegurança, descrita por Guimelli e Rouquette (2004). Em uma análise qualitativa, a igualdade faz parte do suposto núcleo central de justiça social e a desigualdade, do suposto núcleo central de injustiça social.

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Esquemas Cognitivos de Base (SCB)

Cálculo das valências do SCBO cálculo das valências tem por objetivo verifi car a multiqualifi cação das relações

de um elemento em referência aos outros elementos de uma mesma representação social. Portanto, foi utilizado para a identifi cação dos elementos do núcleo central. No entanto, neste estudo, utiliza-se o cálculo das valências para identifi car o tipo de relação predominante entre dois elementos de uma temata. Foi aplicada a fórmula padrão para cálculo de valências parciais, conforme a descrição de Flament e Rouquette (2003): V= número de respostas “sim” /zN (somatória das respostas “sim”, z = número de conectores em questão, n = número de participantes)

Com base nesse cálculo, obtém-se a valência total que varia entre zero e um. Essa valência mede o número de conexões diferentes entre os elementos, e quanto mais próximo de zero, menos modalidades de relações se aplicam entre os elementos, aproximando-se do pensamento lógico formal.

Nesse caso, ocorre uma valência total igual a 0,38, o que signifi ca que poucas modalidades de relação se aplicam à relação entre os elementos justiça e injustiça, confi rmando uma certa determinação lógica e racional dos tipos de modalidades que se aplicam entre esses dois elementos. Também foi realizado o cálculo das valências parciais, conforme a mesma fórmula aplicada separadamente a cada família dos SCB (tabela 3). Em seguida, realizou-se uma Anova entre as valências parciais, que indicou que existe uma diferença global entre as valências.

Tabela 3 – Valências parciais da relação entre os elementos justiça e injustiça- Brasil

Brasil

Valência atribuição 0,28

Valência prática 0,46

Valência descrição 0,33

F(2,252) = 32.877, p.<0,001

A valência da família prática (0,46) é superior a todas as demais valências das famílias, indicando a prevalência de uma relação funcional entre os elementos dessa oposição temática. Portanto, a relação entre esses polos temáticos é ligada à prescrição de práticas, subentendidas nas noções de ator, ação, objeto e ferramenta, que podem intuitivamente ser descritas como um ator que pratica uma ação sobre um objeto, utilizando uma ferramenta (Flament & Rouquette, 2003).

Os dois itens do questionário (SCB) com maior porcentagem de respostas sim, exemplifi cam bem essa relação funcional: “A justiça designa uma ação que nós podemos ter em função da injustiça” (63% de respostas positivas); “A justiça é uma ferramenta que nós utilizamos sobre a injustiça” (66% de respostas positivas). No primeiro caso, a justiça é uma ação praticada sobre um objeto e, no segundo, a justiça é uma ferramenta utilizada sobre um objeto. Em ambos os casos, o objeto é a injustiça.

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Resultados do segundo estudo – participantes franceses

Evocação utilizando como termo indutor a expressão “justiça social”

Tabela 4 – Evocações obtidas a partir do indutor “justiça social” – França

Ordem de citação

Frequência

≤2 >2

≥ 15 Igualdade (18;1,4)

< 15≥ 5

Direito (7; 1,4)Equidade (9;1,5)Leis (5;1,4)Divisão (5;1,60)Respeito (6;1,33)Utopia (1,50)

Na primeira casa da tabela 4, ocorre apenas a palavra igualdade (égalité) que é o único suposto elemento do núcleo central. Esse termo representa 34,4% das palavras retidas na tabela. No entanto, na quarta casa, onde supostamente estariam os elementos periféricos, nada foi retido. Somente na casa 3, caracterizada por abrigar os elementos instáveis, encontram-se os itens direito, leis, divisão, respeito e utopia (droit, éqüite, lois, partage, respect e utopie).

Evocação utilizando como termo indutor a expressão “injustiça social”

Tabela 5 – Evocações obtidas a partir do indutor “injustiça social” – França

Ordem de citação

Frequência

≤2 >2

≥ 15 Inégalité (14;1,5)Discrimination (13;1,2)

< 15≥ 5

Pauvreté (10;1,10)Racisme (5;1,2)

Na tabela 5 ocorre novamente uma estereotipia centralizada no tocante ao termo desigualdade (inégalité), que representa 33,3% dos termos retidos na tabela 5. Em seguida aparece no núcleo o termo discriminação. Na casa 3 aparecem somente os termos pobreza e racismo (discrimination, pauvreté e racisme). Apenas quatro termos foram retidos na tabela. O conjunto de dados referentes aos dois indutores justiça e injustiça pode indicar uma estereotipia semelhante e ainda mais acentuada que as mesmas representações dos participantes brasileiros.

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Cálculo das valências do SCB

Calculou-se a valência total a fi m de verifi car a multiqualifi cação das relações entre os elementos, de acordo com a fórmula padrão para cálculo de valências parciais conforme a descrição de Flament e Rouquette (2003).

Ocorre uma valência total igual a 0,45, evidenciando certa determinação lógica e racional dos tipos de modalidades que se aplicam entre esses dois elementos. O cálculo das valências parciais também foi realizado, conforme a mesma fórmula aplicada separadamente a cada família dos SCB (tabela 6).

Tabela 6 – Valências parciais das relações entre os elementos justiça e injustiça – França

França

Valência atribuição 0,41

Valência prática 0,50

Valência descrição 0,41

F(2,240) = 9,05, p<0,002

Percebe-se uma predominância da valência prática em relação às duas outras valências, indicando que a relação entre a justiça e a injustiça é feita de maneira funcional pelos participantes franceses. O resultado da Anova confi rma a validade das diferenças globais obtidas. Foi feito um teste post hoc (HSD Turkey) que confi rma a diferença da valência prática em relação às outras duas valências, que são iguais.

Novamente vamos utilizar o exemplo dos dois itens mais frequentes para ilustrar essa relação funcional: “A justiça é uma ferramenta que podemos utilizar sobre a injustiça (La justice est un outil que l’on peut utiliser pour l’injustice, 87% de respostas positivas); “A justiça é uma ação aplicada à injustiça. (La justice a une action sur l’injustice, 76% de respostas positivas). No primeiro caso, a justiça é uma ferramenta, e no segundo, ela é uma ação. Em ambos os casos, no entanto, ela é aplicada sobre um objeto que é a injustiça.

Discussão

Os resultados dos participantes brasileiros e franceses foram bastante congruentes, apontando para uma relação entre os dois polos opostos da temata justiça e injustiça caracterizada por uma relação de antônimos.

A relação de antônimos, descrita por Guimelli e Rouquette (2004), apresenta a oposição léxica entre um ou mais elementos do núcleo central. Os resultados das evocações demonstraram uma estereotipia em relação ao elemento igualdade no caso do indutor justiça social, e uma estereotipia em torno do elemento desigualdade, no caso do termo indutor injustiça social. As estereotipias mostraram-se mais acentuadas nos participantes franceses, mas também foi evidente nos participantes brasileiros.

A estereotipia dos respectivos núcleos centrais é caracterizada por uma grande diferença entre o primeiro e o segundo item mais citado e com menor média de ordem de

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citação na tabela de Vérgès (1992, 1994). Isso signifi ca que existe um nível de consenso em relação ao primeiro item, que esvazia o núcleo central da presença de outros elementos. Neste caso, a estereotipia pode ser um sinal do caráter normativo e consequentemente socioafetivo das representações sociais concernentes. Segundo Deschamps e Guimelli (1994), as representações sociais podem possuir objetos mais intensamente impregnados de aspectos afetivos. A justiça e a injustiça provavelmente fazem parte deste tipo de objeto social, carregado de afetividade, e que portanto parecem noções vazias de signifi cado, dando a impressão de conhecimentos intuitivos, difíceis de explicar ou defi nir. Essa estereotipia poderia ser mais bem esclarecida em futuros estudos sobre os aspectos socioafetivos das representações sociais da justiça e da injustiça.

Essa relação de oposição pode ser considerada como uma relação entre duas tematas que organizam um campo do conhecimento social. As duas tematas, justiça-injustiça e igualdade-desigualdade, possuem raízes históricas profundas, parecem universais e muito antigas. No entanto, a relação entre elas pode ser fruto das ideias igualitaristas do século XVIII. Provavelmente essa organização temática serve como uma rede de leitura da realidade cotidiana de tal forma que, quando as pessoas avaliam o caráter justo ou injusto de uma situação, elas utilizam como critério a igualdade ou desigualdade, por exemplo, na distribuição de recompensas.

Os resultados demonstram uma prevalência funcional na relação entre justiça e injustiça, congruentes nos participantes do Brasil e da França. Se a justiça e a injustiça forem consideradas como valores caracteristicamente ideológicos, percebe-se que, teoricamente, elas se enquadram entre os elementos normativos das representações sociais. No entanto, os resultados apontam uma relação funcional entre eles. Segundo Moliner (1994), os elementos do núcleo central das representações sociais possuem duas especifi cidades; um caráter avaliativo e um caráter funcional. O caráter avaliativo refere-se aos julgamentos e pode ser medido pela valência atribuição, pois seus conectores tratam de aspectos predicativos, normativos, ou à apreciação subjetiva de causalidade. Pode-se dizer que o caráter avaliativo das representações sociais aparece, sobretudo, em formas de valores, de normas, e de crenças. O caráter funcional refere-se à caracterização da ação e pode ser medido pela valência prática (Flament & Rouquette, 2003). Mediante a análise dos itens com maior porcentagem de respostas afi rmativas, percebe-se que a injustiça é compreendida como um objeto que sofre a ação da justiça, ou como um objeto sobre o qual se utiliza a justiça como ferramenta. Neste sentido Flament e Rouquette (2003) afi rmam que uma relação funcional pode também ter o sentido de uma premeditação de respostas possíveis dentro de uma situação dada. Esse sentido retira a relação funcional de seu aspecto concreto e acrescenta um sentido mais abstrato relacionado a planifi cação de uma ação. Nesse caso, tem-se uma espécie de “instruções de uso” que determina que a justiça é algo a ser utilizado em casos de injustiça.

As semelhanças entre os resultados dos participantes brasileiros e franceses indicam uma relação bem estruturada e resistente às diferenças socioeconômicas e culturais, entre os dois opostos da temata justiça-injustiça. Os resultados corroboram a teoria de Moscovicci e Vignaux (1994), que caracteriza as tematas como ideias de amplitude ideológica, que possui pouca variabilidade intergrupal ou intercultural.

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Recebido em outubro de 2008 Aprovado em dezembro de 2009

Lila Maria Spadoni: Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade Católica de Goiás/UCG); Doutora em Psicologia (Université René Descartes/Paris). Pesquisadora no Laboratoire de Psychologie Environnementale.Ana Raquel Rosas Torres: Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade Federal da Paraíba); Doutora em Psicologia (University of Kent at Canterbury/Reino Unido). Professora titular da Universidade Católica de Goiás (UCG).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Investigação do grau de tolerância à frustração em presidiários

Elizelma Ortêncio FerreiraCláudio Garcia Capitão

Resumo: Este trabalho objetivou avaliar o tipo de reação à frustração e os sentimentos agressivos em presidiários. Verificou-se, também, a relação de dependência entre o tipo de delito (furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros) e o construto agressividade, por meio do teste de Frustração de Rosenzweig (PF). O instrumento foi aplicado em 125 presidiários de uma penitenciária de segurança máxima do interior de São Paulo. Pode-se dizer que a maioria dos sujeitos, em situações de frustrações, expressa mais seus sentimentos agressivos e tendem a atribuir a culpa ao outro. A análise de variância ANOVA indicou que os indivíduos que cometeram furto reprimem menos a agressividade em situações de frustração, quando comparados àqueles que não cometeram tal delito. Pelos resultados obtidos, entende-se que a pesquisa atingiu os objetivos estabelecidos ao encontrar pouca tolerância à frustração na amostra de presidiários, principalmente para o grupo de delito furto, isto considerando os vários tipos de delitos. Palavras-chave: tolerância à frustração; avaliação psicológica; presidiários.

Investigation of the degree of tolerance to frustation in prisionersAbstract: The present work was aimed at evaluating the kind of reaction to frustration and the aggressive feelings of prisoners. In addition, it was checked as well the relation of dependence between the kind of offense (theft, robbery, kidnapping, homicide, hold-up and others) and the aggressiveness construct through the Rosenzweig Frustration Test (PF). The instrument was applied to 125 prisoners of a top-security prison in São Paulo state countryside. It is possible to affirm that the majority of these men, under frustration situations, express more intensely their aggressive feelings and tend to attribute their fault toward the other. The ANOVA variance analysis has indicated that the individuals who committed theft repress in a lesser way their aggressiveness under frustration circunstances, when compared with the ones that have not committed such offense. Based on the results attained, one can deduct that the research has accomplished the established objectives by finding scarce tolerance to frustration in the sample of prisoners, mainly for the theft offense group, considering the entire array of offenses.Keywords: tolerance to frustration; psychological evaluation; prisoners.

Introdução

Tolerância à frustraçãoHá várias teorias que tratam da capacidade de tolerar frustração. Interessa-nos, neste

momento, a que diz ser inata a capacidade de tolerar frustração, tendo a mãe o importante papel de continente das angústias e provedora das necessidades básicas do bebê. Nessa teoria, a formação do pensamento tem como ponto de partida a frustração de algumas necessidades básicas que são impostas ao bebê, num processo em que o essencial é a menor ou maior capacidade do bebê tolerar o ódio resultante de frustrações. Quando a

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capacidade para tolerar frustração é sufi ciente, a experiência se torna um elemento do pensamento e se desenvolvem formas para pensá-la. E ao contrário, se a capacidade para tolerar frustração for insufi ciente, a experiência é internalizada como algo mau que deve ser evadido e expulso. A evasão e expulsão desse algo mau são feitas por meio de agitação motora na criança, e no adulto por meio de atuações (Bion, 1991).

Klein (1975), Nogueira (2001) e Winnicott (1999) sugerem que as exposições frequentes e intensas a experiências de frustração despertam reações, como a angústia. A angústia é uma reação que comporta uma ação defensiva, geralmente acompanhada de sentimentos hostis e agressivos, conforme a intensidade e a quantidade de tensão existente na fantasia inconsciente.

Rosenzweig (1944, 1948) faz referência à agressão como sendo apenas uma das respostas alternativas numa situação de frustração. Para o autor existem dois tipos de frustração. A frustração primária ou privação é caracterizada pela quantidade de tensão e insatisfação subjetiva, em decorrência da ausência de uma situação fi nal essencial à satisfação da necessidade ativa. A secundária é constituída pela presença de obstáculos ou difi culdades no caminho que conduz à satisfação de uma necessidade. De modo especial, o autor se refere ao segundo tipo ao defi nir frustração como sendo todas as vezes que o organismo se depara com um obstáculo ou difi culdade, mais ou menos intransponível, no caminho que o conduz à satisfação de qualquer necessidade vital.

Outra formulação importante na teoria geral de frustração de Rosenzweig (1944) é a de tolerância à frustração, que se defi ne pela atitude da pessoa suportar frustração sem perder sua adaptação psicológica, em outras palavras, sem recorrer a tipos de respostas inadequadas. Essa formulação abrange o fenômeno da adaptação em seu conjunto e implica também a existência de diferenças individuais nas situações de tolerância à frustração. Essas diferenças estão relacionadas com a gravidade da pressão e também com características da personalidade da pessoa. A tendência para avaliar negativamente, para desconfi ar ou suspeitar de outros pode infl uenciar na baixa tolerância à frustração.

Os fatores determinantes da tolerância à frustração são somáticos e psicológicos. Dos somáticos, fazem parte os fatores constitucionais e hereditários (variações nervosas, etc.) e elementos somáticos adquiridos (fadiga, enfermidade física, etc.); os fatores psicológicos são determinados pela evitação e proteção às situações frustrantes na primeira infância, o que incapacita a pessoa para mais tarde responder adequadamente a uma frustração. Por outro lado, o excesso de frustração contribui para criar zonas de pouca tolerância à frustração, porque compele a criança a usar defesas do ego que poderão inibir seu desenvolvimento posterior (Rosenzweig, 1944).

O organismo pretende em situações de frustração restaurar seu funcionamento integrado, restabelecendo seu equilíbrio. Nesse sentido toda a resposta à frustração é adaptativa, mas, sob o ponto de vista psicológico, nem sempre essas respostas são adequadas, sendo adequadas, quando há predominância de respostas com as tendências progressivas da personalidade mais do que com as regressivas. Considerando-se respostas regressivas aquelas que ligam a pessoa indevidamente ao passado, e interferem nas suas reações posteriores. Essas respostas são menos adequadas, tendo em vista que não deixam a pessoa livre para enfrentar as situações novas (Rosenzweig 1944).

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Para Dewald (1972), os criminosos que não manifestam sentimento de culpa parecem que não internalizaram um conjunto de valores morais dos quais pudessem dispor como repertório de autocontrole. Tal confi guração ocorre principalmente quando as funções do superego permanecem exteriorizadas e não implicam em confl ito intrapsíquico. Os criminosos podem mostrar seus confl itos de distintas formas, ligadas a condutas antissociais (roubo, vício, etc.), em vez de experimentá-los como estados subjetivos de confl ito, acompanhado de mal estar interno.

Winnicott (1989) explica que a tendência para a conduta antissocial é a redescoberta da própria agressividade, aspecto inerente à existência do self verdadeiro, o autêntico eu interior. A conduta antissocial aparece como sinal de esperança e está intimamente relacionada a uma privação, situação essa ligada a um fracasso específi co. O roubar, por sua vez, além de relacionar com um sentimento de privação, que ocorreu muito antes da explosão agressiva, signifi ca que a pessoa está buscando a capacidade de encontrar objetos, e não apenas procurando um objeto.

Quanto à compreensão do funcionamento dinâmico do ato delinquente, Costa (1986), Winniccot (1999) apontam que este pode expressar a esperança de resgatar aspectos perdidos do self primitivo, não descobertos ou não integrados ao verdadeiro self. Em outras palavras, um sentimento de ser querido como se é, uma condição de acolhimento que possibilita à pessoa sentir-se única. Por meio das atitudes antissociais as pessoas expressam seu apelo inconsciente como expressão de dor. Dor ocasionada pelo abandono, desamparo, carência, miséria, desprezo e ameaça de aniquilação de si mesmo, ou sentimento de autoestima, cuja exclusão aniquila o sentimento de pertencer, de fazer parte do grupo social.

Adorno (2002) chama a atenção para o fato de que 11,7% de todos os registros referiam-se a lesões corporais resultantes de agressões, uma proporção três vezes maior do que o porte ilegal de armas e o consumo e tráfi co de drogas. Há relações estreitas entre o crime violento e o crime organizado, o que é considerado inclusive, uma tendência mundial. O autor destaca as imagens veiculadas pela mídia impressa e eletrônica que mostram cenários dramáticos de adolescentes audaciosos e violentos, destituídos de quaisquer freios morais, frios e insensíveis, que não hesitam em matar. Não é raro a opinião pública ser surpreendida com a notícia de homicídio praticado por um adolescente no curso de um roubo. Esses fatos reforçam preconceitos contra segmentos da população urbana. Ressalta ainda o crescente número de pessoas que vêm violando as leis penais, entre as quais há elevada proporção de crianças e de adolescentes.

Cabe ao profi ssional de psicologia avaliar a condição psicológica de pessoas que violaram as leis penais, no contexto jurídico. Nesse contexto, os testes mais utilizados em atividades de parecer criminológico são as técnicas projetivas. O termo técnica projetiva expressa a forma pela qual o indivíduo estabelece contato com a realidade interna e externa. Essa técnica surgiu na escola suíça de Psicanálise e seu precursor foi o Teste de Associação de Palavras de Jung, em 1904. Uma expressiva parte das técnicas projetivas atualmente utilizadas como instrumentos de avaliação psicológica foi baseada inicialmente na teoria psicanalítica (Güntert, 2000).

Tratando-se de instrumentos psicológicos projetivos que avaliem a tolerância à frustração, o Teste de Frustração de Rosenzweig (PF) é um instrumento em que o sujeito é

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colocado diante de uma situação supostamente frustradora. A resposta é analisada e pode ser classifi cada na direção da agressão como extrapunitiva, intrapunitiva e impunitiva, e no tipo de reação do sujeito, a saber: predominância do obstáculo, defesa do ego e persistência da necessidade.

Rosenzweig (1948) comparou delinquentes e não delinquentes com o objetivo de verifi car a predominância de respostas nos dois grupos. A amostra foi composta de 250 delinquentes e 250 não-delinquentes. Ele observou uma predominância de respostas na categoria intrapunitiva, o que signifi ca agressividade direcionada para si próprio, para o grupo “não-delinquentes”, enquanto a categoria extrapunitiva, agressividade direcionada ao ambiente, ou outro, predominou nas respostas do grupo “delinquentes”. Ele concluiu que uma resposta de agressão depende do jogo de um conjunto de fatores que se prendem com a interpretação cognitiva da situação frustrante, com a sua intensidade, a força dos controles internos e externos, e, acima de tudo, com a tolerância à frustração.

Rocha (1976) comparou 60 delinquentes e 60 não-delinquentes do sexo masculino na cidade de Porto Alegre, de acordo com a delinquência. O resultado desse trabalho mostrou que os não-delinquentes manifestam maior agressividade do que os delinquentes. A delinquência não estaria relacionada com o grau de agressividade do indivíduo, mas sim com a falta de controle sobre os impulsos, inclusive os agressivos. Assim, a agressividade não é apenas uma característica do comportamento delinquente, mas também do não-delinquente.

Souza (1990) examinou o comportamento agressivo na sua condição potencial hereditária e na ação manifesta provocada pelo ambiente. No intuito de investigar o construto agressividade, utilizou os testes Desenho da Figura Humana (DFH), Psicodiagnóstico Miocinético (PMK) e o PF. O mesmo autor pretendia ainda construir uma escala de agressividade a partir dos resultados encontrados. Sua pesquisa constou de três grupos de mulheres culturalmente diferenciados. O primeiro grupo foi composto de 30 menores infratoras, o segundo de 25 noviças de duas ordens religiosas, e o terceiro de 30 estudantes universitárias do curso de psicologia. A aplicação foi coletiva para os testes DFH e PF, e individual para o PMK. Dos resultados obtidos apenas a variável extrapunitividade discriminou os grupos. Os resultados encontrados impossibilitaram a construção de uma escala de sinais identifi cadores de agressividade.

Cabral e Stangenhaus (1992) analisaram características de 62 presidiários comparando-as com as características de 50 pessoas de um grupo controle. Utilizaram como método uma anamnese-questionário, que constava questões fechadas (sim ou não) e abertas. Foram encontradas, nos presidiários, características de personalidade relacionada a pouco controle da agressividade aliada a uma baixa tolerância à frustração. Características essas que esses e outros autores (Harth, Mayer & Linse, 2004) descreveram como personalidade antissocial e boderline.

Guillaume e Proulx (2002) compararam características de personalidade de 16 criminosos violentos descritos como boderlines, com 18 criminosos violentos descritos como narcisistas. Os resultados das análises mostraram que o grupo de criminosos boderlines apresenta problemas relacionados ao uso de drogas e álcool, como também usam mais agressão física no curso de assalto, enquanto que os criminosos narcisistas aparentemente possuem um maior controle da agressividade.

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Para se avaliar o grau de tolerância à frustração de presidiários, utilizou-se neste estudo uma técnica denominada por Tabachinick e Fidell (1996) Análise de Perfi s de Medidas Repetidas. Tal técnica consiste num tipo de tratamento de dados que consiste de uma especifi cidade da análise de variância Multivariada. Essa análise procura responder se o perfi l de médias em um conjunto de medidas (parte intrassujeitos do delineamento) é diferente para grupos distintos. O efeito da variável, Fatores, desempenha um papel fundamental do ponto de vista estatístico, já que sua inclusão no modelo possibilita reduzir a variância de erro, uma vez que, sendo signifi cativo, explicaria uma parcela da variância removendo-a do montante de erro e implementando o poder estatístico do teste.

A análise de medidas repetidas preserva a independência dos grupos, mesmo quando um mesmo sujeito pertencer a vários grupos simultaneamente, ou seja, um mesmo respondente pode ter cometido vários tipos de delitos que a independência dos grupos serão mantidas. Além disso, tal análise procura-se compensar o problema de infl ar o erro tipo I, que advém ao se fazer uma série de provas t na comparação das médias dos grupos em várias medidas dependentes (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1995).

Diante das poucas pesquisas que tratam de avaliar a tolerância ou intolerância à frustração, o presente estudo objetivou verifi car o tipo de reação à frustração em presidiários, bem como verifi car a relação de dependência entre o tipo de delito (furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros) e a direção da agressão, por meio do PF. Hipotetizou-se dos presidiários que cometeram o delito roubo, furto, sequestro e latrocínio um maior número de respostas extrapunitivas no Teste de Frustração de Rosenzweig. Tal instrumento, não só no âmbito da pesquisa, pode vir a ser de grande utilidade como mais um recurso de avaliação psicológica no contexto prisional.

Método

AmostraCompôs a amostra do presente estudo 125 presidiários, do sexo masculino,

estudantes do ensino fundamental e médio. A faixa etária dos participantes variou de 19 anos a 46 anos (M = 29 anos e 8 meses; DP = 6 anos e 4 meses). A maior concentração de faixa etária foi entre 26 e 30 anos, e apenas 1 sujeito tinha mais de 45 anos. No que se refere a estado civil, do total de participantes, 53 vivem em união estável, 48 são solteiros e 24 não informaram.

Quanto à escolaridade, dos 125 participantes, 114 não terminaram o primeiro grau (91,2%) e apenas um sujeito, solteiro, apresenta ensino médio completo (0,8%). Dos 53 (42,4%) sujeitos que vivem em união estável, 50 (40%) possuem ensino fundamental incompleto, assim como, dos 48 (38,4%) participantes solteiros, 42 (33,6%) apresentam ensino fundamental incompleto.

InstrumentoFoi utilizado o PF – Teste de Frustração de Rosenzweig (Rosenzweig, 1944), que

propõe explorar as reações do indivíduo frente a situações de frustração, tendo como

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fundamento a teoria geral da frustração. A edição para adultos é chamada The Rosenzweig P. F. Study, Form for Adults, datada de 1944 e revisada em 1948. Uma adaptação francesa foi realizada em 1951.

O teste é composto por desenhos de caráter uniforme que lembram histórias em quadrinhos, como estímulos, a fi m de favorecer a identifi cação por parte do indivíduo; as respostas dimensão e alcance do instrumento são limitados. O instrumento compreende uma série de 24 desenhos, representando, cada um, dois personagens colocados em uma situação de frustração do tipo comum. A situação do desenho consiste em o personagem da esquerda pronunciar algumas palavras que descrevem a frustração do outro indivíduo ou a sua própria. A pessoa da direita tem acima dela um quadro vazio, destinado a receber suas palavras. Os traços e a mímica dos personagens no desenho foram sistematicamente negligenciados, para favorecer a identifi cação de quem vai responder com o personagem. O teste se destina a adultos e adolescentes (Rosenzweig, 1944).

As respostas dadas pelos indivíduos, em cada uma das situações do teste, são classifi cadas em duas categorias, que compreendem respectivamente direção e tipo de agressão. A direção da resposta indica para onde a agressão é direcionada pelo indivíduo quando frustrado e é subdividida em três subcategorias de respostas, ou seja, extrapunitiva (E), na qual a agressão é dirigida para o exterior. Nesse caso, algo ou alguém é culpado pelo indivíduo ter sido frustrado. Intrapunitiva (I), na qual a agressão é dirigida para o próprio indivíduo e resposta impunitiva (M), em que a agressão é evitada e a situação frustrante é descrita como sem importância, sem culpa, ou como suscetível de ser melhorada, isto é, o indivíduo se contenta em esperar que tudo melhore ou, então, conforma-se com o problema (Moura & Pasquali, 2006).

O tipo de reação manifesta pelo indivíduo indica como ele impulsiona ou mantém a sua agressão, o que determina o tipo de sua ação em resposta a estímulos externos. Observa-se, ainda, que o tipo de reação se divide nas categorias de tipo de dominância do obstáculo (O-D), no qual o obstáculo que causa a frustração é mencionado e enfatizado pelo sujeito; tipo de defesa do ego (E-D), em que o indivíduo lança a culpa sobre outrem ou aceita a responsabilidade ou, ainda, declara que a responsabilidade da situação não cabe a ninguém, e tipo de persistência da necessidade (N-P), quando a tendência da resposta é dirigida para a solução do problema inerente à situação frustradora. A combinação das seis categorias (três direções com os três tipos de agressão) produz nove fatores que permitem a avaliação da tolerância à frustração (Rosenzweig, 1944).

As respostas de dominância do obstáculo são convencionalmente designadas por E’, I’ e M’; as de defesa do ego por E, I e M; e as de persistência de necessidade, por e, i e m.

A cotação da maioria das respostas necessita de apenas um único fator. Para cotação de dois fatores é necessário que haja na resposta dada pelo individuo duas frases ou proposições distintas.

ProcedimentosO contato inicial com os sujeitos ocorreu por meio de entrevista coletiva, com o

objetivo de estimular a aceitação do estudo, com explicações sobre o mesmo. Nessa oportunidade foi entregue, para assinatura, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

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Foi destacado aos participantes que as informações obtidas seriam sigilosas. As entrevistas ocorreram no horário das aulas de português e matemática, e foram necessárias 7 entrevistas. Cada entrevista durou aproximadamente 30 minutos.

Num segundo momento, procedeu-se à aplicação dos instrumentos. A aplicação do instrumento foi coletiva, com subgrupos de aproximadamente 20 sujeitos, e em cada dia ocorreu apenas uma aplicação do PF, com duração de aproximadamente de uma hora.

Resultados

Para a categoria delitos foram considerados 124 participantes visto que não se obteve o tipo de delito que um sujeito praticou. Também houve uma sobreposição de delitos para um mesmo sujeito. Adotou-se, para tanto, o critério de considerar um mesmo sujeito em várias categorias de delitos. Na Tabela 1 segue a distribuição da frequência dos resultados brutos e porcentagens dos delitos furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros (a categoria outros inclui porte ilegal de armas, receptador de materiais roubados e tráfi co de drogas), entre os participantes.

Tabela 1 – Frequência e percentual dos delitos

Delitos Apresenta Não apresenta

Furto 1814,5%

10685,5%

Roubo 8165,3%

4334,7%

Sequestro 32,4%

12197,6%

Homicídio 3528,2%

8971,8%

Latrocínio 118,9%

11391,1%

Outros 5342,7%

7157,3%

Total de delitos 201 543

Obtiveram-se 201 delitos dos 124 sujeitos. Sendo o roubo o delito mais cometido, enquanto que o crime menos evidenciado foi sequestro.

O teste PF, conforme já mencionado, é um instrumento projetivo que se constitui de 24 situações para a qual o sujeito pode dar de uma a três respostas. As respostas são classifi cadas quanto à direção da agressão e tipo de reação. Neste estudo obteve-se o máximo de duas respostas por situação, ou seja, duas frases numa mesma situação do teste, e as estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa SPSS. Primeiramente é apresentada a estatística descritiva das respostas referente à direção da agressão e, em seguida, sua frequência (Tabela 2).

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Tabela 2 – Estatística descritiva das respostas em relação a direção da agressão.

N Mín Máx M DP

Extrapunitiva 125 0 20 8,52 4,16

Intrapunitiva 125 0 10 4,88 2,01

Impunitiva 125 0 13 5,84 2,60

Como mostra a Tabela 2, o fator extrapunitividade apresentou a maior média de respostas, obtendo o máximo de 20 respostas das 24 situações do teste PF e também o maior desvio-padrão. Observou-se, seguindo o mesmo critério, menor média para intrapunitividade com no máximo 10 respostas.

Na Tabela 3, pode-se visualizar o total de respostas dadas nas 24 situações do teste, multiplicadas pelo número de participantes. As respostas obtidas com mais de uma frase e com conotações diferentes para direção da agressão, foram computadas como combinações de fatores, a saber: duas frases extrapunitivas, duas intrapunitivas, duas impunitivas, uma impunitiva e outra extrapunitiva).

Tabela 3 – Frequência dos fatores (Extrapunitivo, Intrapunitivo, Impunitivo e combinações) do PF (n=124).

Fatores Respostas Porcentagem (%)

Extrapunitivo 1065 35,8

Intrapunitivo 610 20,5

Impunitivo 730 24,6

Combinação de fatores 568 19,1

Total 2973 100

Nota-se que do total de 2973 respostas 1065 foram extrapunitivas. E ao contrário, o menor número de respostas para a combinação de fatores. A Tabela 4 apresenta as estatísticas descritivas das respostas considerando o tipo de reação às situações de frustração no PF.

Tabela 4 – Estatística descritiva das respostas considerando o tipo de reação à frustração no PF.

N Mín Máx M DP

Dominância do Obstáculo (OD) 124 0 6 3,03 1,44

Defesa do Ego (ED) 124 0 19 10,95 3,32

Persistência da Necessidade (NP) 124 0 12 5,27 2,35

Observa-se que o tipo de reação defesa do ego obteve a maior média de respostas com o máximo de 19 respostas das 24 situações do teste PF. Nota-se menor média para dominância do obstáculo com no máximo 6 respostas. Na Tabela 5 pode-se observar o

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total de respostas de 124 sujeitos, considerando-se o tipo de reação diante de situações de frustração.

Tabela 5 – Frequência dos fatores (Dominância do Obstáculo, Defesa do Ego, Persistência da Necessidade e combinações dos fatores de reação) do PFT (n=124).

Fatores Respostas Porcentagem (%)

OD 379 12,7

ED 1369 46,0

NP 659 22,2

Combinação de Fatores 566 19,1

Total 2973 100

Nota-se que do total de 2973 respostas 1369 foram respostas de Defesa do Ego e

também o menor número de respostas para combinação de fatores.

Análises de variância Para investigar diferenças entre sujeitos que praticaram distintos tipos de delitos

em relação ao tipo de reação e direção da agressão quando frustrados, foi efetuada a Análise de Perfi s de Medidas Repetidas, que consiste de uma especifi cidade da análise de variância Multivariada. Essa análise procura responder se o perfi l de médias em um conjunto de medidas (parte intrassujeitos do delineamento) é diferente para grupos distintos (Tabachinick & Fidell, 1996).

Entende-se que os itens de certo fator propõem afi rmações de um tema específi co que requerem do sujeito uma resposta indicando sua concordância com as afi rmações. Desse modo, o que se está medindo, ou seja, a variável dependente, é a concordância com as afi rmações propostas; e os escores dos participantes nos três fatores representam seu perfi l de concordância em relação aos três temas propostos. Assim, essa análise de perfi l procura investigar até que ponto o perfi l dos grupos de sujeitos defi nidos em função de uma variável qualquer é distinto.

Nesse caso, possuiu dois grupos determinados em razão da presença ou ausência de determinado delito, nos quais foram comparados os três fatores do PF. A análise empregada, portanto, foi a MANOVA 2X3, tendo como variáveis independentes o tipo de delito e dependentes os fatores extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo. Empregando essa análise procurou-se, prioritariamente, verifi car até que ponto existe interações signifi cativas entre os fatores referidos e o tipo de delito. Tais efeitos, ao serem signifi cativos, indicam que os perfi s de médias nos fatores do PF dependem do subgrupo que está sendo considerado.

O efeito da variável Fatores do PF, embora não seja alvo de interesse teórico, desempenha um papel fundamental do ponto de vista estatístico, já que sua inclusão no modelo possibilita reduzir a variância de erro, uma vez que, sendo signifi cativo, explicaria uma parcela da variância removendo-a do montante de erro e implementando o poder do teste estatístico.

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Outra razão pela qual se optou por essa análise reside no fato de que o mesmo respondente pode ter cometido mais de um tipo de delito. Assim, sem esse tratamento especial dos dados, a independência dos grupos pode ser violada, inviabilizando essa comparação da forma como se pretende. Além disso, procurou-se compensar o problema de infl ar o erro tipo I, que advém ao se fazer uma série de provas t na comparação das médias dos grupos em várias medidas dependentes (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1995).

Para realizar a análise de variância, foram transformados os resultados brutos em escores-padrão t. As notas t foram usadas, visto que são transformações lineares dos escores brutos com uma média 50 e com um desvio padrão 10.

Verifi cou-se, então, até que ponto os fatores do PF diferenciavam os grupos de indivíduos que apresentam furto dos que não cometeram tal delito. Os resultados dessa análise, comparando-se os grupos de indivíduos que cometeram furto e aqueles que não apresentaram tal delito, encontra-se na Tabela 6. Como pode ser observado, ao se considerar os três fatores combinados, houve diferenças signifi cativas entre os grupos com efeito de interação (furto x fatores, Λ=0,95, p=0,05), sendo que a associação foi de 2%.

Tabela 6 – Resultados da ANOVA verificando o Efeito do delito (furto) e conteúdo dos itens (Fatores) na concordância com os itens

Fonte de variância SQ glª MQ F P Eta²

Entre grupos

Furto 89,98 1 89,98 2,48 0,11 0,02

Erro 4423,57 122 36,25

Intragrupos

Fatores PF 1286,15 1,61 794,22 5,54 0,00 0,04

Fatores PF x furto 589,76 1,61 364,19 2,54 0,09 0,02

Erro 28280,84 244 115,90

ª Valores corrigidos pela fórmula Greenhouse-Geisser para compensar a violação do postulado da simetria composta (Howell, 1997).

O efeito da variância dos fatores demonstrou também ser signifi cativo (4%). O perfi l dos escores médios dos sujeitos nos fatores para os dois grupos pode ser mais bem visualizado na Figura 1. Pode-se verifi car que o grupo que furta apresenta média mais alta no fator 1 (extrapunitividade), enquanto que, nos fatores 2 e 3 (intrapunitividade e impunitividade), o grupo de furto denotou uma menor média em relação àqueles que não cometeram tal delito. Nota-se ainda que o grupo de furto apresenta uma instabilidade muito grande entre os fatores relativos a direção da agressão, enquanto os que não apresentaram furto têm uma estabilidade aparentemente maior. O grupo de delito furto apresenta fortes inclinações para dirigir a agressão ao outro ou ambiente e muito pouco ao próprio self.

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Figura 1. Escores médios dos três fatores do PF em função da ausência e presença do delito furto

Nota: Linha seccionada e quadrado cheio = não apresenta delito; linha continua e quadrado vazio = apresenta delito.

Diante desse resultado, realizaram-se análises univariadas para cada variável dos fatores (extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo) com vistas a investigar as diferenças em fatores específi cos. O resultado dessa análise indicou diferença signifi cativa para o fator Intrapunitivo (F=5,26, p=0,02). Os fatores Extrapunitivo e Impunitivo não demonstraram diferenças signifi cativas.

Discussão

Com respaldo nos resultados, algumas evidências foram encontradas para responder às indagações dos objetivos propostos. As análises descritivas permitiram caracterizar a amostra, informando que o maior número de delito cometido, roubo, envolve agressão ao outro, dados esses semelhantes aos encontrados por Adorno (2002).

Os resultados das análises apontam, ainda, como os sujeitos lidam com seus sentimentos agressivos e suas reações frente a situações de frustrações. Quando são comparados os fatores extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo, pode-se dizer que a maioria dos participantes expressa mais seus sentimentos agressivos do que os reprime, dirigem a agressão ao outro ou objetos equivalentes, por meio de atuações ou ações motoras, o que leva a pensar em uma baixa tolerância às frustrações e consequente falta de controle sobre os impulsos agressivos (Bion, 1991; Cabral & Stangenhaus, 1992; Harth, Mayer & Linse, 2004; Rocha, 1976).

Resultados parecidos foram encontrados por Rosenzweig (1948) que observou uma predominância de respostas na categoria extrapunitiva em um grupo de “delinquentes”. De fato uma resposta de agressão depende de um conjunto de fatores que se prendem

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com a interpretação cognitiva da situação frustrante, com a sua intensidade, a força dos controles internos e externos, e, acima de tudo, com a tolerância à frustração.

Nas situações de frustrações, as respostas dos sujeitos da amostra indicam que estes tendem a agredir, bem como, atribuir a culpa ao outro. Tal constatação sugere que o ego de tais pessoas, em situações de frustração, representa a parte mais importante da resposta, ou seja, o ego ignora a sua responsabilidade, procurando atribuir à culpa a outras pessoas. O menor número de respostas, do tipo dominância do obstáculo, aponta que poucos sujeitos dessa amostra apresentam tendência a encarar a situação de frustração como sem importância ou de forma favorável. Esses resultados sugerem que as funções do superego dos presidiários permanecem exteriorizadas e não implicam em confl ito intrapsíquico. Por isso, demonstram seus confl itos por meio de condutas antissociais (Dewald, 1972; Nogueira, 2001; Winnicott, 1999).

As comparações entre os grupos, roubo, furto, sequestro, homicídio, latrocínio e outros, nos três fatores do PF, mostraram diferenças de médias signifi cativas entre o grupo que cometeu o delito furto e aqueles que não o cometeram. Constatou-se que os indivíduos que furtaram tendem, em situações de frustração, a reagir dirigindo a agressão para o outro ou objetos equivalentes, representantes ou causadores da frustração. As análises univariadas mostraram que as diferenças signifi cativas tendem a ser apresentadas em função do fator intrapunitivo. Tal constatação sugere que o grupo de delito furto pouco reage em situação de frustração, dirigindo a agressão ao próprio self, em relação aos que não cometeram. Pode-se dizer ainda que o grupo de furto apresenta uma instabilidade muito grande entre os fatores relativos à direção da agressão, enquanto os que não apresentaram furto tendem a apresentar uma estabilidade aparentemente maior. Concernente à instabilidade da direção da agressão os resultados encontrados neste estudo são próximos aos encontrados por Guillaume e Proulx (2002). Os resultados deste estudo são diferentes dos encontrados em outro estudo com grupos de diferentes populações cujo fator que discriminou os grupos foi extrapunitividade (Souza, 1990). De fato, a diferença signifi cativa de média para o fator intrapunitividade sugere falta de contato com os sentimentos de culpa (Dewald, 1972).

Das várias limitações do estudo aponta-se o uso da técnica utilizada. Os desenhos do PFT apresentam características ultrapassadas, construídas de acordo com a realidade dos anos 30, que podem ter difi cultado a compreensão dos participantes em algumas situações do teste (Moura & 2006). Salienta-se o problema de não haver estudos de padronização com o PFT para a população brasileira, especialmente para presidiários.

Alguns autores que investigaram a tolerância à frustração mencionaram que tais sujeitos sofreram exposições frequentes e/ou intensas à frustrações, numa época anterior aos atos antissociais, e expressam por meio do roubo, atitude antissocial, sua dor, ocasionada pela rejeição social, especifi camente a dos pais, o que leva a um círculo vicioso de comportamentos criminosos (Costa, 1986; Klein,1975; Levisky, 2002; Nogueira, 2001; Rosenzweig, 1944; Winnicott, 1989, 1999). Este estudo, no entanto, não dispõe de dados da vida pregressa da amostra e não teve como objetivo investigá-lo, não podendo esclarecer a etiologia dos atos antissociais. Sugere-se que tal variável seja estudada em novas pesquisas.

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Seria muito interessante que outras pesquisas, sobre avaliação do grau de tolerância à frustração em presidiários, bem como estudos de padronização do PF para a população brasileira, especialmente com presidiários, venham a ser desenvolvidas. Outros estudos sobre perfi s de presidiários, utilizando-se do teste PF, incluindo dados sobre a vida pregressa, contribuirão para elevar a confi abilidade nos resultados aferidos pelo instrumento. Além disso, estudos com PF contribuirá para elevar a credibilidade especialmente do profi ssional de psicologia que avalia a condição psicológica de pessoas que violaram as leis penais, no contexto jurídico. Sugere-se ainda a comparação de perfi s de presidiários com outras populações e levantados por outros instrumentos.

Referências

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Elizelma Ortêncio Ferreira – Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco-Itatiba) Cláudio Garcia Capitão – Psicólogo; Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Hospitalar; Mestre em Psicologia Clínica (PUC-SP); Doutor pela UNICAMP, com Pós-Doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Atualmente; Professor dos cursos de graduação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco.

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Estudo de caso – avaliação neuropsicológica: depressão x demência

Nicole Maineri SteibelRosa Maria Martins de Almeida

Resumo: Essa pesquisa é um estudo de caso em que foram avaliadas as habilidades cognitivas de um idoso com queixa de memória e de sintomas depressivos. Foram aplicados testes cognitivos, escalas para avaliar as funções cognitivas e realizadas análise qualitativa e quantitativa dos resultados com objetivo de verificar se as queixas seriam decorrentes de um processo degenerativo e/ou se justificam pela presença de sintomas depressivos. Os resultados mostraram uma diminuição de desempenho nas habilidades que envolvem velocidade de processamento de informações e na memória recente. Com isto torna-se importante nestes casos fazer-se avaliações seriadas com objetivo de acompanhar a evolução das dificuldades cognitivas.Palavras-chave: Avaliação neuropsicológica; memória; depressão.

Relate of case: Neuropsychology assessment – depression x dementiaAbstract: This study concerned itself with the assessment of cognitive functions in an elderly man who presented complaints about loss of memory and depressive symptoms. Qualitative and quantitative analyses were performed in order to verify if the problems that were related by the patients comprised primarily a degenerative process or depressive symptoms. Neuropsychological assessements enabled a differential diagnosis of dementia and depression. The study prompts the conclusion that a sequential assessment is essential in order ascertain the pathogenesis of the cognitive impairments. Keywords: Neuropsychological assessment; memory; depression.

Introdução

A prevalência de co-ocorrência de perdas cognitivas e depressão dobram a cada cinco anos após os 70 anos e cerca de 25% dos idosos acima de 85 anos apresentam depressão juntamente com prejuízos cognitivos (Alexopoulos, Kiosses, Klimstra, Kalayam & Bruce, 2002). Frente à frequente disfunção cognitiva entre os idosos, algumas hipóteses têm sido propostas para explicar essa associação. Primeira, a depressão poderia ser uma reação emocional do idoso ao perceber um quadro de demência inicial. Assim, a depressão seria apenas uma situação pré-demência (um pródromo). Uma segunda hipótese explicativa sugere a existência de uma causa comum subjacente no sistema nervoso central que poderia levar tanto à depressão como também ao declínio cognitivo em idosos. Foi demonstrado que idosos deprimidos têm mais frequentemente e mais severas anormalidades na substância branca e em outras áreas subcorticais em imagens de ressonância nuclear magnética (RNM) (Xavier, 2006).

A depressão está associada com a elevação dos níveis de cortisol, podendo ser outra hipótese explicativa que leva em conta a possibilidade desta hipercortisolemia levar à morte neurônios no hipocampo e a desregulação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, com

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consequente atrofi a hipocampal e consequente declínio cognitivo. Ainda que exista frequente associação entre presença de depressão e de disfunção cognitiva, existe a possibilidade de que não existe uma relação causal entre ambas, ou seja, que são apenas duas doenças de apresentação comórbidas. Dado o fato de que ambas as categorias são altamente prevalentes e independentemente uma da outra na terceira idade, a simultânea ocorrência das duas bem poderia não ter uma relação causal (Xavier, 2006). A depressão pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de um quadro demencial, o que sugere que a depressão seja já um sintoma inicial da demência (Loyd & cols., 2004; Xavier, 2004).

O impacto da depressão é observado em diferentes áreas cognitivas, tendo sido reportados prejuízos nas funções executivas, na memória e na velocidade de processamento da informação (Kiosses, Klimstra, Murphy & Alexopoulos, 2001; Pálsson, Johansson, Berg & Skoog, 2000; Portella & Marcos, 2002). Outras funções cognitivas que podem estar alteradas são viso-espaciais, atenção sustentada e a própria motivação durante a testagem (Portella & Marcos, 2002). Paterniti, Verdier-Taillefer, Dufouil e Alpérovitch (2002) demonstraram que há associação entre sintomas depressivos e demência ou declínio cognitivo, porém a natureza desta relação ainda permanece por ser determinada.

A prevalência tanto de sintomas depressivos e de ansiedade parece aumentar nos estágios inicias de declínio cognitivo. Já nas fases mais avançadas, por exemplo, da doença de Alzheimer, estes sintomas tendem a diminuir provavelmente pela falta de critica dos sintomas (Bierman, Comijs, Jonker & Beekman, 2007).

A depressão nos idosos ocorre, com frequência, acompanhada por prejuízos cognitivos (Ávila & Bottino, 2006), no entanto, ainda existem importantes questões a serem respondidas: se a depressão causa declínio cognitivo ou vice-versa; se a idade de início da depressão tem relação com pior prognóstico e risco aumentado para a ocorrência de demência; se a presença de prejuízos cognitivos em idosos deprimidos seria um primeiro sintoma de demência; e se a remissão da depressão ocasionaria também a remissão dos prejuízos cognitivos (Ávila & Bottino, 2006).

A maioria dos estudos aponta para a hipótese de que quanto mais grave a depressão, maior o prejuízo cognitivo e funcional dos pacientes (Alexopoulos, 2005). Também indicam que o agravamento das difi culdades executivas, talvez seja o grande responsável pela piora das outras funções cognitivas, principalmente da memória (Ávila & Bottino, 2006; Lesser, Boone, Mehringer, Wohl, Miller & Berman, 1996). Herrmann, Goodwin & Ebmeier (2007) relataram que pacientes com depressão de início tardio mostraram uma redução em seu desempenho nas tarefas que envolvem a velocidade de processamento de informações e na função executiva.

Foi realizado um estudo com um grupo de 116 idosos com depressão de início tardio e outro grupo com episódio depressivo no passado. Suas habilidades cognitivas foram comparadas, assim como a presença de fatores de risco cérebro vasculares foram investigadas. Os resultados mostraram que idosos com depressão de início tardio obtiveram prejuízos específi cos em tarefas atencionais e nas funções cognitivas, quando comparados com o grupo de depressão recorrente. Ainda este grupo mostrou sintomas de anedonia de seus prejuízos e comorbidades associadas a doenças vasculares (Rapp, Dahlman, Sano, Grossman, Haroutunian & Gorman, 2005).

É importante avaliar as funções cognitivas e emocionais em pacientes idosos. Assim, esse estudo justifi ca-se pela necessidade de investigações no que concernem aos quadros neurodegenerativos na população brasileira idosa, além de contribuir para a melhor

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compreensão das queixas cognitivas em pacientes com sintomas depressivos. A partir disso, na tentativa de suprir tal lacuna na neuropsicologia clínica e cognitiva, o objetivo geral deste estudo foi de verifi car o desempenho cognitivo de um idoso com sintomas depressivos e verifi car se suas queixas eram decorrentes de um processo degenerativo e/ou se justifi cavam pela presença de sintomas depressivos.

Método

DelineamentoEstudo de caso, obtido a partir de revisão de prontuário. Foi avaliado um idoso do

sexo masculino, com 67 anos que realizou o check up cognitivo no Memolab Laboratório de estudos cognitivos do Hospital Moinhos de Ventos, Porto Alegre – Rio Grande do Sul.

Instrumentos e procedimentos para coleta dos dados Os instrumentos utilizados para avaliação clínica e neuropsicológica incluíram os que

seguem expostos e brevemente descritos na ordem em que foram aplicados por sessão:

Sessão 1Questionário de dados sócio-demográfi cos e de condições de saúde. Incluia

questões sobre sexo, idade, escolaridade, nível sócio-econômico, e condições de saúde que poderiam infl uenciar nos resultados da avaliação.

Clinical Dementia Rating (CDR) (Hughes & cols., adaptada por Morris, 1993). Foi utilizada a versão reduzida da escala validada por Macedo-Montaño e Ramos (2005), que avaliou seis domínios cognitivos e de funcional: memória, orientação, espaço temporal, julgamento, resolução de problemas, relacionamento social, passatempos e cuidados pessoais. Para a obtenção do escore foi realizada uma entrevista, com o próprio paciente e com um familiar. Os escores variaram de zero (indivíduo sem comprometimento cognitivo), 0,5 (CCL), 1 (demência leve), dois (demência moderada) e três (demência severa). Os resultados do CDR foram classifi cados conforme algoritmo de Morris (1993) do Centro de Pesquisa da Doença de Alzheimer na Universidade de Washington, disponíveis no site http://www.biostat.wusti.edu/~adrc/cdrpgm/index.html.

Foram aplicados os seguintes testes de rastreio para função cognitiva: o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), o Rey Auditory – Verbal Learning Test (RAVLT), o teste de Fluência Verbal (FAS), o teste de trilhas e o Rivermead Behavioral Memory Test (RBMT). Ainda foi aplicada a escala geriátrica para depressão com objetivo de verifi car a presença de sintomas depressivos.

Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Desenvolvido por Folstein, Folstein e McHugh (1975), é um dos instrumentos de rastreio mais utilizados para a identifi cação de demência, verifi ca funções cognitivas de maneira simples e rápida, avaliando em suas 11 tarefas as funções: orientação têmporo-espacial, memória, atenção, cálculo, linguagem e praxia construtiva. Sua pontuação total é de 30 pontos, e a desempenho do indivíduo é infl uenciada pela escolaridade por isso foi utilizada a versão validada para a população brasileira por Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano (1994) e Brucki, Nitrini, Caramelli,

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Bertolucci e Okamoto (2003), em que são considerados valores normais; 28 pontos para escolaridade acima de oito anos, 26 para escolaridade entre cinco e oito anos, 25 para escolaridade entre um e quatro anos e 20 para analfabetos. Segundo pesquisas o item de relembrar as palavras é o mais sensível no diagnóstico de demência.

Teste de Trilhas (Trail Making Test). Originalmente faz parte da Bateria de Testes Individual do Exército (Army Individual Test Battery) (1944), este teste consiste em 25 círculos contendo números, versão A, e números e letras na versão B, os círculos devem ser sequenciados na ordem correta de 1 a 25 e na versão B alternando entre as duas sequências de 1-13 e de A - M, o indivíduo deve realizar a tarefa o mais rápido possível e o escore total é dado pelo tempo gasto para completar cada parte do teste. Este teste envolvia velocidade motora e atenção, na versão A e permitiu avaliar a velocidade de processamento e atenção visual e a versão B foi utilizada para medir a capacidade do indivíduo de gerenciar fontes de dados concorrentes, observa a fl exibilidade e o planejamento, pode também ser caracterizado como uma medida de memória operacional. O teste de trilhas é um teste considerado sensível para detectar declínio cognitivo progressivo nas demências (Greenlief & cols., citado por Lezak, 1995). Estudos apontaram que o nível de escolaridade infl uencia neste teste, sendo visto maiores diferenças entre sujeitos com menos de dez anos de escolaridade e mais de onze anos, principalmente na parte B (Bornstein & Suga, citado por Lezak, 1995).

Fluência verbal com restrição fonológica (FAS). Desenvolvido por Benton e Hamsher (1989) consiste na nomeação de palavras com as letras F-A-S, é pedido que seja nomeado o maior número possível de palavras que comecem com as letras FAS, excluindo nomes próprios, números, a mesmas palavras com diferentes sufi xos, conjugação do mesmo verbo, são dados três minutos para evocar as palavras em cada uma das letras, o escore é dado pela soma de todas as palavras ditas nas três letras, o escore é afetado pela idade é pela escolaridade. A redução na capacidade de produzir palavras é associada aos processos de demência, avalia vocabulário, é um teste sensível ao declínio cognitivo, e até o momento não foram encontrados artigos de validação para a população brasileira.

Fluência Verbal Categórico. Verifi cou o número de animais que o sujeito lembra em um minuto. Em um estudo entre controles e pacientes com doença de Alzheimer (Rosen, 1980) foi visto que os participantes tinham mais facilidade em realizar a fl uência verbal categórica do que com restrição fonológica, além disso, tanto a sensibilidade quanto à especifi cidade avalia a capacidade de busca e recuperação de dados estabelecidos na memória de longa duração dentro de uma determinada categoria semântica, exigindo habilidades de organização, autorregulação e memória operacional, validado para a população brasileira por Brucki e Rocha (2004).

Teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (RAVLT). Desenvolvido por Rey (1964) este teste avaliou memória imediata, retenção de curto e longo prazo na memória são observados a aquisição, armazenamento e lembrança da informação. O teste apresenta cinco repetições de uma lista de 15 palavras, em que é possível retirar a curva de aprendizado, uma segunda lista também de 15 palavras é apresentada como distrator, após dez minutos deve ser retomada as palavras da primeira lista, após trinta minutos é observada a retenção da lista inicial. O escore é realizado nas três etapas, sendo sempre observado o número de palavras recordadas, na primeira parte possível observar a aprendizagem o escore é dado pela soma das palavras recordadas na repetição de um a cinco, da lista o escore máximo é 75, quando a soma das palavras for muito perto do escore 15 é indicativo de não aprendizagem e quanto mais próximo deste valor

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mais palavras foram relembradas, na recordação imediata (A6), recordação sem pista o escore total são 15 palavras e na recordação recente (A7) o escore é 15. A idade pode ser um fator relevante a piora no desempenho é vista entre 70 e 80 anos. Foi validada para a população brasileira por Malloy-Diniz, Cruz, Torres e Consenza (2000).

Sessão 2Rivermead Behavioral Memory Test (RBMT). Teste criado por Wilson, Baddeley,

e Cockburn, (1991) que tem por objetivo avaliar tarefas de memória relacionadas a situações cotidianas. O teste foi dividido em 12 subtestes que avaliaram orientação, planejamento, memória imediata, memória recente e reconhecimento. Em cada tarefa a pontuação pode variar de zero a dois, sendo dois a pontuação máxima indicando funcionamento normal, um indica desempenho no limite e zero sendo assim a pontuação geral do teste varia de zero a 24 pontos. E o escore de triagem de zero-12 em que é dado apenas certo ou errado, este teste tem quatro versões em que as tarefas são diferentes exceto orientação e data não podemos deixar de mencionar, pois fazem parte do teste. O grupo de 16-69 anos ao ser comparado com o de 70-94 foi visto que a idade afetou a lembrança da história, neste grupo a escolaridade também afetou um pouco nesta mesma tarefa. Os subtestes história imediata e recente, caminho imediato e recente e recordação do nome são bastante sensíveis para graduar as demências mesmo entre a distinção de uma demência bem leve e o funcionamento normal (Beardsall & Huppert, citado por Lezak, 1995). História imediata e recente: Foi utilizado de duas maneiras - como um dos subtestes do RBMT e o seu escore foram avaliados juntamente com outros subtestes formando o escore total confuso e avaliado como uma medida separada de avaliação de memória verbal imediata e recente. As histórias contadas na versão A e B tinham o total de 21 ideias, eram contadas o maior número possível de ideias lembradas imediatamente após ser contada a história e depois de vinte minutos

Desenho do relógio (Borod, Goodglass & Klapan, citado por Lezak, 1995). avaliou a habilidade visoconstrutiva, planejamento e negligência visual (escore máximo 14 pontos).

Escala Geriátrica para depressão (Paradela, Lourenço & Veras, 2005). A Escala de Depressão Geriátrica foi utilizada para o rastreamento de sintomas depressivos em idosos.

Relato do casoPaciente do sexo masculino, 67 anos, casado, morava na cidade de Porto Alegre,

com curso superior completo em Engenharia Civil, com história de esquecimento há um ano. Os sintomas eram que JL, não lembrava onde coloca os objetos e queixava-se também de falta de atenção.

Durante a entrevista referia também sentir-se mais cansado, sem vontade de fazer suas atividades como antes e queixava-se muito da memória. Relatava que sua esposa percebia que ele estava mais irritado e sem paciência. De acordo com o questionário do informante sobre declínio cognitivo, que foi preenchido pelo fi lho, não foi indicativo da presença de declínio cognitivo.

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Devido à queixa cognitiva e a presença de sintomas depressivos levantou-se a possibilidade de quadro demencial, sendo então, encaminhado para a realização da testagem neuropsicológica e exames complementares. Abaixo seguem os resultados obtidos na avaliação (tabela 1).

Tabela 1 – Resultado dos testes em escores brutos

Testes Escore

Miniexame do Estado Mental 29

Teste de Trilhas - Parte A 117

Teste de Trilhas - Parte B 240

Teste de Memória (RBMT) 20

Fluência verbal (animais) 12

Fluência Verbal (FAS) 22

RAVLT* - Aprendizado verbal 28

RAVLT* - Evocação tardia 6

Teste do Relógio 15

Nota. * Teste de Aprendizagem Verbal de Rey (Rey Auditory Learning Test)

A1 A2 A3 A4 A5 B1 A6 A7

15

14

13

12

11

10

9

8

7

6

5

4

3

2

1

Figura 1Nota: – Escore do paciente; Média esperada para a idade.

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Resultados e discussão

O diagnóstico diferencial entre depressão e demência no idoso não é uma tarefa fácil, pois o desafi o é verifi car se as mudanças cognitivas e comportamentais são decorrentes do próprio envelhecimento ou já são decorrentes de um processo degenerativo (Lezak, 1995). A maioria dos estudos existentes investiga o impacto da depressão sobre a cognição. Os resultados mostram que pacientes deprimidos de qualquer idade têm difi culdades na capacidade de aprendizado e no comprometimento da codifi cação da memória (Pálsson & cols., 2000). Em pacientes com depressão maior, várias habilidades cognitivas podem estar comprometidas, como psicomotricidade, memória não verbal, memória verbal, aprendizagem, compreensão de leitura, fl uência verbal e funções executivas (Ávila & Bottino, 2006).

Para Ávila e Bottino (2006), outra importante característica que possibilita diferenciar pacientes com processo degenerativo de pacientes com quadro depressivo, é a etapa da memória em que aparece a disfunção. Os pacientes deprimidos costumam lembrar-se dos primeiros e últimos itens de uma lista de palavras em testes de memória, melhorando com as repetições. Em contrapartida, os pacientes com demência geralmente lembram-se dos últimos itens e não se benefi ciam das repetições. Outra característica muito importante é que os pacientes com depressão, apesar da capacidade de aprendizagem diminuída, conseguem armazenar a informação e evocá-la após intervalo.

O processo diagnóstico tem de ser visto dentro do ambiente clínico de referência. No presente estudo, analisou-se o desempenho cognitivo de um idoso com queixa de memória e depressão. Foi realizada uma análise tanto quantitativa e qualitativa, principalmente dos tipos de erros cometidos.

Ainda, neste estudo foi escolhida uma bateria que permitisse avaliar a maioria das funções cognitivas, em especial a memória, que teve como resultado: desempenho de acordo com o esperado para a sua idade e escolaridade na avaliação neuropsicológica, como MEEM, fl uência verbal (animais e restrição fonêmica), atenção, praxia construtiva e na fl exibilidade mental. Estavam preservadas também a capacidade de cálculo, a compreensão verbal e a nomeação de fi guras por confronto visual. Apareceu uma diminuição em seu desempenho na velocidade de processamento e na memória imediata.

Na análise qualitativa dos testes não foi observada uma diminuição em seu desempenho. Verifi cou-se que nas provas de fl uência verbal não houve perseverações e/ou intrusões, após recordar uma história depois de ouvi-la relatou os fatos com detalhes e houve uma melhora em seu desempenho nas tarefas cognitivas com auxilio de pistas verbais.

Entretanto, observou-se uma diminuição em seu desempenho na tarefa de memória de aprendizado verbal. O desempenho de J.L foi menor quando comparado com o de idosos com a mesma idade. No teste de RAVLT seus escores no teste foram nas cinco listas administradas um total de 28, pois o esperado para a sua idade seriam um total de 33 palavras.

Ao mesmo tempo observou-se uma melhora no desempenho com auxilio de pistas. No teste de memória de Aprendizado verbal de Rey, o paciente conseguiu identifi car as palavras que foram apreendidas anteriormente. Isto não ocorre com paciente demenciados, onde seu desempenho não melhora mesmo com auxílio de pistas (Strauss, Sherman, &

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Spreen, 2006). A presença de muitos falso-positivos no reconhecimento da lista de palavras aparece no desempenho de pacientes com DA e é raramente encontrado no desempenho de pacientes com depressão (Strauss & cols., 2006).

No caso do senhor J.L. na administração do reconhecimento, observou-se que J.L conseguiu resgatar a informação. Isto sugere então que não houve falhas no processo do armazenamento e sim na evocação da lista de palavras.

Em conjunto com os dados da história clinica do paciente e com resultados da avaliação neuropsicológica, os dados indicam que seus prejuízos cognitivos nos testes, parecem ser secundários à presença de sintomas depressivos. Esta hipótese parece ser confi rmada tanto pelos resultados quantitativos e qualitativos da avaliação. Segundo a maioria dos estudos, pacientes com depressão podem demonstrar lentidão de desempenho e falhas na memória recente. Ainda na análise qualitativa o paciente não apresentou intrusão durante o aprendizado de uma lista de palavras e com auxílio de pistas observou-se resgate da informação da memória.

Outro aspecto importante a ser discutido é que apesar das características da testagem e pela a história clínica do paciente sugerirem alterações cognitivas que pareciam ser secundárias ao quadro depressivo, verifi ca-se que a própria depressão associada a prejuízos cognitivos é considerada um fator de risco tanto para o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve e para a doença de Alzheimer (Barnes, Alexopoulos, Lopez, Williamson & Yaffe, 2006). Com isto, torna-se importante nestes casos fazer avaliações seriadas com objetivo de acompanhar a evolução dos sintomas.

Conclusão

Nesse estudo de caso, os resultados mostraram um prejuízo das funções cognitivas do paciente avaliado. Esse apresentou um desempenho inferior nas habilidades que envolvem velocidade de processamento de informações e na memória recente. Ainda analisando os tipos de erros cometidos nestas tarefas, observou-se que são comumente encontrados em protocolos de pacientes com sintomas depressivos. Essa é uma importante característica que possibilita diferenciar pacientes com quadro degenerativo da depressão e é nessa etapa que aparece a disfunção (Ávila & Bottino, 2006).

No teste de aprendizado verbal de REY o paciente apresentou falhas na evocação da lista. No entanto, conseguiu recuperar a informação com auxilio do reconhecimento da lista de palavras. Outra importante característica que pode ser observada é que pacientes deprimidos são mais lentos na execução de tarefas tempo-dependentes. Neste estudo foi verifi cado que o paciente apresentou uma lentifi cação na velocidade de processamento das informações.

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_____________________________ Recebido em agosto de 2009 Aprovado em novembro de 2009

Nicole Maineri Steibel: Psicóloga; Especialista em Neuropsicologia (Projecto/Porto Alegre-RS); Profi ssional do Hospital Moinhos de Vento- Memolab. Rosa Maria Martins de Almeida: Psicóloga; Pós-Doutora (Tufts University/USA). Professora do curso de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia (UFRGS).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

Aletheia 31, jan./abr. 2010 121

Indicadores de síndrome de couvade em pais primíparos durante a gestação

Talu Andréa Dartora De MartiniCesar Augusto Piccinini

Tonantzin Ribeiro Gonçalves

Resumo: O estudo investigou indicadores da síndrome de couvade em pais primíparos durante a gravidez das esposas. Participaram 30 casais com idades entre 20 e 35 anos que estavam em diferentes trimestres da gestação. Os pais e as gestantes responderam individualmente a uma entrevista semi-estruturada que investigava a percepção do pai e da gestante sobre os indicadores de couvade. A análise de conteúdo revelou que mais da metade dos pais apresentou indicadores físicos (aumento de apetite, preferência por algum alimento e episódios de vômito) e/ou emocionais (nervosismo, mau humor) associados à síndrome de couvade. Os pais que conviviam com o segundo trimestre de gravidez de suas esposas relataram mais indicadores quando comparados aos demais participantes. Deste modo, a presença de indicadores da síndrome de couvade entre os pais evidenciou a complexidade da transição para a paternidade e a importância de se conhecer as vivências e sentimentos do pai durante a gestação do seu filho/a.Palavras-chave: paternidade; gestação; síndrome de couvade.

Indicators of couvade syndrome of first time fathers during pregnancyAbstract: The study investigated indicators of couvade syndrome in primiparous fathers during the wives’ pregnancy. Participated 30 couples (20 to 35 years old), that they were in different periods of pregnancy. The expectant fathers and their wives answered an open-ended interview that investigated the father’s and mother’s perception on the couvade indicators. The content analysis indicated that more of the fathers’ half showed physical (appetite increase, preference for some food, vomit episodes) or emotional indicators of the couvades syndrome (nervousness and bad mood). The fathers that lived the second trimester of pregnancy reported more symptoms than other participants. The presence of indicators of couvade syndrome among these fathers indicated the complexity of the transition to fatherhood, as well as the need of interventions that involve the father’s feelings during the gestation of his son/daughter.Key-words: fatherhood; pregnancy; couvade syndrome.

Introdução

Para o homem, a experiência da gravidez é, indubitavelmente, diferente da experiência da mulher, tendo em vista que ele não tem a percepção física do bebê e não sente, em seu corpo, as mudanças físicas decorrentes da gestação (Draper, 2003). Desta forma, a experiência masculina da gestação tem recebido menos atenção por parte dos pesquisadores do que o estudo do ponto de vista feminino. No entanto, as mudanças físicas e comportamentais sofridas pelas gestantes, em conjunto com o processo de transição familiar, podem provocar diferentes repercussões no marido e levá-lo ao desenvolvimento da síndrome de couvade (Bartllet, 2004; Parke, 1996). O termo couvade foi associado ao estado físico e a comportamentos dos pais em um ritual mantido por

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culturas antigas (Bogren, 1983, 1986; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996). Segundo Bogren (1983), o termo couvade foi originalmente utilizado em 1865 pelo antropólogo Tylor e é derivado do verbo francês couver, que signifi ca ‘chocar’1. Segundo Bachofen (citado por Bogren, 1983), este ritual se constituía numa cerimônia de reconhecimento que garantia a legitimidade da criança, estabelecia quem era o pai e atraía para a cabana dele os espíritos do mal, onde poderiam gastar sua ira na mãe simulada, deixando a mãe real livre para ter seu bebê de forma segura.

Duas formas do ritual couvade têm sido relatadas (Bogren, 1983; Haynal, 1977) a couvade pré-natal e a pós-natal. Na couvade pré-natal, o pai ia para sua cama antes da época do parto, enquanto a gestante trabalhava até o parto, quando então ia para a selva com uma mulher que iria ajudá-la. Então, o marido simulava a agonia do trabalho de parto e do nascimento para proteger sua esposa de espíritos malignos e da dor. Na couvade pós-natal, o marido se considerava fraco e doente por certo período após o parto, fi cava na cama e fazia uma dieta alimentar especial. Depois disso, ele evitava o uso de armas, pois acreditava-se que, estando ligado a criança, esta poderia se machucar ou ser morta caso utilizasse armas. Conforme Parke (1996), em algumas culturas, a couvade assumia um conteúdo mais dramático, quando o homem vestia-se e pintava-se como sua mulher, recolhendo-se para um quarto escuro enquanto esta sentia as contrações do parto. Quando a criança nascia, ela era colocada num berço ao lado do pai. Na perspectiva antropológica, Malinowski (citado por Mason & Elwood, 1995) apontou que o ritual de couvade tinha a função de estimular o desenvolvimento e a expressão do papel paternal. Contudo, considera-se que, na sociedade atual, a realização de tais rituais não funciona como pré-requisito indispensável à delimitação do comportamento social paterno (Mason & Elwood, 1995).

Mais recentemente, a síndrome de couvade tem sido relacionada aos sintomas físicos manifestados por pais biológicos, de caráter involuntário e de determinação inconsciente, os quais são concomitantes à gravidez das esposas (Brennan, Ayers, Marshall-Lhafez, & Hamed, 2007a; Murphy, 1992). Assim, a versão ocidental do ritual foi denominada de síndrome de couvade pelo psiquiatra britânico Trethowan (citado por Parke, 1996), que a caracterizou por um conjunto de sintomas físicos experimentados pelo pai e que se iniciam na gestação da esposa e desaparecem, quase imediatamente, após o parto e, em alguns casos, antes do nascimento do bebê. Os sintomas típicos da síndrome de couvade incluem náuseas, vômitos, perda de apetite, dores de cabeça, dores de dentes, dores nas costas e aumento do peso (Trethowan & Conlon, citado por Bogren, 1986). Incluem-se ainda sintomas como desejos por determinados alimentos, indigestão, azia, dores abdominais e difi culdades respiratórias (Brennan, Marshall-Lucette, Ayers, & Ahmed, 2007b; Maldonado, 1990; Murphy, 1992). Os estudos de Trethowan e Conlon (citado por Bogren, 1983) apontaram que os sintomas da couvade eram mais frequentes no terceiro mês de gestação e que, até o nono mês, estes tendiam a diminuir. Porém, próximo ao fi nal da gravidez aumentava a ocorrência de sintomas físicos que podiam ser acompanhados por sintomas psicológicos, tais como, depressão, tensão, insônia, irritabilidade e até mesmo gagueira.

1 Tradução do termo inglês hatch.

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Estas defi nições da síndrome apontam sua natureza idiopática e que, provavelmente, corresponde a uma manifestação psicossomática do pai à gravidez. Mesmo assim, a síndrome não aparece na nosologia da Associação Americana de Psiquiatria – DSM/IV – TRTM (APA, 2003) ou da Classifi cação Internacional de Doenças – CID/10 (OMS, 1993) e seu diagnóstico, quando realizado, ocorre através da exclusão de outras doenças. Assim, apesar da etiologia da síndrome ser ainda desconhecida, diversos pesquisadores têm investigado, relacionando-a a aspectos como: ansiedade e características emocionais (Bogren, 1983, 1985, 1986), número de fi lhos (Teichman & Lahav, 1987), fatores fi siológicos e hormonais concomitantes (Berg & Wynne-Edwards, 2001; Mason & Elwood, 1995; Storey, Walsh, Quinton, & Wynne-Edwards, 2000), fatores sociais, idade (Bogren, 1984; Kiselica & Sheckel, 1995), aspectos subjetivos e processos inconscientes (Brazelton & Cramer, 1992; Parke, 1996).

Conforme a extensa revisão de Brennan, Ayers, Marshall-Lhafez e Ahmed (2007a), que incluiu artigos publicados de 1950 a 2006, a incidência da síndrome de couvade tem se mostrado altamente variável, encontrando-se índices de 11% a 97% entre diversos países do mundo. Os autores destacaram que não há concordância na literatura quanto à infl uência de variáveis sócio-demográfi cas como idade, escolaridade e nível sócio-econômico, sobre a ocorrência dos sintomas. Da mesma maneira, a relação entre paridade, planejamento ou não da gravidez ter sido ou não planejada e frequência de sintomas físicos apresentados pelos pais não é consistente na literatura (Brennan & cols., 2007a; Teichman & Lahav, 1987; Trethowan & Conlon, citado por Bogren, 1986). No entanto, a infl uência da origem étnico-cultural sobre a incidência dos sintomas relacionados à síndrome demonstra resultados mais consistentes. Estudos antropológicos comparando diferentes países e backgrounds culturais demonstraram que pais caribenhos, negros ou provenientes de minorias étnicas nos Estados Unidos apresentavam mais sintomas e com maior frequência quando comparados a pais de origem caucasiana (Brennan & cols., 2007a).

No Canadá, pesquisadores na área da endocrinologia do comportamento paterno em mamíferos (Wynne-Edwards, 2001; Wynne-Edwards & Reburn, 2000) realizaram dois estudos com humanos onde analisaram as mudanças hormonais do homem e da esposa ao longo da gravidez comparando-os com casais que não viviam uma gestação. Os resultados revelaram que elevações nos níveis de prolactina e estradiol e diminuição dos níveis de cortisol e testosterona nos homens durante a gravidez imitavam, em menor grau, as mudanças fi siológicas das gestantes (Berg & Wynne-Edwards, 2001; Storey & cols., 2000). Apesar de os mecanismos implicados nas mudanças hormonais dos pais não serem ainda conhecidos, estes estudos apontam que a gestação pode provocar efeitos fi siológicos mensuráveis nos homens, reforçando a hipótese de uma base hormonal dos sintomas associados à síndrome de couvade.

Brennan e cols. (2007a) verifi caram que vários dos estudos sobre a síndrome de couvade foram publicados nas décadas de 1980 e 1990, sendo que pouquíssimos trabalhos são encontrados mais recentemente. Além disso, os autores destacaram que os estudos variaram muito em relação à defi nição da síndrome, quanto à inclusão ou não de sintomas psicológicos e no que diz respeito aos instrumentos de avaliação utilizados. Trethowan e Conlon (citado por Bogren, 1986), por exemplo, estabeleceram como critério para a

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síndrome de couvade a presença de dois sintomas ou mais, enquanto Bogren (1983) considerou como critério a referência a cinco ou mais sintomas. Já Brennan e cols. (2007b) utilizaram o parâmetro de quatro sintomas para incluir os participantes no seu estudo sobre a couvade. Assim, o uso de critérios tão distintos pode também explicar a divergência dos estudos quanto às diferenças no relato de sintomas entre homens que viviam ou não a gestação de suas esposas (Bartlett, 2004; Gomez, Leal & Figueiredo, 2002; Trethowan & Conlon, citado por Bartlett, 2004). Esta variedade de critérios de defi nição e a diferença entre os achados reforçam a difi culdade em enquadrar o fenômeno da couvade tanto em termos científi cos quanto na prática clínica. Contudo, estes problemas não invalidam o fato de que, para muitos pais, a experiência da gravidez envolve uma série de alterações físicas e emocionais.

A relação entre ansiedade e sintomas físicos na síndrome de couvade também despertou o interesse dos pesquisadores. Segundo Brennan e cols. (2007a), alguns teóricos acreditam que a ansiedade causaria a síndrome ou que esta seria parte intrínseca da couvade. Quanto à manifestação da síndrome de couvade, pesquisadores encontraram que a expressão de ansiedade e a referência dos pais a sintomas físicos estavam negativamente relacionados (Teichman & Lahav, 1987; Trethowan & Conlon, 1965). Para Bogren (1984), isso se explica porque a síndrome de couvade seria uma expressão somática de ansiedade, não necessariamente consciente. Assim, especialmente no início da gestação, os homens tenderiam a suprimir suas preocupações, convertendo-as em sintomas somáticos.

Brennan e cols. (2007a) destacam três principais conjuntos de teorias que discutem as origens da síndrome de couvade: as teorias, psicossociais, sobre a parentalidade e as psicanalíticas. As teorias psicossociais consideram que a síndrome de couvade seria uma resposta à marginalização social da paternidade e à crise desenvolvimental da gestação, tendo em vista a especifi cidade da experiência do homem durante a gravidez (Polomeno, 1998). Neste sentido, aspectos da identidade e da autoimagem do homem sofrem transformações durante este período para incorporar as funções do papel parental e estariam associadas à presença da síndrome. Já os estudos sobre a parentalidade apontam a relação entre o envolvimento do homem na gravidez, a preparação para o papel parental e a ocorrência da síndrome (Campbell & Field, 1989; Teichman & Lahav, 1987). Por fi m, as teorias psicanalíticas enfatizam a ocorrência da síndrome como uma consequência da inveja inconsciente do homem pela capacidade procriativa da mulher e a rivalidade com o bebê (Bogren, 1986; Brazelton & Cramer, 1992; Gerzi & Berman, 1981; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996). Para a psicanálise, a síndrome de couvade representaria a tentativa inconsciente dos pais de competir com suas esposas, sendo esta uma forma de identifi cação com a gravidez e/ou com o papel materno (Bogren, 1984; Gerzi & Berman, 1981). Nesta direção, é plausível pensar que o aparecimento da síndrome de couvade se relaciona com aspectos conscientes e, principalmente, inconscientes, envolvidos na transição para a paternidade, tais como empatia, identifi cação, inveja ou competição com a mãe (Parke, 1996).

Como foi visto através desta revisão, diversos fatores subjetivos interagem continuamente com o contexto social e cultural dos pais durante a gestação das esposas, impondo a eles, em especial aos primíparos, a necessidade de adaptarem-se às mudanças trazidas pelo fi lho e pelo papel parental. Esta experiência pode provocar uma diversidade

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de sentimentos nos pais que irão infl uenciar a sua resposta à gravidez. Além disso, estudos apontaram que os sintomas físicos e emocionais das gestantes e o processo de tornar-se pai podem infl uir no desenvolvimento da síndrome de couvade. Todavia, há grande inconsistência na literatura internacional no que diz respeito à defi nição e avaliação da síndrome. No Brasil, não foi possível localizar estudos que abordassem esta temática, reforçando a necessidade de investigá-la na realidade brasileira. Desta maneira, o presente estudo teve como objetivo investigar a presença de indicadores da síndrome de couvade entre pais primíparos durante a gravidez de suas esposas. Além disto, se investigou os relatos das próprias gestantes a respeito dos sintomas dos seus maridos.

Método

Participantes

Participaram deste estudo 30 casais, ambos esperando seu primeiro fi lho, com idades variando entre 20 e 35 anos. Os casais tinham relação estável, e possuíam nível sócio-econômico médio e médio-baixo. Oito gestantes estavam no primeiro trimestre de gestação (Pais2: P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8), onze, no segundo trimestre (P9, P10, P11, P12, P13, P14, P15, P16, P17, P18, P19), e as outras onze, no terceiro trimestre de gestação (P20, P21, P22, P23, P24, P25, P26, P27, P28, P29, P30). Todas as gestantes apresentavam boas condições de saúde. As famílias eram residentes em Caxias do Sul (16) e cidades vizinhas, tais como Farroupilha (12), São Marcos (1) e Antônio Prado (1).

DelineamentoFoi utilizado um delineamento de grupos contrastantes (Nachmias & Nachmias,

1996) para comparar os pais cujas esposas estavam no primeiro, segundo e terceiro trimestres de gestação. Em cada grupo foi examinada a presença de indicadores da síndrome de couvade referidos pelos pais e pelas próprias gestantes.

Procedimentos e instrumentos Os participantes foram recrutados em consultórios de médicos obstetras da

região e em um grupo de gestantes do ambulatório da Universidade de Caxias do Sul. Os profi ssionais do serviço foram informados sobre o estudo e indicaram possíveis participantes. No primeiro contato a gestante respondia a uma Ficha de Contato Inicial a fi m de verifi car as suas condições de saúde e a fase gestacional. As mães selecionadas, juntamente com seus companheiros, eram convidadas a participar do estudo e, com aqueles que aceitavam era marcado um novo encontro para a realização das entrevistas. Nesta ocasião, os casais assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, a seguir, respondiam a Entrevista de dados demográfi cos que visava obter dados como

2 A letra “P” seguida do número identifi ca o pai e a letra “G” seguida do mesmo número identifi ca a gestante.

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idade, escolaridade, situação conjugal e ocupacional. Depois disto, os pais e as gestantes respondiam individualmente a Entrevista com o pai sobre sintomas físicos e emocionais e a Entrevista com a gestante sobre sintomas físicos e emocionais. A entrevista sobre sintomas físicos e emocionais buscava identifi car o surgimento ou agravamento de sintomas físicos (dores de cabeça, dores de dente, náuseas, vômitos, cólicas, indigestão, sintomas gástricos, úlcera); mudanças nos hábitos alimentares (preferência por determinado alimento, aumento ou perda do apetite); e alterações emocionais (estado de ânimo, tristeza, ansiedade, nervosismo, mau-humor, irritação, tensão, depressão, insônia) antes e após a gestação da esposa. Investigava ainda a percepção do pai acerca da presença ou não destes sintomas em si mesmo e na sua esposa. A entrevista era composta de perguntas mais gerais (ex. Gostaria que tu me falasses sobre como tu tens te sentido durante a gravidez em termos físicos. Gostaria que tu me falasses sobre como tu tens te sentido em termos emocionais.) seguida de questões específi cas sobre a presença de cada um dos 11 sintomas físicos (ex. Tu tem sentido dor de cabeça? Náuseas? Tem tido perda do apetite?) e dos 9 estados e/ou sintomas emocionais (ex. Como está o teu estado de ânimo? Triste? Alegre?), mencionados acima. Com isso, procurava-se investigar a ocorrência de indicadores da síndrome de couvade. A entrevista com a gestante era semelhante a realizada com o pai, incluindo perguntas sobre sua percepção acerca da ocorrência ou não destes sintomas em si mesma e no esposo. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas.

Resultados e discussão

Os relatos dos pais e mães foram examinados com base na análise de conteúdo qualitativa (Bardin, 1977; Laville & Dione, 1999). Ao longo das análises se buscou identifi car a presença de indicadores da síndrome de couvade nos relatos dos próprios pais, assim como nos relatos das esposas gestantes a respeito da presença destes sintomas no marido. Os indicadores da síndrome de couvade se referiram aos relatos sobre sintomas físicos e emocionais experimentados pelos pais no primeiro, segundo ou terceiro trimestre de gestação. Estes sintomas deveriam ter tido o seu surgimento durante a gravidez ou deveria haver o agravamento de problemas já existentes. A referência a estes sintomas foi tratada como “indicadores” devido à subjetividade do tema a ser averiguado e à divergência da literatura no que se refere à defi nição desta síndrome. Desta forma, considera-se que o surgimento de algum sintoma não defi ne a presença da síndrome de couvade, mas antes, indica a possibilidade de que o fenômeno esteja presente.

As verbalizações dos(as) participantes foram inicialmente classifi cadas pela primeira autora do estudo a partir das duas dimensões da síndrome de couvade: sintomas físicos; e sintomas emocionais mencionados pelos pais. Esta categorização foi posteriormente examinada pela terceira autora do estudo e, em casos de discordância, o segundo autor foi consultado. A seguir, estas categorias serão apresentadas e discutidas, ilustrando-se com vinhetas provenientes das entrevistas3. Ao fi nal da apresentação das duas categorias será

3 Na dissertação que deu origem ao presente estudo encontram-se inúmeros outros exemplos de relatos dos pais e mães, que não foram aqui incluídos por limitações de espaço. Em função disto, aqui também se buscou editar

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também contemplado o ponto de vista das gestantes sobre os sintomas físicos e emocionais dos pais, buscando confrontá-los com àqueles fornecidos pelos pais.

Sintomas físicos mencionados pelo paiMais da metade dos pais (17 pais) afi rmaram apresentar ou estar apresentando

algum tipo de sintoma físico durante a gravidez da esposa. Alguns deles relacionavam, mesmo que timidamente, o aparecimento de sintomas à gravidez, enquanto outros desvinculavam completamente um assunto do outro. Um exemplo disso foi quando dois pais (P11, P21), ao relatarem terem sentido náuseas durante a gestação, referiam-se a enjoos. “No início, [senti] enjoo. Até nós estávamos brincando, eu e a V. [esposa], que eu fi quei uns dias enjoado. Ela avisou, falou [da gravidez] e acho que quinze dias depois começou a me dar enjoo, mas passou. Aquela vez foi engraçado, porque ela até gozou de mim. Ela que tava grávida e eu que [enjoava]” (P21). Outros pais referiram o aparecimento de vômitos durante a gestação (P1, P3, P11, P14, P27). “Faz uns dois meses que eu tive um problema de estômago, mas acho que é normal. Acho que [os vômitos] é a primeira vez que aconteceu para mim” (P11); “Logo que ela fi cou grávida. Não sei se foi a água, comecei a vomitar água, uma ânsia e vomitava uma espuma” (P14). O aparecimento de gastrite logo após a gravidez também foi relatado, embora o pai não considerasse que estes fatos pudessem estar associados. “Acho que foi no fi nal de semana do rodeio, acho que há um mês atrás. Eu tomei um porre legal e daí eu me debilitei, acho que o meu organismo, e foi quando a C. [esposa] disse que tava grávida, logo depois. Acho que é só questão de...” (P5). Em dois casos, os pais (P10, P13) relataram que houve uma exacerbação de sintomas gástricos, durante a gestação. “Eu tenho tido problema estomacal, de azia, muita azia. Isso eu sempre tive, mas não muito. De um tempo para cá, aumentou muito. De uns meses para cá, eu tenho sentido muito” (P13).

Muitos pais mencionaram que estavam apresentando certo grau de dor de cabeça, mas apenas dois pais (P13, P27) sinalizaram alguma relação desta com a gestação das esposas. “Nos últimos dias tenho dormido muito pouco e, às vezes, me dá dor de cabeça” (P27). Vários pais relataram alguma mudança nos hábitos alimentares depois da notícia da gravidez da esposa. Para sete participantes (P13, P15, P16, P18, P19, P27, P28), houve um aumento do apetite e de peso e, para dois pais (P21, P30), houve perda do apetite. “Estou comendo menos. Não estou comendo tanto. Não tenho vontade, não sei se perdi [o apetite]” (P21); “Como mais, ela [a esposa] come seguido. Então às vezes eu até acompanho ela” (P18); “Eu tenho comido mais sim, dizem que às vezes [os pais] comem mais, a mãe também, não sei se tem alguma coisa a ver. Eu como com mais frequência fora de hora, sabe, toda hora estou comendo uma fruta, um sanduíche além das refeições normais” (P19). Além disso, cinco pais (P1, P2, P3, P18, P20) mencionaram que estavam apresentando preferências e desejos por determinados alimentos. “A única coisa que a gente brinca é que eu tenho desejo de comer xis, essas coisas. A gente fala brincando: ‘Ela tá grávida e eu que tenho desejos’. Mas é um dia sim outro não que eu tenho que comer

algumas citações, excluindo partes que não eram fundamentais para o seu entendimento (indicadas pelo uso de reticências entre parênteses) ou acrescentando expressões para facilitá-las (indicadas entre colchetes).

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xis, senão me dá um treco” (P2). Assim, como se pode observar nos relatos acima, estes pais relacionavam diretamente estas mudanças nos seus hábitos alimentares à gestação da esposa, que agora precisava comer mais.

Considerando os relatos das esposas sobre os sintomas físicos dos maridos, algumas confi rmaram a presença destes, associando-os à sua gestação, enquanto outras acrescentaram sintomas que percebiam nos maridos que não haviam sido referidos por eles. Assim, algumas esposas relataram episódios de vômitos do marido logo após a notícia da gravidez: “Ele vomitou, eu já tava grávida, mas a gente ainda não sabia, eu só tava desconfi ada. Eu dizia pra ele: ‘Acho que estou grávida’. Foi aí que ele passou mal e tal” (G3). Outras destacaram que os maridos vinham apresentando náuseas. “Ele tava sentindo enjoo, mas isso foi no meu segundo mês de gestação” (G19). Sintomas gástricos dos maridos também foram confi rmados pelas esposas. “Ele só tem muita azia também” (G13). Em outros casos, as gestantes mencionaram que o marido estava apresentando alterações na alimentação, tais como aumento, diminuição do apetite e/ou preferência por determinado tipo de alimento. Uma das esposas (G15) ainda relacionou as preferências do marido por determinados alimentos a sua gravidez, sendo que o pai não havia destacado esta relação. “Ele engordou uns cinco quilos, junto comigo. Ele tá assim, mais ou menos, ele tá gestante, ele tem vontade assim de comer coisas diferentes, misturar doce com salgado. Ele faz isso, eu não faço. Ele é que tá gestante. Agora então desde que ele fi cou sabendo da minha gestação, só engordou” (G15). Ainda quanto à alimentação algumas mães destacaram a diminuição de apetite dos maridos. “Ele até tá comendo menos” (G16). Algumas gestantes também referiram que os maridos estavam sentindo dores de cabeça. “Muita dor de cabeça. Ele às vezes tem problema de dor de cabeça. Agora, de uns dias [para cá] a dor de cabeça aumentou” (G13).

A partir destes relatos, fi ca evidente a relação de alguns sintomas físicos manifestados por vários pais com a gestação das respectivas esposas, uma vez que apareceram ou se agravaram após a gravidez, não havendo outra causa aparente referida para sua ocorrência. Conforme já destacado por outros autores, os sintomas mais frequentes entre os pais foram náuseas, vômitos, alteração do apetite, aumento de peso e desejos por determinados alimentos (Bogren, 1983, 1986; Maldonado, 1990; Parke, 1996). Assim, no presente estudo, um elevado número de pais que relataram algum tipo de sintoma físico que poderia indicar a presença da síndrome de couvade o que está em consonância com estudos internacionais que apontam uma alta incidência destes sintomas na gestação (Brennan & cols., 2007a, 2007b). Estes dados podem indicar uma grande identifi cação inconsciente dos participantes com a esposa gestante e um grande envolvimento com a gestação conforme visto na literatura (Bogren, 1983, 1986; Gerzi & Berman, 1981; Brazelton & Cramer, 1992; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996), especialmente considerando que todos esperavam seu primeiro fi lho/a. Outro aspecto que pode contribuir para explicar este achado é a origem cultural dos pais do presente estudo, os quais provêm de uma região caracterizada por intensa colonização italiana, população que tem como característica um vínculo familiar muito intenso. Como apontado em vários estudos revisados por Brennan e cols. (2007a), a infl uência da origem étnica sobre o aparecimento de sintomas da síndrome de couvade está bem estabelecida, o que pode indicar que as peculiaridades da cultura italiana infl uenciaram os resultados do presente estudo.

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Frente aos sintomas que vinham experimentando, alguns pais (P21, P2, P13, P16, P18, P19) mencionaram a possibilidade de uma ligação destes com a gravidez, fazendo referência a ela ainda que, por vezes, timidamente. Em alguns destes casos, os pais faziam verbalizações mais explícitas à gestação ao se referirem aos sintomas que vinham sentindo, embora nenhum deles tenha se referido como “grávido” como encontrado em um estudo sobre o envolvimento paterno na gestação (Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes & Tudge, 2004). Quanto a isso, uma das mães chegou a se referir ao seu marido como se ele vivenciasse também um estado de gravidez. Em outros casos, os pais (P15, P3, P5) encontravam outras explicações para seus sintomas e a ideia de que estes pudessem estar associados à gravidez era completamente rejeitada por eles. A ênfase recaída na ideia de que os sintomas já estavam presentes antes da gestação e seu advento não alterou a sua manifestação, sendo que, nestes casos, não foram considerados como indicativos da síndrome. De maneira similar ao encontrado no presente estudo, Brennan e cols. (2007b), em um estudo com homens com pelo menos quatro sintomas físicos da couvade, verifi caram que alguns pais relacionavam-os à gravidez das esposas, enquanto outros buscavam outras explicações para eles, recorrendo às crenças culturais, convenções religiosas e à assistência de profi ssionais de saúde. Para estes autores, a rejeição dos pais em reconhecer o possível elo entre seus sintomas e a gestação das esposas pode ser uma manifestação inconsciente do processo de transição para a paternidade e até mesmo ligar-se à resistência de alguns em envolver-se com a gravidez. Esta difi culdade pode ainda estar associada a aspectos sócio-culturais que relacionam a masculinidade à ideia de força e a um maior distanciamento emocional o que pode fazer com que muitos homens negligenciem seus problemas de saúde (Polomeno, 1998; Shapiro, 1987; Hyssälä, Hyttinen, Rautava & Sillanpää, 1993). Por fi m, é possível que alguns dos sintomas apresentados pelos pais tivessem origem orgânica e que não foi investigada por eles através de exames.

Examinando-se os relatos dos pais nos três trimestres de gestação, pôde-se perceber que os sintomas físicos (alterações na alimentação e aumento de peso) estiveram presentes nos três momentos. Da mesma forma, a ocorrência de vômitos também se evidenciou nos três trimestres gestacionais, embora tenham diminuindo até o último trimestre. Chama atenção o fato de que todos os pais que viviam o segundo trimestre de gravidez de suas esposas referiram estar experimentando algum sintoma físico, o que não ocorreu entre os pais do primeiro e do terceiro trimestre. Este achado apoia um estudo português, com 52 pais que encontrou maior referência a sintomas no segundo trimestre de gestação (Gomez, Leal & Figueiredo, 2002). De acordo com May (1982), no primeiro trimestre a gravidez não seria ainda visível e real para o pai e no terceiro trimestre a sintonia entre o casal seria maior e a ansiedade deste seria mais exteriorizada pela resolução de questões práticas. Já no segundo trimestre, a autora assinala que a gravidez tende a assumir maior centralidade com a percepção mais visível das mudanças corporais na mulher e dos movimentos fetais. Assim, seria neste período que os aspectos psicológicos da paternidade estariam em plena efervescência favorecendo, portanto, a expressão somática deste processo. Contudo, outros autores encontraram tendência contrária, com uma maior ocorrência de sintomas físicos no primeiro e terceiro trimestres de gestação (Bogren, 1983, 1986; Brennan & cols., 2007a, 2007b; Parke, 1996), o que sugere que novos estudos são necessários para que se compreenda melhor este fenômeno.

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De modo geral, as gestantes relataram menos sintomas físicos dos pais do que eles próprios fi zeram. É possível que isto se deva ao fato de que os pais evitavam comentar estas mudanças com as esposas, ou ainda que muitas gestantes não percebessem estas mudanças físicas nos maridos, voltando-se, elas próprias, para seus sentimentos e preocupações em relação à gestação e ao papel parental (Raphael-Leff, 1997). Ainda assim, tomando em conjunto os relatos das gestantes e dos pais sobre a presença de sintomas físicos experimentados pelo homem, verifi caram-se mais similaridades do que diferenças. Em alguns casos, as gestantes endossaram o que eles haviam dito (G20, G13, G14, G15, G3), mostrando estar em sintonia com o marido, na medida em que pareciam perceber as mudanças que estavam ocorrendo com ele. Porém, em dois casos, as gestantes mencionaram determinados sintomas físicos que não haviam sido referidos pelos pais (G16, G19). Neste sentido, é plausível pensar que estes pais pudessem ter difi culdades em admitir que experimentaram ou estavam experimentando determinado sintoma, seja em função da situação de entrevista com uma pesquisadora do sexo feminino (primeira autora deste estudo), seja porque se sentiram pouco encorajados a falar abertamente sobre este assunto. Brennan e cols. (2007b) considera que a realização de entrevistas com pesquisadores do sexo oposto pode gerar viés relacionado ao gênero já que os homens, em particular, tendem a demonstrar mais disponibilidade para um entrevistador do mesmo sexo do que para entrevistador do sexo oposto. Além disso, em uma cultura onde o homem precisa mostrar-se forte, principalmente durante a gestação, quando a expectativa social é de que o pai apoie a gestante, falar sobre sintomas físicos e emocionais pode signifi car um sinal de fraqueza inadmissível.

Sintomas emocionais mencionados pelo pai Oito pais relataram algum sintoma emocional que havia aparecido ou que tinha se

intensifi cado durante a gestação da esposa. Entre eles, três (P12, P20, P25) afi rmaram estarem se sentindo mais nervosos, seja em função da gravidez ou em situações do dia a dia. “Em relação à gravidez, eu fi co nervoso um pouco com a cesárea, seria isso mais, fi co nervoso. Parto normal seria mais fácil, sei lá, mais natural” (P20). Por outro lado, dois pais (P4, P27) referiram estar se sentindo menos nervosos do que normalmente, experimentando uma maior tranquilidade durante a gestação. “Eu acho que eu estou até conseguindo me controlar um pouco mais” (P4). Outros três pais (P1, P5, P19) relataram mal-humor e consideraram que isto teve uma leve exacerbação na gravidez da esposa. “Quando eu entro no carro para dirigir, nossa, eu me transformo. Parece aqueles desenhos animados que tinha o Pateta dentro do carro e fi cava ‘malucão’. É que o trânsito hoje em dia me perturba” (P5). Apenas um dos pais entrevistados mencionou que estava apresentando insônia (P9) e ainda outro (P13) relatou um aumento da irritabilidade. “Não [tinha insônia]. Agora eu tenho um pouco, porque a gente trocou o lado da cama por causa do bercinho do nenê” (P9); “[Irritável] um pouco. Um pouco sem paciência. É uma característica minha, mas talvez um pouco mais agora” (P13).

A ansiedade não foi mencionada na literatura como um indicador da síndrome de couvade sendo, por outro lado, apontada como um fator desencadeante. Assim, neste estudo a ansiedade foi considerada como um estado emocional relacionado com a síndrome de couvade não sendo considerada como um indicador. Mesmo assim, pela

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estreita relação da síndrome com a ansiedade evidenciada pela literatura considerou-se importante explorar os relatos dos pais a respeito deste sentimento. Pelo menos 21 pais relataram se sentirem ansiosos seja em relação à gravidez, ao parto e/ou ao bebê. Alguns motivos de ansiedade mencionados pelos pais referiam-se à saúde do bebê e da gestante, ao momento do parto, à vontade de saber o sexo do bebê e de conhecer suas características físicas. “Digamos, ansioso de saber o sexo do bebê, a gente tem curiosidade” (P11); “Isso [o nascimento do bebê] é o que me deixa mais ansioso. Às vezes eu paro, fi co pensando na hora que nascer. (...) Será que o dia vai chegar logo, sinto aquele nervosismo, um frio na barriga” (P25). Entretanto, para alguns pais, a ansiedade era considerada uma característica pessoal, presente mesmo antes da gravidez da esposa e, em outros casos, os pais reconheciam que sua ansiedade estava exacerbada durante este período. “Eu me sinto constantemente ansioso. Eu sei que alguma infl uência essa gravidez está tendo dentro de mim. Se eu te disser que comecei a fi car assim depois que ela soube que tava grávida, não, porque isso aí é constante em mim. Mas sei que alguma coisa ela [a gestação] contribuiu” (P2). “[Estou ansioso] em relação a essa gravidez, não vejo a hora que termine logo e corra tudo bem. Eu sou ansioso por natureza, sempre fui” (P13). Alguns pais mencionaram preocupação em desenvolverem empatia com o bebê após seu nascimento e à responsabilidade de criá-lo e educá-lo. “Mais ansioso [na gravidez] sobre a criança, só isso. Sobre aquilo que eu falei de educar, de poder entender a criança enquanto ela não conseguir falar, esse tipo de coisa” (P6).

Da mesma forma que a ansiedade, os estados de ânimo referidos pelos pais também foram aqui incluídos por denotar o seu estado emocional durante a gestação das esposas, apesar de não serem considerados como indicadores da síndrome de couvade. Assim, seis dos pais referiram que se sentiam bastante emocionados, mais sensíveis e emotivos, tanto em assuntos relativos ao bebê, quanto a assuntos em geral. “Em termos emocionais, eu sinto um pouco mais, com o emocional mais à fl or da pele. Então hoje eu sinto um pouco mais sensível em relação a observar pequenos detalhes em outros pais, em outros fi lhos e isso tá me deixando um pouco mais sensível” (P10); “Qualquer coisinha que eu vejo chama atenção, é uma reportagem de criança ou alguma reportagem, coisa boa ou ruim, me emociono. Isso eu notei, depois da gravidez, fi quei, eu já era um pouco emotivo, um pouco sensível, mas depois da gravidez eu fi quei mais” (P30). Outros 14 pais também verbalizaram um sentimento de alegria e completude referente à gravidez da esposa, mesmo que esta não tivesse sido desejada. “Eu me sinto realizado. Emocionalmente, eu tenho estado quase que completo, em plenitude. Se passar um furacão aqui e derrubar tudo, eu não vou fi car tão triste, entendeu? Com tudo que me aconteceu de bom. (...) Eu encaro as coisas num estado de espírito muito melhor” (P7).

Com relação a percepção das mães sobre os sintomas emocionais do marido, excetuando-se a insônia, relatada por uma gestante (G28), nenhuma outra gestante referiu sintomas emocionais dos maridos: “Agora, nos últimos dias [da gravidez], ele tem sentido insônia” (G28). No entanto, pelo menos 12 gestantes enfatizaram que os pais estavam mais ansiosos, principalmente, em função do desejo de querer ver o fi lho. “[Ansioso] para ver o nenê. Ele entra no quarto, vê a caminha e: ‘Ai, não vejo a hora desse nenê estar aí para mim ver como ele é’. Ansioso ele tá, porque tá chegando cada vez mais perto, ele olha no calendário” (G23).

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Como pode ser visto acima, no que diz respeito aos sintomas emocionais relatados pelos pais destacaram-se o nervosismo e a ansiedade relacionados ao parto, à saúde do bebê, ao sustento fi nanceiro da família e ao aumento das responsabilidades relacionadas à paternidade, aspectos estes que também foram encontrados por outros autores (Shapiro, 1987; Brennan & cols., 2007b). Por exemplo, em um estudo longitudinal que acompanhou 320 pais de várias nacionalidades em todos os estudos da gestação até o primeiro ano do bebê, Condon, Boyce e Corkindale (2004) encontraram que o período gestacional foi o momento mais estressante para os homens, quando se evidenciaram maiores níveis de ansiedade, depressão, afetos negativos, uso de álcool e sintomas somáticos. Desta forma, a experiência masculina da gestação parece ser marcada pela antecipação das mudanças que o nascimento do fi lho/a trará, pela reavaliação de seu estilo de vida, o que pode envolver respostas psicológicas bastante intensas.

Por outro lado, vários pais também manifestaram sentimentos positivos relativos à gravidez da esposa que os faziam se sentir mais emotivos e sensíveis ao fi lho/a. Estes achados revelam um expressivo interesse e envolvimento emocional dos pais na gestação, endossando os resultados encontrados por Piccinini e cols. (2004). Este movimento afetivo pode ainda refl etir a busca dos pais por uma maior aproximação com o fi lho/a e, portanto, de uma vivência mais real de paternidade. Deste modo, entende-se que indicadores positivos do envolvimento paterno durante a gestação poderiam ser incluídos no entendimento e na defi nição da síndrome de couvade. A inclusão de tais aspectos poderia auxiliar na compreensão da relação entre o aparecimento de sintomas físicos e emocionais da couvade.

Assim, considerando os sintomas psicológicos que indicariam a presença da síndrome de couvade como insônia, irritabilidade, alterações de humor, tensão e depressão, estes foram pouco referidos pelos pais do presente estudo, o que difere do encontrado por outros autores (Bogren, 1983; Brennan & cols., 2007b; Parke, 1996). Além disso, dois pais mencionaram, inclusive, que estavam se sentindo mais tranquilos durante a gestação e que antes se consideravam mais nervosos. Conforme Bogren (1984) a síndrome de couvade seria uma expressão somática de ansiedade, fi cando implícita, portanto, uma relação negativa entre ansiedade e sintomas físicos (Trethowan & Conlon, citado por Brennan & cols., 2007a). Em particular, entre pais primíparos, Teichman e Lahav (1987) verifi caram um menor nível de ansiedade e uma maior frequência de sintomas físicos. Considerando estes achados, podemos entender que a maior externalização de ansiedade e o grande envolvimento emocional demonstrado pelos pais do presente estudo poderiam estar amenizando o aparecimento de processos de somatização e, portanto, a referência a sintomas físicos da síndrome de couvade.

Apesar da ansiedade, o ânimo predominante entre os pais entrevistados foi de alegria, mesmo nos casos em que a gravidez não havia sido planejada. Além disto, vários pais referiram estar muito mais sensíveis e emocionados durante a gravidez da esposa o que pode expressar a mobilização psicológica provocada por este momento de transição familiar, bem como o envolvimento emocional com a gravidez e com o fi lho/a. Desta forma, estes achados corroboram a noção de que a gestação de um fi lho/a faz com que muitos pais e mães se voltem para seus próprios pensamentos e sentimentos, buscando reorganizar sua identidade frente ao papel parental e preocupando-se mais com o bebê e com as mudanças

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que ele trará (Cramer & Brazelton, 1992; Lebovici, 1987; Stern, 1997; Zayas, 1987). Neste sentido, o estudo de Gómez, Leal e Figueiredo (2002) comparando maridos que estavam vivendo a gestação das esposas e maridos cujas esposas não estavam grávidas, os autores revelaram que no primeiro grupo os pais apresentaram uma diminuição do interesse social e o desejo sexual. Isso pode ser explicado em função da dinâmica subjetiva dos pais durante este momento que faria com que as suas preocupações se voltassem, prioritariamente, para si próprios e para a unidade familiar, a exemplo do que acontece com a gestante (Raphael-Leff, 1997). No entanto, é importante lembrar que este aspecto pode ser pelo menos parcialmente infl uenciado pelas restrições físicas impostas pela própria gestação. Com relação a gestante, o fato de apenas uma mãe do presente estudo ter mencionado que seu marido estava experimentando sintomas emocionais corrobora a ideia de que o processo psicológico da gravidez faz com que a mulher se concentre em seus próprios sentimentos e percepções (Raphael-Leff, 1997) e menos nos do marido.

Considerando os diferentes momentos gestacionais que os pais vivenciavam no presente estudo, a ansiedade permaneceu sendo o estado emocional mais marcante nos três trimestres investigados. Entre os pais que viviam o terceiro trimestre de gravidez do fi lho/a não foram relatados sintomas como depressão e tensão, associados pela literatura ao fi nal da gestação (Bogren, 1983, 1986; Parke, 1996). Da mesma forma, dentre os participantes que apresentaram algum tipo de sintoma emocional indicador da síndrome de couvade, apenas um pertencia ao grupo de pais do terceiro trimestre. Diante destes achados, é possível pensar que, com a proximidade do nascimento do bebê, os pais buscassem priorizar a assistência e o apoio à gestante, os preparativos fi nais para a chegada do fi lho/a e para o parto colocando seus sentimentos em segundo plano. Por outro lado, também é possível pensar que falar sobre sintomas emocionais como irritação, tensão, depressão e nervosismo é um assunto delicado e que a referência a tais sentimentos possa ser constrangedora para os pais.

Considerações fi nais

Os relatos dos participantes apontaram que muitos deles experienciavam sintomas físicos e emocionais durante a gravidez das esposas, o que pode indicar a presença da síndrome de couvade. Em vários casos, a forma como estes sintomas foram relatados sugerem um intenso envolvimento emocional e a mobilização física em torno da gravidez da companheira. Em outros casos, a ligação entre os sintomas e a gravidez não foi reconhecida pelos pais, o que pode apontar a infl uência de crenças e ditames culturais a respeito da masculinidade e do papel do pai sobre as suas percepções e atitudes frente à gestação (Daly, 1993; Rotundo, 1985; Silveira, 1998). A maior parte das mães corroborou os relatos dos pais sobre seus sintomas, apesar de algumas terem apontado situações que não haviam sido referidas pelos maridos.

Em conjunto, os resultados do presente estudo mostram a complexidade da transição para a paternidade e a necessidade de se investigar mais profundamente este processo, já bastante conhecido na perspectiva da gestante. A partir dos achados do presente estudo e da revisão da literatura é possível entender a síndrome de couvade como um fenômeno experienciado pelo pai com dimensões físicas e emocionais que está sujeito à

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dinâmica subjetiva de cada homem, às suas características sócio-culturais, ao contexto psíquico e relacional da gravidez e até mesmo a uma propensão fi siológica. Apesar desta complexidade, a atenção dos profi ssionais de saúde e dos pesquisadores da área às transformações vividas pelos pais durante este período tem sido mínima. Uma das razões para esta negligência é, provavelmente, a tendência de se minimizar os ajustamentos que os homens precisam fazer diante da paternidade. Contudo, a literatura aponta que as adaptações psicológicas dos homens à gravidez e nascimento dos fi lhos são tão importantes quanto àquelas experimentadas pelas mulheres (Bartllet, 2004).

O presente estudo priorizou a análise exploratória e qualitativa dos sintomas associados pela literatura à síndrome de couvade em pais primíparos, o que permitiu acessar as particularidades e semelhanças entre os relatos dos pais que viviam os três trimestres gestacionais. A inclusão da abordagem das percepções da gestante sobre os sintomas apresentados pelo marido enriqueceu as análises, possibilitando a triangulação dos relatos dos pais. Entretanto, o uso de entrevistas no presente estudo pode ter limitado a obtenção de alguns dados e, consequentemente, as análises realizadas. Neste sentido, seria necessária a elaboração de instrumentos padronizados e adaptados à realidade brasileira para a investigação de sintomas físicos e emocionais nos pais no contexto de uma gravidez. Ao mesmo tempo, a falta de uma defi nição clara da couvade também difi cultou a identifi cação mais precisa de casos da síndrome entre os pais do presente estudo, o que permitiu somente a avaliação da presença de indicadores.

Tendo em vista estas limitações, recomenda-se que estudos investiguem indicadores da síndrome de couvade através de acompanhamento longitudinal dos pais ao longo da gestação e até o pós-parto, o que poderia elucidar melhor a dinâmica de aparecimento e desaparecimento dos sintomas e sua relação com a gravidez e o processo de transição para a paternidade. O possível impacto dos sintomas da síndrome de couvade sobre a relação conjugal, a saúde física e psicológica dos pais e mães, bem como a inclusão de pais multíparos e o estudo de fatores de risco, são aspectos que também merecem ser explorados por outros estudos. Somados a estas pesquisas, os dados fornecidos pelo presente estudo poderiam auxiliar na formulação de uma defi nição mais clara da síndrome de couvade, orientando os profi ssionais que lidam com famílias durante a gestação a identifi car estes sintomas nos pais e a fornecer o atendimento e apoio necessário. Uma boa oportunidade de abordar estes aspectos seria durante os cursos de gestantes e até mesmo no acompanhamento pré-natal, que têm enfatizado apenas o processo gestacional, o momento do parto e o papel do pai como auxiliar (Piccinini & cols., 2004; Polomeno, 1998). No entanto, acredita-se que a gestação afeta toda a família e, neste caso, as abordagens em saúde deveriam incluir as necessidades físicas e psicológicas específi cas dos pais. Desta forma, recomenda-se que intervenções contemplem as dúvidas, sentimentos e vivências do homem durante a gestação do seu fi lho/a, benefi ciando a saúde masculina, a relação conjugal e, sobretudo, a relação pai-bebê.

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_____________________________ Recebido em março de 2009 Aprovado em setembro de 2009

Talu Andréa Dartora De Martini: Psicóloga; Mestre em Psicologia (UFRGS); Professora da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG).Cesar Augusto Piccinini: Psicólogo; Doutor e Pós-doutor em Psicologia (University College London/Inglaterra); Professor do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisador do CNPq.Tonantzin Ribeiro Gonçalves: Psicóloga; Mestre e Doutoranda em Psicologia (UFRGS).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Aletheia 31, p.137-148, jan./abr. 2010

Autoefi cácia e qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas

Elisa Kern de CastroClarissa Franco Ponciano

Débora Wagner Pinto

Resumo: O presente estudo teve por objetivo avaliar a autoeficácia e a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas, examinando possíveis diferenças entre homens e mulheres. Participaram 20 pacientes com diversos tipos de doenças crônicas, com idade média de 31,5 anos (DP 3,6) e que estavam internados em um hospital geral. Os instrumentos utilizados foram: ficha de Dados biossociodemográficos; Escala de Autoeficácia Geral Percebida e Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da OMS (WHOQOL-breve). Análise de correção de Spearman mostrou que os índices de autoeficácia estiveram correlacionados de forma positiva e significativa (p<0,05) com a qualidade de vida total e a dimensão ambiente. Não foram encontradas diferenças entre homens e mulheres na autoeficácia e qualidade de vida. Os resultados obtidos sugerem a importância dos aspectos positivos de saúde, especificamente a autoeficácia, para a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas. Palavras-chaves: autoeficácia; qualidade de vida; doença crônica.

Self-efficacy and quality of life in young adults with chronic diseaseAbstract: This study aims to assess self-efficacy and quality of life in young adults with chronic disease. Also, it examines possible differences between men and women. Participants were 20 patients with different types of chronic diseases, mean age 31,5 (3,6) years, hospitalized in a general hospital. Measures obtained were: Biosociodemographic data, General Perceived Self-efficacy scale and World Health Organization Quality of Life Bref Questionnaire (WHOQOL-bref). Spearman correlation showed that self-efficacy were positively and significantly correlated (p <0.05) or partially correlated (p <0.10) with quality of life and its dimensions. No differences were found between men and women in respect to self-efficacy and quality of life. Our data suggest the importance of positive health, specifically self-efficacy in the perception of quality of life in young adults with chronic disease. Keywords: Self-efficacy; quality of life; chronic disease.

Introdução

Nos últimos anos, o grande desenvolvimento dos tratamentos para diversas enfermidades fez aumentar a esperança de vida de pacientes com doenças crônicas. Doenças que antigamente eram fatais, como o câncer, a AIDS, insufi ciência cardíaca, renal ou hepática, agora se tornaram crônicas. No entanto, isso não signifi ca que a experiência não seja dolorosa e difícil para paciente e sua família (Nicassio, Meyerowitz & Kerns, 2004).

De acordo com Stanton, Revenson e Tennen (2007), em termos gerais, doença crônica refere-se a problemas de saúde de longa duração, com taxas de cura baixas, e que conta com três características principais: 1) a doença requer adaptação do indivíduo a

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várias mudanças na sua vida; 2) as mudanças se desdobram com o tempo; e 3) há grande heterogeneidade entre os indivíduos nas suas respostas de adaptação à doença crônica.

Dados do ano de 2003 do IBGE mostram que no Brasil mais de 52 milhões de pessoas sofriam de algum tipo de doença crônica, sendo que uma parcela importante dessa população estava na faixa etária entre 20 a 39 anos (IBGE, 2009). Com o aumento da sobrevivência desses pacientes, o impacto da doença crônica na vida de jovens adultos pode ser maior que em pacientes de meia-idade ou idosos se consideramos sua expectativa de vida. Assim, esses adultos que estariam no auge da produtividade em suas vidas, casando-se, tendo fi lhos e trabalhando, têm que adaptar-se a limitações físicas e difi culdades incomuns nessa idade (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Estudos em Psicologia que tratem especifi camente de pacientes nessa faixa etária do jovem adulto são escassos, o que requer nossa atenção. No entanto, segundo Castro, Moreno-Jiménez e Carvajal (2007), há evidências de sofrimento psíquico importante nesses pacientes relacionado à enfermidade e tratamento.

As pessoas que sofrem de diferentes doenças crônicas têm que aprender a conviver com várias limitações em sua vida cotidiana como ir ao médico e tomar remédios regularmente. Além disso, há períodos em que o seu estado de saúde pode se agravar e exigir hospitalização, causando apatia, irritabilidade, tristeza entre outros sintomas, o que implica em sofrimento físico e emocional para o paciente e para todos que o rodeiam (Lorencetti & Simonetti, 2005).

Nesse sentido, o foco em aspectos de saúde que podem facilitar a adaptação e o enfrentamento do paciente diante de uma situação de estresse como a doença crônica tem aumentado, área de interesse da Psicologia Positiva (Pais-Ribeiro, 2006; Seligman & Csikszentmihalyi, 2001). Ao analisar aspectos de saúde mental desses pacientes, é possível ajudá-los a potencializar seus recursos para ter um melhor enfrentamento das situações adversas. Portanto, avaliar aspectos como qualidade de vida, bem-estar, autoefi cácia, estratégias de enfrentamento, etc., pode contribuir para uma melhora efetiva dos aspectos emocionais do paciente (Pais-Ribeiro, 2006; Passareli & Silva, 2007).

A autoefi cácia é um conceito que tem sido bastante estudado nos últimos anos, pois tem sido relacionada a resultados positivos em saúde (Bandura, 1997; Griva, Myers & Newman, 2000; Scholz, Doña, Sud & Schwarzer, 2002; Schwarzer, 1992; Schwarzer, Boehmer, Luszczynska, Mohamed & Knoll, 2005; Souza, Silva & Galvão, 2002). Esse conceito, segundo Bandura (1997; 2001) refere-se às crenças do indivíduo sobre suas capacidades em planejar e executar tarefas para gerar certos resultados. Tais crenças são importantes para a autorregulação e motivação em direção a mudanças de objetivos e expectativa de resultados. Então, a crença na autoefi cácia e outras variáveis contribuem para a autorregulação do comportamento (Scholz & cols., 2002; Souza, Silva & Galvão, 2002).

Um forte sentido de competência facilita os processos cognitivos, o desempenho, o enfrentamento a situações adversas, e deixa o indivíduo menos vulnerável ao estresse e depressão (Griva, Myers & Newman, 2000; Scholz & cols., 2002). O sentido de pouca autoefi cácia, por outro lado, se associa a ansiedade, depressão, solidão e baixa autoestima.

A qualidade de vida, em contrapartida, é um conceito multidimensional, multidisciplinar, com indicadores objetivos e subjetivos que expressam algo mais que o

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bem-estar físico ou pessoal (Moreno-Jiménez & Castro, 2005; Seidl & Zanon, 2004). Na realidade, segundo Fleck e cols. (1999; 2000), o conceito atual de qualidade de vida que a Organização Mundial da Saúde propõe se refere à percepção individual da pessoa sobre sua saúde conforme suas exigências culturais, sistemas de valores, metas, expectativas e preocupações.

O interesse no estudo da qualidade de vida surgiu como uma resposta aos avanços nos cuidados médicos (Rodríguez, Picabia, & San Gregorio, 2000; Seidl & Zanon, 2004). No âmbito sanitário, este é um conceito central porque representa a visão humanizada da saúde, projetada para proteger o equilíbrio físico, emocional e social do paciente, de acordo com sua personalidade, critério de valor e critério cultural (Lovera & cols., 2000). A avaliação objetiva da qualidade de vida está enfocada nos indicadores de saúde físicos e suas limitações, enquanto a avaliação subjetiva se refere, sobretudo, à percepção do indivíduo sobre sua qualidade de vida nas dimensões física, psicológica, social e ambiental. Isto explica por que indivíduos com indicadores objetivos semelhantes de qualidade de vida podem ter índices bastante diferentes em qualidade de vida subjetiva. Para Seidl e Zanon (2004), qualidade de vida e estado de saúde são dois conceitos que não devem ser confundidos, já que a qualidade de vida é importantíssima à saúde mental do paciente e para o estado de saúde o funcionamento físico é fundamental na percepção dos doentes.

As mudanças ocorridas nos últimos anos com respeito ao conceito de saúde contribuíram para o desenvolvimento de pesquisas sobre qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) (Rodríguez & cols., 2000). No campo da Psicologia, a função específi ca dos estudos sobre qualidade de vida centra-se em assuntos relacionados à adaptação à doença, estilos de vida saudáveis, relação entre sistema imunológico e variáveis psicológicas, etc., avaliando e delimitando programas de intervenção para melhorá-la (Moreno-Jiménez & Ximénez, 1996).

Os estudos quantitativos são predominantes quando se trata de investigar qualidade de vida (Seidl & Zannon, 2004). Os pesquisadores têm se interessado no desenvolvimento de medidas multidimensionais de qualidade de vida, e também na construção de instrumentos específi cos para determinados tipos de doenças (Remor, 2005). Os estudos nacionais realizados até o momento examinaram a qualidade de vida em distintas especialidades médicas como neurologia, oftalmologia, oncologia, psiquiatria, ginecologia, nefrologia, reumatologia, imunologia, etc. (Berber, Kupek & Berber, 2005; Berlim & cols., 2006; Castro, Caiuby, Draibe & Canziani, 2005; Lemos, Miyamoto, Valim & Natour, 2006; Roque & Forones, 2006; Seidl, Zannon & Trócoli, 2005), porém nenhum deles relacionou esse aspecto com autoefi cácia.

Tendo em vista a importância de investigar os aspectos positivos de saúde que possam facilitar a adaptação do paciente à doença e ao tratamento para subsidiar intervenções que trabalhem os recursos dos pacientes, o objetivo do presente estudo é avaliar a autoefi cácia e a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas. Além disso, pretende-se examinar possíveis diferenças na autoefi cácia e qualidade de vida entre homens e mulheres com doenças crônicas.

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Método

ParticipantesParticiparam desse estudo 20 pacientes com diferentes doenças crônicas, com idades

compreendidas entre 18 e 40 anos que estavam internados para tratamento em um hospital localizado na cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. A amostra é do tipo consecutiva: duas vezes por semana, durante três meses, todos os pacientes que se encaixavam nos critérios de inclusão da pesquisa (ser jovem adulto e ter doença crônica) que estavam internados no referido hospital público foram convidados a participar da pesquisa. Desse modo, a amostra em questão refere-se à totalidade dos pacientes jovens adultos internados por doença crônica no período nesse hospital. Todos os participantes eram assistidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O ambiente físico em que se encontravam caracterizava-se pelas instalações precárias – prédio com necessidade de reforma, oito pacientes por quarto, combinação de pacientes que estão relativamente bem com pacientes terminais, etc. A tabela 1 mostra as principais características desses pacientes.

Tabela 1 – Dados sociodemográficos e clínicos dos participantes

Média (DP)

Idade dos pacientes (anos) 31,5 (5,6)

Idade do diagnóstico da doença (anos) 25,2 (10,6)

Número de cirurgias 0,2 (0,7)

Número de hospitalizações nos últimos 12 meses 3,2 (2,2)

N (%)

Gênero Masculino Feminino

12 (60%)8 (40%)

Tipo de doença AIDS Diabetes Tuberculose Asma/bronquite Pancreatite Insufi ciência renal Câncer

7 (35%)2 (10%)3 (15%)2 (10%¨)2 (10%)1 (5%)3 (15%)

Escolaridade Fundamental incompleto Fundamental completo Secundário incompleto Secundário completo

13 (65%)2 (10%)1 (5%)4 (20%)

TrabalhaNão trabalha

16 (80%)4 (20%)

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Delineamento e procedimentosO projeto caracterizou-se por ser uma pesquisa exploratória e transversal. A

aplicação dos instrumentos e a assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido era realizada no próprio leito do paciente, após verifi cação por parte das pesquisadoras junto à enfermagem de quais eram os pacientes que poderiam ser incluídos no estudo naquele dia. As pesquisadoras liam as perguntas ao paciente e completavam os questionários de acordo com suas respostas, já que muitos deles tinham baixa escolaridade e difi culdades na leitura.

Considerações éticasO projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade (nome

da universidade omitido) e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumentos- Dados biossociodemográfi cos e clínicos da doença e do tratamento: para obter

informações gerais pessoais (idade, trabalho, escolaridade), familiares (estado civil, número de fi lhos) e dados da doença e do tratamento (idade no diagnóstico da doença, tipo de doença crônica, tratamentos realizados, etc.).

- Escala de Autoefi cácia Geral Percebida (Schwarzer & Jerusalém, 1995; Teixeira & Dias, 2005): O instrumento é constituído por 10 itens que avaliam a percepção da autoefi cácia do indivíduo e suas respostas variam entre 1 (não é verdade) a 4 (sempre é verdade). A versão original está no idioma alemão, contendo 20 itens (Jerusalem & Schwarzer, 1979). Posteriormente a escala foi reduzida para 10 itens e subsequentemente adaptada para 28 idiomas (Nunes, Schwarzer & Jerusalem, 1999). A escala tem sido usada em inúmeras pesquisas com índices de consistência interna variando entre 0,75 a 0,91. A adaptação ao português seguiu o modelo de grupo de consenso, com várias traduções bilíngues, incluindo back translations e grupos de discussão. Vários estudos publicados compararam as propriedades psicométricas das versões alemã, inglesa, dinamarquesa, espanhola, russa, grega, árabe, húngara, polaca, chinesa, Indonésia, japonesa e coreana (ver www.healthpsych.de).

- Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde – versão breve (Fleck et al., 2000) (WHOQol-breve): é um instrumento desenvolvido pela OMS que objetiva avaliar a qualidade de vida em diferentes culturas. A versão breve do questionário contém 26 itens e deriva da versão original de 100 itens (Fleck & cols., 1999). As versões em português do Brasil de ambos os instrumentos foram desenvolvidas no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. O WHOQOL-breve consta de duas questões gerais e de 24 questões que compõem cada uma das 24 facetas que compõem o instrumento original. Os quatro domínios do instrumento são: físico (Ex: “Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?”), psicológico (Ex: “Com que frequência você tem sentimentos negativos tais como mau humor, desespero, ansiedade, depressão?”), relações sociais (Ex: Quão satisfeito (a) você está com suas relações pessoais (amigos, parentes, conhecidos, colegas)?”) e meio-

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ambiente (Ex: “Quão satisfeito (a) você está com as condições do local onde mora?”). Para cada questão existem 5 graus de intensidade e o paciente opta por uma delas. Quanto à consistência interna, os valores alpha de Cronbach das 26 questões no estudo de validação foram de 0,91 com pacientes adultos. O instrumento mostrou-se discriminante ao avaliar pacientes psiquiátricos e um grupo controle.

Análise dos dadosTodos os dados do protocolo de pesquisa (questionários) foram levantados e

tabulados na base de dados do programa SPSS 16.0. Devido ao número de participantes, realizou-se estatística não paramétrica. Foram realizadas correlações entre as variáveis de interesse (Spearman) e comparação de grupos homens e mulheres (Mann-Whitney).

Resultados

Inicialmente, realizaram-se análises descritivas dos resultados do instrumento de autoefi cácia e de qualidade de vida. A Tabela 2 apresenta as médias, desvio-padrão, medianas, e valores mínimo e máximo dos resultados desses instrumentos

Tabela 2 – Resultados descritivos da autoeficácia e da qualidade de vida e suas dimensões

Instrumento Dimensão Média (DP) Mediana Mín./Máx.

Autoefi cácia Total 33,25 (3,35) 34,50 27-38

Qualidade de vida

Total 82,70 (11,50) 82,50 64-100

Física 22,50 (4,89) 22,50 13-34

Psicológica 23,85 (3,65) 24,50 17-30

Social 8,75 (3,48) 8,00 3-15

Ambiente 26,80 (5,25) 27,00 16-35

A seguir, examinaram-se possíveis associações entre autoefi cácia e qualidade de vida e suas dimensões, idade do paciente e sua idade no diagnóstico da doença, através da análise de correlação de Spearman (ver tabela 3). O principal resultado dessa análise mostrou que a autoefi cácia obteve correlações positivas e signifi cativas (p<0,05) com a qualidade de vida total e a dimensão ambiente, demonstrando íntima relação entre essas variáveis. Além disso, cabe salientar a correlação positiva e signifi cativa obtida entre qualidade de vida física e idade do paciente, indicando que os pacientes com mais idade apresentavam melhor qualidade de vida física. Ainda, obviamente, houve correlações signifi cativas entre a qualidade de vida total e suas dimensões.

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Tabela 3 – Correlação de Spearman entre autoeficácia e qualidade de vida e suas dimensões

Autoefi cácia Qv total Domínio físico

Domínio psicológico

Domínio social

Domínio ambiente

Autoefi cácia -

Qv total 0,566** -

Domínio físico 0,419 0,729** -

Domínio psicológico 0,426 0,813** 0,643** -

Domínio social 0,432 0,769** 0,423 0,471* -

Domínio ambiente 0,444* 0,734** 0,210 0,378 0,699** -

Idade 0,009 0,319 0,471* 0,135 0,067 0,007

Idade no diagnóstico -0,017 0,369 0,401 0,355 -0,083 0,062

Nota: QV (Qualidade de Vida)*p<0,05; **p<0,01

Com o intuito de examinar possíveis diferenças na autoefi cácia e na qualidade de vida entre homens e mulheres, realizou-se o teste de Mann-Whitney (Tabela 4). Os resultados não foram signifi cativos, apesar de observarmos que os homens obtiveram pontuações maiores que as mulheres em todas as variáveis, indicando alta autoefi cácia e qualidade de vida.

Tabela 4 – Teste de Mann-Whitney (U) para comparação da autoeficácia e da qualidade de vida entre homens e mulheres

Rank Homens (n=12) Rank Mulheres(n=8) U P

Autoefi cácia 10,75 10,12 45.000 0,815

QV total 11,33 9,25 38.000 0,439

QV física 10,58 10,38 47.000 0,938

QV psicológica 11,08 9,62 41.000 0,583

QV social 10,92 9,88 43.000 0,698

Qv ambiente 11,83 11,50 32.000 0,215

Discussão

O objetivo do presente estudo foi examinar a autoefi cácia e a qualidade de vida de pacientes jovens adultos com doenças crônicas. A pesquisa é de caráter eminentemente exploratório, pois apesar de existirem na literatura nacional estudos sobre qualidade de vida em pacientes com doenças crônicas, as que se relacionam com a autoefi cácia são

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escassas. Além disso, o foco no jovem adulto é um aspecto a ser destacado, uma vez que a doença crônica nessa etapa do ciclo vital pode ter consequências diferentes daquelas provocadas no adulto de meia-idade ou idoso, e a literatura científi ca específi ca com esse grupo etário é escassa.

Os resultados obtidos das correlações realizadas entre autoefi cácia e qualidade de vida mostraram relações importantes entre essas duas variáveis, indicando que aqueles indivíduos que possuem alta autoefi cácia são também aqueles que possuem mais alta qualidade de vida em geral e na dimensão ambiente. Pesquisas internacionais já haviam apontado na direção semelhante. Por exemplo, o estudo de Wahl, Rustoen, Hanestad, Gjengedal & Moum (2005) que relaciona qualidade de vida global, autoefi cácia, percepção da saúde e funcionamento pulmonar de pacientes com fi brose cística mostrou que a autoefi cácia infl uenciou signifi cativamente a qualidade de vida desses sujeitos. Pacientes que se percebiam com maior autoefi cácia tendiam a possuir uma melhor qualidade de vida e uma melhor percepção de sua saúde. Motl e Snook (2008), igualmente, evidenciaram relações signifi cativas e positivas entre autoefi cácia, atividade física e qualidade de vida em pacientes com esclerose múltipla. Por fi m, Kreitler, Peleg e Ehrenfeld (2006), ao examinarem o efeito de diferentes estressores na qualidade de vida de pacientes com câncer, observaram que a autoefi cácia afeta a qualidade de vida reduzindo os níveis de estresse percebido pelo paciente.

Quanto à relação encontrada entre o domínio físico da qualidade de vida e idade do paciente, esse dado ainda não havia sido observado na literatura revisada. É possível entender esse resultado a partir da ideia trazida por Papalia, Oldds e Feldman (2006) de que a faixa dos vinte anos é o auge do desenvolvimento físico do indivíduo. Assim, o impacto de uma doença crônica grave na vida desses adultos pode ser ainda maior do que para os pacientes na faixa dos trinta anos, gerando uma percepção menor de sua qualidade de vida física.

A ausência de diferenças signifi cativas entre homens e mulheres com respeito à autoefi cácia e qualidade de vida é contrária a outras investigações que examinaram diferenças de gênero em pacientes com doença crônica. A literatura tem mostrado de forma consistente que as mulheres com diferentes problemas de saúde apresentam níveis de qualidade de vida inferiores aos homens (Mrus, Williams, Tsevat, Cohn & Wu, 2005; Teh, Kilbourne, McCarthy, Welsh& Blow, 2008), especialmente na dimensão psicológica (Bingefors & Isacson, 2004), e inclusive em estudos com amostras brasileiras de pacientes com HIV/Aids (Zimpel & Fleck, 2007). Com relação à autoefi cácia, os dados não são tão contundentes. Wehrens, Gesine, Hannelore, Heinz e Oskar (2007) de fato argumentam que as mulheres apresentam mais estresse psicológico e baixa autoefi cácia frente a um problema cardíaco, porém as relações parecem ser mais complexas. O estudo de Takaki e Yano (2006) com pacientes em hemodiálise mostrou que para os homens a autoefi cácia teve correlação positiva com indicadores de adesão ao tratamento, enquanto para as mulheres essa correlação foi negativa, indicando que níveis altos de autoefi cácia para mulheres podem ter consequências desfavoráveis para sua saúde.

Porém, os resultados dos referidos estudos não podem ser trasladados diretamente à nossa realidade, dado que foram realizados no exterior e nosso país e nossa cultura tem suas particularidades. Além disso, os participantes dessa pesquisa caracterizam-se

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pela pouca escolaridade, por serem usuários do sistema público de saúde, de um hospital com instalações precárias, e de serem adultos jovens. Esses aspectos devem ser levados em conta na interpretação desses resultados, pois é possível que essas particularidades apresentadas na amostra expliquem as semelhanças encontradas nos níveis de autoefi cácia e qualidade de vida de homens e mulheres, o que deverá ser aprofundado em futuras investigações sobre o tema.

Outro aspecto que pode ter contribuído para não haver diferenças signifi cativas entre homens e mulheres se refere à especifi cidade da faixa etária. Como os participantes dos estudos citados eram adultos de diferentes idades e não foram feitas análises por faixa etária, talvez na faixa etária do adulto jovem não haja realmente diferenças entre os sexos na autoefi cácia e qualidade de vida. Apesar da vulnerabilidade maior da mulher a apresentar problemas psicológicos, diminuição na qualidade de vida e autoefi cácia apontada pelos estudos já citados, pode-se especular que o homem adulto jovem pode ser especialmente afetado pela doença crônica ao deixar de ter o controle de sua vida e perder seu status de chefe da família por estar debilitado fi sicamente, o que contribuiria para se igualarem com as mulheres em termos de níveis de autoefi cácia e qualidade de vida.

É importante salientar que algumas correlações entre autoefi cácia e qualidade de vida (dimensão física, ambiente e social) foram quase signifi cativas (p<0,10), o que indica uma probabilidade dessas diferenças serem signifi cativas se a amostra fosse maior. Inclusive, alguns estudos apontam esse valor de signifi cância como sendo parcialmente signifi cativos em amostras clínicas (Castro, 2009; Castro, Moreno-Jiménez & Rodríguez-Carvajal, 2007). Futuras pesquisas com maior número de participantes deverão ser realizadas para esclarecer essas associações.

Devido ao delineamento exploratório e ao reduzido número de participantes, nossos resultados não podem ser generalizados. O número reduzido de participantes pode ser um fator que tenha contribuído para a ausência de diferenças signifi cativas na qualidade de vida e autoefi cácia de homens e mulheres, conforme tendência apontada na revisão de literatura. Além disso, pelo tipo de delineamento do estudo, não foi possível identifi car o papel preditor da autoefi cacia para a qualidade de vida desses pacientes.

No entanto, nossos resultados fornecem indicações importantes de relações entre duas variáveis psicológicas relacionadas à saúde mental dos participantes – autoefi cácia e qualidade de vida. Esse resultado fornece subsídios para futuras pesquisas incluírem outras variáveis no estudo, tais como autoconceito, autoestima e apoio social, ampliar a amostra ou trabalhar com grupos de pacientes específi cos, além de dar informações importantes para o delineamento de intervenções psicológicas que busquem reforçar os aspectos positivos de saúde e a autoefi cácia de pacientes crônicos.

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_____________________________ Recebido em abril de 2009 Aceito em setembro de 2009

Elisa Kern de Castro: Doutora em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Autônoma de Madrid), Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, pesquisadora do CNPq. Clarissa Franco Ponciano: Graduanda do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científi ca (Pibic/CNPq), Universidade do Vale dos Sinos –UNISINOS.Débora Wagner Pinto: Graduanda do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científi ca (UNIBIC), Universidade do Vale dos Sinos –UNISINOS.

Endereço para contato: [email protected]

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Aletheia 31, p.149-167, jan./abr. 2010

Habilidades sociais e problemas de comportamento: um estudo exploratório baseado no modelo construcional*

Vanessa Barbosa Romera LemeAlessandra Turini Bolsoni-Silva

Resumo: A pesquisa teve como objetivo avaliar, segundo o Modelo Construcional de Goldiamond, os relatos de 20 mães de crianças com problemas de comportamento (Grupo clínico) e 20 mães de crianças sem esses problemas (Grupo não clínico), as habilidades sociais e os problemas de comportamento de pré-escolares, investigar as situações e os comportamentos das mães diante dos comportamentos dos filhos e sugerir hipóteses para os comportamentos funcionalmente equivalentes que foram investigados. Os instrumentos utilizados foram duas escalas, um questionário e uma entrevista estruturada.Os resultados indicaram que as crianças do Grupo não clínico apresentaram, com mais frequência e diversidade, habilidades sociais e com menos frequência, problemas de comportamento, em comparação com as crianças do Grupo clínico.Palavras-chave: Habilidades sociais, problemas de comportamento, modelo construcional.

Social skills and behavior problems: An exploratory study based on theconstructional approach

Abstract: The research aimed to assess, according to the constructional approach by Goldiamond, the reports of 20 mothers of children with behavior problems, (clinical group) and 20 mothers of children without these problems (non-clinical group), social skills and behavior problems of pre-school, investigate the situations and behaviors of mothers before the behavior of children and suggest hypotheses for functionally equivalent behaviors that were investigated. The instruments used were two scales, a questionnaire and a structured interview. The results indicated that children of non-clinical group presented with more frequency and diversity, social skills and with less frequency, of behavior problems compared to children of the clinical group. Keywords: Social skills, behavior problems, constructional approach.

Introdução

Apesar de não haver um consenso na literatura quanto à defi nição do termo habilidades sociais, este pode ser entendido, segundo Del Prette e Del Prette (2005), como “...diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas” (p. 31). Determinados ambientes, como por exemplo, a família e a escola, que utilizam com frequência práticas educativas tidas como negativas (por exemplo, uso de agressão verbal e física e ameaças de agressões), podem potencializar e/ou suprimir o desenvolvimento interpessoal infantil. Nesse sentido, sendo a família o primeiro ambiente de socialização que permite aos fi lhos entrar em contato com as regras e normas de convívio social (Biasoli-Alves, 1994), a investigação do contexto familiar pode contribuir para o desenvolvimento de programas de intervenção que procurem tanto prevenir quanto remediar as difi culdades de relacionamento entre pais e fi lhos.

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Práticas educativas parentais e o modelo construcional

Dentre os fatores que podem contribuir ou não com o desenvolvimento das habilidades sociais na infância, as práticas educativas parentais1 têm recebido destaque em diversas pesquisas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Barry, Frick & Grafeman, 2008; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia, Pereira, Del Prette & Del Prette, 2007; Koblinsky, Kuvalanka & Randolph, 2006; McGroder, 2000; Patterson, Reid & Dishion, 2002/1992; Prinzie, Onghena & Hellinckx, 2007). Segundo Patterson e cols. (2002/1992), quando os pais utilizam Habilidades Sociais Educativas Parentais (tais como disciplina consistente, expressão de sentimentos positivos e o uso de explicações e negociações/trocas para estabelecer limites) para orientar os comportamentos dos fi lhos, geralmente são contingentes no uso de consequências positivas para o repertório de habilidades sociais infantis, o que, por sua vez, pode prevenir o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento.

Analisando os estudos sobre problemas de comportamento, verifi ca-se que não há um consenso quanto à defi nição, à classifi cação e ao diagnóstico para os mesmos, podendo esses ser multideterminados por variáveis como práticas educativas parentais, condições socioeconômicas, confl ito conjugal, etc (Webster-Stratton, Reid & Hammond, 2004). Neste trabalho, problemas de comportamento serão entendidos como:

[...] défi cits e/ou excessos comportamentais que prejudicam a interação das crianças com pares e adultos [...] e que difi cultam o acesso da criança a novas contingências de reforçamento, que por sua vez, facilitariam a aquisição de repertórios relevantes de aprendizagem. (Bolsoni-Silva, 2003, p. 10)

A maioria dos estudos procura investigar as práticas educativas parentais relacionadas aos problemas de comportamento dos fi lhos, sendo poucas as pesquisas (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia & cols., 2007; Gorman-Smith & Tolan, 1998; Koblinsky & cols., 2006; McGroder, 2000) que fazem uma avaliação mais completa, procurando também focar o repertório socialmente habilidoso dos pais e dos fi lhos. Bolsoni-Silva e Marturano (2008) sinalizaram algumas Habilidades Sociais Educativas Parentais mais frequentes no repertório de pais e de mães de pré-escolares com comportamentos socialmente habilidosos, dentre elas pode-se citar, demonstrar carinho, cumprir promessas, concordar com o cônjuge e discriminar comportamentos socialmente habilidosos dos fi lhos.

Na mesma direção, Koblinsky e cols. (2006) ao examinarem a relação entre as práticas parentais, as habilidades sociais e os problemas de comportamento de 184 pré-escolares de famílias de baixa renda, encontraram que as mães que utilizam mais Habilidades Sociais Educativas Parentais tinham fi lhos com mais habilidades sociais

1 Os pais podem orientar os comportamentos dos fi lhos através de várias estratégias e técnicas. No presente estudo será utilizado o termo Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P), o qual pode ser entendido como sendo um conjunto de habilidades sociais educativas dos pais (tais como manter conversação, expressar sentimentos positivos e negativos, estabelecer limites, cumprir promessas etc), aplicáveis à prática educativa dos fi lhos (Bolsoni-Silva, 2008). As HSE-P contemplam as práticas dos pais que são denominadas na literatura como práticas educativas positivas (Gomide, 2003), práticas indutivas (Hoffman, 1979) e estilo parental autoritativo (Maccoby & Martin, 1983).

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e com menos problemas de comportamento. De forma semelhante, Cia e cols. (2007) observaram correlações positivas entre um bom repertório em habilidades sociais de 22 mães com o envolvimento parental nas atividades acadêmicas e de lazer dos seus fi lhos que frequentavam a primeira série do ensino fundamental. Portanto, verifi ca-se que comportamentos sociais são desenvolvidos no repertório infantil, ao menos em parte, através da mediação dos pais (Del Prette & Del Prette, 2005).

Habilidades sociais na infância

Segundo Del Prette e Del Prette (2005), a infância é um período crítico para a aprendizagem das habilidades sociais e das normas de convivência, as quais ocorrem primeiramente com a família e depois em outros ambientes como vizinhança, pré-escola e escola. Ainda que eventuais difi culdades nas relações sociais possam ser superadas pelas pessoas sem que haja algum tipo de intervenção sistemática, vários pesquisadores (Baraldi & Silvares, 2003; Caldarella & Merrell, 1997; Cia & cols., 2007; Del Prette & Del Prette, 2005; De Salvo, Mazzarotto & Löhr, 2005; Mcclellan & Katz, 1996, Molina & Del Prette, 2006) têm encontrado que a promoção de comportamentos socialmente habilidosos pode prevenir o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento, no que tange a melhorar a relação com pares (Caldarella & Merrell, 1997; Mcclellan & Katz, 1996), a desenvolver uma autoestima positiva e empatia (Falcone, 2000; Pavariano, Del Prette & Del Prette, 2005), além de melhorar o desempenho acadêmico (Bandeira, Rocha, Freitas, Del Prette & Del Prette, 2005; Molina & Del Prette, 2006) e o relacionamento com os pais (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia & cols., 2007). Adicionalmente, pesquisas (Campos & Marturano, 2003; McClelland & Morrison, 2003) têm indicado que o desenvolvimento das habilidades sociais na infância é precursor ao de competência social em outras etapas no desenvolvimento.

Várias pesquisas (Baraldi & Silvares, 2003; Castro, Melo & Silvares, 2003; De Salvo & cols., 2005; Gonçalves & Murta, 2008) foram realizadas com o objetivo de desenvolver habilidades sociais em crianças como forma de prevenção de problemas de comportamento e/ou de aprendizagem. Gonçalves e Murta (2008) realizaram um estudo para avaliar os efeitos de uma intervenção em habilidades sociais sobre comportamentos socialmente habilidosos, autoconceito e aceitação pelos pares. A intervenção foi realizada com três crianças (idade entre 7 e 13 anos) que apresentavam problemas de comportamento e de aprendizagem. Os resultados indicaram um aumento nos comportamentos socialmente habilidosos, mudanças positivas no autoconceito e no julgamento dos pares.

Baraldi e Silvares (2003) avaliaram a efi cácia de um programa de intervenção realizado com os pais e com os fi lhos (16 crianças pré-escolares e escolares) que apresentavam queixas de agressividade. As análises dos dados revelaram que as crianças apresentaram, após a intervenção, menos problemas de comportamento e que houve uma melhora na qualidade das relações familiares com o aumento da utilização de práticas educativas menos coercitivas. O estudo indica que o treino de habilidades sociais infantis realizado juntamente com o treino de Habilidades Sociais Educativas Parentais parece melhorar a relação entre pais e fi lhos.

De Salvo e cols. (2005) realizaram um programa preventivo baseado no desenvolvimento de habilidades sociais com crianças pré-escolares e com seus pais. As

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crianças passaram por sessões lúdicas que objetivaram proporcionar o desenvolvimento das habilidades sociais e seus pais frequentaram sessões de orientação sobre práticas educativas. Após a intervenção as crianças apresentaram médias maiores na maioria dos itens referentes à competência social e médias menores para problemas de comportamento.

Os estudos mencionados indicam que as habilidades sociais parecem funcionar como fator de proteção para o desenvolvimento acadêmico e interpessoal infantil. Em outras palavras, um repertório elaborado de habilidades sociais na infância pode contribuir para que a criança obtenha mais facilmente reforçadores sociais importantes para a sua fase de desenvolvimento, tais como fazer amizades, estabelecer relações harmoniosas em seu ambiente social, adquirindo independência, responsabilidade e cooperação e, por outro lado, pode aumentar a sua capacidade em lidar com situações adversas e estressantes (Del Prette & Del Prette, 2005; Gonçalves & Murta, 2008; McClelland & Morrison, 2003). Assim, as habilidades sociais podem trazer diversos benefícios para o desenvolvimento infantil.

Com base nos dados das pesquisas expostas, propõe-se neste estudo que as habilidades sociais das crianças e as Habilidades Sociais Educativas dos Pais (HSE-P) possam ser utilizadas em intervenções que se baseiam no modelo construcional de Goldiamond (2002/1974). De forma geral, esse modelo, baseado nos princípios da Análise do Comportamento, focaliza a construção e ampliação de novos repertórios em detrimento a eliminação de comportamentos problema. Para isso são utilizados procedimentos de reforçamento positivo, modelagem por aproximações sucessivas de repertórios socialmente habilidosos e autorregistro de comportamentos.

Segundo Goldiamond (2002/1974), o modelo construcional prioriza a investigação de múltiplas variáveis, relacionadas à ecologia comportamental, de forma a identifi car classes de respostas e interdependências comportamentais. Essa investigação possibilita a obtenção de hipóteses funcionais para todo o repertório da pessoa. O terapeuta busca descrever consequências reforçadoras para os comportamentos que ocorrem em défi cits e em excessos, os quais mantêm a pessoa emitindo tais respostas ainda que as consequências também tragam punições. De posse dessas informações, o terapeuta que investigou também os recursos, as potencialidades do cliente, pode ampliar e/ou promover, por meio de técnicas comportamentais, respostas denominadas de funcionalmente equivalentes, isto é, esses repertórios seriam capazes de obter reforçadores ora obtidos por comportamentos problemas, os quais tendem a diminuir.

Para Gimenes, Andronis e Layng (2005), os programas construcionais diferenciam-se dos demais, especialmente por promover a ampliação de repertórios comportamentais que forneçam os mesmos reforçadores obtidos pelo comportamento(s) problema. Além disso, nesse modelo de atuação não há um foco exclusivo em desenvolver repertórios comportamentais centrados na queixa principal do indivíduo, mas sim em promover uma ampla gama de comportamentos que o ajude a resolver suas difi culdades (Goldiamond, 2002/1974) e obter os reforçadores que lhe são necessários.

Assim, enquanto as intervenções comportamentais de caráter eliminativo normalmente são prejudiciais por privarem o indivíduo de reforçadores críticos, o modelo construcional focaliza a implementação de comportamentos alternativos. Nesse

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caso, as habilidades sociais dos fi lhos e as Habilidades Sociais Educativas Parentais são exemplos de comportamentos que poderiam ser trabalhados em intervenções com o objetivo de substituir no repertório comportamental dos fi lhos e dos pais, os problemas de comportamento infantis e as práticas educativas negativas. A título de exemplo, uma criança pode obter atenção fazendo birras (problema de comportamento) ou solicitando, aos pais, que brinquem com ela (habilidade social). Na mesma situação, os pais podem agredir verbalmente e/ou fi sicamente (práticas educativas negativas) o fi lho quando ele faz birras, com o objetivo de suprimir esse comportamento, ou podem conversar e negociar com a criança (habilidades sociais educativas parentais), obtendo o mesmo resultado. Logo, quando os pais e os fi lhos aprendem outras formas de obter reforçadores através de comportamentos socialmente habilidosos, os comportamentos problema e as práticas educativas negativas podem perder a sua funcionalidade, o que faria com que reduzissem de ocorrência.

As informações obtidas através da descrição das situações e das consequências para as habilidades sociais e para os problemas de comportamento podem permitir a identifi cação de contingências sob as quais os comportamentos dos pais e dos fi lhos ocorrem ou deixam de ocorrer. Torna-se, então, possível sugerir algumas explicações, ao menos em parte, para as frequências, por exemplo, dos comportamentos que compõem o repertório de habilidades sociais e de problemas de comportamento das crianças e das práticas educativas dos pais. Mediante tais informações, é possível pensar em estratégias de intervenção tanto com os pais quanto com as crianças, utilizando o modelo construcional, cujo foco é a construção, o fortalecimento e a generalização de repertórios socialmente habilidosos. Tais intervenções com os pais e com os fi lhos que apresentam difi culdades de relacionamento poderiam desenvolver e/ou ampliar as HSE-P e as habilidades sociais infantis, melhorando o seu relacionamento e prevenindo problemas de comportamento.

Utilizando como referência os pressupostos do modelo construcional de Goldiamond (2002/1974), o estudo tem como objetivos: a) avaliar as habilidades sociais e os problemas de comportamento de pré-escolares; b) investigar as situações e os comportamentos das mães frente aos comportamentos dos fi lhos; c) sugerir hipóteses sobre comportamentos funcionalmente equivalentes das mães e dos fi lhos que poderiam ser construídos em programas de intervenção. As informações foram obtidas por meio dos relatos de 20 mães de crianças com indicativos de problemas de comportamento (Grupo clínico) e 20 mães de crianças sem esses problemas (Grupo não clínico).

Método

ParticipantesParticiparam deste estudo 40 mães de pré-escolares (20 mães de crianças com

indicativos de problemas de comportamento – Grupo clínico e 20 mães de crianças sem indicativos de problemas de comportamento – Grupo não clínico) e 19 professoras. As crianças (idade média 5,3 anos, DP=0,87) estavam matriculadas do Jardim I ao Pré, em

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sete Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), de uma cidade do interior do Estado de São Paulo com 343.350 habitantes. A idade média das mães do Grupo não clínico era de 33 anos (DP=0,98) e do Grupo clínico era de 31 anos (DP=0,83). A distribuição por gênero apresentou diferença estatisticamente signifi cativa entre os grupos (X2=5,96; p<0,01). O Grupo não clínico era composto por 15 meninas e 5 meninos, inversamente, o Grupo clínico era formado por 15 meninos e 5 meninas. Os grupos eram equivalentes quanto à escolaridade das mães (Grupo não clínico média 9,57 anos, DP=0,85 e Grupo clínico média 9,37 anos, DP=0,81), a renda familiar (Grupo não clínico média R$ 1.110,00 e Grupo clínico média R$ 933,00), ao estado civil (19 mães do Grupo não clínico e clínico viviam a primeira união conjugal), ao status ocupacional (15 mães do Grupo não clínico e clínico estavam empregadas) e a jornada de trabalho (sete mães do Grupo não clínico e seis mães do Grupo clínico trabalhavam período integral). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com protocolo no 1175/46/01/06.

InstrumentosOs instrumentos utilizados na seleção da amostra e na coleta de dados foram: (a)

Escala Comportamental Infantil B de Rutter, versão para professores (ECI-B, Santos, 2002) e Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter, versão para pais (ECI-A2, adaptada por Graminha, 1994). Ambos os instrumentos são compostos por perguntas que procuram avaliar indicativos de problemas de comportamento. O instrumento ECI-A2 foi adaptado por Graminha (1994) para a realidade brasileira, apresentando índices satisfatórios de fi dedignidade e determinação do ponto de corte. A ECI-B foi traduzida por Santos (2002), que verifi cou que o ponto de corte original da escala discriminava crianças com alto e baixo rendimento escolar; (b) Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas para Pais (QRSH-Pais, Bolsoni-Silva, 2003) contem afi rmações que procuram investigar comportamentos indicativos de habilidades sociais apresentados por crianças. A versão do QRSH para Professores já foi validada (Bolsoni-Silva, Marturano & Loureiro, 2009) e os estudos psicométricos da versão para os pais estão em andamento; (c) Entrevista sobre Comportamentos Infantis e Parentais (E-CIP). A E-CIP trata-se de uma entrevista estruturada que investiga as situações em que os fi lhos apresentavam as habilidades sociais e os problemas de comportamento identifi cados pelas mães no QRSH-Pais e na ECI-A2, bem como os seus comportamentos diante das habilidades sociais e dos problemas de comportamento dos fi lhos. Para avaliar a fi dedignidade do instrumento, foram coletados dados com 10 mães, cujas medidas foram obtidas com um mês de distanciamento. A partir desses dados, foi realizado o teste de correlação de Spearmam, sendo encontrada correlação signifi cativa a 5% (0,84). Contudo, ressalta-se que o instrumento ainda não possui as propriedades psicométricas validadas.

Procedimento de coleta de dados Para a seleção da amostra, solicitou-se, após a permissão concedida pela Secretaria

de Educação Infantil, a colaboração, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de 19 professoras de sete Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), na indicação de crianças com e sem problemas de comportamento. Para formar

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os Grupos não clínico e clínico, as professoras responderam a ECI-B e as crianças indicadas como apresentando problemas de comportamento deveriam atingir o escore da ECI-B (escore ≥ 9) e as crianças sem essa indicação não deveriam atingir esse escore. Em seguida, a pesquisadora entrou em contato com as mães para apresentar os objetivos da pesquisa e verifi car o interesse em participar da mesma. Caso houvesse interesse, era agendada uma visita na residência ou no local de trabalho das mães. Nesta visita, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a pesquisadora aplicava os instrumentos (ECI-A2, QRSH-Pais e E-CIP). Para todos os instrumentos, a pesquisadora leu os itens e anotou as respostas das mães e das professoras. Critérios de inclusão: Para participar do estudo, as crianças indicadas pelas professoras como apresentando problemas de comportamento pela ECI-B (escore ≥9) deveriam também apresentar índice clínico na ECI-A2 (escore ≥16). Por sua vez, as crianças indicadas pelas professoras como sem problemas de comportamento não deveriam apresentar esses índices clínicos, segundo os relatos das professoras e das mães. Além disso, as crianças deveriam morar com ambos os pais e esses deveriam viver uma situação conjugal civil ou por consenso.

Procedimento de análise de dadosOs escores totais e dos itens dos instrumentos QRSH-Pais e ECI-A2 foram tratados

estatisticamente (Teste U de Mann-Whitney, pacote estatístico SPSS 12.0) a fi m de fazer comparações entre o Grupo clínico e o Grupo não clínico e foram calculadas as médias, considerando como resultados signifi cativos p≤0,05. Os itens do QCSH-Pais foram agrupados em três categorias (Bolsoni-Silva, Marturano, Figueiredo & Manfrinato, 2006), a saber: (a) Expressão de sentimentos e enfrentamento; (b) Interação social positiva; (c) Disponibilidade social e cooperação. Por sua vez, na ECI-A2, foram considerados somente os problemas de comportamento externalizantes. As entrevistas (E-CIP), de duração aproximadamente de 60 minutos, foram gravadas e transcritas integralmente e, em seguida, foram realizadas análises de conteúdo (Bardin, 1977).

A seguir são descritos os resultados signifi cativos das análises estatísticas (Teste U de Mann-Whitney) das frequências das habilidades sociais e dos problemas de comportamento externalizantes. Para as habilidades sociais, os resultados das análises estatísticas indicaram que os Grupos não clínico e clínico diferiram-se estatisticamente (p≤0,05) nos seguintes itens da categoria Expressão de sentimentos e enfrentamento, sendo o Grupo não clínico mais habilidoso no caso de: expressar frustração e desagrado (p=0,000); expressar desejos e preferências (p=0,001); expressar carinhos (p=0,037); expressar direitos e necessidades (p=0,021); fazer críticas (p=0,001); manifestar bom humor (p=0,001). Com relação à categoria Interação social positiva, os Grupos não clínico e clínico diferiram-se signifi cativamente nos seguintes itens que compõem essa categoria, sendo que o Grupo não clínico mais habilidoso no caso de: comunicar-se com as pessoas de forma positiva (p=0,004); interagir de forma não-verbal (p=0,014); brincar com colegas (p=0,019). Por sua vez, os itens da categoria Disponibilidade social e cooperação não apresentam diferenças estatísticas signifi cativas entre os grupos. Com relação aos problemas de comportamento, as análises estatísticas indicaram que os grupos apresentaram diferenças estatísticas em todos os itens da

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ECI-A2 correspondentes aos problemas de comportamento externalizantes, a saber: fi car mal-humorado e nervoso (p=0,001); “matar” aula (p=0,038); costuma roubar ou pegar coisas dos outros às escondidas (p=0,018); ser muito agitado (p=0,000); fi car impaciente/irrequieto (p=0,001); destruir as próprias coisas ou as dos outros (p=0,000); brigar com outras crianças (p=0,000); fi car irritado (p=0,000); desobedecer (p=0,000); fi car pouco tempo numa atividade (p=0,031); falar mentiras (p=0,000); maltratar outras crianças (p=0,015); falar palavrões (p=0,009). Para todos esses itens, o Grupo clínico apresentou os problemas de comportamento com mais frequência que o Grupo não clínico.

Em seguida, os dados das entrevistas (E-CIP) a respeito das habilidades sociais e dos problemas de comportamentos das crianças que apresentaram diferenças estatísticas entre os grupos, foram agrupados considerando os relatos das mães a respeito das situações e das consequências (comportamentos das mães). Os dados dessa análise são apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4. Os relatos das mães do Grupo não clínico e clínico sobre seus comportamentos diante das habilidades sociais e dos problemas de comportamento dos seus fi lhos foram organizados em um sistema de classifi cação com duas categorias não mutuamente exclusivas: (a) Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P, Bolsoni-Silva, 2008); (b) Práticas educativas negativas (exemplos: quando os pais agridem os fi lhos de forma verbal e/ou física e fazem ameaças de agressões, quando os pais deixam os fi lhos fazerem birras, saem de perto e fi cam quietos e quando os pais dizem não aos fi lhos, sem oferecer explicações). Essas categorias foram elaboradas pelas pesquisadoras a partir da literatura nacional (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva, 2008; Gomide, 2003; Del Prette & Del Prette, 2001) e internacional (Baumrind, 1971; Hoffman, 1979) sobre práticas educativas parentais, estilos parentais e habilidades sociais educativas dos pais. Para categorizar os comportamentos das mães foi calculado um índice de concordância em 30% das entrevistas por dois codifi cadores que tiveram treinamento e que desconheciam o grupo a qual a mãe pertencia. Quando era atingido um índice de concordância de 85%, as demais entrevistas tinham as respostas das mães categorizadas independentemente pelos codifi cadores. As porcentagens de acordos encontradas foram 88,1% nos comportamentos das mães e 86,9% nos comportamentos das crianças.

Resultados

Os resultados apresentam os relatos das mães a respeito das situações e das consequências para as habilidades sociais e para os problemas de comportamento das crianças do Grupo não clínico e das crianças do Grupo clínico.

A Tabela 1 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo não clínico sobre as situações e as consequências para as habilidades sociais que apresentaram diferenças signifi cativas entre os grupos.

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Tabela 1 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo não clínico em relação às Habilidades Sociais

Situações M Habilidades sociais dos fi lhos Comportamentos das mães M

Quando a criança é contrariada

1,80

Expressa frustração e desagrado

Habilidades Sociais Educativas Parentais(HSE-P)

2,50

Expressa desejos e preferências

Faz críticas

Expressa direitos e necessidadesExpressa carinhos

Momentos de lazer com parentes e amigos

3,15

Brinca com colegas

Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P)

4,15Interage de forma não verbal

Comunica-se de forma positiva com as pessoas

Manifesta bom humor

Pela Tabela 1, nota-se que, segundo os relatos das mães, as crianças do Grupo não clínico expressam as habilidades sociais quando são contrariadas e, principalmente, em momentos de lazer. Nessas duas situações, diante das habilidades sociais dos fi lhos, as mães dizem que apresentam Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P).

A Tabela 2 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo não clínico a respeito das situações e das consequências para os problemas de comportamento que apresentaram diferenças signifi cativas entre os grupos.

Tabela 2 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Gruponão clínico em relação aos Problemas de Comportamento

Situações M Problemas de comportamento dos fi lhos Comportamentos das mães M

Momentos de lazer com parentes e amigos

0,20 Destrói objetosHabilidadesSociais Educativas Parentais (HSE-P)

0,50

Quando a criança é contrariada 0,55

Fica mal-humorado e nervoso

Práticas educativas negativas 0,60Irritável

Desobediente

Momentos de lazer com parentes e amigos

0,20

Muito agitadoPráticas educativas negativas 0,65

Fica pouco tempo numa atividade

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Os dados da Tabela 2 sugerem, pelas falas das mães do Grupo não clínico, que seus fi lhos destroem objetos em momentos de lazer com parentes e amigos; situações nas quais as mães apresentam HSE-P. Por sua vez, a Tabela 2 indica que quando as crianças são contrariadas e em momentos de lazer, elas fi cam mal-humoradas e nervosas, irritadas, desobedientes, agitadas e não param em nenhuma atividade. Nesses momentos, as mães do Grupo não clínico relatam que apresentam práticas educativas negativas.

A Tabela 3 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo clínico a respeito das situações e das consequências para as habilidades sociais que apresentaram diferenças signifi cativas entre os grupos.

Tabela 3 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo clínico em relação às Habilidades Sociais

Situações M Habilidades sociais dos fi lhos Comportamentos das mães M

Quando a criança é contrariada 0,60

Expressa desejos e preferências

Habilidades Sociais Educativas Parentais(HSE-P)

0,65Expressa direitos e necessidades

Faz críticas

Momentos de lazer com parentes e amigos

1,45

Expressa carinhosHabilidades Sociais Educativas Parentais(HSE-P)

1,60Brinca com colegas

Interage de forma não verbal

Momentos de lazer com parentes e amigos

0,25 Comunica-se de forma positiva com as pessoas Práticas educativas negativas 0,20

Momentos de lazer com parentes e amigos

0,40 Manifesta bom humor HSE-P e Práticas educativas negativas 0,50

Conforme a Tabela 3, as crianças do Grupo clínico apresentam as habilidades sociais quando são contrariadas e, especialmente, em momentos de lazer. Nessas situações, as mães do Grupo clínico dizem que quando os fi lhos expressam desejos e preferências, direitos e necessidades, críticas, carinhos, brincam com colegas e interagem de forma não-verbal, elas consequenciam positivamente essas habilidades, apresentando HSE-P. Por sua vez, quando os fi lhos comunicam-se de forma positiva e fi cam de bom humor, as mães relatam apresentar também práticas educativas negativas.

A Tabela 4 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo clínico a respeito das situações e das consequências para os problemas de comportamento que apresentaram diferenças signifi cativas entre os grupos.

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Tabela 4 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo clínico em relação aos Problemas de Comportamento

Situações M Problemas de comportamento dos fi lhos Comportamentos das mães M

Quando a criança é contrariada

0,50 Impaciente, irrequieto Habilidades Sociais Educativas Parentais(HSE-P)

1,70

Quando a criança é contrariada

3,80

Fica mal-humorado e nervoso

Práticas educativas negativas 4,20

Costuma roubar ou pegar coisasdos outros

Briga frequentemente

Irritável

Desobediente

Fala mentiras

Momentos de lazer com parentes e amigos

2,35

Fala palavrões

Práticas educativas negativas 1,60

Muito agitado

Destrói objetos

Fica pouco tempo numa atividade

Quando a criança é contrariada

0,25“Mata” aula HSE-P e

Práticas educativas negativas

1,20

Maltrata crianças

Segundo a Tabela 4, as crianças do Grupo clínico fi cam impacientes e irrequietas quando são contrariadas e, nessas situações, as mães relatam apresentar HSE-P. Os dados demonstram que as crianças fi cam mal-humoradas e nervosas, costumam roubar, brigam, fi cam irritadas e falam mentiras quando são contrariadas. Nessas situações as mães dizem que apresentam práticas educativas negativas. De forma semelhante, em momentos de lazer quando as crianças falam palavrões, fi cam agitadas, destroem objetos e não param numa atividade, as mães do Grupo clínico também relatam apresentar práticas educativas negativas. Por fi m, as mães do Grupo clínico relataram ora apresentar HSE-P, ora práticas educativas negativas, quando seus fi lhos “matam” aula e maltratam outras crianças quando são contrariados.

Ao comparar os dados das Tabelas (1, 2, 3 e 4), nota-se médias maiores de HSE-P e médias menores de práticas educativas negativas relatadas pelas mães do Grupo não clínico em relação às mães do Grupo clínico, seja diante das habilidades sociais, seja diante dos problemas de comportamento dos fi lhos, principalmente em situações que as

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crianças eram contrariadas. Portanto, enquanto as mães do Grupo não clínico relatam sempre consequenciar positivamente (com HSE-P) as habilidades sociais dos seus fi lhos, as mães do Grupo clínico ora dizem apresentar HSE-P, ora práticas educativas negativas. Quanto aos problemas de comportamento, as médias do Grupo clínico são maiores em relação às do Grupo não clínico; e as mães de ambos os grupos relatam utilizar práticas educativas negativas.

Discussão

As mães das crianças do Grupo não clínico relataram que diante dos comportamentos dos seus fi lhos, apresentavam com mais frequência HSE-P, o que corrobora com outras pesquisas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Gorman-Smith & Tolan, 1998; Koblinsky & cols., 2006; McGroder, 2000) que sinalizam que pais de crianças socialmente competentes utilizam, para direcionar os comportamentos dos fi lhos, estratégias e técnicas que se baseiam em explicações, negociações, expressão de sentimentos positivos e estabelecimento de limites com consistência.

Contudo, chama a atenção que diante de diferentes problemas de comportamento apresentados pelas crianças do Grupo não clínico, em situações distintas (em momentos de lazer e quando a criança é contrariada), as mães disseram apresentar com mais frequência práticas educativas negativas e com menos frequência HSE-P. Ao analisar os dados é possível que ambas as práticas educativas das mães (negativas e as HSE-P) tenham a função de suprimir os comportamentos indesejados dos fi lhos. Segundo alguns autores (Sidman, 2003/1989; Vasconcelos & Souza, 2006), os pais usualmente apresentam difi culdade em estabelecer limites aos fi lhos, recorrendo muitas vezes às práticas educativas negativas. Tais práticas coercitivas são utilizadas por vários motivos, dentre elas porque suprimem imediatamente os comportamentos problema dos fi lhos (Sidman, 2003/1989) e há uma valorização cultural de que a coerção é um recurso efi caz para conseguir a obediência dos fi lhos (Vasconcelos & Souza, 2006).

Contudo, apesar das práticas educativas negativas diminuírem imediatamente, após a sua apresentação, a frequência dos problemas de comportamento dos fi lhos, seus efeitos são apenas temporários (Skinner, 1970/1953). Assim, tão logo, os problemas de comportamento voltam a ocorrer, pois os pais não ensinam aos fi lhos outras possibilidades de ação e ainda podem causar diversos prejuízos para o desenvolvimento infantil, tais como baixa autoestima, agressividade e sintomas depressivos (Baum, 1999/1994; Sidman, 2003/1989; Skinner, 1970/1953; Vitolo & cols, 2005). Por isso, seria mais efi ciente e funcional que os pais aprendessem a utilizar outras estratégias educativas para estabelecer limites aos fi lhos que não se baseassem em alternativas coercitivas. Assim, partindo-se da proposta de Goldiamond, poder-se-ia propor uma intervenção às mães do Grupo não clínico visando à ampliação das HSE-P e das habilidades sociais das crianças.

Nesse sentido, as mães do grupo clínico seriam orientadas a apresentar diante dos problemas de comportamento dos fi lhos não as práticas educativas negativas, mais sim as HSE-P, as quais já fazem com menor frequência. Essa intervenção poderia, num primeiro momento, ensinar as mães a discriminarem que quando os fi lhos destroem objetos, elas apresentam HSE-P, mas quando os fi lhos apresentam outros problemas de comportamento

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(tais como fi car mal-humorado e nervoso, irritável e desobediente), as mães os agridem física ou verbalmente e/ou fazem ameaças de agressões. Posteriormente, as mães do Grupo não clínico poderiam aprender a controlar e a expressar de forma não agressiva seus sentimentos negativos, bem como pedir mudança de comportamento aos fi lhos. Assim, aproveitando o modelo construcional, na medida em que as mães ampliassem seus repertórios socialmente habilidosos (HSE-P), ao invés de apenas eliminar suas práticas educativas negativas, as crianças talvez não precisassem mais apresentar comportamentos problema para, por exemplo, ter a atenção das mães.

Em relação às habilidades sociais e os problemas de comportamento identifi cados pelas mães do Grupo não clínico, nota-se que, na maior parte das vezes, as crianças comportavam-se de forma socialmente habilidosa tanto quando eram contrariadas como em momentos de lazer. Na perspectiva de Goldiamond (2002/1974), cuja meta é a construção, o fortalecimento e a generalização de repertórios socialmente habilidosos, intervenções com as crianças do Grupo não clínico poderiam ampliar as habilidades sociais que foram identifi cadas pelas suas mães quando elas, por exemplo, eram contrariadas.

As crianças poderiam ser ensinadas, num primeiro momento, a discriminarem que há situações (tais como são contrariadas) em que ora comportavam-se de forma socialmente habilidosa (ao, por exemplo, expressar frustração, desagrado, desejos e preferências), ora apresentavam problemas de comportamento (ao, por exemplo, fi car mal-humoradas, nervosas e desobedientes). Por sua vez, na sequência, as crianças poderiam aprender que seus diferentes comportamentos traziam também consequências diversas, isto é, quando, por exemplo, eram contrariadas e expressavam frustração e desagrado de forma adequada, suas mães disseram apresentar HSE-P. Já quando as crianças eram contrariadas e fi cavam mal-humoradas e nervosas, as mães falavam que as agrediam de forma verbal ou física, faziam ameaças de agressões, etc (práticas educativas negativas).

Posteriormente, as crianças do Grupo não clínico poderiam ampliar habilidades que envolvessem, segundo Del Prette e Del Prette (2005), o autocontrole, a expressividade adequada dos seus sentimentos e a capacidade de negociação, naquelas situações que poderiam envolver confl itos de interesse, obtendo as mesmas consequências, sem, contudo, apresentar, problemas de comportamento. Portanto, é provável que os problemas de comportamento dos fi lhos diminuíssem de frequência, sem, contudo realizar uma intervenção focada na eliminação desses comportamentos (Goldiamond, 2002/1974).

No que diz respeito ao repertório comportamental das mães do Grupo clínico, observa-se que essas disseram apresentar com mais frequência práticas educativas negativas em momentos diversos diante dos problemas de comportamento externalizantes dos fi lhos. Todavia, quando os fi lhos fi cavam impacientes e irrequietos ao serem contrariados, as mães relataram apresentar HSE-P. Deste modo, uma possibilidade é que ambas as práticas educativas (as HSE-P e as práticas negativas) tenham a função de estabelecer limites aos fi lhos nos momentos em que esses dão contrariados. Contudo, as práticas educativas parentais negativas podem gerar nos fi lhos contracontrole, ressentimento, mágoa e não ensinam qual o comportamento mais desejado, apenas punem o comportamento inadequado das crianças, oferecendo ainda modelos de agressividade (Sidman, 2003/1989).

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Segundo o modelo construcional, as mães do Grupo clínico poderiam, numa intervenção, expandir as suas HSE-P para lidar com os problemas de comportamento dos seus fi lhos. Isso seria viável na medida em que os resultados demonstraram que quando os fi lhos expressavam desejos e preferências, direitos e necessidades, carinhos etc, as mães disseram apresentar HSE-P. Com isso, as mães estabeleceriam limites aos fi lhos de forma socialmente habilidosa, sendo consistentes, expressando sentimentos positivos e pedindo mudança de comportamento de forma não agressiva. Assim, as crianças possivelmente diminuíram a frequência de problema de comportamento, já que teriam atenção e afeto das mães em outros momentos, isto é, quando apresentam habilidades sociais.

A partir do modelo construcional, as intervenções realizadas com as crianças do Grupo clínico, poderiam ajudá-las a identifi car que quando são contrariadas, ora comportam-se de forma socialmente habilidosa e ora não. Consequentemente, as mães reagem diferentemente diante dos comportamentos dos fi lhos, apresentando, na maioria das vezes, práticas educativas negativas diante dos problemas indesejados dos fi lhos.

Tendo como hipótese, que tanto os comportamentos socialmente habilidosos quanto os problemáticos tenham a função de, por exemplo, obter afeto e atenção das mães, as crianças poderiam ser orientadas a ampliar suas habilidades sociais (tais como, expressão de sentimentos negativos, negociação e autocontrole). Esse procedimento seria utilizado para permitir que os fi lhos obtivessem afeto e atenção das mães por meio da apresentação das habilidades sociais e não mais pela emissão dos problemas de comportamento (Goldiamond, 2002/1974). A estratégia de intervenção seria realizada através de uma avaliação do contexto (situações e consequências) tanto das habilidades sociais quanto dos problemas de comportamento. Seria, assim, possível identifi car as habilidades sociais (por exemplo, expressar desejos, preferências, direitos e necessidades) que garantissem às crianças os mesmos reforçadores sociais conseguidos através dos problemas de comportamento. Entretanto, é preciso considerar durante as intervenções que, conforme sinalizam autores da área de habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2001, 2005), embora comportamentos topografi camente diferentes tenham a mesma função, os problemas de comportamento são mais efi cientes em obter reforçadores imediatos que os comportamentos socialmente habilidosos. Nesse caso, é preciso ensinar as crianças a discriminarem não apenas os reforços imediatos, mas também a identifi carem os efeitos negativos ao apresentarem os problemas de comportamento, tais como rejeição pelos pares e ressentimento dos pais.

Conclusão

De uma maneira geral é possível verifi car que as crianças e as mães do Grupo não clínico são socialmente mais habilidosas que as crianças e as mães do Grupo clínico, pois apresentam com mais frequência habilidades sociais infantis e Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P), respectivamente. Como os resultados indicaram que as mães do Grupo clínico apresentaram mais práticas educativas negativas frente aos

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comportamentos dos fi lhos, quando comparadas às mães do Grupo não clínico, pode-se sugerir que as primeiras sejam mais coercitivas. Todavia, a maior frequência de práticas educativas negativas identifi cadas pelas mães do Grupo clínico pode estar relacionada ao maior número de problemas de comportamento apresentado pelos fi lhos. Ou seja, o comportamento da criança é o contexto para a mãe emitir respostas para educar o fi lho, o que concorda com Biasoli-Alves (1994) que afi rma a interação entre pais e fi lhos como bidirecional. Nesse sentido, a criança tem um papel ativo na aprendizagem tanto das habilidades sociais quanto dos problemas de comportamento, infl uenciando as práticas educativas dos pais. Portanto, o que se verifi ca é que as interações entre pais e fi lhos são interdependentes.

Os resultados sugerem que o diferencial entre os Grupos refere-se aos momentos de interação positiva (por exemplo, conversar, oferecer explicações e expressar sentimentos positivos) e a frequência com que as práticas educativas negativas são utilizadas para estabelecer limites, o que concorda com estudos prévios (Bolsoni-Silva & cols., 2006; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008). Em outras palavras, as mães do Grupo não clínico parecem conseguir identifi car e consequenciar positivamente um maior número de habilidades sociais dos fi lhos, em comparação com as mães do Grupo clínico. Por sua vez, as últimas, ainda que com menos frequência, também observavam comportamentos socialmente habilidosos em seus fi lhos. A capacidade das mães em discriminar as habilidades sociais dos fi lhos foi indicada em outros estudos (tais como Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia e cols., 2007; Koblinsky & cols., 2006) e traz implicações importantes para a prática do modelo construcional, uma vez que esse propõe a utilização do reforçamento positivo, a modelagem de repertórios socialmente habilidosos e a utilização do autorregistro de comportamento em intervenções.

Essa última habilidade, em particular, pode contribuir com o desenvolvimento do autoconhecimento dos pais sobre suas práticas educativas e sobre as variáveis que as controlam. Nesse sentido, considerando que as habilidades sociais previnem problemas de comportamento (Caldarella & Merrell, 1997; De Salvo & cols., 2005; Mcclellan & Katz, 1996; Molina & Del Prette, 2006), elas podem ser utilizadas em intervenções que se fundamentam no modelo construcional de Goldiamond (2002/1974).

Tal modelo prevê uma avaliação mais ampla do repertório comportamental das crianças e dos pais, considerando tanto os comportamentos problema quanto as habilidades sociais, uma vez que é possível verifi car a existência de repertórios comportamentais habilidosos em pais e em crianças com problemas de comportamento. Nessa direção, os pais poderiam ser instruídos a aprender monitorar e ensinar comportamentos alternativos às crianças, sendo o primeiro passo, eles próprios aprenderem a se controlar e a reagir, sem agressividade, em momentos de frustração ou de contrariedade.

Este estudo exploratório procurou contribuir para um maior entendimento acerca das relações entre pais e fi lhos que podem estar relacionadas tanto com as habilidades sociais infantis quanto com os problemas de comportamento. Contudo, uma limitação importante refere-se aos dados terem sido obtidos através dos relatos das mães sobre seus comportamentos e sobre os comportamentos dos seus fi lhos e isso tem duas implicações. Primeiro, as mães podem não conseguir discriminar seus comportamentos, dos seus fi lhos e seus efeitos; segundo, as mães podem ter dado respostas que elas consideravam como

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socialmente aceitas, o que pode infl uenciar nos resultados. Assim, estudos futuros podem ser complementados com outros delineamentos metodológicos, tais como observação natural e/ou experimental.

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_____________________________ Recebido em março de 2009 Aprovado em agosto de 2009

Vanessa Barbosa Romera Leme: Psicóloga; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ( FFCLRP/USP). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.Alessandra Turini Bolsoni-Silva: Psicóloga; docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/Bauru).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

* Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda, cujo título é “Habilidades sociais e problemas de comportamento de pré-escolares e a sua relação com as habilidades sociais educativas parentais”, defendida na Faculdade de Ciências da UNESP-Bauru.

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Interações sociais e clima para criatividade em sala de aula

Ana Clara Oliveira LibórioMarisa Maria Brito da Justa Neves

Resumo: Este trabalho objetivou verificar as diferenças significativas no clima para a criatividade em turmas de 5ª série do Ensino Fundamental, as possíveis relações entre as interações professor-aluno e o clima para criatividade em sala e de que forma as concepções dos professores acerca da criatividade se inter-relacionam com um clima mais ou menos favorável à criatividade. O estudo foi realizado em uma escola pública do Distrito Federal e seus resultados sugerem que existem graus diferentes no clima para criatividade nas turmas estudadas. As turmas que evidenciaram um clima mais favorável à criatividade, também apresentaram, com mais frequência, interações professor-aluno de sintonia, cooperação e domínio em comparação às interações de desconsideração. Com relação às concepções dos professores sobre criatividade e como promovê-la, foi observado que o envolvimento e o preparo do professor têm maior influência em sua atuação em sala do que as suas concepções. Palavras-chave: interação professor-aluno; criatividade e clima para criatividade.

Social interaction and the climate for creativity in the classroomAbstract: This study aim was to investigate whether there were significant differences in the climate for creativity among fifth grade classes; to identify possible relationships between the teacher-student interactions and the climate for creativity in the classroom; and to identify how the teachers’ beliefs about creativity and its promotion in the classroom were related to a more or less favorable climate for creativity in the classroom. The study was performed in a public school of Distrito Federal and suggests that there are different degrees of climate for creativity in the fifth grade classes. Those classes exhibiting a more favorable climate for creativity also showed more frequent instances of teacher-student interaction involving harmony, cooperation and command, compared to that of disregard. With regard to the teachers’ beliefs about creativity and how to promote it, the study shows that the teacher’ preparation are more important than their beliefs about the phenomena.Key words: Creativity, climate for creativity, teacher-student interaction.

Introdução

Partindo do pressuposto de que o trabalho educativo ocorre, essencialmente, a partir das interações e das comunicações estabelecidas entre os atores da comunidade escolar e que essas interações são essenciais tanto para a aprendizagem como para o desenvolvimento dos sujeitos, torna-se imprescindível estimular relacionamentos autênticos e cooperativos para que professor e aluno possam encontrar formas adequadas de se posicionarem diante das diferentes situações presentes nas práticas educativas diárias (Marinho-Araújo, 1995).

Além da importância de focar o olhar nas interações que estão sendo construídas no espaço educativo, faz-se necessária, também, a transformação da realidade de práticas desestimulantes, tediosas e promotoras de fracasso escolar, em práticas mobilizadoras de aprendizagem gratifi cante, fecunda e comprometida com o sucesso escolar.

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Esta pesquisa concentrou-se no clima para a criatividade em sala de aula, buscando correlacioná-lo com a interação professor-aluno, constituindo-se numa tentativa de enfatizar a importância que essa relação tem na construção e consolidação do processo de desenvolvimento e aprendizagem do sujeito. Na prática, o processo de criar ou combinar novas ideias ou imagens, como diz Vygotsky (1987), faz parte da natureza humana e, como tal, deve ser entendida como um processo psicológico que se constitui numa complexa interação de elementos ao longo da história de cada sujeito; é na relação dialógica do sujeito com o ambiente que o seu desenvolvimento vai sendo construído.

Nas abordagens clássicas da Psicologia Infantil, o desenvolvimento é fator determinante para que o ensino ocorra, como se houvesse não só independência mas, também, uma condição de necessidade entre ambos os processos: a aprendizagem ocorreria em função do nível de desenvolvimento ou de maturação, sendo que a última sempre deveria preceder à primeira.

Alguns psicólogos soviéticos, como Vygotsky, Leontiev e Lúria contrapõem essa concepção, afi rmando que o desenvolvimento humano não pode, nem deve, ser desvinculado da apropriação que o sujeito faz da sua cultura; ou seja: não é um processo interno (a maturação) que possibilita a aprendizagem e sim, as apropriações que o sujeito vai fazendo da cultura na qual está inserido que vão lhe propiciando condições de aprendizagem e de desenvolvimento.

Para os soviéticos, o processo de desenvolvimento não seria anterior ao ensino. Para eles, a criança se desenvolveria na medida em que fosse ensinada e educada; isto é: na medida em que, sob a orientação de adultos ou companheiros mais experientes, se apropriasse da cultura elaborada pela humanidade (Davis, Silva & Espósito, 1989).

Essa nova concepção veio defi nitivamente mudar o enfoque dado às questões relacionadas à aprendizagem, uma vez que amplia a importância da dimensão interativa. O foco da aprendizagem, que antes incidia basicamente nas questões do indivíduo, muda e passa a centrar-se, a partir dessa nova concepção, nas questões interacionais, deixando claro que a cooperação intelectual em torno de um problema comum é fator fundamental no desenvolvimento dos sujeitos.

Porém, para que as interações sociais possibilitem a construção de determinados conhecimentos e tenham valor educativo, é necessário que elas tenham potencialidade para provocar uma ação produtiva, que forneçam, além da dimensão afetiva, desafi o e apoio para a atividade cognitiva. Davis, Silva e Espósito (1989) colocam que as interações sociais que contribuem com a construção do saber, são aquelas que exigem coordenação de conhecimentos, articulação de ações e superação de contradições. Signifi ca dizer que, será necessário que certezas sejam questionadas, o implícito explicitado, lacunas de informações preenchidas, conhecimentos ampliados, negociações estabelecidas e decisões tomadas de forma sistemática e contínua.

Hinde (1979) pode ser considerado como um autor que muito tem contribuído para a compreensão das interações sociais no contexto escolar. Ele sugere que existem dois tipos de interações mais frequentes no contexto da sala de aula: a simétrica e a complementar.

A interação simétrica, também conhecida como recíproca, ocorre quando os indivíduos envolvidos apresentam comportamento similar, simultaneamente ou

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alternadamente, e são consideradas mais raras. A complementar ocorre quando o comportamento de cada indivíduo difere, mas complementa o do outro; é uma interação muito vista na relação professor-aluno, sendo importante na iniciação ou manutenção das relações, tendo que ser compatíveis com as normas do grupo.

É importante esclarecer a diferença que esse autor faz entre relação e interação. Para Hinde (1979), uma relação seria o somatório de várias interações, pressupondo um vínculo; já uma interação, ocorreria quando um sujeito A emite um comportamento para B, com intencionalidade, o que provocaria uma reação ou resposta de A.

Ao assumirmos que o processo de aprendizagem é social, o foco da nossa atenção desloca-se, então, para as interações e os procedimentos de ensino tornam-se fundamentais. O que se fala, como se fala, em que momento e por quê; da mesma maneira que, o que se faz, como se faz, em que momento e por que se faz, afetam profundamente as relações professor-aluno, infl uenciando diretamente o processo ensino-aprendizagem.

O comportamento do professor em sala de aula expressa suas intenções, crenças, valores, sentimentos e desejos, confi gurações essas que afetam não só o aluno individualmente, mas, também, toda a turma. Então, o que seria necessário para que essa relação se consolidasse da forma mais saudável possível, potencializadora da criatividade, estimuladora de aprendizagem?

As teorizações de Bruner (1977) podem nos ajudar a responder essa questão. O autor descarta a ideia de prontidão para a aprendizagem. Para ele, é possível ensinar qualquer coisa para qualquer criança, não interessando o momento do desenvolvimento, visto que o fundamental é a interação entre a criança, o assunto e o modo pelo qual o conhecimento é apresentado. Dessa forma, o aluno é colocado em uma situação ativa, percebido como o construtor de sua própria aprendizagem, cabendo ao professor o papel de desafi ador e não apenas o de fornecedor de respostas prontas. O autor argumenta que o desenvolvimento da criança depende dos andaimes que irão lhe proporcionar as ajudas, direções e orientações sobre o ambiente que a rodeia (Bruner, 1990). O autor esclarece, portanto, o papel central do professor como mediador do desenvolvimento e de aprendizagem dos alunos.

Para esse autor, cabe ao professor propor dúvidas aos alunos. O que é isso se não possibilitar novos pensamentos, descobrir novos caminhos; em resumo: desenvolver a criatividade. Todo professor deseja encontrar em seus alunos características que são necessárias e desejáveis para que os objetivos educacionais sejam alcançados, tais como: criatividade, participação, refl exão, interesse e cooperação. Para que isso ocorra, é necessário que esse aluno esteja inserido em um ambiente interativo onde haja diálogos estimuladores.

Dentre as várias possibilidades sugeridas na literatura, de como a relação professor-aluno possa estar se constituindo de forma a possibilitar o desenvolvimento do potencial criativo, serão destacadas as seguintes (Alencar & Fleith, 2003): valorização da pessoa do aluno; confi ança na sua capacidade e competência; apoio à expressão e a participação do aluno em sala, principalmente quanto à expressão de novas ideias; ajuda no fortalecimento de traços de personalidade, como autoconfi ança, curiosidade, persistência, independência de pensamento; coragem para explorar situações novas e lidar com o desconhecido; expor o aluno apenas a críticas construtivas; conceber o erro como parte do processo de aprendizagem e o cultivo do senso de humor em sala de aula.

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Contribuindo para a ampliação dessas possibilidades, Martínez (1997) acrescenta a essa lista algumas outras como: o incentivo à autoavaliação; a interação com o aluno fora do contexto da sala de aula; compartilhar experiências pessoais, quando for possível, relacionando-as ao conteúdo ministrado e à apresentação de informações signifi cativas, atualizadas e conectadas entre si.

É importante salientar que existem muitas barreiras no próprio sistema educacional que difi cultam a expressão da criatividade. Inicialmente, pode-se afi rmar que nossa educação ainda é voltada para a memorização, que exige dos alunos a reprodução de um conhecimento ultrapassado ou até mesmo irrelevante. Reconhecemos, também, como barreira, o fato de que, desde cedo, se aprende só existir uma resposta para cada questão, o que cristaliza a concepção dicotômica do certo ou errado e gera o medo de errar, reduzindo a participação dos alunos, uma vez que o erro está associado ao fracasso. Uma outra barreira é a impregnação de uma cultura do fracasso no sistema escolar. Percebe-se, no contexto escolar, um discurso recorrente de pessimismo, de menos valia, de incapacidade, de ignorância e incompetência do aluno – o alvo mais frequente – mas, também, do professor, da direção, o que difi culta a percepção e o vislumbre de uma visão mais otimista e real do cotidiano escolar (Fleith & Alencar, 2003).

Por fi m, convém salientar que o ensino tem se voltado quase que exclusivamente para o conhecimento do mundo exterior, pouco se relacionando aos sonhos, ideais, à refl exão sobre si mesmo, não favorecendo o autoconhecimento. Permitir o autoconhecimento, por meio de um ensino voltado para o desenvolvimento do potencial criativo de cada estudante, é permitir que ele esteja permanentemente em contato com suas necessidades e desejos. Sendo assim, as escolas deveriam estimular o pensamento divergente e o uso da imaginação, além de entender que educar é preparar e permitir que cada aluno possa viver de uma forma efi ciente num mundo em constantes e rápidas mudanças.

Recuperando, portanto, o conceito de criatividade como um atributo essencialmente humano, uma condição essencial à existência humana, que pode estar presente tanto em grandes descobertas, em grandes obras de arte, assim como em toda manifestação humana, em todos os tempos e lugares (Aspesi, Chagas & Fleith, 2005), deve-se observar e compreender de que forma as interações sociais podem ser potencializadoras ou não no estabelecimento de um clima favorável à criatividade nas salas de aula.

Para melhor esclarecer a importância de se compreender como a interação professor-aluno e o fenômeno da criatividade são dois fenômenos que podem e devem caminhar juntos, apresentaremos a seguir algumas contribuições de outros pesquisadores, que vêm se aproximando dessa questão. Um estudo realizado por Alencar (2000), com alunos pós-graduandos, sobre comportamentos que caracterizavam um professor como facilitador ou inibidor do desenvolvimento e da expressão de habilidades criativas em seus alunos, revelou que as categorias mais relacionadas foram: preparação pedagógica e técnicas instrucionais, aqui os alunos referiam-se principalmente àquele professor que utilizava discussão e debates como incentivo para o aluno questionar e refl etir; bagagem de conhecimento, a descrição do professor aqui era o de uma pessoa com grau de conhecimento elevado e domínio do conteúdo; e a relação professor-aluno, onde os aspectos mais salientados foram tratar o aluno com respeito e cordialidade e ter relacionamento amigável.

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Nos últimos anos, outras pesquisas têm sugerido o aprofundamento do estudo da relação professor-aluno, com a fi nalidade de examinar a dinâmica da sala de aula para que comportamentos e formas de comunicação que favoreçam ou não a atividade criativa sejam desvendados (Cassassus, 2007; Mariani & Alencar 2005; Neves-Pereira, 2004; Santeiro, Santeiro & Andrade, 2004). A pesquisa realizada por Mariani e Alencar (2005) com professores de História, apontou que, na percepção da maioria dos docentes de História, a falta de habilidade na relação com o aluno foi o fator que mais restringe a expressão criativa, sendo esse um dos limitadores mais destacados. Foram enfatizadas, ainda, como barreiras à criatividade docente, os seguintes aspectos: difi culdade na comunicação e na utilização da linguagem adequada de acordo com a faixa etária do aluno, enquanto uns professores têm facilidade de se relacionar com alunos das séries iniciais, outros preferem as séries mais adiantadas, fato esse não considerado pelos dirigentes escolares na distribuição das turmas; difi culdade em controlar a disciplina e a inabilidade em articular formas diversifi cadas de aula, para torná-las mais prazerosas.

Uma pesquisa realizada com alunos universitários, calouros de Biomedicina, no interior paulista, procurou identifi car quais seriam as características do professor facilitador e/ou inibidor da criatividade. Os resultados sinalizaram como característica facilitadora da criatividade o preparo do professor e como inibidora, o modo como o professor se relaciona com os alunos (Santeiro, Santeiro & Andrade, 2004). Esses dados vão na mesma direção dos achados por Alencar (2000) com alunos de pós-graduação.

Um trabalho recente, que não se propôs exatamente ao estudo da criatividade, nem da interação professor-aluno, mas que veio corroborar a importância de estudos nessa área, foi dirigido e apresentado por Juan Casassus (2007), responsável pelo programa da Unesco sobre o estado da educação na América Latina e Caribe. De acordo com os dados, os pesquisadores concluiram que grande parte da desigualdade que se observa na escola é produzida dentro da própria escola e não algo herdado das diferenças entre as famílias. As justifi cativas apresentadas são de que a desigualdade aumenta, em parte, porque o afastamento que existe entre os alunos e seus professores possibilita e facilita a ação do ambiente social, que no caso dos fi lhos de famílias com mais recursos é quase sempre mais favorável aos alunos. Outra constatação da pesquisa foi a confi rmação da importância de um ambiente emocional para a aprendizagem, que pode ser favorável ou não, e a necessidade de os professores serem preparados para desenvolver competências interpessoais.

Compreendendo que o fenômeno da criatividade deve ser defi nido dentro da dimensão do desenvolvimento humano, e entendendo que o desenvolvimento humano dá-se primordialmente nas interações sociais, assumimos, nesse trabalho, a criatividade como a construção de algo novo (pelo menos para quem o produz) e que satisfaça as exigências de uma determinada situação social (Martínez, 1977). Ampara-se nas ideias de Vygotsy (1987) quando esse autor aponta, como impulsos básicos do ser humano, o impulso de imitar e o de criar. O impulso de criar ou combinar novas imagens ou ações ocorreria sempre que o indivíduo não se limitasse a reproduzir fatos ou impressões já vividas.

Partindo dessas argumentações, o presente trabalho buscou investigar a relação professor-aluno, visando compreender de que forma essas relações podem ser favorecedoras para um clima propício ou não à criatividade em sala de aula.

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Método

ParticipantesFizeram parte da pesquisa 226 alunos que cursavam a 5ª Série do Ensino

Fundamental e oito professores de um Centro de Ensino Fundamental, de uma escola da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Os alunos tinham entre 10 e 15 anos e estavam distribuídos em oito turmas. Quanto ao gênero, 50,4% eram do gênero feminino e 49,6%, do masculino. Os oito professores participantes tinham média de idade de 40,1 anos, com curso superior completo, com mais de dez anos de experiência em sala de aula, seis eram do gênero feminino e dois, do masculino. Esses professores lecionavam as seguintes disciplinas: Matemática, Educação Física, Inglês, Educação Artística, Ciências, Português, Geografi a e História.

Instrumentos1 – A Escala sobre Clima para Criatividade em Sala de Aula (Fleith & Alencar,

2005) foi um instrumento construído com o objetivo de avaliar e/ou diagnosticar comportamentos do professor favoráveis à expressão criativa dos seus alunos, assim como verifi car características dos alunos associadas à criatividade, é um instrumento que deve ser respondido pelos alunos. A Escala possui no total 22 itens, distribuídos em cinco fatores, a saber: Suporte da Professora à Expressão de Ideias do Aluno – Fator 1 (esse fator é composto por cinco itens, que dizem respeito ao apoio que a professora dá ao seu aluno para que ele sinta-se seguro, visando estabelecer uma relação de confi ança); Autopercepção do Aluno com Relação à Criatividade – Fator 2 (composto por quatro itens, que procuram identifi car a imagem que o aluno tem de si mesmo com relação a ser criativo ou não); Interesse do Aluno pela Aprendizagem – Fator 3 (composto por seis itens que visam identifi car o nível de envolvimento do aluno com o trabalho escolar); Autonomia do Aluno – Fator 4 (composto por quatro itens que buscam identifi car traços de personalidade normalmente presentes em pessoas criativas) e Estímulo da Professora à Produção de Ideias do Aluno – Fator 5 (composto por três itens que visam identifi car a postura do professor quanto ao incentivo e à aceitação das ideias geradas pelos alunos).

Os primeiros estudos foram realizados com alunos da 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental e os resultados indicaram a pertinência da escala como instrumento de pesquisa e como identifi cador de condutas docentes que favorecem o desenvolvimento e expressão das habilidades criativas dos alunos (Fleith & Alencar, 2005). Neste estudo, utilizou-se uma versão adaptada dessa escala visando atender as especifi cidades dos alunos da 5ª série. A pontuação da escala original e, também, da versão adaptada, varia de 1 a 5, sendo 1 referente a Nunca, 2 a Poucas Vezes, 3 a Algumas Vezes, 4 a Muitas Vezes e 5 a Sempre.

2 – Entrevistas individuais semiestruturadas realizadas com os professores com a fi nalidade de identifi car quais as concepções deles sobre criatividade, sobre os fatores que interferem no seu desenvolvimento, como estabelecer um clima favorável à criatividade em sala de aula, qual o papel da interação professor-aluno no processo de desenvolvimento da criatividade e quais as principais barreiras para a implementação de um ambiente favorecedor do desenvolvimento da criatividade em sala de aula.

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3 – Observações em sala de aula. As observações tiveram como objetivo anotar as ações concretas e reais do contexto de sala de aula e foram registradas por meio fi lmagens realizadas com duas câmaras de vídeo posicionadas no fundo das salas em oposição ao posicionamento do professor.

ProcedimentosApós aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da

Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, em Março/2008, sob o registro 003/2008, RG/SISNEP: FR – 176257, iniciou-se a pesquisa por um estudo piloto, com alunos da 5ª série para verifi cação e validação semântica da Escala Sobre Clima para Criatividade em Sala de Aula, (Fleith & Alencar, 2005).

Após a validação, iniciou-se a coleta dos dados pela aplicação da Escala Adaptada. A disciplina por turma foi escolhida por sorteio. A Turma 1 (T1) – Inglês, T2 – Educação Física, T3 – História, T4 – Educação Artística, T5 – Matemática, T6 – Ciências, T7 – Geografi a e T8 – Português.

No segundo momento, foram realizadas as entrevistas individuais e semiestruturadas com os professores, onde se procurou esclarecer: o que era criatividade, quais os fatores que mais interferem no seu desenvolvimento, o que é necessário para que se estabeleça um clima favorável em sala de aula, como é possível identifi car a criatividade em sala, qual o papel da relação professor-aluno na expressão da criatividade do aluno e do professor e quais os maiores impedimentos para a implementação de práticas pedagógicas encorajadoras da criatividade no contexto da sala de aula.

No terceiro momento foram realizadas as observações em sala, onde foi possível identifi car quais as características ou tipos de interação professor-aluno foram mais recorrentes.

Análise dos dadosOs dados da Escala Adaptada foram analisados utilizando-se o programa SPSS,

Versão 13.0 (2004). Esse pacote estatístico foi utilizado com a fi nalidade de verifi car a diferença de percepção do clima para criatividade nas diferentes turmas, o que possibilitou traçar um perfi l de como estava o clima para a criatividade em cada uma das salas, segundo a percepção dos alunos.

As entrevistas foram analisadas utilizando-se a técnica da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1997) com o objetivo de identifi car as concepções dos professores a respeito dos fenômenos propostos na pesquisa.

O registro das observações obtidos por meio das fi lmagens foi o último instrumento a ser analisado. De posse das gravações, foram selecionados 20 minutos de cada aula (do 5º ao 25º minuto), e realizada as transcrições dos episódios interacionais que ocorreram entre alunos e professores. Foram considerados episódios interacionais toda verbalização ou ação motora de um sujeito (professor ou alunos) dirigida clara e diretamente a outro, seguida de verbalização e ação motora deste para o primeiro (Hinde, 1979).

As interações observadas no estudo foram classifi cadas com base em categorias relacionais, propostas por Duran (1987) e Marinho-Araújo (1995), sendo elas: de

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sintonia, quando as ações e os comportamentos dos indivíduos envolvidos indicam reciprocidade, harmonia, acordo mútuo, correspondência de interesses ou objetivos; de domínio, quando há primazia de comportamentos de um dos indivíduos sobre o outro, onde um se destacará como responsável pela direção da interação, com a fi nalidade ou não de infl uenciar, conter ou controlar as atividades ou ações do outro, mudando ou não normas ou acordos pré-estabelecidos; de cooperação caracterizada por interações que envolvem ações desempenhadas com a fi nalidade de atingir um benefício comum entre os sujeitos envolvidos, e ainda podendo colaborar na resolução de confl itos e de desconsideração onde estão presentes a falta de atenção, a negação de ajuda, a hostilidade e mesmo a desqualifi cação das necessidades apresentadas pelos sujeitos.

Resultados

Os resultados obtidos com os três instrumentos foram os seguintes:Escala Adaptada sobre Clima para Criatividade em Sala de Aula (Fleith & Alencar,

2005). Para verifi car a diferença de percepção do clima para criatividade nas diferentes turmas, foram realizadas análises de comparação das médias por meio da ANOVA (Analysis of Variance). Nas Tabelas do número 1 a 5 serão apresentados os valores referentes ao N (número de alunos) por turma, a Média, o DP (Desvio Padrão).

A Tabela 1 apresenta os valores referentes ao Fator 1. As letras entre parênteses, após os números das turmas, representam suas respectivas disciplinas.

Tabela 1- Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 1)

Turmas N M DP

T1 (I) 32 3,87 0,70

T2 (EF) 30 4,06 0,79

T3 (H) 34 3,69 0,77

T4 (EA) 31 3,26 0,83

T5 (M) 21 3,11 0,78

T6 (C) 28 3,48 0,77

T7 (G) 26 3,34 0,87

T8 (P) 24 3,22 0,76

Com relação ao Fator 1 (Suporte da professora à expressão de ideias do aluno),

o que observamos é que existem diferenças signifi cativas entre as turmas (F [7;218] = 5,18; p=0,000. Ao se realizar o teste de Scheffé, utilizado como post hoc, verifi cou-se que a média de T2 (M=4,06; DP=0,79) é signifi cativamente maior que a média das demais turmas.

As turmas T1 (M=3,87; DP=0,70) e T2 (M=4,06; DP=0,79) mostraram-se signifi cativamente diferentes de T4 (M=3,26; DP= 0,83), T5 (M= 3,11; DP=0,78) e T8 (M=3,22; DP=0,76), contudo não evidenciam diferenças signifi cativas entre si..

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As turmas T4 (M=3,26; DP= 0,83), T5 (M= 3,11; DP=0,78), T6 (M=3,48; DP= 0,77), T7 (M=3,34; DP=0,87) e T8 (M=3,22; DP=0,76) não evidenciaram diferenças signifi cativas entre si. Na Tabela 2 apresentaremos os dados referentes ao Fator 2.

Tabela 2 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 2)

Turmas N M DP

T1 (I) 32 3,70 0,88

T2 (EF) 30 4,20 0,53

T3 (H) 34 4,09 0,57

T4 (EA) 31 3,77 0,76

T5 (M) 21 3,83 0,91

T6 (C) 28 3,37 0,90

T7 (G) 26 3,37 0,81

T8 (P) 24 3,88 0,81

Com relação ao Fator 2 (Autopercepção do aluno com relação à criatividade) os resultados indicam que também há diferenças signifi cativas entre as turmas (F [7;218]=4,37; p=0,000). As turmas que apresentaram diferenças signifi cativas foram T2 (M=4,20; DP=0,53) e T3 (M=4,09; DP=0,57) com relação a T6 (M= 3,37; DP=0,90) e T7 (M=3,37; DP=0,81). Na Tabela 3 apresentaremos os dados referentes ao Fator 3.

Tabela 3 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 3)

Turmas N M DP

T1 (I) 32 3,89 0,52

T2 (EF) 30 4,29 0,49

T3 (H) 34 4,00 0,51

T4 (EA) 31 3,82 0,79

T5 (M) 21 3,33 0,85

T6 (C) 28 3,75 0,73

T7 (G) 26 3,58 0,55

T8 (P) 24 3,45 0,69

Com relação ao Fator 3 (Interesse do aluno pela aprendizagem) os resultados sinalizam que existem diferenças signifi cativas entre as turmas (F[7;218]=6,19; p=0,000). As turmas T1 (M=3,89; DP=0,52), T2 (M=4,29; DP=0,49), T3 (M=4,00; DP=0,79) e T4 (M=3,82; DP=0,79) não evidenciaram diferenças signifi cativas entre si, assim como as T5 (M=3,33; DP=0,85), T6 (M=3,75; DP=0,73), T7 (M=3,58 DP=0,55) e T8 (M=3,45; DP=0,69) também não.

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Já T1 (M=3,89; DP=0,52), T2 (M=4,29; DP=0,49), T3 (M=4,00; DP=0,79) se diferenciaram de T5 (M=3,33; DP=0,85); T2 (M=4,29; DP=0,49) de T6 (M=3,75; DP=0,73) e T7 (M=3,58 DP=0,55); e T2 (M=4,29; DP=0,49) e T3 (M=4,00; DP=0,79) de T8 (M=3,45;DP=0,69). Na Tabela 4 apresentaremos os dados referentes ao Fator 4.

Tabela 4 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 4)

Turmas N M DP

T1 (I) 32 2,95 0,63

T2 (EF) 30 3,24 0,78

T3 (H) 34 3,04 0,80

T4 (EA) 31 2,95 0,89

T5 (M) 21 2,41 0,85

T6 (C) 28 2,79 0,81

T7 (G) 26 2,67 0,71

T8 (P) 24 2,49 0,55

Com relação ao Fator 4 (Autonomia do aluno), os dados também indicam que existem diferenças signifi cativas entre as turmas (F[7;218]=3,58; p=0,001). As turmas T1 (M=2,95; DP=0,63), T2 (M=3,24; DP=0,78), T3 (M=3,04; DP=0,80) e T4 (M=2,95; DP=0,89), T6 (M=2,79; DP=0,81) e T7 (M=2,67; DP=0,71) não evidenciaram diferenças signifi cativas entre si.

Porém T5 (M=2,41; DP=0,85) e T8 (M=2,49; DP=0,55) evidenciaram diferenças signifi cativas com relação à T2 (M=3,24; DP=0,78). Na Tabela 5 apresentaremos os dados referentes ao Fator 5.

Tabela 5 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 5)

Turmas N M DP

T1 (I) 32 3,40 0,73

T2 (EF) 30 3,68 0,81

T3 (H) 34 3,24 0,70

T4 (EA) 31 3,47 1,23

T5 (M) 21 3,25 0,80

T6 (C) 28 3,65 0,94

T7 (G) 26 3,28 0,99

T8 (P) 24 2,96 1,13

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Com relação ao Fator 5 (Estímulo do professor à produção de ideias dos alunos) os dados sugerem que não há diferença signifi cativa entre as turmas (F[7;218]=1,76; p=0,96).

Com o objetivo de sumarizar e melhor visualizar as médias de todas as turmas, bem como identifi car outros resultados, apresentaremos na Tabela 6 os valores com as médias dos cinco fatores em cada turma.

Tabela 6 – Média dos Fatores nas Oito Turmas

Percepção do aluno do Clima para Criatividade em Sala de Aula

TURMAS

T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8

M M M M M M M M

Fator 1: Suporte do Professor à Expressão de Ideias 3,87 4,06 3,69 3,26 3,11 3,48 3,34 3,22

Fator 2: Autopercepção do Aluno com Relação à Criatividade

3,69 4,20 4,08 3,77 3,83 3,36 3,36 3,87

Fator 3: Interesse do Aluno pela Aprendizagem 3,88 4,29 3,99 3,82 3,32 3,75 3,58 3,45

Fator 4: Autonomia do Aluno 2,94 3,24 3,04 2,95 2,40 2,79 2,67 2,48

Fator 5: Estímulo do Professor à Produção de Ideias do Aluno 3,39 3,67 3,23 3,47 3,25 3,65 3,32 2,95

Ao compararmos os resultados obtidos nas oito turmas nos cinco fatores, observamos que a turma que obteve as maiores médias em todos os fatores foi T2. Também podemos identifi car que os fatores melhores avaliados pelos alunos foran Interesse do Aluno pela Aprendizagem e Autopercepção do Aluno com Relação à Criatividade e o pior avaliado em todas as turmas, foi Autonomia do Aluno.

Entrevista Semiestrutrada. A partir das respostas dos professores às questões propostas nas entrevistas, as verbalizações foram organizadas em temas, que posteriormente compuseram três categorias, confi gurando, assim, um procedimento indutivo de análise. A seguir, apresentaremos as categorias, suas descrições e análises.

Categoria 1 – Defi nição e concepção de criatividade. Para os professores entrevistados, criatividade é a expressão espontânea da realidade

interna e a capacidade de transformar e solucionar problemas de forma inovadora. Os professores a concebem como uma capacidade inata (5/8 dos participantes), como algo a ser adquirido (2/8) e como uma capacidade que pode ser inata ou adquirida (1/8).

Categoria 2 – Estabelecendo um clima favorável à criatividade em sala de aula. Os professores sugeriram que a atuação e motivação do professor associados a

um ambiente adequado, estimulante e tranquilo são os fatores mais importantes para

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o estabelecimento de clima favorável à criatividade. Em segundo lugar, apontaram a necessidade de utilização de recursos materiais adequados e a crença do professor na capacidade do aluno.

Categoria 3 – Papel da relação professor-aluno na expressão da criatividade. A análise nos permitiu identifi car que, para os docentes (6/8), o papel da relação

professor-aluno é o de estabelecer uma relação de cumplicidade, confi ança e empatia, aparecendo de uma forma menos frequente a necessidade de conhecer o aluno em seus aspectos cognitivos e afetivos.

Observações em sala. O objetivo inicial era observar quatro tipos de interações: sintonia, cooperação, domínio e desqualifi cação; porém, no decorrer da análise, surgiu um outro tipo de interação, a de ensino. Por interação de ensino entendemos toda ação e/ou fala dos indivíduos que indicam que esses estão envolvidos em transmitir informações referentes ao conteúdo ministrado.

A Figura 1 traz um exemplo de como os episódios interacionais foram analisados nas turmas observadas.

Episódio Tipo de interação Referência Resultado observado

Um aluno levanta a mão e pergunta a professora: O que é Lan House? Fugindo do assunto que é plural dos substantivos.

Sintônica 4’ 56” A professora para a explicação, ouve o aluno e responde: Casa de Rede.

Um aluno levanta e faz uma brincadeira, a professora faz um gesto para que ele se sente.

Domínio 8’ 45” O aluno se senta.

Um aluno faz uma pergunta sobre as questões da prova Cooperação 15’ 29

A professora responde “Oh, já na prova, vocês sabem como nós trabalhamos, damos a frase e eu digo lá, digamos que eu tenha colocado assim: quando a palavra termina em Y, nós acrescentamos apenas E, está certo ou errado?”

A professora dá uma explicação do que é a sigla Lan “um sistema grande, .. é igual à sigla SOS?” Um aluno faz uma brincadeira: “socorro” .

Desconsideração 5’ 42” A professora continua a explicação e desqualifi ca a brincadeira do aluno.

A professora pergunta o que é SOS? Alguns alunos respondem juntos: É um pedido de socorro.

Ensino 5’ 45”

A professora repete a resposta dos alunos e explica que ela significa “save ours souls”, em português “salvem nossas almas”

Figura 1 – Episódios, tipo de interação, referência e resultado observado na T1

A Tabela 7 traz a quantidade de episódios identifi cados e sua classifi cação (tipos) por turma, em valores brutos, após 20 minutos de observação em cada turma.

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Tabela 7 – Tipos e quantidades de interações professor-aluno por turma num período de 20 minutos

Tipos de InteraçõesTurmas

T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8

Sintônica 10 8 2 3 9 5 9 6

Domínio 9 8 6 13 10 1 4 11

Cooperação 11 3 2 4 9 1 4 5

Desconsideração 1 1 2 12 21 8 25 11

Ensino 57 39 3 19 102 37 64 57

TOTAL 88 59 14 51 151 52 106 90

Discussão

A partir dos resultados obtidos com esta pesquisa podemos afi rmar que existem nas turmas de 5ª séries estudadas diferentes graus de clima para a criatividade.

Segundo a percepção dos alunos, as turmas que obtiveram os melhores índices nos fatores medidos pela Escala, foram as de Educação Física (T2), História (T3), Inglês (T1), não evidenciando diferenças signifi cativas entre si. Enquanto os menores índices, em ordem decrescente, foram nas turmas de Educação Artística (T4), Ciências (T6), Geografi a (T7), Português (T8) e Matemática (T5), que também não indicaram diferenças entre si.

Os fatores melhor avaliados foram os que se referem ao – Interesse do aluno pela aprendizagem – (Fator 3) e o que indica a – Autopercepção do aluno com relação à sua criatividade – (Fator 2). Esse dado pode sinalizar que os alunos, de forma geral, estão atentos e interessados com o próprio processo de aprendizagem e acreditam em sua capacidade de criar, mesmo quando não avaliam suas salas como um espaço com clima favorável à criatividade.

Um resultado de pesquisa similar a esse foi evidenciado por Neves-Pereira (2004) ao observar e analisar crianças do jardim de infância. A autora constatou que a falta de condições teórica, técnicas e pessoais de alguns professores para lidar com as potencialidades criativas de seus alunos, não eram impeditivos para que muitos alunos demonstrassem uma disposição para a criatividade.

Também Renzulli (1992) salienta o quão é importante o interesse do aluno por sua aprendizagem na promoção de uma aprendizagem criativa e que esse interesse depende, em parte, da motivação do aluno que será despertada tanto mais ele for exposto a diversos tipos de conteúdos. O interesse do aluno depende, também, da atenção do professor em considerar as habilidades, interesses e estilos de aprendizagens dos seus alunos a fi m de promover seu envolvimento nas atividades propostas em sala.

Ao utilizarmos a análise de variância univariada (ANOVA) para verifi car diferenças e semelhanças entre as turmas, foi constatado que o Fator 5 – Estímulo da Professora à

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Produção de Ideias do Aluno – não importa qual seja a disciplina, não apresentou diferença signifi cativa entre as turmas. Uma explicação possível refere-se ao desconhecimento ou desinteresse por parte dos professores de seu papel e da importância dos alunos serem estimulados à produção de ideias e ao pensamento divergente como um fator preponderante para o estabelecimento de um clima favorecedor do desenvolvimento da criatividade em sala, assim como a relevância do seu papel de mediador nesse processo.

Isso talvez explique o fato de os professores apontarem, como condição necessária para estabelecer um clima favorável à criatividade em sala, coisas como: interesse do aluno, motivação do professor, conhecimento dos temas que serão abordados com os alunos, aprender a ouvir mais os alunos e relações cordiais entre professores e alunos, a utilização de recursos materiais adequados e a crença do professor na capacidade do aluno, não trazendo o estímulo deles à produção de ideias dos alunos como tema relevante.

Uma descoberta interessante foi quanto à percepção que os alunos têm sobre sua autonomia em sala. Em todas as turmas, o Fator 4 – Autonomia do aluno – foi o que obteve a pior avaliação dos alunos, o que sugere que eles podem não estar tendo a oportunidade de fazer escolhas, que não têm muito poder de decisão na hora de escolher como fazer os trabalhos ou tarefas. Isso pode provocar a falta de envolvimento nas atividades que estão realizando, o que contraria um dos princípios básicos para o desenvolvimento da criatividade em sala que é a necessidade de estimular o aluno a se tornar mais autônomo e independente, capaz de organizar seu campo de ação e tomar decisões.

Na análise das interações, inicialmente objetivou-se observar a ocorrência das interações de sintonia, domínio, cooperação e desconsideração; mas, no decorrer da análise, observou-se que a interação de ensino era a mais recorrente em todas as turmas, com exceção de T3. A explicação possível é que a atividade proposta para T3 era copiar do quadro, o que não favoreceu a interação professor-aluno e sim, aluno-aluno.

Com relação às interações de sintonia, domínio, cooperação e desconsideração, o resultado aponta que, em todas as turmas, ocorreram os quatro tipos e o que as diferenciou foi a frequência com que ocorreram. Na T1 e T2, as interações mais frequentes após as de ensino foram as de sintonia e cooperação. Já T3, teve como mais recorrente a de domínio. Nas três outras turmas, a que ocorreu com menor frequência foi a de desconsideração.

Nas turmas T4, T5, T6, T7 e T8 observou-se como a mais frequente, após a de ensino, as interações de desconsideração e domínio. Esses resultados vêm corroborar estudos realizados por Fleith (2000) com professores e alunos da 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, os quais indicam que, em ambientes inibidores da criatividade, normalmente as ideias são ignoradas, os professores são controladores, os erros não são permitidos e as regras são excessivas.

Ao cruzarmos os dados obtidos das Entrevistas com os da Escala, pode-se afi rmar que as concepções que os professores têm sobre criatividade apresentaram poucos efeitos sobre como esses mesmos professores procedem em sala de aula.

Em algumas das salas observadas, tais como T1, T2 e T3, verifi camos que mais importante do que a concepção do professor sobre a criatividade, foi que nas turmas citadas trata-se de uma concepção mais inclinada para uma capacidade inata (T1 e T3) e ambientalista (T2), foi o estabelecimento de um clima favorável à criatividade por

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meio do suporte que os discentes deram à expressão de ideias dos alunos, a postura do professor ao lidar com os alunos, a forma como apresentaram o conteúdo em sala, as possibilidades criadas em sala para que os alunos se expressassem e desenvolvessem o tema, como por exemplo, com exercícios em grupo, com tempo para que os alunos refl etissem sobre as questões, ou seja, o que fez diferença foi o preparo técnico, teórico e pessoal do professor, mais precisamente a motivação e o interesse tanto do professor como do aluno de estar em sala de aula.

Professores que argumentaram que a criatividade seria um dom ou algo próprio do indivíduo, tais como professores das turmas T1, T3 e T4, foram professores que na percepção dos alunos estabeleceram um clima mais favorável à criatividade. Professores que apontaram a importância do ambiente mobilizaram poucos recursos, caso verifi cado em T5 e T8, e os que defendiam a ideia de algo inato e adquirido, T7, se deparou com resistência por parte de alguns alunos em sala o que o deixou mobilizado.

Ao cruzar os dados obtidos com a Escala e a Observação em Sala se percebeu que nas turmas onde havia um clima mais favorável à criatividade, as interações de desconsideração ocorriam com menos frequência em oposição com as turmas que apresentavam uma avaliação menos favorável à criatividade.

Um ponto importante a salientar é que todos os tipos de interações observados durante a pesquisa ocorreram em todas as turmas. Percebemos, também, que houve em algumas turmas uma preocupação por parte dos professores em promover continuamente as interações, estabelecendo processos interativos de sintonia, cooperação e de domínio, de forma mais equilibrada, como foi identifi cado nas turmas 1, 2 e 3. Essas foram turmas onde também foi identifi cado um clima mais favorável à criatividade (ver Tabela 7).

Já nas turmas T4, T5, T6, T7 e T8, apesar de ter sido percebido certa preocupação dos professores em promover interações, elas se caracterizavam mais como de desconsideração ou de domínio. Essas foram turmas onde foi identifi cado um clima menos favorável à criatividade (ver Tabela 7).

Podemos concluir que as interações que se caracterizem como de sintonia, cooperação e até de domínio, em oposição às de desconsideração, podem se constituir como um fator potencializador para um clima mais favorável à criatividade em sala de aula.

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Ana Clara Oliveira Libório: Psicóloga; Mestranda em Psicologia no Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília (UnB).Marisa Maria Brito da Justa Neves: Psicóloga; Doutora em Psicologia (Universidade de Brasília/UnB). Professora colaborada plena do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia (Universidade de Brasília/UnB).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Psicologia e presença feminina nos discursos médico e católico na primeira metade do século XX

Flávia Moreira Oliveira Adriana Amaral do Espírito Santo

Marcela Peralva Aguiar Ana Maria Jacó Vilela

Resumo: Este artigo pretende analisar as interfaces da produção científica feminina no início do século XX com a constituição do espaço psi no Brasil, utilizando para tanto um artigo do periódico católico “A Ordem” e uma tese da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Para sermos mais precisos, nosso recorte temporal situa-se nos primeiros 40 anos do século XX, uma vez que datam desse período os primeiros trabalhos de caráter psicológico escritos por mulheres encontrados por nós, dentre as teses de Medicina e as edições da revista “A Ordem” consultadas. As produções da Medicina e da Igreja Católica foram eleitas como fontes privilegiadas a partir de constatações de uma pesquisa mais ampla, que demonstrou a grande importância que esses discursos – o médico e o religioso – tiveram na construção do campo da psicologia no Brasil. Palavras-chaves: mulher; medicina; catolicismo.

Psychology and female presence in medical and catholic discoursesin the first half of the 20th (twentieth) century

Abstract: This article aims at analyzing interfaces of female production in the beginning of the 20th (twentieth) century with the creation of the “psi” space in Brazil, using for this purpose an article from a catholic journal “A Ordem” and a thesis from Rio de Janeiro School of Medicine. More precisely, our focus is the first decade of the century, since the first female productions of psychological features we had access to at the School of Medicine and the consulted editions of the journal date from this period. Medicine and Catholic Church productions were elected as privileged sources based on a deeper research that demonstrated the great importance religious and medical discourses had in the construction of the psychology field in Brazil. Keywords: woman; medicine; Catholicism.

Introdução

Este estudo busca analisar as interfaces da produção científi ca feminina no início do século XX com a constituição do espaço psi no Brasil, utilizando para isto um artigo do periódico católico “A Ordem” e uma tese da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

As produções da Medicina e da Igreja Católica foram eleitas como fontes privilegiadas a partir de constatações de uma pesquisa mais ampla, que objetivava compreender a participação de médicos e católicos na construção do espaço psicológico no Brasil no período que vai de 1808 – quando da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil – a 1962, quando ocorre a regulamentação da profi ssão de psicólogo no país.

A revista “A Ordem”, fundada em agosto de 1921, teve papel fundamental na disseminação dos ideais católicos. De periodicidade irregular desde seus primeiros anos,

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a revista tinha a intenção de promover a divulgação da doutrina católica, atingir as elites intelectuais e se posicionar politicamente. Dessa atividade editorial se desdobraram o Centro Dom Vital, a Ação Universitária Católica e o Instituto Católico de Estudos Superiores que, em 1947, se tornou a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, não por acaso onde se instalou o primeiro curso de Psicologia do Brasil.

Já as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, entre 1832 e 1930, eram, em sua maioria, trabalhos apresentados obrigatoriamente quando da conclusão do curso. Elas refl etem a chamada “intervenção médica na sociedade”, movimento alavancado principalmente pelos higienistas, que propunham transformações sociais, enfocando, para tanto, a normatização dos hábitos da família brasileira.

Estes dois conjuntos materiais se ligam a um terceiro elemento: a presença da mulher na psicologia. A importância de se estudar a participação feminina na constituição da Psicologia brasileira reside na instigante constatação de uma grande defasagem de informações no que se refere à produção intelectual feminina em Psicologia. Embora nas salas de aula dos cursos de graduação e na prática profi ssional estejamos acostumados a encontrar uma maioria de mulheres – o que é corroborado por pesquisas a respeito deste tema (Castro & Yamamoto, 1998; Conselho Federal de Psicologia, 1988) – em nossas leituras sobre a história da psicologia os personagens, por outro lado, são, em sua quase totalidade, homens. Para esta análise, é de nosso interesse lançar nosso olhar para além de uma visão que dicotomize homens produtores do conhecimento/mulheres reprodutoras do mesmo. Para tanto, buscaremos analisar as publicações de base para o nosso estudo com foco no tema abordado e seu contexto.

Nosso estudo irá se dedicar aos primeiros 40 anos do século XX, uma vez que os primeiros trabalhos de caráter psicológico escritos por mulheres encontrados por nós, tanto nas teses de Medicina quanto em “A Ordem”, inserem-se neste período.

As duas publicações que são objeto de nossa análise são representativas da produção da pequena e nobre parcela das mulheres brasileiras letradas e ilustradas da época. A primeira é uma tese apresentada por Maria da Glória Fernandes, formada em Medicina em 1903, intitulada “Da educação sob o ponto de vista da hygiene pedagogica”1. A outra é o artigo “Chronica Feminina: o perigo do feminismo”, publicado em “A Ordem” em 1932 e de autoria de Lucia Miguel Pereira.

Ambas as produções discutem a atuação profi ssional da mulher, sua educação e caracterização, coincidindo tanto com o pensamento mais tradicionalista da época como com o de vanguarda. Poderemos analisar como um determinado conhecimento que chamaremos de “médico-psicológico” – por apresentar argumentos fi siológicos e psicossociais a respeito do comportamento feminino – encontra-se presente em ambos os trabalhos que, por outro lado, partem de perspectivas bastante diferentes.

Assim, apresentamos uma pesquisa bibliográfi ca focada especialmente em textos sobre gênero e história, além de obras do mesmo período ou referentes ao período estudado. O trabalho se inicia com um breve retrospecto sobre a constituição de espaços de saberes no Brasil do fi nal do século XIX e início do século XX, passeia através das

1 Na transcrição de trechos dos trabalhos analisados, respeitaremos a grafi a original.

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relações entre mulher, educação e trabalho, e por fi m analisa as obras das duas autoras à luz do entendimento do contexto que as circundava.

Objetivamos, com esta articulação, pensar a produção científi ca da mulher no Brasil no período estudado em contraste com a constituição da Psicologia em nosso país, atentando para as peculiaridades dos primeiros trabalhos de caráter psicológico escritos por mulheres que foram encontrados por nós em pesquisas mais amplas.

Um campo de possibilidades para a construção da Psicologia

Até o século XIX preponderou no Brasil a infl uência da Igreja Católica, sustentada, entre outras coisas, pela aliança com o Estado Português. Com a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, em 1808, ocorre uma aceleração do “processo civilizatório”, uma busca de aproximação dos modos culturais e sociais europeus, apoiado anos mais tarde por diversos movimentos políticos e transformações sociais que tornam necessária a construção de uma identidade nacional. Surge uma classe média intelectualizada, orientada pelas palavras de ordem: abolição, república e democracia (Jacó-Vilela, 1999).

Ao mesmo tempo, invade o Brasil “um bando de ideias novas” (Romero, 1926), de cunho cientifi cista, como o positivismo de Comte e o evolucionismo de Spencer e Darwin, ampliando o entendimento do comportamento humano para além da esfera moral e religiosa. Dessa forma, observa-se uma inversão de valores no que diz respeito às entidades dotadas de respeitabilidade para produzir e assumir o papel de formadoras e informadoras de conhecimentos válidos acerca da realidade. O discurso católico, que tradicionalmente era reconhecido como a base para qualquer entendimento da natureza, da sociedade ou do homem, passa a ser percebido como conservador, defasado, uma vez que se mantém embasado na teologia e não na ciência, discorrendo sobre a alma e seus atributos, perdendo cada vez mais espaço no universo social.

Em contrapartida, vê-se a ascensão do discurso médico, representante da vertente científi ca, que se torna hegemônico a partir do último quarto do século XIX, sendo um dos legítimos representantes dos ideais de modernidade a que aspirava a elite brasileira. Consequentemente, ganha destaque um discurso do corpo, numa progressiva fi siologização da alma, que se torna objeto da ciência (Alberti, 2003; Keide & Jacó-Vilela, 1999). A unidade entre corpo e alma se perde, uma vez que esta passa a ser conhecida através daquele, principalmente através da anátomo-fi siologia do cérebro, órgão onde se entende localizarem-se as propriedades e funções da alma.

Até este período o serviço médico no Brasil se apresentava de forma extremamente precária. Inicialmente contava com pouquíssimos profi ssionais formados por universidades portuguesas ou francesas, fi cando a maior parte dos cuidados médicos destinada aos barbeiros e boticários. Posteriormente o ensino da medicina no Brasil começa a se estruturar, as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia sendo criadas em 1832 (Jacó-Vilela, Esch, Coelho & Rezende, 2004). Como especialistas, os médicos, ou conforme os denomina Schwarcz (1993), os “homens de sciencia”, vêm reivindicar e ocupar o lugar de transformadores da sociedade, num esforço de criação de saberes próprios à realidade brasileira. A Medicina passa a ser vista como um meio de cura e

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intervenção em inúmeras moléstias, inclusive as sociais, constituindo a missão higienista de curar o “corpo doente da sociedade” (Schwarcz, 1993).

Um dos objetivos desta medicina era produzir um conhecimento acerca do povo brasileiro. Se a intelectualidade intentava construir um Brasil moderno, tornava-se essencial conhecer a real composição do nosso povo para que fosse possível operar as ações necessárias para sua imperiosa transformação. Nesta perspectiva, os médicos se tornaram os agentes que poderiam conhecer, reconhecer e modifi car a identidade nacional; seriam aqueles que poderiam atender à necessidade corretora das mazelas do país para que este ingressasse na modernidade (Kropf, 1994; Mota, Lopez & Coser, 1994).

As práticas médicas baseavam-se na constatação da grande miscigenação racial e dos efeitos que dela poderiam advir. Na construção de imagens do Brasil e de seu povo – realizada por intelectuais como Silvio Romero –, que logo se tornaram tão disseminadas como as do negro indolente ou do índio preguiçoso, começam a se constituir conceitos psicológicos, como o de caráter, entendido como a forma, o aspecto externo daquilo que o indivíduo é, em contraposição a temperamento, ideia que, decorrente da medicina hipocrática (Massimi, 2005) diz respeito aos humores que percorrem o corpo.

Estes conceitos, compreendidos e embasados na cientifi cidade da Medicina, produziram um tipo de conhecimento que subsidiou em grande parte as ações higienistas, eugênicas e da medicina legal, caracterizando a atuação médico-psicológica preventiva e terapêutica no Brasil do início do século XX.

Diante disso, podemos destacar o início da constituição de uma “Psicologia Cientifica”, através, inicialmente, da criação de laboratórios experimentais e, posteriormente, do uso de testes. Esta nova Psicologia Científi ca vinha se contrapor à “Psicologia Religiosa”, aquela forma de conhecimento sobre o homem oriunda das doutrinas teológicas e complementada, algumas vezes, com a observação empírica (como a realizada pelos jesuítas em seu contato com os indígenas) (Massimi, 2006).

A Igreja, que vinha tendo menor influência no campo político, devido ao rompimento, desde o fi nal do Império, da tradição lusa de total junção entre Igreja e Estado, e sendo ainda confrontada pelo materialismo e pelo positivismo, busca meios de atrair os intelectuais que se dispersavam ou que se deixavam levar unicamente pelo aclamado pensamento científi co. Entre suas principais iniciativas está a fundação da revista “A Ordem”, que, como dissemos, foi criada em 1921.

O exame de artigos dessa revista nos mostra que há, nesse momento, uma busca pela conciliação entre o pensamento religioso e o científi co, e consequentemente, com o emergente pensamento psicológico. Como exemplo, citamos um artigo de 1922, em que Hamilton Nogueira discute a maior ênfase dada pela ciência aos mecanismos de funcionamento do corpo, especifi camente sobre a importância do cérebro em detrimento da alma. Entretanto, diferentemente do que ocorria em um momento anterior, o autor reconhece avanços da ciência e chega a considerar possível a existência de centros nervosos no corpo humano, contanto que o meio científi co reconhecesse que estes seriam controlados pela alma, que teologicamente se situa além da matéria.

Mas essa aproximação não ocorrerá sem percalços. Mais tarde, conforme o discurso psicológico se torna mais sólido, indo de encontro à doutrina da Igreja,

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percebemos que os artigos da “A Ordem” passam a combatê-lo com mais força (Aguiar, Fabrício & Jacó-Vilela, 2003).

Mulher, educação e trabalho

As transformações que vinham ocorrendo na sociedade brasileira no fi nal do século XIX e primeira metade do século XX atingiram de forma diferenciada as mulheres, que começavam a sair de uma longínqua invisibilidade. Se até então eram consideradas como seres de pouco importância para a constituição social e política da nação, as condições que permitiram a instauração da República possibilitam que elas ocupem um papel distinto, transformando-se em pessoas-chave para a constituição moral da sociedade.

A mulher no século XX representa o alicerce de um novo país, o centro moral e unifi cador da família e do Brasil moderno que se intentava construir (Caulfi eld, 2000). Entretanto, esta aparente abertura que lhe é conferida não deixa para trás preconceitos e estruturas de convivência social, profi ssional e política há anos arraigadas. Junto a um possível reconhecimento de sua importância, várias exigências comportamentais e morais foram acrescidas às antes existentes.

Um traçado da trajetória das mulheres brasileiras, neste período, aponta para uma grande “oportunidade controlada” de crescimento pessoal, social e político. A repercussão das duas grandes guerras ocorridas na primeira metade do século XX fez com que a mão-de-obra feminina se tornasse essencial para a manutenção da produção e do mercado consumidor, inclusive no Brasil. Assim, estava aberto o caminho para o trabalho. Em contrapartida, esta entrada na área profi ssional favoreceu o surgimento de questões antes abafadas e até não cogitadas, como os direitos políticos e trabalhistas e a necessidade de melhoria da educação formal feminina.

Foi em meio a este clima que os primeiros movimentos feministas se estruturaram no Brasil. Surgidos na segunda metade do século XIX, em sua maioria, tinham como adeptas as poucas mulheres mais instruídas da sociedade, algumas que, por terem estudado fora do país, tiveram contato com os pensamentos e com organizações feministas estrangeiras, trazendo consigo os ideais propagados lá fora (Hahner, 2003).

É interessante notar, no entanto, que as reivindicações das nossas feministas não se encontravam dissociadas do pensamento moderno brasileiro. Na maioria das vezes, todo movimento libertário, seja relacionado à conquista de voto ou a melhores condições de trabalho ou de qualidade no ensino, estava integrado ao ideal maior de colocar a mulher no centro da nação moderna, civilizada e desenvolvida que se pretendia construir. Assim, enquanto por um lado alguns liberais, como Rui Barbosa (1849-1923), consideravam temas como a educação feminina pertinentes às questões da desigualdade de gênero da época (Araújo, 1993), outros pensadores respaldavam as possíveis conquistas com a justifi cativa de que, quanto mais instruída e competente para algumas decisões a mulher se tornasse, mais efi ciente seria a sua atuação junto aos homens que a cercavam, fossem eles seus pais, maridos ou fi lhos. Ou seja, em sua maioria, as lutas feministas deste período circunscreviam-se no rol de possibilidades que a imagem da “santíssima trindade” oferecia à mulher: ser fi lha, esposa e mãe (Hahner, 2003).

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O conhecimento básico ministrado às mulheres na escola envolvia principalmente as atividades de aprender a ler, escrever, costurar e bordar. A instrução mais profi ssionalizante dedicada à mulher era aquela ministrada pela Escola Normal, que a preparava para exercer uma função que, a partir deste momento, passa a ser identifi cada ao papel de mãe: o exercício da docência para crianças e adolescentes (Araújo, 1993). Então, pode-se dizer que, caso um trabalho fora do lar fosse desejado ou necessário, as suas responsabilidades deveriam corresponder ou se aproximar das mesmas assumidas dentro de casa.

É claro que não podemos descartar a iniciativa e coragem de algumas mulheres que conseguiram seguir carreiras “masculinas” como o Direito, a Medicina, a Engenharia, porém, estas mulheres representavam uma grande exceção. Hahner (2003) destaca duas brasileiras – Maria Augusta Generosa Estrela e Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira – que, no fi nal do século XIX, deixaram o Brasil, fi nanciadas basicamente por suas famílias, para estudar medicina nos Estados Unidos, no New York Medicall College and Hospital for Women2. Cabe destacar que no caso de Maria Augusta as despesas com sua educação também tiveram auxílio da realeza, através de uma bolsa concedida por Dom Pedro II que durou todo o período de sua formação (Hahner, 2003; Maia, 1996).

O argumento destas pioneiras, em sua busca de formação profi ssional, era o de ser necessária uma pessoa que pudesse compreender de perto os problemas da mulher e que não a intimidasse na hora de falar sobre suas mazelas: “... elas garantiam que a suave médica inspiraria a necessária confi ança nas pacientes, em geral relutantes em expor seus corpos e seus males aos médicos, no Brasil. E elas proclamavam, em nome da ‘moral’ e das ‘leis da igualdade’: ‘Cure o homem ao homem, cure a mulher à mulher’.” (aspas no original. Hahner, 2003, p.144).

Tendo em vista a situação da mulher no período estudado, pode-se dizer que o trabalho feminino em prol da construção de espaços diversifi cados de atuação e refl exão fora silenciado pela desvalorização da intelectualidade feminina, pelo pressuposto de sua fraqueza física, com um cérebro anatomicamente inferior. Isto impediria pensamentos abstratos e profundos, o que tornava inviável que exercesse um papel de literata, de estudiosa, de livre-pensadora, de médica, advogada ou qualquer função que exigisse maior dedicação da razão (Hahner, 2003).

Deste modo, ao mesmo tempo em que encontramos mulheres plenamente inseridas nos modelos mais tradicionalistas, também observamos exemplos femininos de luta contra os padrões socialmente determinados de como ser mulher no início do século XX. Cabe ressaltar, no entanto, que nem sempre uma posição de vanguarda se apresentava de forma clara. Em alguns momentos, vemos uma verdadeira mistura entre comportamentos femininos mais “avançados” e sua vertente tradicional. Assim, nos modelos que utilizaremos em nossa análise, poderemos ver duas formas de captura da subjetividade por vieses opostos: uma apontando para a emancipação feminina, através da vivência pessoal de nossas personagens, ao mesmo tempo que, ao lado deste caminho emancipatório, surge o alerta em relação a ideias e posturas vanguardistas.

2 Esta escola destinava-se exclusivamente ao ensino para mulheres. Com Maria Augusta Generosa Estrela formaram-se duas norte-americanas e uma alemã na turma de 1881 (Maia, 1996).

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Assim, poderemos notar que os trabalhos escolhidos para serem analisados representam provavelmente a produção de uma pequena parcela de mulheres instruídas, que ousaram se posicionar politicamente e discutir alguns temas que, mesmo sendo tradicionalmente considerados afi ns com seu sexo – educação, pedagogia, psicologia e papel social da mulher –, assumem um tom especial devido ao local de sua veiculação (as teses de medicina e o periódico “A Ordem”), em que predominava a produção masculina.

A presença feminina nas teses de medicina e em “A Ordem”

A construção da história da mulher vem sendo ressaltada como um aspecto de grande importância para a compreensão de nossa realidade, tendo em vista a mesma ter sido negligenciada por bastante tempo. Perrot (1989) destaca que a excessiva atenção dada ao espaço público nos escritos históricos, em detrimento da vida privada – reservada historicamente à mulher –, favoreceria o esquecimento do feminino. Com a chegada do século XIX e consequente “abertura” dos portões dos lares para os passeios das mulheres, poderíamos pensar que tal problema se dissolveria. No entanto, a história das mulheres não teve, como poderia parecer, uma trajetória tranquila.

Apesar do início da circulação das mulheres no espaço público, os registros sobre as mesmas dizem respeito principalmente a aspectos que não relatam o seu cotidiano, o que pensavam, como consideravam a realidade em que viviam, o que desejavam, os temas que as perturbavam ou guiavam suas vidas. O registro sobre as mulheres no século XIX é feito sob o olhar crítico e prioritariamente masculino dos cronistas, que as retratam sob a ótica da ostentação do poder de seus maridos, refl etida em suas vestes e ornamentos (Perrot, 1989), apontando para a construção de um único sentido das ações ou relações que as mesmas estabeleciam com o meio e/ou com as pessoas que as circundavam.

Ainda segundo esta autora, a história da mulher pôde ser mais bem construída a partir do momento em que os historiadores passaram efetivamente a se interessar por registros até então considerados como “menos nobres”, interesse este iniciado e bastante evidenciado pelos historiadores da denominada École des Annales que se desdobrou no movimento da História Nova.

Assim, ao adentrarem as casas de seus personagens, ao buscarem uma compreensão mais aproximada e refi nada do dia-a-dia de cada época, os pesquisadores puderam penetrar nos porões e locais mais escondidos dos lares, encontrando os registros íntimos das mulheres, tais como seus diários. Estes documentos apresentaram aos historiadores outras visões sobre a realidade, propiciando novas possibilidades de interpretação e (re)construção do momento histórico.

Após um longo período de reclusão, os escritos femininos foram ganhando espaço através das lutas travadas para o efetivo reconhecimento da mulher como sujeito social e político. Será através destes primeiros escritos inseridos no território brasileiro que poderemos analisar a presença feminina na constituição de novos espaços sociais para a mulher e a sua participação na construção de temas e espaços que possibilitaram erigir a disciplina/profi ssão da Psicologia.

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O início de um contraponto: a tese de Maria da Glória Fernandes

Os dois trabalhos que destacamos para este estudo são provenientes de ambientes onde o discurso e a produção masculina “reinavam”. O primeiro é o meio acadêmico do início do século XX. Não um meio acadêmico qualquer, mas o médico, que vinha se fi rmando no Brasil como o principal local de disseminação do pensamento científi co, tão valorizado e importante para a construção do Brasil moderno.

Neste momento, era exigência para fi nalização do curso de medicina a apresentação de uma tese e foi exatamente em uma tese de 1903, intitulada “Da educação sob o ponto de vista da hygiene pedagógica”, que encontramos o primeiro material científi co com teor psicológico escrito por uma mulher, Maria da Glória Fernandes, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É importante destacar a existência, neste período, da afi rmação da incapacidade intelectual de alguns segmentos sociais e raciais, e as mulheres, na maioria dos casos, eram consideradas como incapazes de realizar uma construção intelectual profunda. Deste modo, encontrar um material produzido por uma mulher no legítimo lugar da razão é algo que merece destaque.

Nas 140 páginas de sua tese, a autora discorre sobre a higiene educacional, de grande importância à época, enfocando a psicologia e a mulher na educação. Podemos observar no texto sua grande capacidade em se apropriar do conhecimento vigente, recorrendo a autores e teorias reconhecidos, denotando uma preocupação com a validação científi ca de seu discurso. Procura, assim, construí-lo como combate ao moralismo reinante e à forma tradicional de se compreender a educação, as capacidades intelectuais do povo brasileiro e a função social da mulher.

Sua perspectiva afi rma a constituição orgânica inata de cada indivíduo, ressaltando os aspectos genéticos, relativos à hereditariedade e deformidades congênitas, como fatores decisivos para a possibilidade de desenvolvimento intelectual dos sujeitos. Entretanto, diferentemente da tendência eugênica da época, a autora ressalta que estas características não são circunscritas estritamente pelo nível social, sexo e pela raça das pessoas. Acredita que as diferenças genéticas relacionadas à aptidão para a aquisição de conhecimentos não se restringem a uma etnia ou gênero, mas podem ser encontradas em qualquer um, sendo necessária a criação de estratégias que venham a facilitar a sua identifi cação. Neste assunto a autora destaca os estudos experimentais sobre fadiga intelectual de Binet e Henri3, através dos quais se demonstra a fi siologia deste processo, estudando-o não como patologia, mas sim buscando o bom direcionamento intelectual das crianças.

Maria da Glória defende que, paralelamente aos cuidados com a saúde física, deve-se dar atenção à saúde mental das crianças, o que chama de “hygiene pedagogica”. Para isso, aponta como essencial a utilização da Psicologia Experimental, considerada como

3 Na época da tese, não era usual fazer-se a referência bibliográfi ca dos autores e textos citados. No entanto, supomos tratar-se, aqui, de Alfred Binet (1857-1911) e Victor Henri (1872-1940), que publicaram, no ano de 1898, o livro A fadiga intelectual, primeiro a versar sobre o tema sob uma perspectiva experimental. Os dois autores defendiam uma nova Pedagogia, baseada num sólido fundamento científi co (observação e experimentação) e estudaram, a partir desta metodologia, as consequências psicológicas do trabalho intelectual (Rocha, 1998).

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o estudo que possibilita a caracterização, a demarcação do caráter e das capacidades de desenvolvimento apresentadas por cada indivíduo, ressaltando que, ao identifi carmos tais atributos, também devemos levar em consideração aspectos como a vontade, qualidade intimamente relacionada ao caráter. É ela que nos leva à ação e assim proporciona o afl orar da inteligência.

Este pensamento é consonante com o processo que ocorrerá na Psicologia a partir do século XX: apropriada pela pedagogia, afasta-se da medicina, seguindo na busca de sua cientifi cidade. Esta união promove a compreensão psicológica da criança nas diferentes fases do desenvolvimento. Para isto, são importantes os trabalhos que redundaram na elaboração de testes, como os de Binet e Simon, que permitiram a medição das capacidades intelectuais das crianças que entravam nas escolas4. Assim, seria possível organizar as salas de acordo com as possibilidades de desenvolvimento de cada um, sendo despendidos maiores esforços com os que efetivamente poderiam se tornar pessoas produtivas para a sociedade. É com base neste pensamento que algumas propostas de estruturação pedagógica do ensino, como as classes homogêneas, serão construídas, tal como a Escola Nova, que se desenvolve no Brasil através de personagens como Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971).

Porém, não só através da descrição de caráter efetuada pela Psicologia Experimental ou da identifi cação das capacidades para o desenvolvimento se baseia a argumentação da autora. Ao abordar as questões relativas à educação, ela traz à cena outro pensamento bastante presente em sua época e que permeava fortemente tanto a medicina como a engenharia e a pedagogia do início do século XX: o higienismo.

Podemos dizer que um dos suportes do higienismo dizia respeito à assepsia dos ambientes corruptores, através da educação da população. Esta educação adentraria as casas transformando cada agente social em um multiplicador do ser civilizado, saudável e bem adaptado ao século XX (Mota & cols., 1994). A tese de Maria da Glória enfatiza o fato da educação não se dar apenas no ambiente escolar, mas fazer parte do seio familiar, atingindo também os meios social e pessoal. Ela ressalta o papel fundamental da família como educadora moral dos indivíduos e, neste ponto, ao colocar o lar como um dos ambientes centrais da educação, aponta para uma discussão bastante pertinente à época: a situação da mulher em relação à educação e à sociedade.

Guiando-se pelo pensamento da época a autora nos mostra que a mulher, antes de qualquer instituição educacional, é a melhor educadora para as crianças. Aponta a necessidade da existência dos Jardins de Infância, principalmente para as crianças de classe social baixa que abandonam os estudos muito cedo (por volta dos 14 anos) e que também precisam de uma iniciação educacional precoce, mas considera que “... a educação da crença nas primeiras idades devia ser como a das plantas, ao ar livre, confi ada ás jardineiras da infância, que são as mães.” (itálico no original. Fernandes, 1903, p.84).

Sob esta perspectiva poderíamos dizer que a função da mulher apresentada por Maria da Glória se coaduna com aquela socialmente aceita à época. Entretanto, aprofundando a análise de sua tese, vemos a exploração do tema da educação feminina em termos bastante vanguardistas. Ela vai nos dizer que a mulher deve, sim, ser educada para fortalecer a

4 Para mais informações sobre o teste de Binet-Simon e outros, cf. Castro, A. C., Castro, A. G., Josephson, S. C., & Jacó-Vilela, A. M. (2006).

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nação através dos ensinamentos que transmitirá à sua prole. Porém, não necessariamente tudo o que a mulher deve aprender terá que se limitar ao campo familiar.

A mulher, como o homem, deve se capacitar para compreender a realidade como um todo, instrumentalizando-se inclusive para o trabalho fora do lar. O objetivo é promover sua educação completa, para que possa se tornar “... uma entidade economica independente” (Fernandes, 1903, p.58), principalmente quando se pensa que nem todas terão a possibilidade de abraçar os laços do matrimônio.

Defende a ideia de que, para a mulher ter uma vida “regular e honesta”, deve lutar por direitos iguais entre os sexos:

Poderá faze-lo ou será isto uma utopia? Será realmente um paradoxo a igualdade social dos sexos? Porque há de ser o casamento ou a vida da família a única aspiração natural da mulher?(...) Além da educação moral e domestica a mulher deve ter uma instrucção intellectual, superior e profi ssional. Em uma sociedade organisada conforme a natureza das cousas, a mulher será educada desde a infancia com o mesmo objectivo que o homem – viver de seu trabalho.(...) O trabalho sendo a lei da natureza, querer fi car ociosa, é querer oppor-se a essa lei, é, pois, tornar-se immoral. (Fernandes, 1903, p.57)

Apesar de acreditar na possibilidade de igualdade entre os sexos, Maria da Glória Fernandes (1903) reconhece que há um longo caminho a ser percorrido até o dia em que seus ideais possam se concretizar. Afi rma que este caminho será de luta, devido ao longo período em que a mulher esteve submissa, porém acredita ser possível a construção de uma sociedade mais igualitária, inclusive com a participação feminina no mercado de trabalho.

Através de um discurso pró-ativo que percorre toda sua tese, podemos considerar que Maria da Glória Fernandes é um exemplo de postura de vanguarda em uma sociedade tradicionalista e, principalmente, em um ambiente marcado pelo conceito de que muitos saberes são inalcançáveis pela “restrita” mente feminina.

Nem tanto ao mar, nem tanto a terra: o artigo de Lúcia Miguel Pereira

Contudo, nem todas as falas das mulheres referentes à questão da emancipação feminina coincidiam com este posicionamento mais avançado e combativo. O artigo de Lúcia Miguel Pereira na revista A Ordem – segunda obra por nós estudada – representa o pensamento mais aceito socialmente no início do século XX acerca da possibilidade de emancipação feminina. A autora destaca que o desenvolvimento intelectual não implica independência fi nanceira nem igualdade profi ssional entre os sexos, mas uma possibilidade de pacifi cação social através da inserção das características femininas no espaço público.

Nascida em Barbacena (MG), Lúcia Miguel Pereira (1903-1959) passou toda a sua vida no Rio de Janeiro. Filha do médico Miguel Pereira e pertencente a uma família de mulheres cultas, que valorizavam a leitura, encaminhou-se para o mundo das letras, tornando-se crítica literária e uma das intelectuais mais prestigiadas de sua época.

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Publicou artigos em importantes jornais, como “Gazeta de Notícias”, “Correio da Manhã” e “Revista do Brasil”, escreveu romances – sendo o mais conhecido “Cabra cega”, de 1954 – e caminhou pela literatura infantil, recebendo o Prêmio Literatura Infantil, do Ministério da Educação. Foi nacionalmente reconhecida por sua análise estética da obra machadiana no ensaio “Machado de Assis” (1935), tendo inclusive conquistado o Prêmio Felipe de Oliveira, do Círculo Literário do Brasil, em 1936 (Schumaher & Brazil, 2000).

Católica, preocupada com a situação de seu país, acreditava ser necessária uma transformação espiritual para que os problemas sociais pudessem encontrar uma solução. Esta característica de nossa autora representa uma marca de um grande número de intelectuais da década de 1930, que incluem a opção religiosa em seus discursos. Entretanto, cabe ressaltar que tal característica de fervor espiritual nas obras de Lúcia Miguel Pereira foi sendo amenizada com o passar do tempo, transformando-se numa visão ética em relação à literatura e à sociedade.

Dentro do clima religioso da década de 1930, publica na revista católica “A Ordem”, em 1932, o artigo “Chronica feminina: o perigo do feminismo”, alvo de nossa análise. Em suas duas páginas, tece considerações acerca da função social da mulher. Embora despreocupada com uma fundamentação científi ca de seus argumentos, a maneira como versa sobre o caráter feminino acena para um dialogismo existente entre o seu pensamento e aqueles que circulavam no meio intelectual da época, especialmente acerca da constituição do caráter do povo brasileiro.

A autora busca demarcar o papel tradicional da mulher – ser esposa e mãe –, como o aspecto fundamental para a constituição do traço mais forte encontrado na sociedade brasileira: a organização familiar. Acredita que a permanência daquelas funções através dos tempos criou “uma nítida consciência do dever” (Pereira, 1932, p.449) entre as mulheres: “Longos séculos de dedicação, de paciência, de humildes labores e ignorados heroísmos, de existência de mães de família, em suma, o que resume tudo, disciplinaram-na e lhe deram uma clara e simples compreensão de sua missão.” (Pereira, 1932, p.449).

No entanto, ressalta que as transformações sociais devem ser observadas e acompanhadas de modo a adaptar as funções femininas a cada época vivida: “... hoje já não podemos ser somente mães de família, não podemos imitar em tudo as nossas admiráveis avós. Para servir com efi cácia é imprescindível fazê-lo de acordo com a época. A vida moderna está a exigir a colaboração feminina.” (itálico no original. Pereira, 1932, p.449).

É importante lembrar que neste período a sociedade brasileira estava envolta em projetos de cunho sanitarista e eugênico, que buscavam a purifi cação do povo, através da eliminação da corrupção física e moral. O sexo masculino encontrava-se numa situação bastante vulnerável, tendo em vista seu contato direto com as áreas mais viciadas da sociedade. Podemos destacar as várias campanhas contra o alcoolismo, o jogo e a devassidão, que permearam a primeira metade do século XX, endereçadas principalmente aos homens.

Deste modo, a mulher, que até então vivera protegida pelos muros do lar, começa a ser vista como elemento capaz de transmitir à vida política suas características mais puras, combatendo toda forma de conspurcação social. Destacamos que desde a década

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de 1920 as mulheres começam a ser chamadas para participar, mesmo que indiretamente, dos processos eleitorais. Um claro exemplo desta tendência pode ser observado nas matérias publicadas no Jornal das Moças, que apresentava às suas leitoras a candidatura presidencial de Rui Barbosa, caracterizando-o como o “candidato da mulher brasileira”. Esta revista dedicou várias matérias a ele, enfatizando a necessidade das mulheres o apoiarem, infl uenciando o voto dos homens de sua família e sua presença nos comícios do candidato, através de conversas com seus pais, maridos e fi lhos que enaltecessem as qualidades de Rui Barbosa (Oliveira, 2004).

Com as mudanças advindas da modernidade, principalmente através da conquista feminina do direito ao voto, ocorrida em 1932 (ano de publicação do artigo de Lúcia Miguel Pereira), a mulher agrega novas responsabilidades e deveres que lhe abrem mais uma forma de inserção social. A conquista do voto é vista pela autora como um fato consumado, acreditando na capacidade feminina de dar conta de suas novas funções para com a nação.

Lúcia considera que a mulher deve estar inteirada dos acontecimentos, mas teme a possibilidade de que perca o foco principal de sua participação na sociedade. A partir do momento em que se deixa tomar pela força das transformações, inserindo-se num ambiente que originalmente não é o seu, corre o risco de se contaminar por características menos nobres, como ambições, angústias, ódios e inquietações, produzidas por uma sociedade organizada predominantemente por homens. É esta sociedade que gera a demanda da inserção da mulher “... como um elemento moderador, de doçura, que trouxesse para a vida de fóra o suave ambiente do lar” (Pereira, 1932, p.450).

Podemos dizer que Lúcia Miguel Pereira aparentemente se esquiva, em seu discurso, de um posicionamento mais claro em relação às tantas conquistas e deveres que passam a ser atribuídos às mulheres, ora nos levando a pensar que talvez apóie uma posição mais emancipatória, ora mais tradicionalista. Isso ocorre principalmente porque em nenhum momento se implica, seja no processo das reivindicações feministas, seja assumindo o lugar de fi lha, esposa e mãe. A sua fala aponta para uma “neutralidade típica do comportamento científi co” ao observar seu objeto de estudo, colocando suas personagens como atores sociais distanciados de sua própria existência.

Considerações fi nais

O período estudado se caracteriza por muitos confl itos no que diz respeito ao papel social da mulher. A sociedade se dividia entre a manutenção de sua tradicional função social e a construção de uma nova posição, indicando uma emancipação intelectual, profi ssional e política.

As obras analisadas são bastante representativas dessa situação. Vemos que, apesar de o escrito de Maria da Glória Fernandes ser ainda do início do século XX, apresenta um discurso de vanguarda, reivindicando direitos e afi rmando a possibilidade de desenvolvimento intelectual da mulher. Assim, ela se posiciona de forma clara em relação ao processo de emancipação feminina, tomando para si as questões abordadas em sua tese. Já o trabalho de Lúcia Miguel Pereira, escrito quase trinta anos mais tarde, percorre a visão tradicional sobre a posição social da mulher, apontando para a

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necessidade de transposição das características tradicionais femininas em sua ascensão política, favorecendo a construção de uma sociedade mais pacífi ca e pura. Em seu texto, utiliza uma refl exão mais distanciada dos acontecimentos, aparentando ser uma mera observadora dos fatos.

É interessante notar que ambas possuem um lugar privilegiado na sociedade. No entanto, em relação a Maria da Glória, mesmo sendo uma das primeiras mulheres a se formar em medicina no Rio de Janeiro, trazendo ideias inovadoras com relação à posição da mulher na sociedade e fazendo parte de um saber em plena ascensão, nada pudemos encontrar acerca de sua biografi a, o que nos leva a pensar como era difícil uma mulher estar inserida no meio científi co, marcadamente masculino. Por outro lado, verifi camos uma pluralidade de referências em relação a Lucia Pereira, que se encontrava em uma área – a religiosa – que perdia seu espaço de construtora do conhecimento social para a ciência, mas que acaba tendo sua atuação profi ssional amplamente valorizada e reconhecida em âmbito nacional.

Apesar das notadas diferenças entre as autoras, tanto no que se refere à sua produção como ao seu reconhecimento, ambas trabalham com a possibilidade de descrição do caráter dos sujeitos que estudam, contribuindo, sem mesmo o saber, para a constituição do campo da Psicologia. Maria da Glória aponta as características necessárias para um bom desenvolvimento educacional, valorizando a capacidade intelectual da mulher, enquanto Lucia Miguel Pereira discorre sobre as diferenças de caráter encontradas entre homens e mulheres. Isso ressalta o emprego de um mesmo princípio norteador para a análise operada pelas duas, qual seja, a utilização de um dos principais conceitos do pensamento psicológico da época: a noção de caráter.

É assim, com pequenas contribuições do que hoje, disciplinarmente, denominamos como diferentes áreas do saber – a medicina, a literatura, a religião, a educação.... – que a camada intelectual das primeiras décadas do século XX cria, aos poucos, um conhecimento psicológico e realiza sua divulgação no país.

Consideramos, portanto, o panorama apresentado pelas duas obras aqui estudadas importante para a compreensão desta ascensão da psicologia no Brasil, com notória participação feminina. Fazem-se necessários novos estudos no sentido de compreender os caminhos que fi zeram com que, no jogo de forças da História, muitas empreitadas de mulheres não tenham obtido o mesmo destaque daquelas dos homens, sendo silenciadas e, muitas vezes, esquecidas no tempo.

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_____________________________ Recebido em março de 2009 Aceito em setembro de 2009

Adriana Amaral do Espírito Santo: Psicóloga; Mestre em Psicologia Social (UERJ).Ana Maria Jacó Vilela: Psicóloga, Doutora em Psicologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social/UERJ.Flávia Moreira Oliveira: Psicóloga, Doutora em Psicologia Social (UERJ).Marcela Peralva Aguiar: Psicóloga; Mestre em Saúde Coletiva (UERJ).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Litígios intermináveis: uma perpetuação do vínculo conjugal?

Ana Lúcia Marinônio de Paula AntunesAndrea Seixas MagalhãesTerezinha Féres-Carneiro

Resumo: O presente trabalho focaliza o fenômeno dos longos litígios em Varas de Família, com o objetivo de discutir a inscrição do judiciário na trama conjugal. Ressalta-se que alguns casais, mesmo após o divórcio, ficam aprisionados numa dinâmica de repetição que atua por meio do litígio, representado nas ações de guarda, de regulamentação de visitas e seus derivados. Aborda-se o processo de estruturação e de dissolução da conjugalidade, ressaltando as dificuldades envolvidas no processo de elaboração do luto pós-separação, com base na literatura psicanalítica sobre as relações amorosas. Pontua-se que a etapa jurídica da separação, compreendida como um ritual de passagem, pode representar um corte vincular ou contribuir para a perpetuação do vínculo aprisionador. Para ilustrar esta discussão, apresenta-se a análise de um caso de litígio familiar atendido no judiciário, na cidade do Rio de Janeiro.Palavras-chave: separação conjugal; litígio judicial; psicanálise.

Unending litigations: A perpetuation of the conjugal bond?Abstract: The present work focuses on the phenomenon of long litigations in Family Courts, with the goal of discussing the role of judiciary within family networks. It emphasizes that some couples, even after divorcing, get trapped in a dynamics of repetition that functions through litigation, represented in custody actions, visiting regulations, and their consequences. The work focuses on the process of structuring and dissolving conjugality, emphasizing the difficulties involved in the process of elaborating mourning post-separation, based on psychoanalytic literature on loving relationships. It points out that the judiciary stage in separation, taken as a rite of passage, can represent a cut in bonding, contributing to perpetuate trapping ties. In order to illustrate this discussion, the works presents the analysis of a case of family litigation assisted by the judiciary in Rio de Janeiro.Keywords: conjugal separation; judicial litigation; psychoanalysis.

Introdução

Nos sujeitos que protagonizam litígios familiares de longa duração, observam-se alguns aspectos comuns: alto grau de agressividade, postura refratária às intervenções, discurso baseado na lógica adversarial. E, frequentemente, esses sujeitos têm como objeto do pedido judicial, o fi lho. Ocorre que, no desenrolar do processo, emerge a conjugalidade confl ituosa para a qual não há respostas no referencial normativo. Alguns juristas utilizam a leitura psicológica para analisar a questão. Peluso (1999) afi rma que as crises matrimoniais, frequentemente, constituem manifestações tardias de um processo de ruptura, do qual as pessoas têm consciência parcial, ressaltando que seria uma pretensão o dever dos juízes de desvendá-las com base nos recursos do processo. Dias e Souza (2000) realçam que cada parte luta para comprovar a sua versão, atribuindo ao outro a culpa pelo fi m do relacionamento, e busca a sua absolvição, esperando que o juiz proclame sua inocência.

Aletheia 31, p.199-211, jan./abr. 2010

Aletheia 31, jan./abr. 2010200

No campo da psicologia, pesquisadores se debruçam sobre o problema, motivados pelo incremento da psicologia jurídica nas duas últimas décadas. Ramos e Shine (1999) pontuam que cada genitor está obstinado com a ideia de ganhar do outro a ‘posse’ do fi lho. Desse modo, negligenciam o fato de que o único a perder é o fi lho. Dolto (2003) avalia que, perante a justiça, o pai ou a mãe permanecem girando em torno de seus pretensos direitos, transformados em obsessão. A autora postula que as discordâncias de um casal provêm de difi culdades de ambas as partes relacionadas com a evolução individual de cada membro do casal. Neste estudo, parte-se do pressuposto de que, além das difi culdades pessoais apontadas por Dolto (2003), outro fator deve ser destacado na análise dos litígios familiares: a psicodinâmica da conjugalidade, entendida como produto intersubjetivo.

Vainer (1999) abordou o mesmo tema, por meio de pesquisa qualitativa com dados de onze laudos técnicos do judiciário paulista. O autor classifi cou as conjugalidades de acordo com a tipologia proposta por Willi (1975), com base no conceito de colusão. Silva (2003) também abordou a problemática dos longos litígios, a partir do mesmo referencial teórico, com base na experiência profi ssional em Varas de Família do estado de São Paulo. Em publicação recente, Souza (2007) sustentou que as longas disputas judiciais familiares seriam decorrentes da tentativa de prolongamento do vínculo conjugal, em ensaio realizado a partir da experiência de intervenção multidisciplinar no programa JUS MULHER – Rio Grande do Sul.

Neste trabalho, propõe-se ampliar a análise desse fenômeno, buscando-se fundamentação em diferentes teorias da conjugalidade. Além da teoria da colusão de Willi (1975), acrescentam-se as contribuições de Lemaire (1979), Eiguer (1985), de Puget e Berenstein (1993), dentre outros. Essas abordagens se fundamentam no referencial psicanalítico e postulam que a conjugalidade tem suporte num espaço psíquico inconsciente conjugal. No desenvolvimento desse estudo, focaliza-se a escolha amorosa, os diferentes tipos de conjugalidade dela derivados e o penoso processo de separação com sua fase de luto. Ressalta-se que a etapa jurídica da separação pode ser vivenciada como um ritual de passagem, promovendo o fi m de um ciclo, ou sustentar a continuidade do vínculo, conforme observado nos casos dos litígios familiares de longa duração.

Objetiva-se, com este estudo, discutir a relação entre os longos litígios familiares e a perpetuação do vínculo conjugal, e apontar para a inscrição do judiciário na trama conjugal. Para aprofundar esta discussão, promove-se uma articulação teórica de estudos sobre a conjugalidade com referencial psicanalítico, ilustrando-a com a apresentação de um caso de litígio familiar atendido no judiciário do Rio de Janeiro.

Psicodinâmica da conjugalidade

Ao estudar o funcionamento familiar, Eiguer (1985) afi rma que o encontro amoroso entre duas pessoas não seria determinado pelo acaso, mas haveria uma escolha baseada em critérios não identifi cáveis no nível consciente. Do nosso ponto de vista, o conhecimento acerca dos mecanismos inconscientes subjacentes à escolha amorosa permite deslindar os entraves dos longos litígios conjugais.

Freud (1914/1996) postula dois tipos possíveis de escolha objetal, a ligação com o objeto poderia seguir o modelo anaclítico (de ligação) ou o modelo narcísico. A escolha

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anaclítica recairia na busca de um objeto que completasse o sujeito, em contraposição ao que ocorreria na escolha narcísica, na qual o sujeito elegeria um objeto que se assemelhasse a ele próprio. A preferência pela escolha narcísica na vida adulta seria originária de alguma perturbação durante o desenvolvimento libidinal. Em outro ensaio, aborda o fenômeno da identifi cação descrevendo-o “como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa” (Freud, 1921/1996, p. 115), afi rmando que sua ocorrência desempenharia um importante papel na história do complexo de Édipo.

Magalhães e Féres-Carneiro (2003), ao estudarem o processo de identifi cação entre os parceiros, afi rmam que diferentes modalidades de identifi cação podem ser entrelaçadas no jogo identifi catório da conjugalidade, operando transformações na subjetividade de cada parceiro. Eiguer (1985) sustenta que as escolhas objetais do casal podem se associar, apresentando aspectos objetais e narcisistas intervindo simultaneamente e, até, evoluindo historicamente de uma modalidade à outra.

Fagundes (1999) aponta que difi culdades acentuadas na vivência fusional primária podem fazer com que o sujeito permaneça ou retorne ao estado narcísico de “ilusão de fusão”. Ele sustenta que a relação de casal teria o poder de ativar reciprocamente o mundo das relações objetais internas, e assim, reativar também relações objetais primitivas, podendo gerar regressão e ilusão de uma vivência fusional.

Devem ainda ser observadas outras infl uências na escolha do parceiro, além das determinadas pelas relações primárias do indivíduo com suas fi guras parentais, uma vez que na bagagem psíquica estão contidas, também, as heranças transmitidas por gerações, com seus legados e mandatos que inscrevem o indivíduo na história familiar e cultural.

Kaës (2001) discorre sobre esta maneira particular de abordar a constituição da subjetividade, sustentando que, inicialmente, antes de constituir-se como tal, o sujeito seria um ‘intersujeito’. O grupo precederia o sujeito, não lhe sendo dada a opção de escolha entre ser ou não ser incluído nesse espaço e tempo. Da mesma forma, a escolha amorosa, embora aparentemente uma livre escolha, também não seria consciente, ela obedeceria a um determinismo familiar. No entanto, Kaës aponta a possibilidade de transformação do material psíquico quando da interação das subjetividades.

A abordagem psicanalítica de família e casal abriu espaço para mudanças de paradigmas, criando novos conceitos. Postula-se uma nova entidade ou instância psíquica, que se processa na interação entre os cônjuges, assim como, na interação entre os sujeitos de um grupo. Sugere-se que a partir da identifi cação de características comuns seja estabelecida uma combinação, uma ligação, um vínculo, baseando-se na noção de complementaridade, e, desta forma, seja gerada uma intersubjetividade na interseção entre dois, ou mais.

Magalhães e Féres-Carneiro (2003) nomeiam de ‘trama identifi catória conjugal’ o entrelaçamento dos “eus” que se processa na conjugalidade e apontam que a saúde do vínculo conjugal dependeria do tipo de identifi cação objetal realizada entre os parceiros na constituição da conjugalidade, por meio da introjeção ou da incorporação. No primeiro, haveria a possibilidade de assimilar e transformar o parceiro por meio de um processo criativo que preserva e até enaltece a alteridade; já no segundo, por meio da incorporação, o componente alteritário seria desconsiderado, o que poderia levar a conjugalidade a um movimento de devorar-se /aniquilar-se.

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Puget e Berenstein (1993) sustentam que o vínculo-casal é constituído por três representações: uma proveniente do vínculo mãe-bebê, correspondente ao narcisismo primário; outra da relação de casal dos pais, na qual o bebê ocupava a posição de terceiro excluído; e a terceira recaindo na representação social do que seria uma organização familiar.

As representações constitutivas do vínculo-casal são estruturadas a partir de três dimensões subjetivas: a intra-subjetiva, alocada no mundo interno, com suas representações e afetos; a intersubjetiva, uma estrutura ou um vínculo inconsciente que liga os dois egos; e a transubjetiva, o vínculo do ego com o contexto sociocultural. O vínculo do casal se estabeleceria no espaço intersubjetivo e, sobre ele, Puget e Berenstein (1993) tecem sua formulação teórica.

Os autores afi rmam que a relação amorosa se constituiria a partir de uma fusão, uma indiscriminação, na qual o investimento narcísico daria lugar à supervalorização do outro, que estaria investido, nesse momento, das características do objeto único idealizado. A segunda etapa seria transitória, promovida pelo distanciamento intermitente do parceiro, dando possibilidade à discriminação das individualidades e à distribuição de papéis na relação conjugal. Caso o processo de discriminação dos egos não se complete, a estrutura relacional, formada a partir de então, pode tomar rumos diversos, desde um estado de fusão conjugal até o maior nível de complexidade, representado pela autonomia dos parceiros. Nos longos litígios conjugais, acredita-se que ocorre uma regressão ao estado fusional, um tipo de defesa reativa contra a separação, expressa nos episódios agressivos.

Tipos de conjugalidade

Puget e Berenstein (1993) levam em conta o grau de discriminação entre os parceiros para postular três tipos de estruturas organizadas a partir de uma estrutura zero, ou seja, uma matriz inconsciente. Inicialmente, apontam uma estrutura denominada de dual, na qual há o predomínio de um vínculo fusional, baseado no modelo de objeto único. Uma primeira subdivisão da estrutura dual é expressa por uma relação de simetria, denominada de gemelaridade, que se sustenta na idealização mútua, com pouquíssimo ou nenhum indício de diferenciação, podendo-se dizer que seu tema seria: “Somos um só.” Ainda dentro da estrutura dual, podem ser encontradas formas de vinculação assimétricas, sendo proposto pelos autores os seguintes tipos: complementaridade enlouquecedora, disfunção temporal e disfunção semântica.

A segunda estrutura proposta é classifi cada como terceiridade limitada, e consiste também num vínculo indiscriminado, mas não autossufi ciente, ocorrendo uma angústia catastrófi ca amenizada pela presença do terceiro. Nesta estrutura, os autores postulam subtipos de funcionamento: o pervertedor-pervertido, no qual ‘o terceiro’ funcionaria como elemento fundamental; a enciumante-ciumento, na qual ‘o terceiro’ é parte de uma cena imaginária maravilhosa entre um ego e outro ego externo ao casal.

A terceiridade ampla é proposta como uma terceira modalidade de estrutura, na qual os egos são sufi cientemente discriminados, oferecendo possibilidade de desfazer mal-entendidos sem despertar angústias insuportáveis. Nesta estrutura ocorre o compartilhamento de signifi cados diferentes, favorecendo a construção de um código

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comum e não signifi cando ameaça ao vínculo. As difi culdades ocorridas no cotidiano e no ciclo vital, nesta forma de funcionamento, servem de base para alterações e ajustes na conjugalidade. O projeto conjugal admite o lugar do terceiro, com prováveis momentos de exclusão, que manterão a possibilidade futura dos parceiros reencontrarem-se e reelaborarem o vínculo-casal.

Anteriormente, Willi (1975) abordara a psicodinâmica conjugal enfatizando a noção de complementaridade entre os parceiros, tendo cunhado o termo colusão para denominar o jogo inconsciente do casal. O processo colusivo teria início na escolha dos parceiros mediante a identifi cação de confl itos fundamentais não superados e a conexão estabelecida a partir deste encontro promoveria um jogo conjunto, oculto reciprocamente. Willi propôs quatro tipos fundamentais de arranjos colusivos: a colusão narcisista, baseada no tema do “amor como ser um”; a colusão oral, girando em torno do tema “amor como preocupar-se um com o outro”; a colusão anal-sádica, embasada no tema “amor como pertencer-se um ao outro”; e a colusão fálico-edípica, sustentada no tema “amor como afi rmação masculina”. Vainer (1999) e Silva (2003) basearam-se nessa tipologia para analisar longos litígios familiares.

Willi (1975) aponta que, frequentemente, encontra-se a união de um cônjuge que tem necessidade de progressão supercompensadora, com outro que necessita de satisfação regressiva, sendo este emaranhamento regressivo-progressivo, dentro de uma mesma temática, descrito como encontro colusivo. Os quatro tipos, ou temas, quase sempre estariam presentes na conjugalidade e não representariam, necessariamente, estados disfuncionais ou patológicos, mas na ocorrência de um confl ito conjugal, o autor destaca que um desses tipos colusivos fi caria mais evidente na dinâmica conjugal.

Separação conjugal

A complementação ou a semelhança, vislumbradas no ato de escolha amorosa, advém de traços identifi cados reciprocamente que, pela força do desejo, são tomados pelo todo num processo ilusório. No entanto, “a ilusão dura pouco tempo, a desilusão logo invade os amantes e põe à prova a solidez do vínculo sentimental” (Eiguer, 1985, p. 46). Logo, o objeto amoroso com quem se identifi cou ou que foi idealizado, apresentará sua alteridade, promovendo um abalo na ilusão de completude do casal, pois as diversas solicitações proporcionadas pelo cotidiano desencadeiam defasagens entre expectativa e realidade, entre o que é desejado e o que o outro pode atender. Diversas reações podem ser desencadeadas por este tipo de frustração, dependendo da estrutura psíquica dos sujeitos envolvidos e da qualidade do vínculo formado na conjugalidade. Mas, o que se pretende aqui ressaltar, sobre o processo de des-ilusão amorosa, é que ele pode ser descrito como um desdobramento da ilusão de completude ocorrida na escolha dos parceiros, ou seja, como uma consequência da convivência amorosa. E, ainda, que dele tanto pode resultar um crescimento mútuo com a discriminação dos ‘eus’, produzido pelo manejo das sucessivas frustrações das expectativas idealizadas de cada ego e, sequencialmente, o reconhecimento da alteridade, como podem também ser desencadeados estados patológicos da conjugalidade.

Lemaire (1979) aponta três saídas possíveis para a ilusão conjunta: a primeira seria a do casal que não resiste à desilusão e interrompe a relação; na segunda, a qual nomeia de

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‘via perpétua’, manter-se-ia o estado ilusório que sustenta o estado amoroso e a relação, mas diminuiria a interrogação sobre a natureza do apego e da qualidade dos sentimentos recíprocos e, uma terceira via seria aquela na qual o casal se confronta com a desilusão diante da revelação de aspectos indesejáveis do parceiro, podendo levá-los a construir uma relação menos defensiva e reforçar o vínculo. Focaliza-se, neste trabalho, a via da interrupção da relação, para apontar os mecanismos de dissolução do vínculo e de sua manutenção de forma patológica.

Partindo da premissa de que o sujeito se constitui no vínculo e que o casal conjugal seria mais uma modalidade dessa constituição, Andino (1996) sustenta que a separação seria também um produto vincular, articulado conjuntamente, mesmo que, por vezes ela seja atribuída à problemática de um dos parceiros. A autora discorre sobre conceitos de ato de encontro e de desencontro, de acting e de ação, de acordo com a tipologia estrutural predominante no casal, para abordar a complexidade do encontro e da separação conjugal. O conceito de ‘ato’ está referido ao instante em que se dá o sentido, em que se origina algo diferente e produz-se uma marca, e o conceito de acting faz referência a uma repetição dirigida a um outro.

O ato de encontro seria a marca inscrita na história dos sujeitos a partir do momento de eleição mútua dos cônjuges e seria atravessado por três eixos: o do investimento mútuo, o do corte com a família de origem e do reconhecimento dos outros de que se formou um casal. Esses eixos estariam relacionados aos espaços inter, intra e trans-subjetivo dos sujeitos. Da mesma forma que o ato de encontro, o ato de desencontro também seria encarado como um ato fundante, mas de outra situação, diferenciada dos desencontros do cotidiano. O ato de desencontro implica num corte, numa desorganização e em novas organizações na estrutura que possam promover a dissolução do vínculo que ambos constituem e que os constitui como casal.

Para que uma separação conjugal tenha efeito de fi m ou de fechamento de um ciclo e produza as necessárias transformações, se faz necessário o desinvestimento do objeto privilegiado e, assim como no ato de encontro, o ato de separação é também atravessado por três eixos: desinvestimento mútuo, corte vincular (ou o momento simbólico da separação) e reconhecimento dos outros do novo lugar social que cada membro do par passa a ocupar a partir da separação. Observa-se que há marcas representativas desse momento, evidenciadas em relatos sobre rupturas conjugais. Frequentemente, alude-se a um momento único de corte ou ruptura, os sujeitos referem-se a “um cristal que se quebrou” (Andino, 1996, p. 163). A cena da separação, ou alguma ação que a represente, inscrever-se-ia como a representação do corte vincular. Seria um rito produzido pelos cônjuges como forma de corporifi car, de trazer à realidade, o ato da separação.

Feito o corte vincular, o espaço privado do casal é tornado público e levado ao reconhecimento da rede relacional, que também é afetada e interage nesse processo, podendo favorecer a discriminação ou aumentar os mal-entendidos entre os ex-parceiros.

Algumas questões relativas à separação estão presentes desde a formulação dos acordos e pactos constitutivos do vínculo conjugal, sejam da ordem do ‘dito’ ou do ‘não-dito’, e, estas últimas seriam explicitadas por meio de encenações durante o processo de separação. Nestes casos, não é raro a encenação e a re-encenação de alguns confl itos

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durante a fase da separação, expressados em acontecimentos que refl etem variações de um mesmo tema, nos quais se percebe uma espécie de jogo com papéis complementares. Essas atuações estariam a serviço da ‘não separação’, ou seja, da continuidade do vínculo e, Andino (1996) se refere a esse tipo de conjugalidade como representante de uma ‘estrutura de repetição’.

Para que ocorra a dissolução do vínculo, o desejo de ruptura deve-se sobrepor ao desejo de complementaridade, caso contrário, os sujeitos se manterão numa eterna tentativa de separação. Mesmo que ocorra o afastamento físico, os sucessivos encontros do ex-casal, muitas vezes promovidos pelo vínculo da parentalidade que não se desfaz, em razão da educação e do cuidado dos fi lhos (Féres-Carneiro, 2007), os confl itos voltam a se expressar com a mesma intensidade e constância do período anterior à separação conjugal. Nestes casos, seriam evidenciados o jogo compulsivo e a repetição, indicando que o corte vincular não teria se produzido.

Sobre as separações intermináveis, Willi (1975) sustenta que as iniciativas de ruptura podem ter por fi nalidade a concretização da separação e representarem atitudes saudáveis frente a arranjos neuróticos, mas podem também ocorrer tentativas de ruptura promovidas pela não satisfação das necessidades neuróticas, tendo como objetivo a permanente sujeição ao jogo colusivo. Ocorreria, neste caso, um processo interminável de tentativa de ruptura do laço, no qual tormentos implicados na separação tornariam a convivência insuportável, ocorrendo uma contínua tentativa de destruição mútua, mesmo que promovam a separação conjugal.

Na fase pós-separação amorosa um luto é vivenciado, independente de quem promoveu a ruptura amorosa. O trabalho de luto dos amantes é discutido por Caruso (1981), considerando a separação conjugal como uma vivência psíquica de morte. A separação simbolizaria a morte no curso da vida, podendo sua dor ser tão insuportável, ou até maior do que a da morte do ser amado. A separação conjugal promoveria um forte abalo no ego dos cônjuges, mesmo nas situações em que a iniciativa de separação se deveu a ambas as partes, assim como uma morte em vida: a morte da consciência de um dentro do outro. O sujeito sofreria com a vivência da morte do outro em sua consciência, mas sofreria ainda mais com a constatação de sua morte na consciência do outro, em razão de uma dor narcísica. Com a fi nalidade de conservar a vida (a do próprio ego), seria promovida uma destruição do outro na consciência, por meio do esquecimento, num processo defensivo do ego contra a catastrófi ca experiência de morte promovida pela separação. Mas, paradoxalmente, o esquecimento do outro levaria também a uma destruição da própria consciência, uma vez que o outro habita essa consciência e, dessa forma, o esquecimento estaria atuando como uma defesa, mas, ao mesmo tempo, como uma automutilação.

Confl itos conjugais no judiciário: do privado ao público

A passagem do âmbito privado ao público é uma fase importante da separação. Inicialmente são os círculos íntimos, a família, os amigos e o trabalho, que são informados da separação do casal. Posteriormente, é o Estado que deve conhecer e reconhecer o fi m do casamento. O privado e o íntimo são tornados públicos e levados à lei para serem regulados e legitimados.

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Muitos casais legalizam o fi m do casamento quando estão começando a serem superadas as tristezas e novos investimentos estão começando a ocorrer, evidenciando a possível superação do luto, ou, como propõe Caruso (1981), usando o recurso de dirigir a libido para outro objeto, a fi m de fugir da vivência catastrófi ca provocada pela separação. Nesses casos, o processo legal da separação ou do divórcio seria mais uma etapa necessária para corporifi car o ato da separação, seria a cena representativa do corte (Andino, 1996). Contudo, nesta fase, a cena teria a máxima visibilidade e seria exposta ao Estado para legitimar formalmente o fi m daquele “amor”. Esse momento, representativo do fi m, pode conceber também um começo, pode inscrever os sujeitos em outro ciclo de sua história e produzir uma marca que daria outra representatividade ao vínculo. Nesse sentido, o ato jurídico seria assemelhado a um ritual de passagem, na sua função de outorgar um outro estatuto ao sujeito. Pereira (2003) parte da premissa de que, na linguagem jurídica, os ritos sociais se traduzem por meio dos processos judiciais e que a função do rito judicial seria de por fi m a uma demanda (intra e interpsíquica) e marcar a entrada em outra etapa da vida. O autor sustenta que o processo judicial é um ritual sob o comando de um juiz, representante legal e simbólico da lei, com a função de por fi m a uma demanda e instalar uma nova fase na vida das pessoas.

A repercussão psíquica da vivência do processo de divórcio, considerado um ritual de passagem, pode auxiliar os sujeitos no redimensionamento dos afetos e na transformação dos acordos e pactos do casal, dando possibilidade de passagem do vínculo de conjugalidade ao vínculo exclusivo de parentalidade. No entanto, nem todos os casais realizam esta etapa jurídica do divórcio, ou se a realizam, não a vivenciam como um ritual de passagem. Nesse caso, o necessário divórcio psíquico não é alcançado. A etapa jurídica da separação, que poderia ser uma breve intervenção do Estado, apenas confi rmando o que já fora defi nido entre os ex-cônjuges no âmbito privado, se transforma, então, numa longa e sofrida batalha judicial.

Alguns ex-parceiros ingressam com seus processos legais da separação, mas no decorrer dos atos jurídicos ocorre uma série de ações, ou de atuações, de cada uma das partes, que se constituem em entraves às necessárias negociações relativas ao patrimônio e aos fi lhos. A situação de confl ito impede acordos privados ou uma busca por serviços especializados que possam operar uma transformação mantendo a privacidade da família. O ingresso no judiciário busca uma intervenção da lei para além do conjunto de normas da sociedade, uma lei inscrita como um super-eu, no sentido freudiano do termo. Shine (2002) sustenta que a escolha de lidar com os confl itos por meio do processo judicial, “responde a uma necessidade anterior de ataque e defesa que precisa, de certa forma, do reconhecimento público que é alcançado em um procedimento legal” (p. 69).

Análise de um caso de litígio familiar no contexto da intervenção psicológica

As partes do litígio, aqui nomeadas Márcio e Cida, casaram-se motivados por uma gravidez nos primeiros meses de namoro. Ambos, em entrevistas individuais, relataram relacionamento apaixonado até o nascimento do primeiro fi lho. Em três anos, nasceram os dois fi lhos do casal em meio a uma progressiva convivência hostil, com alguns episódios de violência física. A separação se deu por iniciativa de Cida,

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quando as crianças contavam com quatro e três anos, as quais permaneceram sob sua guarda. Após a separação, as brigas se intensifi caram. Segundo Cida, em decorrência do desamparo fi nanceiro a que foi submetida, e segundo Márcio, devido ao impedimento para visitação. Cida ingressou com ação de Alimentos contra os avós paternos e foi bem sucedida. Márcio ajuizou ação de Regulamentação de Visitas. Cida, então, ingressou com pedido de Guarda dos dois fi lhos, o qual se desdobrou numa Busca e Apreensão. Em outra ação paralela, disputavam um imóvel. Durante esse período, foram registradas várias ocorrências policiais por ambos.

O caso foi encaminhado para avaliação psicológica no curso da ação de Regulamentação de Visitas, em razão de alegações maternas sobre maus-tratos dos avós paternos e abuso sexual por parte do pai. Nos atendimentos, Márcio apontou o casamento como “uma desgraça” em sua vida, descreveu situações de violência física praticadas por Cida e a qualifi cava como louca. Ele assumiu uma postura vitimizada, inclusive com relação ao Judiciário e interpretava as propostas refl exivas como uma aliança com a ex-cônjuge. Cida também se mostrou refratária a qualquer intervenção e sua postura era muito agressiva. Ela sustentava haver uma conspiração do ex-parceiro, juntamente com os avós paternos de seus fi lhos. Nos atendimentos com as crianças, foram verifi cados comportamentos de intensa agressividade física e verbal entre elas, agitação exacerbada, difi culdade de concentração e recusa em submeter-se a quaisquer regras. Referiam-se ao pai como “o Corno”, “o Mau”, e à avó paterna como “a Vagabunda”, expressões estas, que quando proferidas em presença da mãe, eram recebidas com aprovação e humor. O fi lho mais velho confi rmou ter sofrido abuso, mas seu relato se mostrou estereotipado nas várias entrevistas realizadas. Os avós paternos se mostraram críticos em relação ao comportamento do casal, compreensivos com a agressividade dos netos e desejavam acolher as crianças para afastá-las do confl ito conjugal. Pela análise da psicodinâmica familiar, que envolveu outros aspectos não descritos nesse breve relato, avaliaram-se fortes indícios de falsa alegação de abuso sexual. Sugeriu-se que a guarda das crianças fosse confi ada, temporariamente, aos avós paternos, que denotavam maior equilíbrio, e também o encaminhamento para psicoterapia familiar e individual.

Em relação à decisão judicial, o juiz não acolheu as sugestões da avaliação, manteve a guarda materna e regulamentou a visitação quinzenal, de forma que o pai pegasse e devolvesse os fi lhos na escola, a fi m de evitar os encontros entre os membros do ex-casal.

No primeiro retorno do caso, os episódios de confl ito haviam sido transferidos para o contexto escolar, e os impasses giravam em torno de mudança de escola e recusa em acompanhamento psicológico por parte da mãe. A avaliação apontou a mesma dinâmica e reafi rmou as sugestões anteriores, mas a decisão judicial não se alterou. No último retorno do caso, o fi lho mais velho, prestes a completar treze anos, apresentou um discurso mais crítico com relação ao confl ito dos pais, apontando que tanto o pai quanto a mãe “jogavam o tempo todo”. O pai continuava a contestar a guarda materna, usando como justifi cativa a repetência escolar do fi lho mais velho e o comportamento antissocial do fi lho mais novo, que havia furtado dinheiro na escola e na casa dos avós, no entanto, continuou a se eximir de qualquer responsabilidade. A mãe atribuía tais comportamentos unicamente à infl uência paterna. Nem Márcio, nem Cida refi zeram suas vidas amorosas, mas diziam-

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se cansados de brigar, porém sem saber como parar. Cida aceitou o encaminhamento para psicoterapia dos fi lhos, mas não aceitaram sugestão de psicoterapia individual ou familiar. Em decorrência da moderação do confl ito, foi possível, pela primeira vez em cinco anos, realizarem-se entrevistas conjuntas com o ex-casal, esboçando-se um acordo sobre guarda materna e visitação livre, que foi homologado pelo juízo.

Discussão do caso

A análise deste caso contempla os aspectos intra, inter e transubjetivo envolvidos na conjugalidade. Com relação ao laudo, ressalta-se a importância de estar atento ao uso desse instrumento no contexto institucional, sem deixar de observar a possibilidade de aliança com o poder disciplinar, como bem sinalizado por Coimbra (2004), implicando num posicionamento ético em seu conteúdo.

Cabe apontar que as teorias aqui discutidas não devem ser utilizadas para classifi car a conjugalidade no contexto judiciário e que a relação psicólogo-jurisdicionado não favorece que os sujeitos se revelem espontaneamente, diferentemente do que ocorre na escuta clínica do casal que busca a psicoterapia. Pode-se, contudo, interpretar o material coletado durante o processo judicial, à luz das teorias da conjugalidade.

A paixão avassaladora que ambos descreveram nos remete ao vínculo fusional, baseado no modelo de Objeto Único, descrito Puget e Berenstein (1993). Contudo, logo na chegada do primeiro fi lho tudo mudou. Aquela conjugalidade não suportou a entrada do terceiro. Márcio se viu excluído, ou se fez excluir, sendo formada uma forte cumplicidade entre mãe e fi lhos. Nos relatos surgiram queixas quanto à passividade e falta de iniciativa de Márcio e à postura excessivamente autoritária de Cida. Este aspecto do arranjo conjugal nos remete à colusão anal-sádica, postulada por Willi (1975), na qual se observam posições polarizadas entre domínio e dependência, sendo protagonizada pelos cônjuges, uma interminável luta. A descrição da convivência pautada em violência e hostilidade, sem, contudo, conseguirem separar-se, ainda nos remete à ‘gemelaridade tanática’ descrita por Puget e Berenstein (1993). Neste arranjo, “O compartilhar é persecutório ... Circulam desprezo, críticas, mas, apesar disso, não podem fi car separados” (p. 37). Cida sustentou graves acusações contra o pai de seus fi lhos e os avós paternos, que não foram comprovadas, e denotava divertir-se com o impacto causado e com os xingamentos proferidos pelos fi lhos. Essa dinâmica encontra semelhanças com o funcionamento ‘pervertedor-pervertido’, descrito pelos mesmos autores, no qual existe um predomínio da transgressão dos valores e são observados intercâmbios sádicos. Sobre a função do terceiro neste tipo de funcionamento, assinala-se a impotência do judiciário frente a esse confl ito.

Entendemos que se a sugestão de inversão de guarda em favor dos avós paternos, feita na primeira intervenção, tivesse sido acolhida, o curso da história dessa família poderia ter sido outro. As funções materna e paterna, exercidas de forma disfuncional pelos pais, poderiam ter sido parcialmente supridas, de forma a resguardar as crianças do confl ito conjugal. A possível utilização dos fi lhos pela mãe como meio de atingir o pai poderia ter sido interditada, a omissão paterna poderia ter sido suprida e, os ex-parceiros, presos no jogo da conjugalidade, não contariam mais com o acolhimento do judiciário

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para manutenção daquele vínculo. Mas, no entanto, o judiciário se paralisou. O mito da supremacia materna na guarda dos fi lhos pode ter infl uenciado a decisão judicial (Barros, 2005), mas também se destaca que a instituição pode ter sido convocada a interagir subjetivamente na dinâmica conjugal, a qual necessitava representar sua cena para um observador passivo, papel que foi cumprido, sem que o judiciário conseguisse se inscrever como lei nessa demanda.

A observação dos tipos de conjugalidade apresentados pode servir de parâmetro norteador na identifi cação das dinâmicas dos confl itos conjugais que se apresentam no judiciário. No entanto, é importante apontar que os funcionamentos, quando descritos na teoria, são apresentados como mecanismos distintos e separados. Mas, quando se observam as dinâmicas de funcionamento dos casais, podem ser detectados funcionamentos que se entrelaçam no decorrer da história da conjugalidade. É ainda importante observar que estes mecanismos são engendrados conjuntamente no jogo da conjugalidade, e, mesmo no caso da colusão anal-sádica, onde se identifi ca uma forte assimetria na distribuição de poder da relação, o polo passivo do confl ito também atua ativamente na dinâmica conjugal.

Considerações fi nais

A compreensão da dinâmica dos litígios familiares por uma ótica de complementaridade confronta-se com a lógica adversarial do judiciário e dos casais em confl ito, fundamentadas em persecutoriedade e culpa (Groeninga, 2003) e, desse confronto, advêm resistências.

No contexto contemporâneo do direito, a lógica adversarial vem sendo apontada como um entrave aos novos focos da justiça – celeridade e democratização do processo – sendo propostas novas técnicas de resolução de confl itos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem (Azevedo, 2009). Contudo, para que essas novas propostas metodológicas sejam efi cazes, é necessário que os operadores do direito reformulem seus paradigmas. No caso dos litígios familiares, é necessário que o judiciário reconheça que o litígio está inserido no contexto de um jogo encenado conjuntamente, com base em motivações inconscientes, e que a justiça é permanentemente convocada a contracenar e a sustentar sua perpetuação.

O encontro da psicologia com o direito vem se desdobrando em novos saberes, dentre os quais ressaltam-se a perspectiva foucaltiana sobre a política de normalização nas Varas de Família (Reis, 2009) e a perspectiva de Legendre (2004) que aponta o risco da instituição não ocupar mais os lugares centrais de referência na ordem genealógica.

O trabalho do psicólogo jurídico requer um olhar transdisciplinar, atento ao contexto social que infl uencia a formação das subjetividades (Altoé, 2003), ao conjunto normativo onde sua práxis está inserida, à representação da lei para os sujeitos que recorrem a ela e, tudo isso, sem perder de vista o funcionamento singular de cada célula desse organismo – o sujeito.

Neste estudo, pretendeu-se incluir, na profusão de saberes psicojurídicos da contemporaneidade, a perspectiva intersubjetiva da conjugalidade na análise dos litígios familiares. Nesta proposta, inclui-se o campo intersubjetivo entre jurisdicionados e operadores do direito, buscando inserir mais um olhar sobre um inquietante fenômeno que

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se multiplica na contemporaneidade, os litígios familiares. Buscou-se acrescentar mais uma referência neste imbricado contexto e apontar a possibilidade do judiciário interagir complementarmente à demanda conjugal de perpetuação do confl ito.

Referências

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Recebido em julho de 2009 Aprovado em dezembro de 2009

Ana Lúcia Marinônio de Paula Antunes: Psicóloga; Especialista em Terapia de Família e Casal (PUC-Rio); Mestranda em Psicologia Clínica (PUC-Rio). Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.Andrea Seixas Magalhães: Psicóloga; Doutora em Psicologia Clínica (PUC-Rio). Professora assistente do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.Terezinha Féres-Carneiro: Psicóloga; Doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP); Pós-doutora em Terapia de Casal e Família (Universidade de Paris 5/Sorbonne). Professora Titular do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Trauma e superação: o que a psicologia, a neurociênciae a espiritualidade ensinam

Ana Catarina Araújo Elias

Peres, J. (2009). Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam. São Paulo: Ed. ROCA.

Neste início de século XXI o poder proporcionado pelos recursos biotecnológicos na prevenção e tratamento de doenças nos surpreende todos os dias, mas por outro lado estes recursos não são capazes de proporcionar o maior bem da humanidade: a felicidade. Para a Organização Mundial de Saúde, saúde não signifi ca a mera ausência de doenças e sim um completo bem-estar biopsicossocial. Os traumas psicológicos podem obscurecer ou mesmo impedir o bem-estar de acordo com a realidade subjetiva de cada indivíduo, tema que o Dr. Julio Peres aborda no livro Trauma e Superação: o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam. Em quinze capítulos o leitor encontrará conceitos claros e atuais que facilitam a compreensão do leitor, revisões bibliográfi cas de pesquisas com sínteses didáticas, práticas terapêuticas indicadas a superação do trauma, depoimentos de pacientes com uma riqueza fenomenológica impar, propostas inovadoras que orientam nosso olhar para além do sofrimento, iluminando recursos auto-curativos que o ser humano dispõe como a espiritualidade.

No primeiro capítulo Peres defi ne e explica conceitos que utilizará ao longo do livro como: o que é trauma psicológico, memória traumática, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e respectivos subtipos, como um evento se transforma em um trauma e quais as respostas pós-trauma mais frequentes. O autor revela o grande número de indivíduos traumatizados na população geral com interessantes dados epidemiológicos e enfatiza a importância da área da saúde dedicar maior atenção qualifi cada a essas pessoas: estima-se que a prevalência ao longo da vida para a ocorrência de eventos potencialmente traumáticos pode alcançar de 50 a 90%, enquanto a prevalência do TEPT na população geral é estimada entre 8 a 10% e do TEPT parcial atinge expressivos 30%.

No segundo capítulo a relação terapêutica entre as palavras e o trauma é explicitada. Peres mostra com exemplos instrutivos e base neurocientífi ca que tradução da ocorrência em representações narrativas permite a atribuição de signifi cados à vivência pessoal e a superação do sofrimento disperso em emoções e expressões sensoriais fragmentadas.

A percepção de um indivíduo é decisiva na qualidade de sua interação com o ambiente, e, por essa razão, investigações sobre os processos perceptivos são de extremo interesse à compreensão de como o trauma é confi gurado. Com estas palavras Peres inicia o terceiro capítulo onde discute não só a questão da percepção, como também a interação desta faculdade cognitiva com a fi losofi a e com as neurociências. Disseca o processo pelo qual construímos o mundo no qual vivemos e pondera a importância da subjetividade na representação da realidade individual.

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Neurônios-espelhos: para olhar e superar, com este subtítulo Peres expõe com clareza no quarto capítulo a função destes neurônios recém descobertos e a sua relação com a psicoterapia frente à vivência traumática.

Observando-se que a vivência traumática esta intimamente relacionada não só com o evento em si, mas também com a subjetividade do indivíduo Peres, no quinto capítulo, discute a interação entre personalidade e trauma. Aborda os elementos constituintes deste corpo emocional, seu desenvolvimento, as limitações de um enfoque puramente neuroquímico e os desafi os frente os dados empíricos que sugerem que mente e cérebro não são sinônimos, indicando o valor terapêutico de uma psicoterapia sem dogmas.

No sexto capítulo intitulado “dar a volta por cima” o autor ressalta o signifi cado e valor da resiliência, que pode ser aprendida e desenvolvida com recursos objetivos. Peres discute a pertinência do diálogo entre a coragem e o medo, e explica, de forma didática e fundamentada, todos os passos para a aplicação de uma abordagem apropriada a superação do trauma psicológico, chamada Terapia de Exposição e Reestruturação Cognitiva. O autor ressalta que os psicoterapeutas não devem dizer intelectualmente aos pacientes “como fazer” e sim facilitar por meio de vivência terapêutica, a autocompreensão da possibilidade de escolher novos caminhos para melhor qualidade de vida.

O sétimo capítulo aborda as diferenças entre o esquecimento e a extinção das memórias traumáticas, pois conforme explica o autor o aprendizado de extinção, que fortalece novas associações aos gatilhos do temor, cumpre um papel adaptativo superior ao do esquecimento.

O oitavo capítulo é dedicado ao tratamento de muitos indivíduos que apresentam sintomas como fobias, pânico ou TEPT, entretanto, não lembram dos episódios que dispararam tais sofrimentos. Nas palavras do autor, a “iluminação” de traumas que se encontram no nível inconsciente é possível por meio da Terapia Reestruturativa Vivencial Peres (TRVP), a qual pode trazer padrões previamente inconscientes de comportamento à luz da consciência, facilitando a ligação do signifi cado ao afeto, desconstruindo a compulsão à repetição do trauma e levando assim, a remissão dos sintomas que geravam sofrimento.

No nono capítulo outras diversas formas de psicoterapias aplicadas ao trauma psicológico são descritas de forma sintética e didática, explicitando a abordagem terapêutica, os objetivos e as estratégias de cada uma delas. São referidas mais 16 outras técnicas, assim como são discutidos o valor terapêutico da farmacoterapia, a função adaptativa dos pesadelos pós-traumáticos e o respectivo tratamento com a Terapia do Ensaio Imaginário.

O décimo capítulo refl ete os estudos do próprio autor sobre a interação entre neurociências e a psicoterapia efi caz, abordando o conceito de neurônio, as interfaces com o sistema nervoso, os métodos de investigação por imagem e os estudos neurofuncionais em psicoterapia. Um capítulo escrito com sólida consistência acadêmica que oferece ao leitor, através de dados empíricos, compreensão sobre a complexa inter-relação da neurociência com a psicoterapia.

No décimo primeiro capítulo a verdade da alma dos que sofreram uma experiência traumática e a superaram é revelada através do depoimento de vários pacientes e dos comentários do autor. Inúmeras situações traumáticas foram abordadas, com destaque

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para o abuso sexual, perda de ente querido, assalto e acidente. Este capítulo demonstra empiricamente o sagrado da natureza humana, o potencial de auto-reformulação e aprendizado em cada indivíduo e a possibilidade de fortalecê-lo através da psicoterapia. Os relatos espontâneos dos pacientes demonstram que não somos apenas o resultado passivo dos eventos de vida, mas somos responsáveis sujeitos de nossas existências.

O décimo segundo capítulo é dedicado à importância da pessoa do terapeuta, sendo que o autor o intitula de “A terapia é o terapeuta”. Enquanto psicóloga atuando nas áreas clínica e hospitalar, e na docência universitária, endosso na íntegra estes escritos de Peres, que nos fala sobre a relevância da segurança interior do terapeuta, conseguida através do palmilhar prévio de seus caminhos internos, do ouvir e re-signifi car suas próprias dores para levar a um lugar por ele conhecido, respeitando os sistemas de crenças e a cultura do indivíduo em tratamento.

No décimo terceiro capítulo Peres aborda a inter-relação entre religiosidade, espiritualidade e saúde com base em publicações científi cas; escreve um brilhante resumo sobre religiões comparadas, descreve a religiosidade / espiritualidade como fonte de resiliência para o enfrentamento do trauma e suas implicações na psicoterapia, assim como menciona o importante trabalho de vários grupos acadêmicos dedicados ao estudo da espiritualidade e saúde.

No décimo quarto capítulo Peres aborda com profundidade a questão do bem-estar e da felicidade. Corajosamente inicia o capítulo com uma citação de Abraham Lincoln, referindo que a maioria das pessoas é tão feliz quanto resolver ser. Mais a frente fundamenta, através de pesquisas epidemiológicas, que a natureza do sofrimento e da felicidade transcende o evento em si e se dinheiro, poder e fama não ajudam as pessoas a serem mais felizes, o desenvolvimento do caráter e das virtudes podem fazê-lo.

No décimo quinto capítulo conclui seu livro explanando sobre a cultura da Paz e a responsabilidade de cada um de nós na construção de um mundo menos traumatizante. Explica porque a herança genética competitiva ancestral atualmente é desnecessária e através de dados empíricos demonstra como ensinar a nossa genética o caminho do bem. Julio Peres demonstra que um mundo melhor e humano, ou seja, menos violento, é exequível.

O livro do Dr. Julio Peres traz uma síntese atraente de um conjunto de informações sobre o trauma psicológico e os processos factíveis de superação com profundidade e clareza. Considero uma leitura importante e necessária, não só para os profi ssionais da saúde mental, mas também para todos que atravessam eventos dolorosos com potencial traumático.____________________________ Recebido em janeiro de 2010 Aceito em março 2010

Ana Catarina Araújo Elias: Psicóloga; Doutora em Ciências Médicas (UNICAMP).

Endereço eletrônico para contato: [email protected]

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Instruções aos autores

Política editorial

A Aletheia é uma revista quadrimestral editada pelo curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil destinada à publicação de trabalhos de pesquisadores envolvidos em estudos produzidos na área da Psicologia ou ciências afi ns. Serão aceitos somente trabalhos não publicados que se enquadrem nas categorias de relato de pesquisa, artigos de revisão ou atualização, relatos de experiência profi ssional, comunicações breves e resenhas.

Relatos de pesquisa: investigação baseada em dados empíricos, utilizando metodologia e análise científi ca.

Artigos de revisão/atualização: revisões sistemáticas e atuais sobre temas relevantes para a linha editorial da revista.

Relatos de experiência profi ssional: estudos de caso contendo discussão de implicações conceituais ou terapêuticas; descrição de procedimentos ou estratégias de intervenção de interesse para a atuação profi ssional dos psicólogos.

Comunicações breves: relatos breves de experiências profi ssionais ou comunicações preliminares de resultados de pesquisa.

Resenhas: revisão crítica de livros recém-publicados, orientando o leitor quanto a suas características e seus usos potenciais.

Aspectos éticos: todos os artigos envolvendo pesquisa com seres humanos devem declarar que os sujeitos do estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de pesquisa. No caso de pesquisa com animais, os autores devem atestar que o estudo foi realizado de acordo com as recomendações éticas para esse tipo de pesquisa. Os autores também são solicitados a declarar, na seção “Método”, que o protocolo da pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do local de origem do projeto.

Confl itos de interesse: os autores devem declarar todos os possíveis confl itos de interesse (profi ssionais, fi nanceiros, benefícios diretos ou indiretos), se for o caso. A falha em declarar confl itos de interesse pode levar à recusa ou cancelamento da publicação.

Normas editoriais

1. Serão aceitos somente trabalhos inéditos.

2. O artigo passará pela apreciação dos Editores.

3. Após a avaliação inicial, os Editores encaminharão os trabalhos para apreciação do Conselho Editorial, que poderá fazer uso de consultores ad hoc de reconhecida competência na área de conhecimento. A Comissão Editorial e os consultores ad hoc analisam o manuscrito, sugerem modifi cações e recomendam ou não a sua publicação.

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4. Os artigos poderão receber: a) aceitação integral; b) aceitação com reformulações; c) recusa integral. Em qualquer dessas situações, o autor será devidamente comunicado. Os originais, em nenhuma das possibilidades, serão devolvidos.

5. O(s) autor(es) do artigo receberá(ão) cópia dos pareceres dos consultores e será(ão) informado(s) sobre as modifi cações a serem realizadas.

6. No encaminhamento da versão modifi cada do seu manuscrito (no prazo máximo de 15 dias após o recebimento da notifi cação), os autores deverão incluir uma carta ao Editor esclarecendo as alterações feitas e aquelas que não julgaram pertinentes e a justifi cativa. No texto, as modifi cações feitas deverão estar destacadas com a ferramenta Word “pincel amarelo”. O encaminhamento com as modifi cações realizadas pode ser realizado via e-mail ([email protected]).

7. Os Editores reservam-se o direito de fazer pequenas alterações no texto dos artigos.

8. A decisão fi nal sobre a publicação de um manuscrito sempre será do Editor Responsável e Conselho Editorial que fará uma avaliação do texto original, das sugestões indicadas pelos consultores e as modifi cações encaminhadas pelo autor.

9. Os artigos poderão ser escritos em outra língua além do português (espanhol e inglês).

10. Independentemente do número de autores, serão oferecidos dois exemplares por trabalho publicado. O arquivo eletrônico com a publicação em PDF será disponibilizado no site www.ulbra.br/psicologia/aletheia.

11. As opiniões emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade do(s) autor(es), e sua aceitação não signifi ca que a revista Aletheia ou o curso de Psicologia da ULBRA lhe dão apoio.

12. A matéria editada pela Aletheia poderá ser impressa total ou parcialmente, desde que obtida a permissão do Editor Responsável. Os direitos autorais obtidos pela publicação do artigo não serão repassados para o autor do artigo.

Apresentação dos manuscritos

1) Os artigos inéditos deverão ser encaminhados em disquete ou CD e uma via impressa, digitada em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12 e paginada desde a folha de rosto personalizada. A folha deverá ser A4, com formatação de margens superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). A revista adota as normas do Manual de Publicação da American Psychological Association - APA (4ª edição, 2001).

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2) O número máximo de laudas deve atender a seguinte orientação: relatos de pesquisa (25 laudas); artigos de revisão/atualização (20 laudas); relatos de experiência profi ssional (15 laudas), comunicações breves (5 laudas) e resenhas (máximo de 5 laudas).

3) Encaminhamento: toda correspondência deve ser encaminhada à revista Aletheia, aos cuidados do Editor Responsável.

4) Todo manuscrito encaminhado à revista deverá ser acompanhado de uma carta de autorização, assinada por todos os autores, onde deve constar:

a) a intenção de submissão do trabalho à publicação; b) a autorização para reformulação da linguagem, se necessário; c) a transferência de direitos autorais para a revista Aletheia.

5) O artigo deve conter: a) folha de rosto identifi cada: título do artigo em língua portuguesa; nome dos

autores; formação, titulação e afi liação institucional dos autores; resumo em português de 10 a 12 linhas; palavras-chave, no máximo 3; título do artigo em língua inglesa; abstract compatível com o texto do Resumo; key-words; endereço para correspondência, incluindo CEP, telefone e e-mail.

b) folha de rosto não identifi cada: título do artigo em língua portuguesa; resumo em português, de 10 a 12 linhas, 3 palavras-chave, título do artigo em língua inglesa, resumo (Abstract) em inglês, compatível com o texto do Resumo; key-words.

c) corpo do texto. d) sugere-se que os artigos referentes a relatos de pesquisa apresentem a seguinte

seqüência: Título; Introdução; Método (população/amostra, instrumentos, Procedimentos de coleta e Análise de dados – incluir nessa seção afi rmação de aprovação do estudo em Comitê de Ética em Pesquisa de acordo com Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde); Resultados; Discussão, Referências (títulos em letra minúscula e em seções separadas). Usar as denominações tabelas e fi guras (não usar a expressão quadros e gráfi cos). Colocar tabelas e fi guras incorporadas ao texto. Tabelas: incluindo título e notas de acordo com normas da APA. Formato Word – ‘Simples 1’. Na publicação impressa, a tabela não poderá exceder 11,5 cm de largura x 17,5 cm de comprimento. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para assegurar qualidade de reprodução, as fi guras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografi a (resolução mínima de 300 dpi). A versão publicada não poderá exceder a largura de 11,5 cm para fi guras. Anexos: apenas quando contiverem informação original importante, ou destaque indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos.

6) Trabalhos com documentação incompleta ou não atendendo às normas adotadas pela revista (APA, 4ª edição) não serão avaliados.

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Normas para citações

- As notas não bibliográfi cas deverão ser colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota.

- As citações dos autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA (4ª edição).

- No caso da citação integral de um texto: deve ser delimitada por aspas, e a citação do autor seguida do ano e do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio em itálico e sem aspas, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. A fonte será a mesma utilizada no restante do texto (Times New Roman, 12).

• Citação de um autor: autor, sobrenome em letra minúscula, seguida pelo ano da publicação. Exemplo: Rodrigues (2000).

• Citações de dois autores: cite os dois autores sempre que forem referidos no texto. Exemplo: (Carvalho & Santos, 2000) – quando os sobrenomes forem citados entre parênteses, devem estar ligados por &. Quando forem citados fora de parênteses, devem ser ligados pela letra e.

• Citação de três a cinco autores: citar todos os autores na primeira referência, seguidos da data do artigo entre parênteses. A partir da segunda referência, utilize o sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. Exemplo: Silva, Foguel, Martins e Pires (2000), a partir da segunda referência, Silva e cols. (2000).

• Artigo de seis ou mais autores: cite apenas o sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. (ANO). Na seção referências, todos os autores deverão ser citados.

• Citação de obras antigas, clássicas e reeditadas: citar a data da publicação original, seguida da data da edição consultada. Exemplo: (Kant 1871/1980).

• Autores com a mesma idéia: seguir a ordem alfabética de seus sobrenomes e não a ordem cronológica. Exemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).

• Publicações diferentes com a mesma data: acrescentar letras minúsculas, após o ano de publicação. Exemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c.

• Citação cuja idéia é extraída de outra ou citação indireta: utilizar a expressão citado por. Ex: Lopes, citado por Martins (2000),...

Na seção Referências, incluir apenas a fonte consultada (Martins). • Transcrição literal de um texto ou citação direta: sobrenome do autor, data, página.

Exemplo: (Carvalho, 2000, p.45) ou Carvalho (2000, p.45).

Normas para referências

As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do artigo. Sua disposição deve ser em ordem alfabética do último sobrenome do autor e em minúsculo.

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Tese ou dissertação não-publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-

escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado não publicada. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Obra antiga e reeditada em data muito posterior Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre:

Universal. (Original publicado em 1950).

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Autoria institucional American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.).Washington:

Autor.

Endereço para envio de artigos Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José Sala 121 - Prédio 01 Canoas – RS – Brasil CEP: 92425-900

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Aletheia is a published three times a year journal edited by the Psychology Program of the Lutheran University of Brazil, which purpose is to publish papers in Psychology and related sciences. Only unpublished papers will be accepted into these categories: original articles, review/update articles, professional experiences reports, brief communications and book reviews.

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1. Only unpublished articles will be accepted.

2. The articles will be evaluated by the Editors.

3. After initial evaluation, the Editors will send the submitted papers to the Editorial Board, which will be helped, whenever necessary, by ad hoc consultants of recognized expertise in the knowledge area. The Editorial Board and ad hoc consultants will analyze the manuscript, suggest modifi cations, and recommend or not its publication.

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4. The papers may be: a) fully accepted; b) accepted with modifi cations; c) fully refused. In any of the situations the author will be properly communicated. The originals will not be returned in any case.

5. The authors will received a copy of the consultants’ analysis and will be informed about recommended modifi cations.

6. When the modifi ed version of the manuscript is sent (this may happen up to 15 days after receiving the notifi cation), the authors must include a letter to the Editors, elucidating the changes that have been made and justifying the ones they did not judge relevant to make. All modifi cations must be highlighted with Word’s tool “yellow brush”. The modifi ed version of the article may be sent by e-mail ([email protected]).

7. The Editors have the right to make small modifi cations in the text.

8. The fi nal decision of publication of a manuscript will always be of the Editor and of the editorial board in charge. They will take into consideration the original text, the consultant’s recommendations and the modifi ed version of the article.

9. Articles may be submitted in other languages besides Portuguese (Spanish and English)

10. Regardless the number of authors, two copies of the journal per published article will be offered. The electronic version of the printed article (PDF fi le) can be accessed in Aletheia homepage www.ulbra.br/psicologia/aletheia.

11. The opinions emitted in the articles are full responsibility of author(s), and its acceptance does not mean that Aletheia supports it.

12. Total or partial reproduction can be made only after permission of the Editor. Aletheia owns the copyrights and will not transfer them to authors.

Preparation of manuscripts

1) The unpublished articles must be sent in diskettes or CD and also one printed copy, typed in double space, Times New Roman letter, size 12, numbered since the title page. The sheet must be A4, with inferior and superior margins of 2,5 cm, and right and left margins of 3 cm. The journal follows the rules of Manual of Publication of American Psychological Association - APA (5th edition, 2001).

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2) The maximum number of pages should be as follow: Original articles (25 pages); Review articles/Uptade articles (20 pages); Professional experiences reports (15 pages); Brief communications (5 pages); Book review (5 pages).

3) Submissions: All correspondence should be addressed to Aletheia in behalf of the Editor in charge.

4) Every manuscript sent to the Journal must be accompanied by an authorization letter, signed by all of the authors, stating:

a) The intention of submission the article to publication; b) Authorization for modifi cation of language if necessary;c) Transference of copyrights for Aletheia Journal.

5) The manuscript should contain:a) Title page: article title in Portuguese ; authors’ name; authors’ essential title and

institutional affi liation; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key words; Correspondence address, including Zip Code, telephone and e-mail.

b) Non identifi ed title page: article title in Portuguese; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key words;

* If article was not written in Portuguese, it must contain the same information in its original language.

c) Body of the text. d) Original articles may have the following sequence: Title, Introduction,

Method (population/sample; instruments; procedures; and data analysis. In this section the study approval in a Ethics Research Committee should be stated), Results, Discussion, Conclusion or Final Considerations, References (in small letters and in separate section). Use the denomination “table” and “fi gure” (and not graphs or other terms). Place tables and fi gures embedded in the text. Tables: including title and notes in accordance with APA’s standards . Word format - ‘Simple 1’. In the printed version the table may not exceed 11.5 cm wide x 17.5 cm in length. The length of the table should not exceed 55 lines, including title and footer(s). To ensure quality, the reproduction of pictures containing drawings should have photograph quality (minimum resolution of 300 dpi). The printed version can not exceed 11.5 cm width for pictures. Appendixes: only when they contain new and important information, or are essential to highlight and make more understandable any section of the paper. The use of appendixes should be avoided.

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6) Papers with incomplete documentation or that do not attend the norms adopted by Aletheia (APA, 4th edition) will not be appraised.

Citations norms

- The non bibliographical notes must be put in the lower margin of pages, arranged by Arabic numerals that must appear immediately after the segment of text to which the note refers to.

- The authors’ citations must be done in agreement with norms of APA (4th edition).- In the case of full citation of a text: it must be delimited by quotation mark and the

author’s citation followed by the year and number of page mentioned. A literal citation with 40 or more words must be presented in proper block and in italic without quotation mark, starting a new line, with pullback of 5 spaces of margin, in the same position of a new paragraph. The letter will be the same used in the remaining of text (Times New Roman, 12).

• Citation of an author: author, last name in small letter, followed by the year of publication. Example: Rodrigues (2000).

• Citation of two authors: cite both authors always that they are referred in the text. Example: (Carvalho & Santos, 2000) – when the last names are cited between parentheses: they must be connected by &. When they are cited outside the parenthesis they must be connected by the letter e.

• Citation from three to fi ve authors: cite all the authors in the fi rst reference, followed by the date of article between parentheses. Starting from the second reference, use the last name of the fi rst author, followed by e cols. Example: Silva, Foguel, Martins and Pires (2000), starting from the second reference, Silva and cols. (2000).

• Article of six or more authors: cite just the last name of the fi rst author, followed by e cols (YEAR). In the references all the authors must be cited.

• Citation of old, classic and reedited works: cite the date of original publication, followed by the date of edition consulted. Example: (Kant 1871/1980).

• Authors with the same idea: follow the alphabetical order of their last names and not the chronological order. Example: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).

Different publications with the same date: Increase capital letter, after the year of publication. Example: Carvalho (1997, 2000a, 2000b, 2000c).

• Citation whose idea is extracted from other or indirect citation: Use the expression cited by. Ex: Lopes, cited by Martins (2000),...

In the Bibliographical References, include just the source consulted (Martins). • Literal transcription of a text or direct citation: last name of author, date, page.

Example: (Carvalho, 2000, p.45) or Carvalho (2000, p.45).

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References norms

The bibliographical references must be presented at the end of article. Its disposition must be in alphabetical order of the last name of author in small letter.

BookMendes, A.P. (1998). A família com fi lhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas.Silva, P.L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.

Porto Alegre: Artes Médicas.

Chapter of bookScharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertility and late pregnancy. Em P. Papp

(Org.), Couples in danger,, new guideline for therapists (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed.

Article of scientifi c journalDimenstein, M. (1998). The psychologist in the Basic Units of Health:Challenges for the formation and professional performance. Studies of Psychology,

3(1), 95-121.Articles in electronic meansPaim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Collective Health: a “new public health”

or open fi eld for new paradigms? Magazine of Public Health, 32 (4) Available: <http://www.scielo.br> Accessed: 02/11/2000.

Article of scientifi c journal in pressAlbuquerque, P. (no prelo). Gender and work. Aletheia.Work presented in congressSilva, O. & Dias, M. (1999). Unemployment and its repercussions in the family.

Em Annals of XX Meeting of Social Psychology, pp. 128-137, Gramado, RS.Thesis or published dissertationSilva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children.

Master dissertation or doctorate thesis. Program of Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS

Thesis or non-published dissertationSilva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children.

Master dissertation non-published or doctorate thesis (non-published). Program of Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS

Old work reedited in posterior dateSegal, A. (2001). Some aspects of analysis of a schizophrenic person. Porto Alegre:

Universal. (Original published in 1950)

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Institutional AuthorshipAmerican Psychological Association (1994). Publication manual (4th edition).

Washington: AuthorAddress for submissions Universidade Luterana do BrasilCurso de PsicologiaRevista AletheiaAv. Farroupilha, 8001 – Bairro São JoséCEP: 92425-900Sala 121 - Prédio 01 Canoas – RS – Brasil

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Instrucciones a los autores

Política editorial

Aletheia es una revista cuadrimestral editada por el Curso de Psicología de la Universidad Luterana de Brasil, destinada a la publicación de trabajos de investigadores, implicados en estudios producidos en el área de la Psicología o ciencias afi nes. Serán aceptados solamente trabajos no publicados que se encuadren en las categorías de relato de investigación, artículo de revisión o actualización, relatos experiencia profesional, comunicaciones breves y reseñas. Relatos de investigación: investigación basada en datos empíricos, utilizando

metodología y análisis científi ca. Artículos de revisión/actualización: revisiones sistemáticas y actuales sobre temas

relevantes para la línea editorial de la revista. Relatos de experiencia profesional: estudios de caso, contiendo discusión de

implicaciones conceptuales o terapéuticas; descripción de procedimientos o estrategias de intervención de interés para la actuación profesional de la psicología.

Comunicaciones breves: relatos breves de experiencias profesionales o comunicaciones preliminares de resultados de investigación.

Reseñas: revisión crítica de libros recién publicados, orientando el lector cuanto a sus características y usos potenciales.

Aspectos éticos: Todos los artículos implicando investigación con seres humanos deben declarar que los participantes del estudio fi rmaron algún Término de Consentimiento Libre y Esclarecido, de acuerdo con las directrices brasileñas e internacionales de investigación. En el caso de investigación con animales los autores deben atestar que el estudio ha sido realizado de acuerdo con las recomendaciones éticas para este tipo de investigación. Los autores también son solicitados a declarar, en la sección “Método”, que el protocolo de la investigación ha sido previamente aprobado por algún Comité de Ética en Investigación del local de origen del proyecto.

Confl ictos de interés: los autores deben declarar todos los posibles confl ictos de interés (profesionales, fi nancieros, benefi cios directos o indirectos), si es el caso. El fallo en declarar confl ictos de interés puede llevar a la recusa o cancelación de la publicación.

Normas editoriales

1. Serán aceptados solamente trabajos inéditos.

2. El artículo pasará por la apreciación de los Editores.

3. Seguido de una evaluación inicial, los Editores enviarán para apreciación del

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Consejo Editorial, que podrá hacer uso de consultores ad hoc de reconocida competencia en el área de conocimiento. La Comisión Editorial y los Consultores ad hoc analizan el artículo, sugieren modifi caciones y recomiendan o no su publicación.

4. Los artículos podrán recibir: a) aceptación integral; b) aceptación con reformulaciones; c) recusa integral. En cualquier de estas situaciones el autor será debidamente comunicado. Los originales, en ninguna de las posibilidades, serán devueltos.

5. El autor del artículo recibirá copia de los pareceres de los consultores. Será informado sobre las modifi caciones que necesiten ser realizadas.

6. En el envío de la versión modifi cada del artículo (en el límite máximo de 15 días después del recibimiento de la notifi cación), los autores deberán incluir una carta al Editor, esclareciendo las alteraciones hechas y aquellas que no juzgaran pertinentes y la justifi cativa. En el texto, las modifi caciones hechas deberán estar destacadas con la herramienta Word “pincel amarillo”. El envío del archivo con las modifi caciones realizadas puede ser realizado por e-mail ([email protected]).

7. Los Editores se reservan el derecho de hacer pequeñas alteraciones en el texto de los artículos.

8. La decisión fi nal sobre la publicación de un manuscrito siempre será del Editor Responsable y del Consejo Editorial, que hará una evaluación del texto original, de las sugerencias indicadas por los consultores y las modifi caciones enviadas por el autor.

9. Los artículos podrán ser escritos en otra lengua además del portugués (español e inglés).

10. Independientemente del número de autores, serán ofrecidos dos ejemplares por trabajo publicado. El archivo electrónico con la publicación en PDF estará disponible en el site www.ulbra.br/psicologia/aletheia.

11. Las opiniones emitidas en los artículos son de entera responsabilidad de los autores, su aceptación no signifi ca que la Revista Aletheia o el Curso de Psicología de la ULBRA le soportan.

12. La materia editada por la Aletheia podrá ser impresa total o parcialmente, des de que obtenida la autorización del Editor Responsable. Los derechos autorales obtenidos por la publicación del artículo no serán repasados para el autor del artículo.

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Presentación de los originales

1) Los artículos inéditos deberán ser enviados en disquete o CD y una vía impresa, digitada en espacio doble, fuente Times New Roman, tamaño 12 y paginado desde la hoja de rostro personalizada. La hoja deberá ser A4, con formatación de márgenes superior e inferior (mínimo de 2,5 cm), izquierda y derecha (mínimo de 3 cm). La revista adopta las normas del Manual de Publicación de la American Psychological Association - APA (4ª edición, 2001).

2) El número máximo de laudas debe atender a la siguiente orientación: Relatos de investigación (25 laudas); Artículos de revisión/actualización (20 laudas); Relatos de experiencia profesional (15 laudas), Comunicaciones breves (5 laudas) y Reseñas de libros (máximo de 5 laudas).

3) Dirección: Toda correspondencia debe ser dirigida a la Revista Aletheia, a la atención del Editor Responsable.

4) Todo manuscrito dirigido a la Revista deberá acompañar una carta de autorización, fi rmada por todos los autores, donde deberá constar:

a) la intención de sumisión del trabajo a la publicación; b) la autorización para reformulación del lenguaje, si necesario; c) la transferencia de derechos autorales para la Revista Aletheia.

5) El artículo debe contener: a) Hoja de portada identifi cada: título del artículo en lengua portuguesa; nombre

de los autores; formación, titulación y afi liación institucional de los autores; resumen en portugués de 10 a 12 líneas; palabras-clave, en el máximo de 3; título del artículo en lengua inglesa; abstract compatible con el texto del resumen; keywords; dirección para correspondencia, incluyendo CEP, teléfono y e-mail.

b) Hoja de portada no identifi cada: título del artículo en lengua portuguesa o castellana; resumen en portugués o castellano, de 10 a 12 líneas, 3 palabras-clave, título del artículo en lengua inglesa, resumen (abstract) en inglés, compatible con el texto del Resumen en lengua original; keywords.

c) Cuerpo del texto. d) Sugiérase que los artículos referentes a Relatos de Investigación presenten

la siguiente secuencia: Título; Introducción; Método (populación/muestra, instrumentos, procedimientos de recogida y análisis de los datos, (incluir en esta sección afi rmación de aprobación del estudio en Comité de Ética en Investigación de acuerdo con la Resolución 196/96 del Consejo Nacional de Salud – Ministerio de Salud o declaración de haber atendido a los criterios de dicha resolución); Resultados; Discusión, Referencias (títulos en letra minúscula y en secciones separadas). Utilizar

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las denominaciones tablas y fi guras (no utilizar la expresión cuadros y gráfi cas). Dejar las tablas y fi guras incorporadas al texto. Tablas: incluyendo título y notas de acuerdo con las normas de la APA. Formato Word – ‘Sencillo 1’. En la publicación impresa la tabla no podrá exceder 11,5 cm de ancho x 17,5 cm de largo. El largo de la tabla no debe pasar de 55 líneas, incluyendo título y notas al pié. Para garantizar cualidad de reproducción, las fi guras que contengan dibujos deberán ser dirigidas en cualidad para fotografía (resolución mínima de 300 dpi). La versión publicada no podrá ultrapasar el ancho de 11,5 cm para fi guras. Anexos: solo cuando tengan información original importante, o destaque indispensable para la comprensión de alguna sección del trabajo. Recomendase evitar anexos.

6) Trabajos con documentación incompleta o no atendiendo las normas adoptadas por la revista (APA, 4ª edición) no serán evaluados.

Normas para citaciones

- Las notas no bibliográfi cas deberán ser puestas al pié de las páginas, ordenadas por números arábicos que deberán fi gurar inmediatamente después del segmento de texto al cual se refi ere a la nota.

- Las citaciones de los autores deberán ser hechas de acuerdo con las normas de la APA (4ª edición).

- En el caso de la cita integral de un texto: debe ser delimitada por comillas y la citación del autor, seguida del año y del número de la página citada. Una cita literal con 40 o más palabras debe ser presentada en bloque propio y en cursiva y sin comillas, empezando en nueva línea, con una retirada de espacio de 5 espacios del margen, en la misma posición de un nuevo párrafo. La fuente será la misma utilizada en el restante del texto (Times New Roman, 12).

• Citación de un autor: autor, apellido en letra minúscula, seguida por el año de publicación. Ejemplo: Rodrigues (2000).

• Citaciones de dos autores: cite los dos autores siempre que sean referidos en el texto. Ejemplo: (Carvalho & Santos, 2000) - cuando los apellidos sean citados entre paréntesis: deben estar separados por &. Cuando sean citados fuera del paréntesis deben ser vinculados pela letra e, en publicaciones en portugués y por la letra y para publicaciones en castellano.

• Citación de tres a cinco autores: citar todos los autores en la primera referencia, seguidos de la fecha del artículo entre paréntesis. A partir de la segunda referencia, utilice el apellido del primero autor, seguido de y cols. Ejemplo: Silva, Foguel, Martins y Pires (2000), a partir de la segunda referencia: Silva y cols. (2000)

• Artículo de seis o más autores: cite solamente el apellido del primero autor, seguido de y cols. (AÑO). En la sección Referencias, todos los autores deberán ser citados.

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• Citación de obras antiguas, clásicas y reeditadas: citar la fecha de la publicación original, seguida de la fecha de la edición consultada. Ejemplo: (Kant 1871/1980).

• Autores con la misma idea: seguir el orden alfabético de sus apellidos y no el orden cronológico. Ejemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).

• Publicaciones distintas con la misma fecha: Añadir letras minúsculas, luego el año de publicación. Ejemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c.

• Citación cuya idea es extraída de otra o citación indirecta: Utilizar la expresión citado por. Ej.: Lopes, citado por Martins (2000),...

En la sección Referencias, añadir solamente la fuente consultada (Martins). • Transcripción literal de un texto o citación directa: apellido del autor, fecha, página.

Ejemplo: (Carvalho, 2000, p.45) o Carvalho (2000, p.45).

Normas para referencias

Las referencias bibliográfi cas deberán ser presentadas en el fi nal del artículo. Su disposición debe ser en orden alfabético del último apellido del autor (cuando presente más de uno) y en minúscula. En el caso de autores hispánicos, se puede utilizar la normativa de la APA, y presentar los dos apellidos a la vez, separados por un guión. Ej.: Martínez-Cruz.

Libro Mendes, A. P. (1998). A família com fi lhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas. Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.

Porto Alegre: Artes Médicas.

Capítulo de libro Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertilidade e gravidez tardia. Em: P. Papp

(Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed.

Artículo de publicación periódica científi ca Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafi os para

a formação e atuação profi ssionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 95-121.

Artículos en medios electrónicos Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública”

ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível: <http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000.

Artículo de revista científi ca en prensa Albuquerque, P. (en prensa). Trabalho e gênero. Aletheia.

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Trabajo presentado en evento científi co con resumen en anales Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade

Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científi cas. XXV Reunião Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP.

Tesis o monografía publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-

escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Tesis o monografía no-publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-

escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Obra antigua y reeditada en fecha muy posterior Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre:

Universal. (Original publicado em 1950).

Autoría institucional American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.).

Washington:Autor

Dirección para el envío de artículos Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José Sala 121 - Prédio 01 Canoas/RS – Brasil CEP: 92425-900 E-mail: [email protected]