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DISTROFIA NEUROAXONAL INFANTIL DIAGNÓSTICO EM VIDA POR BIOPSIA CONJUNTIVAL S. ROSEMBERG* F. ABITA ** C. CAMPOS** A distrofia neuroaxonal infantil (DNAI) ou doença de Seitelberger é uma rara doença degenerativa do sistema nervoso, de transmissão autossômica recessiva, cuja base metabólica permanece desconhecida. Exterioriza-se clini- camente por volta do início do segundo ano de vida, levando a deterioração psicomotora progressiva. O óbito ocorre após 3 a 8 anos de evolução. Do ponto de vista neuropatológico, o achado mais conspicuo diz respeito a pre- sença quase ubiquitária na substância cinzenta do cérebro, tronco cerebral e medula de dilatações axonais chamadas "esferóides". No globo pálido, há perda neuronal e desmielinização e depósitos minerais de cálcio e principal- mente ferro. Como os sinais e sintomas aparentes no curso da evolução clínica não mostram qualquer especificidade, ocorrendo o mesmo com os exames paraclí- nicos, o diagnóstico em vida da DNAI é meramente presuntivo e de exclusão, devendo-se portanto recorrer a biópsias na tentativa da visualização dos esfe- róides. A descoberta de esferóides no sistema nervoso periférico 5 * 8 simplificou o diagnóstico até então baseado em biópsias cerebrais. Biópsias de nervo peri- férico 5,12,14, músculo 12,13, pele 4 e conjuntiva3 têm sido utilizadas, sendo as últimas aquelas de escolha, pela facilidade de seu procedimento e pela acurácia de suas informações. No presente trabalho, relatamos três casos de DNAI diagnosticados através de biópsia de conjuntiva e procuramos delinear os dados evolutivos e neurológicos básicos que permitem a suspeita clinica. OBSERVAÇÕES E MÉTODOS Os três casos foram diagnosticados durante internação no Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo (Setor de Neuropediatria). A biópsia conjuntival foi reali- Trabalho realizado no Setor de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCM SC SP) e na Disciplina de Neuropatologia do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): *Professor Associado do Departamento de Pediatria da FCM SC SP, chefe do Setor de Neuropediatria e Professor Livre Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP, Disciplina de Neuropatologia; ** Instrutor do Departamento de Pediatria da FCM SC SP.

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DISTROFIA NEUROAXONAL INFANTIL

DIAGNÓSTICO EM VIDA POR BIOPSIA CONJUNTIVAL

S. ROSEMBERG* F. ABITA ** C. CAMPOS**

A distrofia neuroaxonal infantil (DNAI) ou doença de Seitelberger é uma rara doença degenerativa do sistema nervoso, de transmissão autossômica recessiva, cuja base metabólica permanece desconhecida. Exterioriza-se clini­camente por volta do início do segundo ano de vida, levando a deterioração psicomotora progressiva. O óbito ocorre após 3 a 8 anos de evolução. Do ponto de vista neuropatológico, o achado mais conspicuo diz respeito a pre­sença quase ubiquitária na substância cinzenta do cérebro, tronco cerebral e medula de dilatações axonais chamadas "esferóides". No globo pálido, há perda neuronal e desmielinização e depósitos minerais de cálcio e principal­mente ferro. Como os sinais e sintomas aparentes no curso da evolução clínica não mostram qualquer especificidade, ocorrendo o mesmo com os exames paraclí-nicos, o diagnóstico em vida da DNAI é meramente presuntivo e de exclusão, devendo-se portanto recorrer a biópsias na tentativa da visualização dos esfe­róides. A descoberta de esferóides no sistema nervoso periférico5*8 simplificou o diagnóstico até então baseado em biópsias cerebrais. Biópsias de nervo peri­férico 5,12,14, músculo 12,13, pele 4 e conjuntiva3 têm sido utilizadas, sendo as últimas aquelas de escolha, pela facilidade de seu procedimento e pela acurácia de suas informações.

No presente trabalho, relatamos três casos de DNAI diagnosticados através de biópsia de conjuntiva e procuramos delinear os dados evolutivos e neurológicos básicos que permitem a suspeita clinica.

OBSERVAÇÕES E MÉTODOS

Os três casos foram diagnosticados durante internação no Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo (Setor de Neuropediatria). A biópsia conjuntival foi reali-

Trabalho realizado no Setor de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCM SC SP) e na Disciplina de Neuropatologia do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): *Professor Associado do Departamento de Pediatria da FCM SC SP, chefe do Setor de Neuropediatria e Professor Livre Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP, Disciplina de Neuropatologia; ** Instrutor do Departamento de Pediatria da FCM SC SP.

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zada nos três casos no Serviço de Oftalmologia desse hospital (Dr. Roberto Endo). Em dois casos procedeu-se a biópsia do nervo sural. Os fragmentos da conjuntiva e nervo sural foram incluídos em aldeído glutárico a 2% por duas horas, fixados no ácido ósmico a 1% por duas horas, incluídos em araldite após passagem em uranila. Os cortes finos, corados pela uranila e citrato de chumbo, foram examinados por um de nós (S.R.) em microscópio eletrônico Zeiss M952, no Departamento de Patologia da FMUSP.

Caso 1 — V.M.S., 4 anos e 7 meses, sexo feminino, branca, natural e procedente de São José dos Campos, é a terceira filha de pais primos em primeiro grau. Uma irmã de 15 anos e um irmão de 9 anos são sadios. A gravidez foi normal, sem intercorrências. Nasceu de parto cesáreo (iterativo), a termo, com peso de 3kg 350g e estatura de 52cm. O desenvolvimento foi normal nos primeiros meses de vida. Sustentou a cabeça com três meses, apresentou sorriso social aos 4 meses, apanhou objetos com 5 meses. Até os 20 meses de vida a mãe nada havia percebido e achava o desenvolvimento normal, pois já balbuciava algumas palavras, engatinhava bastante, andava com apoio. Porém, a criança ainda não era capaz de deambular sem apoio. A partir desta idade, a criança começou a perder gradativamente todas as suas aquisições. Aos três anos de idade já não conseguia manter-se sentada sem apoio e nem sustentava mais a cabeça. Com 4 anos e 7 meses, permanecia em decúbito dorsal praticamente não se movimen­tando e emitindo apenas alguns sons ininteligíveis. À entrada, pesava 14kg 800g, o perímetro cefálico era de 48cm e apresentava roncos pulmonares bilateralmente. O exame neurológico mostrava criança consciente, que contactuava com o meio pela visão, sorria para o examinador, porém o seu contacto limitava-se a isso. Não se interessava pelo meio, não apanhava objetos oferecidos e emitia esporadicamente sons inarticulados. Permanecia em decúbito dorsal obrigatório, com os membros superiores e inferiores imóveis. Sob estímulo, apresentava movimentação pobre dos membros superiores, con­seguindo vencer a gravidade e dobrar o antebraço sobre o braço, enquanto que os membros inferiores mantinham-se completamente plégicos. Havia retração dos tendões de Aquiles, sendo impossível a flexão dos pés a mais de 90o. Os reflexos profundos não foram obtidos nos quatro membros, não havia clônus ou sinal de Rossolimo, porém os cutâneo-plantares apresentavam-se em extensão, bilateralmente. Havia esboço de tríplice-retração dos membros inferiores à percussão dos pés. Os reflexos cutâneo-abdo-minais estavam ausentes. Apresentava hipotonia axial acentuada, não existindo con­trole cefálico. Havia impossibilidade completa de controle do tronco e dos membros infe­riores para o apoio plantar. Havia estrabismo convergente devido a paresia do VI par à direita. A motilidade ocular intrínseca era normal e observava-se de modo quase que permanente movimentos nistagmiformes, de pequena amplitude, tanto horizontais como verticais, dependendo da direção do olhar. Apesar da mímica ser pobre, não parecia haver comprometimento do nervo facial. Os outros pares cranianos estavam normais. Exames complementares — Hemograma: normal; líquido céfalo-raquidiano (LCR): nor­mal; eletrencefalograma (EEG): anormalidade de tipo irritativo temporal esquerda; radiografia do esqueleto: osteoporose difusa; fundo de olho: atrofia bilateral de papilas; mielograma: normal; tomografia cerebral computadorizada (TAC): atrofia cerebelar; dosagem de enzimas lisossomiais na urina e lágrimas: normal.

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Caso 2 — J.A.C.F., 2 anos e 2 meses, sexo masculino, branco, procedente de São Paulo, primeiro filho de pais primos em segundo grau. Nasceu de parto cesáreo, a termo, após gravidez sem intercorrências. O peso ao nascer foi dc 3kg 200 g e a estatura de 50cm. Apresentou ictericia no primeiro dia de vida e recebeu alta com a mãe, sem problemas. A mãe refere que a criança teve desenvolvimento normal até um ano de idade. Era ativo, sustentou a cabeça com um mês e meio, sorriu com um mês e meio,, sentou sem apoio com 8 meses, andou com apoio com um ano e um mês, dizia algumas palavras desde os 10 meses de idade. A partir de um ano a mãe notou que o desenvolvimento da criança estacionara e que desde então iniciou-se uma regres­são do ponto de vista psicomotor. Deixou de falar com um ano e um mês, de se arrastar com um ano e 4 meses, de sentar sem apoio com um ano e 7 meses, de sustentar a cabeça com um ano e 11 meses. Ficou com o corpo amolecido, permane­cendo deitado o tempo todo. Com dois anos e dois meses, não sustentava a cabeça, não procurava objetos, não balbuciava mais nada. Fez fisioterapia durante três meses, sem melhora. Fez radiografia de crânio, EEG e radiografia de membros inferiores em outro serviço que se revelaram normais. À entrada, a criança apresentava peso de llkg, estatura de 83cm e perímetro cefálico de 48cm, sem anormalidades no exame físico geral. O exame neurológico mostrava criança consciente, que contactuava com o meio pela visão, seguindo objetos com o olhar, sorria para o examinador. Não entendia ordens simples, não articulava sons. Chorava sempre que manipulada. Permanecia no leito em decúbito dorsal, com motilidade espontânea pobre, movendo todos os segmen­tos de modo simétrico quando estimulados. Não sustentava a cabeça, que permanecia pendente quando suspensa pelos braços. Não permanecia sentada com ou sem apoio, caindo sem defesa. Apoio plantar ausente. Não apanhava objetos, não retirava o pano do rosto. Havia importante hipotonia axial e apendicular, já com início de retração dos tendões de Aquiles. Os reflexos profundos estavam bastante vivos e simétricos nos 4 membros, com sinais de Rossolimo e Babinski bilaterais. A motilidade ocular extrin-seca era normal, porém, às vezes, observavam-se movimentos nistagmiformes dos olhos. Os demais pares cranianos eram normais. Exames complementar es — hemograma: normal; LCR: normal; fundo de olho: normal; radiografia do esqueleto: normal; mielograma: normal; TAC: atrofia dos hemisférios cere be lares e discreta atrofia dos hemisférios cerebrais.

Caso S — C.S., 1 ano e 9 meses, sexo feminino, branca, é a terceira filha de pais primos em segundo grau. Um irmão de 7 anos e uma irmã de 6 anos são normais. Nasceu de parto cesáreo por distócia de posição, a termo, chorou logo ao nascer. Pesou 3kg 330g, passou o período neonatal sem problemas. A mãe não notou qualquer anor­malidade até 15 meses de idade. Sustentou a cabeça aos 5 meses, sentou com apoio com 7 meses, sem apoio com 8 meses, engatinhou e ficou em pé com apoio aos 10 meses de idade. Trocava alguns passos sozinha com um ano de idade. Nessa ocasião começou a falar algumas palavras. A partir da idade de um ano e três meses, começou a apresentar numerosos episódios de diarréia, tratados em casa. Deixou de andar apoiada nas cadeiras, fato que a mãe atribuiu à fraqueza provocada pela diarréia. Ainda enga­tinhava e ficava em pé no braço. Com um ano e 6 meses, por ocasião de episódio prolongado de diarréia, passou a não mais engatinhar ou ficar em pé com apoio. Pro­gressivamente foi ficando cada vez mais mole, não conseguindo mais sentar-se, parando

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de falar, emitindo apenas gritos. Desde um ano de idade a mãe notou um tremor nos olhos. A entrada, a criança apresentava peso de 9kg 950g, estatura de 82cm e perí­metro cefálico de 46cm. O exame neurológico mostrava criança consciente, que con-tactuava com o meio através da visão, bastante irritada, aparentemente não entendendo ordens simples. Interessava-se pouco pelos objetos, estendia a mão, apanhando-os com dificuldade, com preensão palmar. Permanecia em decúbito dorsal obrigatório, com membros inferiores quase sempre em flexão e abdução. Não era capaz de mudar de decúbito. A motilidade espontânea era pobre. Não sustentava a cabeça, não se sentava ativamente, permanecia sentada com base alargada, apoio dos membros superiores e tronco flexionado para a frente, quando colocada nessa posição. O apoio plantar era ausente. Havia fraqueza muscular acentuada dos membros inferiores que dificilmente elevavam-se contra a gravidade. Havia importante hipotonia global, com hiperexten-sibilidade e flacidez das massas musculares. Os reflexos patelares estavam vivos, os aquilianos abolidos. Os reflexos profundos nos membros superiores não foram obtidos. Não havia clônus ou sinal de Rossolimo, porém os cutâneo-plantares apresentavam-se em extensão, bilateralmente. Notava-se fino e discreto tremor das mãos quando a criança tentava apanhar objetos. A motilidade ocular extrínseca estava preservada, porém observava-se importante e praticamente permanente tremor ocular caracterizado por movimentos nistagmiformes rápidos, de pequena amplitude. Os demais pares crania­nos achavam-se normais. Exames complementares — LCR: normal: fundo de olho: normal; EEG: normal; mielograma: normal; radiografia do esqueleto: normal; TAC: atrofia cortical cerebelar.

RESULTADOS

Nos dois casos em que a biópsia foi realizada, o exame ultrastrutural do nervo sural revelou-se sem alterações. As biópsias de conjuntiva mostraram as mesmas altera-

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COMENTÁRIOS

O exame morfológico de outras estruturas que não o sistema nervoso central (SNC) para o diagnóstico em vida de doenças cerebrais degenerativas já faz parte da rotina. Biópsias de nervo periférico7, de p e l e 1 3 e de conjuntiva 1 1

têm sido, de alguns anos para cá, rotineiramente utilizadas no complemento diagnóstico das doenças lisosomiais. Se neste grupo de afecções, a precisão diagnostica só é alcançada através do estudo da atividade enzimática, certas outras doenças, cujas bases metabólicas permanecem desconhecidas, só podem ser diagnosticadas através do exame anátomo-patológico. É o caso, por exemplo, das lipofuscinoses ceróides, da doença de Lafora e da DNAI em que, respecti­vamente, acúmulos intralisosomiais característicos, corpúsculos de inclusão cito-plasmáticos e esferóides, podem ser visualizados fora do SNC. Usando a biópsia conjuntival cuja execução é simples e inócua não requerendo internação ou anes­tesia geral, chegamos ao diagnóstico de DNAI nessas três crianças de famílias distintas. Sua presença nos terminais nervosos de conjuntiva, pele, ou placa neural é muito mais freqüente que no tronco nervoso, onde Martin e Martin 1 2

observaram apenas três axônios distróficos para um total de 1.500 fibras ner-

ções nos três casos e serão descritas conjuntamente. Em quase todos os feixes nervosos observados, pelo menos um axônio não mielinizado apresentava-se alterado. Esta altera­ção era caracterizada por agregados mais ou menos compactos de estruturas tubulares e membranosas que ocupavam parcial ou totalmente o axoplasma (Fig. 1). O encontro desta proliferação túbulo-cavitária em fibras mielínicas foi muito mais infreqüente e, nestes casos, o aspecto era, em geral, menos denso (Fig. 2). Ocasionalmente, junto a este material, observaram-se mitocôndrias alteradas em sua forma e com cristas irregulares.

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vosas examinadas. Com efeito, nas duas observações em que examinamos um tronco nervoso periférico (sural), não encontramos alterações. O aspecto ultras­trutural dos esferóides presentes nos nervos periféricos é idêntico ao dos existentes no SNC. O significado desta proliferação anárquica membrano-tubu-lar permanece obscuro. Sabe-se que os esferóides não são patognomônicos da DNAI, podendo ser encontrados na doença de Hallerworden-Spatz (cujas relações com a DNAI são objeto de discussão 6 » 1 0 ) na mucoviscidose ir>, e eventualmente em certos tumores cerebrais e em doença cerebrovascular1 6. Recentemente, Elleder e Jirásek 9 demonstraram atividade grandemente aumentada de esterase não específica e de NADH tetrazolium redutase correlacionadas topicamente com os esferóides no SNC.

Do ponto de vista clínico, nossas observações são remarcavelmente homo­gêneas e configuram o quadro delimitado por Aicardi e Castelein2, isolando de outras formas "impuras", infantis precoces ou infantis tardias. Esta forma da doença tacitamente admitida por esses autores como podendo representar uma forma mais típica de entidade de espectro clínico mais amplo, tem como traços característicos o início antes do fim da segunda década, os distúrbios oculares precoces, a importantíssima hipotonia, a ausência de crises convulsivas, a normalidade do LCR e os freqüentes sinais eletromiográficos de denervação com velocidade de condução normal (estudo não realizado em nossas observa­ções). Acrescentaríamos a esta constelação o aspecto atrófico do cerebelo à TAC, aspecto este presente em nossas observações e já assinalado na litera­tura 1 . Se bem que esses critérios positivos ou negativos não sejam específicos da doença, seu conjunto a evoca fortemente, induzindo a pesquisa ultrastrutural cuidadosa da conjuntiva em busca dos esferóides, cujo achado selará o diagnóstico.

RESUMO

São relatados três casos de distrofia neuroaxonal infantil cujo diagnóstico foi feito mediante o estudo ultrastrutural de biópsia da conjuntiva. Nesta, algumas fibras nervosas amielínicas e, mais raramente, as mielínicas, mostra­vam, no axoplasma, agregados densos membrano-tubulares, idênticos aos dos esferóides ocorrentes no SNC nesta doença. O achado destas estruturas é o único meio diagnóstico em vida. A biópsia da conjuntiva, pela facilidade de sua execução e por sua inocuidade, é o procedimento preferido para este estudo. Clinicamente, a enorme hipotonia aliada a sinais piramidais, a ausência de crises convulsivas, a atrofia cerebelar visível à tomografia e o modo evolutivo, sugerem fortemente o diagnóstico de distrofia neuroaxonal infantil.

SUMMARY

Infantile neuroaxonal distrophy: diagnosis during life by conjunctival biopsy.

Three cases of infantile neuroaxonal dystrophy diagnosed by conjunctival biopsy are reported. Some axons of the conjunctival nerves showed aggregates of tubular and membranous structures identical to the spheroids of the CNS.

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The visualization of these structures is the only diagnostic tool in this disease of unknown metabolic basis. Conjunctival biopsy which is ease to perform is the preferential technique for the diagnosis òf this disease. Clinically, the intense hypotonia with pyramidal tract signs, the absence of seizures, the cerebellar atrophy observed at the computerized tomography suggest strongly the diagnosis of infantile neuroaxonal dystrophy.

Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, USP — Av. Dr. Arnaldo 455 -01246, São Paulo, SP — Brasil.

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